Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Rituais em paganização?


Por estes dias seremos confrontados com gestos e atitudes, comportamentos e vivências – pessoais ou coletivas/sociais – de alguma festa, em razão da ‘passagem d’ano’.
Ingredientes como música e cor (foguetes ou luzes), comida e bebida (muita e em excesso), gastos e deambulações poderão ser encontrados por estes dias, dando expressão ao final de um ano e abrindo-se às expetativas de um novo.
Parece haver programas para todos os gostos, gastos e pretensões, desde os privados até aos mais públicos, seguindo uma certa moda de obrigar a participar na ‘festa’ quem nem dela precisa ou queira apreciar. Por esta ocasião não é fácil fazer um resumo das propostas, pois muitas delas são muito simples na linha da mera confraternização e podem atingir preços escandalosos, sobretudo se tivermos em conta os ganhos médios da maior parte dos nossos concidadãos.
É significativamente simbólico que uma boa parte das autarquias – particularmente as situadas na franja litoral – organize espaços públicos de diversão…cada um segundo as suas possibilidades, mas também as afinidades até mesmo político-partidárias…até porque os artistas precisam de sobreviver e o público aderente aos festejos vai sendo ‘educado’ à luz das modas de intervenção.

= Numa nota de mínima observação: é muito pouco comum que as Igrejas/paróquias façam sugestões de ‘passagem d’ano’, tendo em conta os critérios, os valores e as movimentações dos seus clientes… frequentadores. As propostas de índole religiosa surgem como que em notas de rodapé numa cultura que se pretende (ou diz) de bases cristãs. À exceção de alguns locais de maior procura – santuários e igrejas em centros de cidades – é pouco habitual vermos propostas de celebração católica noutros espaços. Bastaria comparar a sugestão da ‘missa do galo’ (celebrada pela noite da véspera de Natal) para ficarmos a perceber que quase nada é proposto…deixando, deste modo de proposição, campo aberto para nada ou para outros recursos nem sempre ortodoxos. Se o dizemos de quem organiza, o mesmo poderemos referir a quem se disponha a participar: dá a impressão que a festa não se reveste de fé nem de partilha da mesma…

= Na subtileza dos ritos podemos encontrar no que se atenta à ‘passagem d’ano’ um cardápio de menus à medida de cada um, seja por ritual, seja até por superstição…desde deem sorte. Vejamos algumas dessas ‘tradições’: comer doze passas, pedindo doze desejos, um por cada mês do ano seguinte; subir a uma cadeira com dinheiro na mão; fazer barulho e brindar com champanhe; usar roupa de uma determinada cor…atribuindo-lhe um certo significado; atirar peças de louça velha pela janela ou bater com tampas de panelas; o fogo-de-artifício…subentendendo uma espécie de exorcismo dos espíritos maus…
Em muitas destas ‘tradições’ podemos ver elementos comuns, tanto nos países onde se verificam, como na possível mentalidade que lhe está adstrita: o fogo como algo de culto em ordem a libertar-se do mal e a acolher o que se deseja de bem no ano que começa; o romper com o passado, por vezes visto mais nas vertentes negativas; a inclusão de elementos que soltam a alegria ou promovem a convivialidade, como o álcool e os auspícios desejados uns aos outros…sem esquecer a ambição do dinheiro!
Mas onde está a atitude de ação de graças pelo tempo já vivido e em abertura ao que há de vir como confiança em Deus, providente e não meramente previdente? A vida não será mais do que a trilogia: ‘saúde-dinheiro-amor’? A pretensão de sucesso respeitará o contributo dos outros?
Se alguém me vir a festejar a ‘passagem d’ano’ perceberá que eu sou cristão? Ou não terei mais arremedos de paganismo em muito do meu comportamento?
Um bom ano de paz e bênção!   

António Sílvio Couto

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Haja saúde…saudável



O tema da saúde tem sido um dos mais debatidos e críticos no nosso país, nos tempos mais recentes. O facto levou mesmo o chefe de governo a centrar a sua mensagem de natal sobre o assunto, referindo: ‘sei bem que a Saúde é actualmente uma das principais preocupações dos portugueses e que há vários problemas para resolver no SNS. Compreendo bem a ansiedade daqueles que ainda não têm médico de família, que aguardam numa urgência ou que esperam ser chamados para um exame, uma consulta ou uma cirurgia’.

 

Mas será esta – como dizem alguns comentadores – a nova paixão do atual governo? Os problemas sentidos – desde a falta de profissionais (médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e tantos outros serviços) até às dívidas verificadas, passando pelas dificuldades de acesso aos cuidados da população – apagam-se com despejar milhões de euros sobre os casos emergentes, sequentes e consequentes? Não teremos andado nestes quarenta anos – é a efeméride que está a decorrer – a proclamar direitos sem percebermos onde e como se pagam os deveres? A luta ideológica – entre a pretensa esquerda e a rotulada direita – neste setor da saúde não é mais um dos bluffs que custa muito caro a todos? Será a saúde uma questão de público ou privado, fazendo da disjuntiva uma batalha sem vencedores? O dito ‘serviço nacional de saúde’ não passará de um idealismo com pés de barro e sem capacidade de ser justo, seguro e universal? Embora se diga democrático, porque será que raramente vemos os políticos profissionais, serem atendidos no setor público, antes os vemos em hospitais e clínicas privadas? Será mais uma das vertentes em que se conjuga o trocadilho: olhem para o que eu digo e não para aquilo que eu faço?

Recorrendo à expressão da opinião dos votantes – vulgo sondagem – surgem como responsáveis da crise prolongada na saúde duas figuras do governo: o chefe principal e a titular do setor, sendo-o para mais de metade dos inquiridos, atirando a culpa para o gestor das finanças um reduzido número dos auscultados. 

= À volta da saúde decorre uma infinidade de assuntos: uns mais fáceis e compreensíveis e outros mais complexos e um tanto nebulosos; muitos são visíveis e captáveis e tantos outros quase exotéricos e percetíveis só por iniciados na arte da manha. Falar de milhões – em dívidas ou em necessidades, em projetos ou em recursos malparados – de euros no setor da saúde parece quase sempre uma referência a uns trocos ou revestem a tonalidade de gorjeta em maré de mais desafogo financeiro.

Seja quem for o titular da pasta da saúde dá a impressão de fazer lembrar o ‘adamastor’ camoniano, perfazendo o papel de figura tenebrosa, de sombra arrepiante ou de mal-amado/a de quantos se tornam seu interlocutor. No caso atual a pessoa que tem a responsabilidade da pasta faz jus ao apelido – ‘temido’ – tornando ainda mais atroz a sua função nas relações com os subsetores em presença. 

= Atendendo à complexidade do tema talvez se deva discutir menos apaixonadamente tudo quanto se refere à saúde, pois as questões não se resolvem colocando tudo sob a alçada estatal nem se pode entregar aos privados a gestão da saúde das pessoas, tanto das que têm recursos económicos como daquelas que não os possuem. Será pela interdependência e colaboração entre todos que cuidaremos da saúde da doença, tornando-a mais saudável e menos infetocontagiosa como temos verificado nos tempos mais recentes.

Cada um tem direito a poder escolher como pode ser assistido na sua saúde, podendo recorrer aos privados, mas continuando a colaborar com o SNS. Este precisa de ser mais ilustrado e complementado com os recursos necessários para atender a todos os que dele se aproximarem. Não podemos é continuar a fintar o SNS quando convém e a ter de pagar seguros e outras alcavalas quando se quer ser atendido com mais celeridade ou talvez eficiência.

