Com alguma regularidade se ouve a alusão às ‘pragas do Egito’ para falar de algo complicado, de difícil interpretação e mesmo de estar sob suspeita de quem é a culpa ou se será castigo.
Muitos e
diversos factos e acontecimentos foram acrescentados às ‘dez pragas do Egito’.
Como não podia deixar de ser também esta pandemia do ‘coronavírus sars-cov-2’ –
‘covid19’ entra na já longa lista de ‘pragas’ continuadoras das ‘dez do Egito’.
Antes de
mais façamos uma apresentação das ‘dez pragas do Egito’ suas causas e
implicações e quais serão os sinais de leitura religiosa subjacentes.
Na
Sagrada Escritura encontramos as pragas no livro do Êxodo capítulos 7 a 12, como
sinais de Deus para a libertação do seu povo. Segundo alguns autores as
‘pragas’ podem ser um encadeado de fenómenos naturais que foram entendidos
pelos israelitas como formas de Deus se revelar, ou dito por outras palavras e
servindo-nos de uma linguagem usada no Concílio Vaticano II, os ‘sinais dos
tempos’ (Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a Igreja no mundo atual,
n.º 4) em contínua atualização.
Vejamos,
então, as ‘pragas’, seu encadeado e, possível, julgamento dos deuses egípcios:
1) águas do Nilo convertem-se em
sangue (cf. Ex
7,14-25) – será resultado de um fenómeno da mudança de clima e do aumento de
temperatura em que se deu uma proliferação de algas e toxinas, avermelhando o
rio; seria uma forma de colocar em causa o deus ‘hápi’, aquele que protegia o
Nilo, como sinal de vida;
2) rãs cobrem a terra (cf. Ex 7,26 - 8,11) – em
resultado da falta de oxigenação das águas do grande rio, as rãs subiram às
margens e espalharam-se pela terra; seria uma forma de questionar a deusa ‘heqet’,
símbolo da fertilidade;
3) piolhos (ou mosquitos)
atormentam homens e animais (cf. Ex 8, 12-15) – em resultado da possível seca e das más condições das
águas do rio e com as insuficientes condições de higiene surgem os piolhos e os
mosquitos; seria uma forma de denunciar a incapacidade do deus ‘tot’, o
inventor da escrita;
4) moscas escurecem o ar (cf. Ex 8, 16-28) – estas surgem
em razão da morte das rãs que as comeriam, tendo ainda a ver com a falta de
higiene devida a escassez de água do Nilo, que tinham sido contaminada; seria
este fenómeno uma espécie de humilhação do deus ‘ptah’, criador do universo,
aqui incapaz de suster a estabilidade:
5) morte dos animais (cf. Ex 9, 1-7) – dada a quantidade de mosquitos e
moscas, bem como as alterações das águas do Nilo, os animais começaram a ficar
doentes, sendo as primeiras vítimas do complexo estado infetocontagioso; vários
deuses são questionados, pois não protegem aqueles a quem lhes seria devido: ‘hator’,
deusa da beleza e da felicidade e ‘nut’, deusa-céu, criadora do universo;
6) pústulas cobrem homens e animais (cf. Ex 9,8-12) – essas erupções
cutâneas poderiam ser resultado das infeções transmitidas pelos piolhos e as
moscas; era colocada em causa ‘nete’, deusa da caça e da guerra;
7) chuva de granizo e fogo (cf. Ex 9,13-35) – as plantações
são destruídas, em resultado da erupção do vulcão Thera (ilha no mar Egeu – de
que há notícias em meados do segundo milénio antes de Cristo), misturando-se
fortes chuvas com a lava incandescente; os deuses que controlam os elementos da
natureza (água – ‘íris’ e fogo – ‘osíris’) são postos em causa;
8) gafanhotos (cf. Ex 10,1-20) – em razão das
alterações climáticas (chuva de granizo e erupção vulcânica), com o solo húmido
criou-se um ambiente propício para aparecerem milhares de gafanhotos, que
atacaram as culturas; o deus do ar – ‘xu’ e o deus-crocodilo, protetor do Nilo
– ‘sobek’ são questionados por não salvaguardem as plantações;
9) as trevas (cf. Ex 10, 21-29) – uma
tempestade de areia ou as cinzas da erupção vulcânica, que encobriram o sol,
podem explicar as densas e palpáveis trevas de três dias; o deus principal do
Egito – ‘Rá – deus sol’ é colocado em causa e à prova;
10) morte dos primogénitos (cf. Ex 12,29-32) – seguindo uma
tradição os filhos primogénitos eram os primeiros a comer, quando a comida era
escassa, estes terão ingeridos alimentos contaminados com fezes de gafanhotos e
morreram durante o sono; todos os deuses claudicaram, dado que não conseguiram
livrá-los como ‘filhos dos deuses’, na designação dos egípcios sobre si mesmos.
Que
lições podemos colher destas dez pragas? É uma forma de manifestar a grandeza e
o poder do Deus de Israel, que foi derrotando e destruindo os deuses em quem os
egípcios punham a sua confiança. Moisés e Aarão, como servos do Deus vivo,
provam que Ele vence e está com o seu povo amado.
Quando
algo se torna mais complexo de entender ou algum fenómeno da natureza questiona
os entendidos (cientistas ou crentes) emerge a possibilidade de ser uma ‘praga
do Egito’, nesse caso a 11.ª ou mais…As alterações climatéricas, em especial a
poluição, os terramotos ou os tsunamis, questões relacionadas com a vida…
poderão ser, hoje, sinais de ‘pragas do Egito’ atualizadas…
Que
dizer ainda desta pandemia que tem varrido a Humanidade. Não será ela uma
versão muito refinada do espírito das ‘pragas do Egito’? Os nossos deuses não
estarão a ser submetidos à prova nesta enésima praga?
Para quem
tenha um mínimo de fé, algo tem de nos questionar, inquirindo o nosso Deus…
António Sílvio Couto
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