Utentes e profissionais da saúde precisam de ter confiança uns nos outros, criando uma melhor visão mútua, pois os segundos também são clientes em maré de menos boa ou má saúde. Se há condição que a todos une é a da potencial doença, tornando-nos todos iguais, por isso, precisamos de ser mais humanos uns para com os outros, tanto pela compreensão como pelo cuidado em situação de fragilização. A saúde não pode ser um negócio para ninguém e tão-pouco arma de arremesso eleitoralista agora como no futuro…     

   

António Sílvio Couto

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Mudar povoações: riscos, consequências ou inoportunidade?


No contexto das recentes cheias, que assolaram a bacia do rio Mondego, o ministro do ambiente teve a patética ousadia de considerar a deslocalização, a médio prazo, das povoações. Por seu turno, o edil local – por sinal da mesma cor partidária, mas mais conhecedor das populações – considerou algo ideal e necessário, embora difícil de executar.

Disse o governante da sua visão palaciana: ‘vamos ter de nos adaptar aos recursos que temos. As aldeias têm de saber que estão numa zona de risco. Paulatinamente, as aldeias vão ter que ir pensando em mudar de sítio porque não esperamos que esta capacidade que temos possa vir a crescer. Isso é o contrário da adaptação’.

O autarca com os pés encharcados, mas com uma perceção do terreno, considerava que ‘essa era uma solução ideal, mas eu tenho muita dificuldade em tirar as pessoas de casa, mesmo em vias de acontecer uma catástrofe. Essa é daquelas soluções que, muito dificilmente, poderão ter uma implementação prática no imediato. Aquilo que hoje podemos resolver são medidas de prevenção contra este tipo de alterações climáticas e só mesmo em ultima ratio deslocalizar essas aldeias ou essas zonas’.

 

= O assunto por ser suficientemente grave merece de todos a atenção mais do que necessária. As cheias provocadas pelas duas tempestades consecutivas – em menos de uma semana – derrubou diques de suporte do ‘bazófias’ e lançou o medo nas povoações a jusante da lusa Atenas.

Deixando aos técnicos os pronunciamentos sobre o caso, com as razões, as consequências e as possíveis correções na mentalidade e no terreno, considero que podemos trazer à reflexão outros aspetos bem mais humanos, isto é, que envolvem causas de índole sociocultural e mesmo de vivência do relacionamento com os ancestrais.

Será que o senhor governante sabe, verdadeiramente, o significado da ligação das pessoas à terra, em certos setores da nossa sociedade? Até que ponto ele já percecionou os profundos laços que ligam as pessoas ao seu ‘torrão natal’, mesmo que seja o mais inóspito e quase sem-sentido? Não será que, nas palavras que disse o governante, baila uma certa sobranceria citadina para com os rurais e os seus afetos?

De facto, mudar as pessoas, sobretudo no meio rural, não é como trocar de apartamento numa certa vivência urbana. Pelo contrário, os profundos laços de ligação à terra faz com que cada pessoa se sinta irmanada com ela e que considere que as suas raízes correm perigo se dela tentarem subtraí-lo.

Atente-se aos pequenos grandes problemas com que as pessoas do mundo rural se confrontam quando alguém – vizinho ou familiar – ultrapassa os limites daquilo que consideram os seus direitos. Bastará ver as quezílias ou questões que se arrastam nos tribunais ou em que chegam nos momentos mais extremos e dramáticos…

 

= Mutatis mutandis poderemos considerar que muitas das posições dos ambientalistas/ecologistas dos nossos dias são uma espécie de urbanos a teorizar sobre algo que não conhecem e tão pouco amam. Com efeito, dizem-se defensores da Terra – a grande ‘gaia’ mitológica – embora recusem a visão judaico-cristã desta ser criada por Deus. Em certas atitudes como que transparece algo de panteísmo não totalmente assumido, embora tácito. Efetivamente, os fenómenos da natureza como que nos fazem refletir sobre a influência desta nos humanos e algo de pernicioso destes sobre aquela. Em muitos dos posicionamentos dos ditos ‘ecologistas’ perpassa algo que faz mais entender as coisas num materialismo de vida e de dialética do que na visão teísta desta casa-comum em que habitamos, cuidando e deixando-a habitável para os vindouros.

Dentro de dias o clero das quatro dioceses do sul do país vão reunir-se em Albufeira para refletirem sobre esta temática, sob o título – ‘ecologia integral: o homem no centro da criação’. A ver pelo programa será algo um tanto diferente do folclore com que nos vemos confrontados nas notícias e mesmo nas intenções de alguns dos intelectuais de serviço…

Temos, como cristãos, algo a dizer. Assim o saibamos aprender como humildade e a partilhar com verdade.      

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Conversão ecológica para a paz


«Vendo as consequências da nossa hostilidade contra os outros, da falta de respeito pela casa comum e da exploração abusiva dos recursos naturais – considerados como instrumentos úteis apenas para o lucro de hoje, sem respeito pelas comunidades locais, pelo bem comum e pela natureza –, precisamos de uma conversão ecológica».

Como tema do 53.º dia mundial da paz, o Papa propõe-nos – ‘a paz como caminho de esperança: diálogo, reconciliação e conversão ecológica’.

Em que consiste, então, esta conversão ecológica de que nos fala o Papa na sua mensagem?

«A conversão ecológica a que apelamos leva-nos a uma nova perspetiva sobre a vida, considerando a generosidade do Criador que nos deu a Terra e nos chama à jubilosa sobriedade da partilha. Esta conversão deve ser entendida de maneira integral, como uma transformação das relações que mantemos com as nossas irmãs e irmãos, com os outros seres vivos, com a criação na sua riquíssima variedade, com o Criador que é origem de toda a vida».

Diante destes desafios da mensagem papal temos de encontrar as respostas na nossa vida pessoal e comunitária. Com efeito, nesta etapa que poderemos considerar ‘pós-nova era’ vão surgindo correntes de pensamento e indícios culturais que ‘endeusam’ a natureza, fazendo com que esta possa ser algo sem ligação ao Criador e com isso se vá tentando contestar o primeiro artigo do Credo: ‘creio em Deus Pai criador do céu e da terra’. De facto, certas querelas ecologistas parecem confundir propositadamente as causas e as consequências das (ditas) alterações climáticas, como se estas fossem (ou sejam) os novos anátemas dos paladinos da defesa da natureza…

Vejamos agora breves excertos da mensagem do Papa Francisco para o dia mundial da paz: 

* A paz, caminho de esperança

A paz é um bem precioso, objeto da nossa esperança; por ela aspira toda a humanidade (...) Sabemos que, muitas vezes, a guerra começa pelo facto de não se suportar a diversidade do outro, o que fomenta o desejo de posse e a vontade de domínio. Nasce, no coração do homem, a partir do egoísmo e do orgulho, do ódio que leva a destruir, a dar uma imagem negativa do outro, a excluí-lo (...) Todas as situações de ameaça alimentam a desconfiança e o fechamento. Desconfiança e medo aumentam a fragilidade das relações e o risco de violência, num círculo vicioso que nunca poderá levar a uma relação de paz (...) Então como construir um caminho de paz e mútuo reconhecimento? Como romper a lógica doentia da ameaça e do medo? Como quebrar a dinâmica de desconfiança atualmente prevalecente?

 

* A paz, caminho de escuta…memória, solidariedade e fraternidade  

A memória é o horizonte da esperança (...) Abrir e traçar um caminho de paz é um desafio muito complexo, pois os interesses em jogo, nas relações entre pessoas, comunidades e nações, são múltiplos e contraditórios (...) a paz provém do mais fundo do coração humano (...) O mundo não precisa de palavras vazias, mas de testemunhas convictas, de artesãos da paz abertos ao diálogo sem exclusões nem manipulações (...) Com a escuta mútua podem crescer também o conhecimento e a estima do outro, até ao ponto de reconhecer no inimigo o rosto de um irmão.

 

* A paz, caminho de reconciliação na comunhão fraterna

O outro nunca há de ser circunscrito àquilo que pôde ter dito ou feito, mas deve ser considerado pela promessa que traz em si mesmo. Só escolhendo a senda do respeito é que será possível quebrar a espiral da vingança e empreender o caminho da esperança (...) Aprender a viver no perdão aumenta a nossa capacidade de nos tornarmos mulheres e homens de paz. (...) nunca haverá paz verdadeira, se não formos capazes de construir um sistema económico mais justo (...) O caminho da reconciliação requer paciência e confiança (...) A cultura do encontro entre irmãos e irmãs quebra a cultura da ameaça.

 

= Estaremos disponíveis para construirmos, em 2020, a paz verdadeira com estes desafios do Papa?

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Perfumes…em tempo de Natal


Parece uma praga: em cada bloco publicitário televisivo tentam impingir-nos quatro ou cinco marcas de perfume… usando cada spot a maior sedução, insinuação ou até aberração para nos atrair.

Por que será que, nesta época do Natal, se faz mais publicidade aos perfumes? Que contêm os perfumes que podem revelar algo da pessoa que os usa? Sendo como que uma subtileza da condição humana, quem mais utiliza perfumes, os homens ou as mulheres? Haverá algo de mais ‘escondido’ do que aquilo que se sente, na sedução do perfume? Qual a origem mais remota em referência aos perfumes?

Estas perguntas foram colocadas um tanto a esmo, pela simples razão de que esta questão dos perfumes é um tanto complexa e algo mais profunda do que à primeira vista possa parecer. Por essa razão tentaremos incluir ainda nesta reflexão algum aspeto em que se possa considerar se haverá algo de ‘pecado’ nas fragâncias, seus custos e utilizações…

Desde já uma informação que encontrei ao pesquisar sobre o assunto: o mercado de fragâncias (perfumes, desodorizantes e outros) movimenta, anualmente, em todo o mundo, sessenta biliões de euros. A título de exemplo na lista dos dez mais vendidos perfumes encontramos o mais barato, a 378 euros por vinte gramas e o perfume mais caro, a 857 mil euros, mas nos lugares intermédios temos preços como 10.910 euros, 5.831 euros e 3.601 euros…sempre peça quantidade de vinte gramas por recipiente/embalagem.  

= Etimologicamente ‘perfume’ vem do latim ‘per fumus’, ‘através do fumo’, isto é, de algo que se desloca e que se evapora, que passa e se sente. Perante esta breve constatação podemos ver que o sentido do olfato é o mais é atingido pelo perfume, sendo estimuladas as áreas do cérebro que controlam as emoções e as memórias olfativas. Ora, como todos temos boas, menos boas e talvez más memórias, o perfume como que desencadeia uma série de reações…mesmo no nosso subconsciente e mesmo inconsciente.

As primeiras referências ao perfume remontam às civilizações do próximo Oriente, particularmente no Egito. Nesta cultura o perfume teve incidência religiosa, sendo usado em momentos extrarreligiosos e até com o significado de escalonamento social… Poderemos considerar que houve três etapas da ‘história’ do perfume: depois das civilizações orientais, o perfume desenvolveu-se, na produção e no uso, na Grécia clássica, estendendo a sua manifestação a Roma, através de multiusos e como expressão de luxo… As invasões dos bárbaros e a difusão da mensagem cristã, com os ideais de simplicidade e de não-adesão ao luxo, deu-se um certo desuso do perfume. A segunda etapa do perfume foi protagonizada pelos árabes, em matéria de produção e de difusão, pois com a chegada dos árabes à Península Ibérica, a perfumaria expande-se ao resto da Europa. Nos séculos XVI e XVII, os perfumes fortes substituíram a higiene pessoal. A França foi-se afirmando como o país dos perfumes, sendo criadas perfumarias. Na viragem do século XIX verificou-se a terceira etapa da ‘história’ do perfume, associando a arte olfativa com a componente visual, pois os frascos com perfumes foram-se especializando e industrializando. Hoje a indústria das fragâncias apresenta mais de trinta mil diversidades, muitas delas associando-se a algum estilista, ator ou estrela rock… numa tendência crescente de conciliação entre a moda, a higiene e bem-estar pessoal e ambiental… 

= Uma das etapas de evolução humana mais recente é a do tratado da pessoa consigo mesma, mesmo naquilo que tem a ver com a higiene pessoal. Com efeito, temos feito, nalguns casos, uma assinalável vivência até de respeito pelos outros, pois contactar com alguém que cheire mal, para além de desagradável pode manifestar descuido pela presença de Deus em si mesmo. Nesta linha usar perfume ou não, pode envolver alguma faceta de higiene pessoal. Quando, porém, o perfume é utilizado com malícia – a consciência de cada um o saberá identificar! – isso poderá tornar-nos tentação uns para os outros, podendo levar-nos ao pecado, direta ou indiretamente…remexendo memórias, situações e emoções. Em que instância se situará, então, a publicidade aos perfumes, neste Natal: na higiene ou na provocação?

Mas será destes perfumes que respiramos no ambiente de Natal. Não será antes o do presépio – curral – onde se aspiram os sentimentos de pobreza, de humildade e de despojamento? Mas será que o nosso Natal cristão se queda só pela exibição dos perfumes? Não haverá nada a corrigir à luz da simplicidade do presépio?

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Dons – carismas – ministérios: conexão e execução em Igreja…católica


Na abordagem teológica dos temas mais específicos da vivência carismática em dimensão católica vamos refletir sobre este nexo de termos: dons – carismas – ministérios.

Expliquemos:

* ‘Dons’ ou qualidades são as caraterísticas de cada pessoa, que a distinguem e a afirmam perante os outros. Há como que a necessidade de cada pessoa descobrir as suas qualidades, sem medo de as assumir, aceitando-as, agradecendo-as a Deus e procurando colocá-las ao dispor (ou serviço) dos outros. Os dons foram concedidos, mas podem não ser reconhecidos e tão pouco desenvolvidos… Quantas vezes há dons que se podem estiolar por não serem devidamente exercidos. 

* ‘Cada um viva de acordo com a graça recebida e ponde-vos ao serviço dos outros, como bons administradores da graça que Deus vos concedeu’ (1 Pd 4,10); ‘Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos’ (1 Cor 12, 4). Esta espécie de ‘definição’ bíblica descritiva de ‘carisma’ – em dois textos diferentes na dimensão teológica que envolvem – coloca-nos diante de uma nova instância correlativa de dons pessoais para a edificação dos outros, isto é, em que os dons deixam de ser de índole pessoal para se tornarem com dimensão comunitária.

* ‘Ministério’ significa etimologicamente ‘serviço’, isto é, algo que é dado, com estabilidade, para servir os outros. Por vezes confunde-se ministro com ministério, parecendo que este se acomoda àquele, quando deveria ser o contrário, na medida em que o serviço faz o servidor, embora este possa credibilizar – melhor ou menos bem – aquele. Quando se fala em ministério está como que subjacente a instituição desse serviço nalguma estrutura mais ou menos hierarquizada. Embora se possa aduzir alguma faceta de ministério ao sacerdócio ordenado, há outros ministérios que devem ser aprofundados, refletidos e discernidos para o bom ordenamento da Igreja católica. 

= Conexão entre dons, carismas e ministérios

Pelo que podemos referir esta conexão será tanto mais humana quanto teológica, na medida em que a cadeia de conceitos deverá revelar a consonância de vivências, sem ultrapassar etapas nem de configurar funções em razão dos intervenientes ou que estes condicionem a atuação pessoal…comunitária.

Quem não terá já ouvido (ou dito): ‘aquela pessoa tem o dom da palavra, quando fala toca-nos’. De facto, ter o dom da palavra é (ou pode ser) muito mais do que falar bem, de forma convincente ou com ideias bem articuladas. No contexto eclesial, ter o dom da palavra será acima de tudo deixar que Deus fale através de quem nos dirige a palavra, seja pela pregação, seja pelo ensino ou pela designada catequese.

Eis um exemplo de necessidade de correta articulação entre os diversos vetores relacionados com a ‘palavra’: ter o dom/qualidade humana e natural, colocá-lo ao serviço dos outros (em conceito sobrenatural) e ser instituído de forma estável como ministério (em expressão eclesial)…

Tantos outros dons podem tornar-se carismas e ainda poderiam ser estabilizados como ministérios. Assim houvesse clareza de terminologia e de sequência

Será – tanto quanto é possível – de não tornear a ordem dos conceitos para que não se ouça-se a desconexão entre carismas antes de dons ou os ministérios colocados na prevalência antes de carismas e de dons.  

= Execução de dons, carismas e ministérios na Igreja diocesana e paroquial

Por vezes é aduzida à função do sacerdócio ordenado uma razoável dose de serviços que nem sempre têm em conta os dons pessoais do ordenado ou exigidos carismas tão amplos que dificilmente um humano perfazerá as suas capacidades naturais quanto mais psicológicas, espirituais e sobrenaturais.

Na reflexão e na práxis os grupos de incidência carismática fizeram pela renovação teológica e pela dinâmica pastoral algo que deve ser aprofundado e reconfigurado…ainda hoje. Com efeito, o surgir dos carismas fez com que muitos dos dons fossem reapreciados mais na sua origem do que na mera prática simplista. O contexto comunitário fez com que os dons fossem discernidos e exercidos para o bem comum: cada dom deixou de ser meramente para o bom desempenho pessoal (e muito menos individualista), mas para edificação dos irmãos/ãs de caminhada. 

Foi ainda da confirmação – simples, fraterna e comunitária – dos carismas que foram surgindo, com estabilidade e instituição, alguns dos ministérios, não meramente por necessidade, mas como serviço à Igreja, na Igreja e para Igreja. Talvez este processo devesse ser algo a seguir no desenrolar da escolha dos serviços ministeriais da Igreja, alargando as possibilidades para além do sacerdócio ordenado. Deste modo se iria renovando a mesma Igreja numa dinâmica comunitária sequente e participativa.

As dioceses e as paróquias precisam, com urgência, de ir fazendo esta caminhada de ‘dons – carismas – ministérios’, tanto na descoberta, como no discernimento e na vivência deste itinerário teológico-pastoral. A graça do renovamento no Espírito Santo poderá e deverá dar o seu contributo com humildade, verdade e sinceridade… 

 

António Sílvio Couto

sábado, 14 de dezembro de 2019

Vergonha



«O senhor deputado utiliza com demasiada facilidade as palavras vergonha e vergonhoso, o que ofende muitas vezes este parlamento e ofende-o a si também».
Foi desta forma ríspida que o presidente do parlamento português passou um ralhete – com a retirada da palavra no hemiciclo – a um deputado que, ao que parece, usa, excessivamente, estes termos nas suas intervenções…por sinal poucas, dado que é sozinho na sua representação partidária. Desta vez falava sobre a questão do amianto nas escolas…em comparação com as verbas usadas para os subsídios vitalícios…
Segundo uma contagem já realizada, o tal deputado usou mais de vinte vezes, desde o início da legislatura (nove sessões), o termo pelo qual foi repreendido… Será que já chega ou não?
Ora – pasme-se – uma outra deputada (de esquerda, em sintonia com o presidente da AR, embora de partido diferente) utilizou, de seguida, a mesma palavra ‘vergonha’ e não recebeu qualquer corretivo da ‘ínclita’ figura que conduz os trabalhos parlamentares… colocando, em seu entendimento, termos aceitáveis e expressões mais ou menos consideradas democráticas no léxico político a frasear nos trabalhos. Isto ainda não chega! 
= Em tempos mais ou menos recuados era costume referir-se: ‘há quem core de vergonha, enquanto outros têm vergonha de corar’!
Deste modo se associava à vergonha algo que poderia ser um tanto ofensivo para a própria pessoa e no seu relacionamento com os outros. Ao servirmo-nos da palavra ‘vergonha’ para falarmos sobre os outros como que estamos a censurar algo neles ou sobre quem nos queremos pronunciar em juízo. A essa vergonha associamos algo de indecoroso ou de coisa mal feita, criando em nós e talvez nos outros um sentimento desagradável com o receio de desonra ou de ridículo…
Se assim é ou pode ser interpretado, poderemos considerar que há por aí escondidas muitas vergonhas. Aliás, o termo ‘vergonhas’ exprime em linguagem popular aquilo que devemos esconder e não mostrar de forma indecorosa ou sem respeito. 
= Atendendo ao contexto do parlamento luso não será de considerar que muito daquilo que lá se passa é, de facto, um fenómeno de pouca vergonha nacional? Muitos/as dos que ocupam aqueles assentos não deveriam refletir sobre a vergonha pelo modo como se tratam nas discussões e tomadas de posição? Não haverá um pingo de vergonha que seja sobre a atitude malcriada com que se dão a conhecer nas intervenções uns dos outros? Sem pretensão de nenhum juízo de valor, não será uma vergonha o modo como vemos os parlamentares a contestarem as posições alheias, sem decoro nem respeito? 
= Urge, por isso, introduzir no léxico de tantos dos momentos de relacionamento das pessoas umas com as outras a referência à vergonha, na medida em que nem tudo vale, quando se trata de discordar, seja qual for o alcance da divergência. Na convivência cívica em que nos encontramos faltam muito as regras de educação e de civilidade, pois, a continuarmos a trilhar o caminho em que vamos, tornar-se-á impossível não entrarmos em conflito mais indecoroso e indesejável… e, então, vergonhoso.
Chega ou não chega de falar de vergonha?

António Sílvio Couto

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Endividamento das famílias…novamente


A cada hora que passa, as famílias portuguesas pedem dois milhões de euros de empréstimo: o crédito à habitação atingiu o máximo da última década, enquanto o crédito ao consumo equipara-se ao recorde de há quinze anos.

De facto, entre janeiro e outubro deste ano, a banca concedeu mais de 4,2 mil milhões de euros em crédito ao consumo, um máximo desde 2004, verificando-se, ao mesmo tempo, que os juros estão a cair. Por seu turno, os empréstimos para a compra de casa, só em outubro, atingiram 943 milhões de euros, num total de 8.522 milhões de euros, desde o início do ano…

Que significado poderemos ver neste desfile de números? Estaremos a viver com melhores condições? Os bancos, ao abrirem os cordões ao crédito, estão conscientes dos riscos que correm a curto e a médio prazo? Depois da confusão no tempo da ‘crise’ não estaremos a correr para idêntico precipício? Pessoal, familiar e socialmente teremos aprendido, minimamente, as lições não muito longínquas?

 

= Perante estes dados não deixa de ser questionável o muito baixo investimento no sistema de poupança ou em não aferrolhar das pessoas e das famílias. Ora, na elaboração deste artigo, encontrei um interessante texto sobre os ’10 mandamentos da poupança’. Eis o elenco: elabore um orçamento, pague a si próprio em primeiro lugar, crie um fundo de emergência, tente aplicar as suas poupanças, defina objetivos financeiros, não gaste mais do que ganha, calcule a sua taxa de esforço, defina estratégias de consumo, pague a crédito, não ceda à tentação de impressionar os outros…

Estes conselhos poderão ser muito oportunos num tempo em que vemos ressurgir essa tendência de querer gastar mais do que se pode ou de viver nessoutra vulnerabilidade do ‘chapa-ganha; chapa-gasta’.

 

= É claro que somos – quem a tal presta culto e faz participação – constantemente aliciados para entrarmos no consumismo desenfreado, onde muita gente vai tentando colmatar ou preencher com coisas aquilo que deveria ser melhor apreciado como os valores humanos, psicológicos e/ou espirituais.

Com que facilidade se atira dinheiro para o bolso dos mais incautos, não lhes permitindo refletir sobre as consequências quanto à má gestão das suas economias. Com que ostentação vemos pessoas desfiarem a longa lista de cartões de uso nas compras…muitos deles mais parecem ser decorativos, mas alguns têm uso ou abuso em maré de deixar boa impressão a quem vê ou repara. Com que prosápia vemos os atores do governo – da ex-geringonça e o subsequente – fazerem propaganda com a recuperação dos proventos, quando depois os retiram nos impostos encapotados…

 

= Diante das provocações do presépio como que somos desafiados a fazermos um sério exame de consciência sobre o nosso consumismo, pois não podemos hipotecar mais uma vez o nosso futuro.

Diz-nos o Papa Francisco na carta apostólica ‘O admirável sinal’: «nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração. Também estas figuras estão, de pleno direito, próximas do Menino Jesus, sem que ninguém possa expulsá-las ou afastá-las de um berço de tal modo improvisado que os pobres, ao seu redor, não destoam absolutamente. Antes, os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós.
No Presépio, os pobres e os simples lembram-nos que Deus se faz homem para aqueles que mais sentem a necessidade do seu amor e pedem a sua proximidade (...) Do Presépio surge, clara, a mensagem de que não podemos deixar-nos iludir pela riqueza e por tantas propostas efémeras de felicidade... Nascendo no Presépio, o próprio Deus dá início à única verdadeira revolução que dá esperança e dignidade aos deserdados, aos marginalizados: a revolução do amor, a revolução da ternura. Do Presépio, com meiga força, Jesus proclama o apelo à partilha com os últimos, como estrada para um mundo mais humano e fraterno, onde ninguém seja excluído e marginalizado
» (n.º 6).

Como é rude e contrastante o nosso mistério com a manifestação do mistério de Jesus, ontem como hoje!   

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Regionalização: por quê ou para quem?


Como se fosse um placebo político, o tema da regionalização entrou na discussão mais ou menos pública. Surgido das conjeturas de quem está aflito com outros assuntos, este tema da regionalização aparece mais uma vez como ‘fait divers’, enquanto outras questões são tratadas nas costas de quem se entretêm a falar dele, que não a discutido com seriedade.
Por ter já acontecido noutras épocas, agora não traz qualquer novidade, sobretudo se tivermos na devida conta que, quem o trouxe à liça, pode parecer mais interessado em salvaguardar o seu futuro do que em ver e refletir sobre o assunto como ele é, de verdade.
Alguns dos opinadores autárquicos e partidários sobre a matéria estão a chegar ao termo do seu tempo de mandato nas autarquias, logo precisarão de algum lugar para não serem colocados na prateleira da política profissão. Para deputados já não terão pachorra, para mudarem de campo ou de localidade a concorrer poderá parecer um pouco menos bom. Por isso, a ascensão a algum lugar daquilo que convierem ser os espaços criados pela regionalização pode assentar-lhe um pouco a contento.
Mas será isto sério, acautelado e com futuro? Claro que não. Seria como que criar chapéus a gosto para cabeças um tanto desmioladas e sem critério de conduta. Pior: andaríamos a reboque daquilo que seria mais favorável a uns tantos que sempre viveram dependurados nas franjas do poder e já não saberiam viver sem ele, mas por ele e para ele.

= A constituição da república portuguesa favorece, claramente, a regionalização?
Na revisão (4.ª) da constituição de 1997 ficou exposto: «As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respectivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma» – artigo 255. No artigo seguinte (256) refere-se: «1. A instituição em concreto das regiões administrativas, com aprovação da lei de instituição de cada uma delas, depende da lei prevista no artigo anterior e do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta directa, de alcance nacional e relativa a cada área regional.
2. Quando a maioria dos cidadãos eleitores participantes não se pronunciar favoravelmente em relação a pergunta de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, as respostas a perguntas que tenham tido lugar relativas a cada região criada na lei não produzirão efeitos.
3. As consultas aos cidadãos eleitores previstas nos números anteriores terão lugar nas condições e nos termos estabelecidos em lei orgânica, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República, aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime decorrente do artigo 115º
».
Perante este articulado já foi feito um referendo sobre o assunto, a 11 de novembro de 1998, com os resultados apurados: contra a regionalização – 60,67%; a favor – 34,96%, num universo de 51,71% de abstenção…logo não vinculativo porque não atingiu a percentagem exigida para que fosse aceite a decisão.
Passadas mais de duas décadas, o tema da regionalização é problema de quem – do povo ou dos políticos? Será que não andaremos a voltar a questões sem assunto, dado que nada evoluiu desde então? A forma enviesada como tema entrou na discussão não revela mais oportunismo do que oportunidade?
Agora que, segundo dizem, está em curso um processo de descentralização administrativa, dando mais poderes às autarquias, por que vem a regionalização atrapalhar o que se esteve a delinear? Não parece que algumas forças partidárias estão mais interessadas em defender os seus coitos do que em olhar para o país como um todo? Dada a ditadura (democrática) de partido único nalgumas autarquias, não estaremos perante uma forma encapotada – há quem considere mesmo um golpe palaciano – de prolongar no tempo certas forças e figuras em desgaste acentuado?
Se atendermos aos resultados práticos, sobretudo, nas duas regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto, não será de arrepiar caminho para que não se multipliquem mais macrocefalias pelo resto do país? As atuais comissões de coordenação regional não servem para vender mais favores, será preciso instituir outros focos de gastos e de favorecimentos aos correligionários?

António Sílvio Couto

domingo, 8 de dezembro de 2019

Denúncia ou profetismo?


Não deixa de ser algo preocupante que a voz da Igreja católica – pelas intervenções do magistério (Papa e bispos) ou pelas iniciativas locais – possa parece um tanto frouxa senão mesmo não-escutada.
Por vezes setores de protesto – partidos, grupos sociais ou franjas culturais – parecem ter mais aceitação do que as declarações do Papa ou a voz de algum bispo – quando os há que estejam atentos e lúcidos – na comunicação social ou nas ditas redes sociais.
Quando os gestos falam mais do que as palavras – nessa clarividente intervenção do Papa Paulo VI, na encíclica ‘Evangelii nuntiandi’, n.º 42 – e se ouvem as palavras para explicar os gestos e as atitudes, teremos de tentar aferir-nos aos sinais que este tempo nos quer dizer.

– No rescaldo da ‘sexta-feira negra’, o Papa Francisco foi assinar/tornar pública a carta apostólica ‘O sinal admirável’ sobre o significado e o valor do presépio. Fê-lo em Greccio, Itália, o local onde, no século XIII, São Francisco de Assis levou a cabo a feitura do primeiro presépio popular… pois que o original encontrámo-lo na Bíblia, nos evangelhos da infância.
Sabendo da afinidade espiritual do Papa Francisco ao seu homólogo de Assis, compreende-se um tanto melhor que este documento da Igreja pretende não só repor o presépio no seu sentido primigénio, mas também fazer-nos a todos – crentes ou não – colocar perante a realidade da conduta decorrente de estarmos, hoje, a contemplar o presépio.
«Representar o acontecimento da natividade de Jesus equivale a anunciar, com simplicidade e alegria, o mistério da Encarnação do Filho de Deus. De facto, o Presépio é como um Evangelho vivo que transvaza das páginas da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal, somos convidados a colocarmo-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela humildade daquele que se fez homem, a fim de se encontrar com todo o homem, e a descobrirmos que nos ama tanto, que se uniu a nós para podermos, também nós, unirmo-nos a Ele» (n.º 1).
A voz profética do Papa terá acolhimento entre os católicos ou será antes melhor aceite por aqueles que estão fora do círculo – se dissesse ‘circo’ não estaria desfasado! – dos praticantes? Pelos gestos do Papa já percebemos que há um longo caminho de refontalização dos cristãos ao espírito de humildade, de pobreza e de despojamento, decorrentes do presépio? As imagens – de pessoas, de coisas ou de situações – que colocamos no presépio serão resultado da nossa exposição a Deus ou serão meros adereços de enfeite?

– Perante os episódios mais recentes da luta (pretensamente) ecologista não podemos deixar de relembrar que São Francisco de Assis é considerado o patrono da ecologia, embora alguns animalistas pretendam situar a data de 4 de outubro – dia litúrgico deste santo – na fórmula redutora do ‘dia do animal’…Para a atribuição de patrono da ecologia a São Francisco de Assis muito contribuiu a sua visão, sensibilidade e vivência para com as diversas criaturas a quem chamava de ‘irmãs’, desde as estrelas até à água, passando pelos animais cantados e encantados, não esquecendo que Francisco encaminhava das criaturas para o Criador…
Ora, certas tendências ecologistas hodiernas vão procurando destronar o Criador, colocando em seu lugar as criaturas endeusadas…numa tendência neopagã crescente. Estamos a viver uma época pós ‘nova era’ em que já não se vive um panteísmo dissimulado, mas se faz da ‘mãe-terra’, a ‘gaia’ da mitologia grega, como que a base de quase toda a tendência para muitos dos protestos, das iniciativas e mesmo dos ecologismos ‘à la carte’… ou sob planos subterrâneos internacionalistas.
Agora se pode e deve compreender a importância que o Papa Francisco deu a este tema da ‘ecologia integral’, apresentada na sua encíclica ‘Laudato sí’ (palavras de um canto de São Francisco de Assis, que quer dizer ‘louvado sejas’), com data de 24 de maio de 2015. Com efeito, perante um certo cientificismo sobre a natureza, o Papa refere o equilíbrio que deve haver entre todos os seres que vivem na ‘casa comum’, que é o Planeta Terra, naquilo que é para cada um e para todos…
Certas lições e manifestações contra as ‘alterações climáticas’ – mais antigas ou as ainda recentes – servem mais interesses emocionais do que contribuem para que tenhamos um futuro saudável, humano e teísta.

António Sílvio Couto

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Assoando-se a lenços de papel…


Hoje é uma atitude comum as pessoas usarem lenços de papel em vez dos tradicionais lenços em tecido… que foram motivo de tantas estórias, mesmo românticas e platónicas. Mas não hoje, os lenços de papel estão na moda e com razoável frequência são trocados em horas de constipações, de gripes ou de outras aflições…

Será que este gesto tão vulgar é, minimamente, ecológico, como agora tanto se propagandeia? Não estaremos a prolongar, no tempo próximo, ações nefastas para com o ambiente? Quais serão os custos do uso de lenços de papel nas alterações climáticas? Quantas árvores foi preciso abater para alimentar este gesto (dito) habitual do uso de um simples lenço de papel?

 

= Agora que foi solto o fantasma das ‘alterações climáticas’, todos teremos a reaprender a estar para que sejamos capazes de dar o nosso singelo contributo para recuperar a vida sustentável do Planeta.

* Não será com o folclore de certos meninos/as aos gritos histéricos/as, espicaçados/as por ecologistas melancia – verde por forma e vermelho por dentro – que se criará uma nova mentalidade ecológica. Será, antes, pelo questionamento do nosso comportamento pessoal e pela envolvência em querermos mudar de protótipo de vida e mesmo de civilização…

* Não será desta forma acrítica e quase irracional com que vemos a maior parte das manifestações das ‘sextas-feiras pelo futuro’ – com a ‘sacerdotisa’ Greta Thunberg a pontificar – que mudaremos uma vírgula em favor do Planeta, antes iremos acirrar os ânimos que precisavam de estar serenos para refletirem, de verdade, sobre o futuro coletivo a curto prazo…

* Não será com a manipulação descarada dos mais novos, muitas das vezes com discursos demasiado elaborados para serem naturais e sinceros, que serão absolvidos os erros do nosso passado recente…coletivo. Com efeito, os exageros, como sempre, pagam-se caros e como diz o aforisma: Deus perdoa sempre, a natureza nunca perdoa. Agora que chegamos a uma posição quase irreversível vemos despontar novos oportunistas, eivados de ideias mais materialistas do que defensoras da responsabilidade humana…

* Não será com aproveitamentos ideológico-partidários de uma certa esquerda ressabiada, que usufruiu dos benefícios do capitalismo para agora se arvorar em defensora de uma visão panteísta ateia. De facto, as armas usadas para contestar são as que foram fabricadas para progredir. Os meios de que se servem para difundir as suas ideias são resultado da evolução tecnológica que contestam. A convocação, divulgação e efeitos das contestações só são possíveis porque foram usados recursos não mais primários de civilização, como dão a entender que defendem…

A fabricação deste movimento ecologista em curso está prenhe de mentiras, de falsas verdades e mesmo de infiltrados mal resolvidos nos seus conflitos interiores, psicológicos e emocionais consigo mesmos e para com os outros…

 

= Se o uso dos lenços de papel pode ser um dos sinais mais relevantes da incongruência do nosso tempo, teremos de dar passos que nos façam recuperar o respeito pela natureza, voltando, por exemplo, aos lenços em tecido. Pela minha parte nunca usei lenços de papel. Gostaria ainda que voltassem a ser usados com essa arte e engenho, tal como se via em certas zonas do nosso país…

Pequenos gestos podem fazer grandes e significativas mudanças. Assim sejamos capazes de o fazer e de o viver…enquanto vamos a tempo!       

   

António Sílvio Couto

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Parfois… again… todavía (às vezes… novamente … ainda)


Estas três palavras de idiomas diferentes – ‘parfois’ (por vezes, às vezes) do francês, ‘again’ (outra vez, novamente) do inglês e ‘todavía’ (ainda) do castelhano – podem servir-nos para lançarmos alguns olhares sobre coisas e loisas do nosso tempo.

 

* Às vezes (‘parfois’) vemos situações pouco fáceis de entender, tal é a complexidade dos factos e mesmo a desenvoltura dos meandros… Vejamos casos concretos, mas que podiam ser tantos outros… A iniciativa com cerca de trinta anos (1991) que é ‘banco alimentar contra a fome’. Nela por vezes podemos ver a solidariedade dos portugueses para com 2.300 instituições de assistência, que envolve quase quatrocentas mil pessoas ajudadas. Mas não será uma espécie de ‘profissionalização’ de tantos pobres que dele se socorrem habitualmente? Muitas dessas instituições não se manterão como correias de comunicação de ações de resignação, quando deveriam ser mais ousadas do que retardadoras da saída do estado de pobreza? O sucesso das campanhas não será narcótico para um nível de acomodação mesmo dos poderes políticos e sociais? A ação de voluntariado não poderá correr o risco de se tornar mais uma passerelle de vaidades e não de contributo com desprendimento pelos outros?

 

* Novamente/outra vez (‘again’) poderemos ler tantas das ajudas natalícias mais como contributos de alienação do que como vivências de partilha…para com os (ditos/conotados) desfavorecidos. Dá a impressão que os ‘pobres’ só comem pelo natal ou só precisam de ajuda quando a maioria vive nos excessos…

De igual forma temos de estar atentos à crescente correria com que se caminha no convite ao despesismo pessoal, familiar e coletivo… Apesar de termos ainda na memória a ‘crise do subprime’ de 2008 – foi há pouco mais de dez anos – vemos estarem a ser criadas as condições para voltarmos outra vez à casa de partida desse jogo que tanto custou a ganhar, mas que alguns querem fazer-nos reviver. A diletância de uns tantos vai custar a todos. O pior é serem quase-sempre os mesmos a serem os causadores e a entregarem outra vez aos mesmos a tarefa de recuperação! Não aprendemos nada com a história…

 

* Ainda (‘todavía’) precisamos de mais avisos para não continuarmos a persistir nos riscos? De facto, os atos folclóricos a propósito das alterações climáticas trouxeram à luz do dia certas figuras de outras batalhas, quase sempre, comandadas por uma certa esquerda – caviar ou presunçosa – para quem pensar de forma diferentes deles é ser aquilo que dizem combater. Ainda estão na fase infantil das suas certezas, apelidando os outros com rótulos que lhes assentariam com profícua eficiência e igual rigor.

Não deixa de ser irónico que se combata contra as alterações climáticas, mas se assoem com lenços de papel em vez de lenços laváveis e reutilizáveis ou que cuidem dos filhos – se os têm – substituindo-lhes as fraldas descartáveis… Ainda nos falta um razoável percurso para sermos, no mínimo, coerentes e respeitadores dos outros e não só afáveis para com os da nossa cor clubística ou ideológica!

 

= Numa época de convite à simplicidade de vida, que é a tonalidade do Natal, deixamos excertos da recente carta apostólica do Papa Francisco, ‘O sinal admirável’: «Nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração... Os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós...Muitas vezes, as crianças (mas os adultos também!) gostam de acrescentar, no Presépio, outras figuras que parecem não ter qualquer relação com as narrações do Evangelho... Do pastor ao ferreiro, do padeiro aos músicos, das mulheres com a bilha de água ao ombro às crianças que brincam… Por todo o lado e na forma que for, o Presépio narra o amor de Deus, o Deus que se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre» (n.os 6 e 10).       

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Papa explica-nos o Presépio


‘O sinal admirável’ (admirabile signum’) é o título da carta apostólica do Papa Francisco sobre o significado e valor do Presépio.

Com data de 1 de dezembro – primeiro domingo do Advento – o Papa quis publicitar esta partilha/reflexão em Greccio (Itália), santuário do Presépio.

Respeitando a ordem de apresentação do texto vamos respigar alguns excertos dos dez números que o documento apresenta…colocando algumas questões.

1. O sinal do Presépio
«Quero apoiar a bonita tradição das nossas famílias de prepararem o Presépio, nos dias que antecedem o Natal, e também o costume de o armarem nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nas praças... Desejo que esta prática nunca desapareça; mais, espero que a mesma, onde porventura tenha caído em desuso, se possa redescobrir e revitalizar».
Será que temos feito tudo para o que o presépio continue a nortear a nossa vida pessoal, familiar e social? Certos ‘concursos de presépios’ registam o que é essencial? Não deixemos o presépio banalizar-se...

2. Origem do Presépio
«A origem do Presépio fica-se a dever, antes de mais nada, a alguns pormenores do nascimento de Jesus em Belém, referidos no Evangelho... Jesus é colocado numa manjedoura, que, em latim, se diz praesepium, donde vem a nossa palavra presépio...Na realidade, o Presépio inclui vários mistérios da vida de Jesus, fazendo-os aparecer familiares à nossa vida diária... Em Greccio, naquela ocasião, não havia figuras: o Presépio foi formado e vivido pelos que estavam presentes».
Não poderemos fazer do ‘nosso’ presépio a reprodução da nossa vida quotidiana? Não andaremos a projetar no presépio considerações não-cristãs?

3. Significado do presépio
«Com a simplicidade daquele sinal, São Francisco realizou uma grande obra de evangelização. O seu ensinamento penetrou no coração dos cristãos, permanecendo até aos nossos dias como uma forma genuína de repropor, com simplicidade, a beleza da nossa fé... Desde a sua origem franciscana, o Presépio é um convite a «sentir», a «tocar» a pobreza que escolheu para si mesmo o Filho de Deus na sua Encarnação, tornando-se assim, implicitamente, um apelo para o seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento».
Já captamos a rudeza do presépio perante a moleza da nossa conduta? O presépio toca-me em pobreza, humildade e despojamento?

4. Lendo os sinais
«Os vários sinais do Presépio para apreendermos o significado que encerram. Em primeiro lugar, representamos o céu estrelado, na escuridão e no silêncio da noite... Merecem também uma referência as paisagens que fazem parte do Presépio; muitas vezes aparecem representadas as ruínas de casas e palácios antigos que, nalguns casos, substituem a gruta de Belém tornando-se a habitação da Sagrada Família».
Não será preciso interpretar os sinais do presépio naquilo que podem incomodar tanta da nossa vulgaridade e superficialidade? Temos tempo para parar diante das lições simples do presépio, ontem como hoje?

5. Figuras representativas
«Uma grande emoção deveria apoderar-se de nós, ao colocarmos no Presépio as montanhas, os riachos, as ovelhas e os pastores! Pois assim lembramos, como preanunciaram os profetas, que toda a criação participa na festa da vinda do Messias. Os anjos e a estrela-cometa são o sinal de que também nós somos chamados a pôr-nos a caminho para ir até à gruta adorar o Senhor».
Não haverá demasiada racionalidade perante a emotividade do presépio? Que há de aprendizagem para o essencial na subtileza das figuras do presépio?

6. Outras figuras simbólicas
«Nos nossos Presépios, costumamos colocar muitas figuras simbólicas. Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração... Os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós...Muitas vezes, as crianças (mas os adultos também!) gostam de acrescentar, no Presépio, outras figuras que parecem não ter qualquer relação com as narrações do Evangelho... Do pastor ao ferreiro, do padeiro aos músicos, das mulheres com a bilha de água ao ombro às crianças que brincam».
A projeção da ‘nossa’ vida (tantas vezes com sabor ruralista) significará participação da santidade das vida na condição divina?  Teremos sentido de inclusão em Deus ou de profusão folclórica?

  

7. Maria e José
«Maria é uma mãe que contempla o seu Menino e o mostra a quantos vêm visitá-lo. A sua figura faz pensar no grande mistério que envolveu esta jovem, quando Deus bateu à porta do seu coração imaculado... Ao lado de Maria, em atitude de quem protege o Menino e sua mãe, está São José. Geralmente, é representado com o bordão na mão e, por vezes, também segurando um lampião. São José desempenha um papel muito importante na vida de Jesus e de Maria. É o guardião que nunca se cansa de proteger a sua família».
Num tempo de acentuada crise da família, será que estas figuras interpelam os que são mães e pais? Como poderão ser apresentados, Maria e José, como modelos de pais, sobretudo, cristãos?

8. Menino Jesus
«O coração do Presépio começa a palpitar, quando colocamos lá, no Natal, a figura do Menino Jesus. Assim se nos apresenta Deus, num menino, para fazer-se acolher nos nossos braços. Naquela fraqueza e fragilidade, esconde o seu poder que tudo cria e transforma. Parece impossível, mas é assim: em Jesus, Deus foi criança e, nesta condição, quis revelar a grandeza do seu amor, que se manifesta num sorriso e nas suas mãos estendidas para quem quer que seja».
Jesus é, de facto, o meu celebrado no Natal? Como vou aprendendo a riqueza do amor de Deus diante de Jesus no presépio?

9. Os magos
«Quando se aproxima a festa da Epifania, colocam-se no Presépio as três figuras dos Reis Magos. Tendo observado a estrela, aqueles sábios e ricos senhores do Oriente puseram-se a caminho rumo a Belém para conhecer Jesus e oferecer-lhe de presente ouro, incenso e mirra. Estes presentes têm também um significado alegórico: o ouro honra a realeza de Jesus; o incenso, a sua divindade; a mirra, a sua humanidade sagrada que experimentará a morte e a sepultura».
Tal como os magos, vindos de longe, que é que vou oferecer a Jesus neste Natal?

10. Lições contínuas do Presépio
«Por todo o lado e na forma que for, o Presépio narra o amor de Deus, o Deus que se fez menino para nos dizer quão próximo está de cada ser humano, independentemente da condição em que este se encontre... O Presépio faz parte do suave e exigente processo de transmissão da fé».
O presépio humaniza-me e cristianiza-me verdadeiramente?

 

Lidas, acolhidas e assimiladas estas vertentes do presépio certamente poderemos continuar a renovar esta tradição na Igreja católica, à luz da sua origem…

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Do consumo pela corrupção ao civismo…cristão


Estas quatro palavras iniciadas com a letra ‘c’ podem ajudar-nos a dimensionar, de força diferente, a nossa caminhada de Advento…rumo ao Natal de Jesus, isto é, verdadeiramente cristão na vida do dia-a-dia.

 

* Sobre o consumo – melhor seria dizer consumismo – temos a dita ‘6.ª feira negra’ (black friday) com que somos ‘presenteados’ nesta crescente sociedade consumista na última sexta-feira do mês de novembro: uma ‘invenção’ americana do capitalismo, mas onde os mais resistentes não-capitalistas se regalam a encherem com coisas e mais coisas…muitas delas sem grande proveito ou mesmo necessidade.

O ministro do ambiente português, por seu turno, lançou um repto aos cidadãos para que não entrassem na onda, dizendo que o dia de descontos nas lojas (na ‘6.ª feira negra’) é um contrassenso, classificando a iniciativa como o ‘expoente máximo e negativo de uma sociedade capitalista’ e rotulando os ‘consumidores de utilizadores’…

Atendendo a que a ‘6.ª feira negra’ está próxima ao tempo de Natal podemos ver nela a abertura ao frenesim das compras natalícias…num ritual quase amorfo, insípido e bastante colorido.

De facto, vivemos num tempo onde as pessoas se vão preenchendo com coisas de índole material, tentando estar ao ritmo de alguma atualização nas modas, investindo somas de dinheiro imensas e dando a impressão que um novo deus tem de ser servido a todo o custo e sem limitações.

 

* Em breve teremos o ‘dia internacional contra a corrupção’, a 9 de dezembro, isto é, na véspera do ‘dia mundial dos direitos humanos’, recordando esta data na qual, em 1948, foi feita a declaração universal dos direitos humanos…

Sobre o ‘dia contra a corrupção’, a Comissão nacional justiça e paz recorda que ‘três triliões de dólares são perdidos anualmente em esquemas de corrupção’. Na sua mensagem para este próximo ‘dia contra a corrupção’, a CNJP relembra o que o Papa Francisco, na sua recente visita apostólica a África, ‘apelou aos governantes para lutarem com determinação contra formas endémicas de corrupção e especulação que aumentam a disparidade social e empobrecem as nações’. Por último é sugerido pela CNPJ que haja uma ‘recusa de colaboração na corrupção, de denúncia do fenómeno e sobretudo de difusão de uma cultura de honestidade e de serviço ao bem comum’.

Tem de chegar a hora de passarmos das palavras aos atos, isto é, de querermos considerar a existência deste cancro social, que é a corrupção, mas depois pactuamos com pequenos gestos de não submetermos ao controlo do fisco as transações mais pequenas ou maiores. Parece que, mais uma vez, somos bons em denunciar, mas calamo-nos quando podíamos fazer mais e melhor…

 

* O terceiro termo enquadra-se aqui: o civismo é e será essa forma de estarmos em sociedade, assumindo as consequências de sermos cidadãos sempre e não só quando nos convém.

Temos visto várias campanhas a apelar ao civismo, desde a separação do lixo, passando pelo cuidado para com os espaços públicos, mas nada frutificará se não for consistentemente assimilado a partir da mais tenra educação. Ora, isso tem de envolver múltiplas entidades, sem nunca esquecer que a família é quem, prioritariamente, educa. Conferir esta tarefa só à escola é deitar a perder a mais básica consciencialização do que é a família e das suas inolvidáveis tarefas humanas, cívicas e culturais.

Atendendo à origem etimológica de ‘civismo, cidade, civilização’ podemos encontrar o contraste com esse outro termo ‘pagus’ (campo). Assim os pagãos (rudes, não civilizados) eram os que viviam no campo, sem civilização, pois esta era adquirida na cidade, onde viviam os cidadãos. Ora, quando vemos hoje tantos rudes na cidade como que temos de questionar, para além da ruralidade subjacente aos comportamentos, os conteúdos de civilização adquiridos…nos guetos citadinos.

 

= Não será o consumismo uma forma de incivilidade, ao sabor do materialismo de vida? A corrupção não esconde a falta de civismo e de respeito pelos outros? Talvez o cristianismo possa ajudar a civilizar-nos…

   

António Sílvio Couto