Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Bodes expiatórios... à la carte

 

A situação sócio-política nacional está deveras confusa, quantos aos casos, em relação às situações, atendendo às pessoas, considerando as oportunidades, tendo em conta o presente e tentando interpretar o futuro. Desde o dia 7 de novembro entramos em descalabro. A demissão do chefe do governo lançou nuvens de suspeitas. A marcação das eleições baralhou. A aferição dos partidos à contenda denota que a qualidade está em nítida rutura. Emergem acusações. Trepida tudo e todos em convulsões. O país está a afundar-se e poucos se obrigam a impedi-lo...

1. ‘Bodes expiatórios’
Há expressões usadas na linguagem habitual que, por vezes, precisam de ser enquadradas e explicadas. ‘Bode expiatório’ é uma delas. Vejamos a sua origem.
Em Lv 16,1-22 encontramos a narrativa da festa da expiação’ ou do grande perdão - em hebraico Yom kippur - em que o sumo-sacerdote tomava dois bodes, juntamente com um novilho, ao lugar de sacrifício, como parte dos sacrifícios do Templo de Jerusalém. No templo os sacerdotes sorteavam um dos bodes. Um era oferecido em holocausto no altar de sacrifício com o novilho. O segundo tornava-se o bode expiatório, pois o sacerdote impunha as mãos sobre a cabeça do animal e confessava os pecados de todo o povo de Israel. Posteriormente, o bode era deixado ir para o deserto, levando sobre si os pecados de todo o povo, para ser reclamado pelo anjo caído Azazel.
Em sentido figurado, um ‘bode expiatório’ é alguém que é escolhido arbitrariamente para levar (sozinho) a culpa de uma calamidade, crime ou de qualquer evento negativo (embora não o tenha cometido). A busca do ‘bode expiatório’ é um ato irracional de determinar que uma pessoa ou um grupo de pessoas, ou até mesmo algo, seja responsável de um ou mais problemas sem a constatação real dos fatos.

2. No contexto sócio-político que estamos a viver convulsivamente vermos surgirem – à la carte (como é conveniente) – acusações diversas sem que os verdadeiros culpados assumam as consequências dos seus atos. À negligência governativa apontam a justiça como a culpada, sem que se tenham esquecido que foram os legisladores quem deram poder para que se cumpram as leis feitas... Ao colapso das estruturas (ditas) democráticas foram os diversos governos e governantes que se desautorizaram com negociatas por debaixo da mesa... Das reclamações de incompetência de vários intervenientes podemos perceber que já só a pescar-no-aquário conseguiram encontrar quem quisesse aceitar que não os menos maus para os postos de governação... Aos fazedores da comunicação social convém fabricar uns tantos peões-de-brega, pois assim podem distrair e escarafunchar outras situações pestilentas, que não as suas vidas de ocasião...

3. Quem não se apercebeu já que certos fazedores de opinião usam de habilidades e rebuscadas manhas para branquearem os seus preferidos? Com que destreza ainda encontram ideias novas nos recauchutados discursos de antanho. Falta-nos liberdade de não querermos impor quem nos seja mais simpático ou de proximidade ideológica. As guerras de sucessão deixarão vir à tona tantos lacraus que morderão mesmo que sejam ajudados a safarem-se do pântano para onde empurram o país. Sente-se no ar um certo cheiro a conspiração e onde mais uma vez teremos de escolher entre o mau e o pior.

4. Temas como a saúde, a educação, a justiça, a segurança (social e individual), trabalho e salários, a habitação e tantos outros temas urgentes e necessários não podem ser escondidos por tricas e debates de baixa qualidade nem poderemos ficar reduzidos aos ataques de mediocra moralidade, pois todos tem culpas na situação a que chegamos. Não atirem pedras uns aos outros, pois podem fazer ricochete e causarem mais estragos do que pensam.

5. Portugal merece melhor!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Aprender a ‘dar espaço’... à luz do presépio

 


Neste ano ocorrem 800 anos sobre a ´feitura’ do primeiro presépio ao tempo de São Francisco de Assis. Sobre o tema o Papa Francisco tornou público um livro, intitulado – ‘O meu presépio’ – onde faz uma explicação-interpretação da sua forma de ver esta manifestação cristã, das figuras que o compõem e mesmo do modo de construir o presépio. Já, em 2019, o mesmo Papa tinha tornado pública uma carta apostólica – ‘Admirabile signum’ – sobre o significado e valor do presépio.

Lanço, então, algumas sugestões sobre a necessidade de ‘dar espaço’ à meditação perante as várias figuras do presépio...neste Natal.

1. Citamos do texto que se conhece:
«São dois os sinais que, no Natal, nos guiam para reconhecer Jesus. Um é o céu cheio de estrelas. São tantas, infinitas, mas entre todas brilha uma especial, que impele os Magos a deixar as suas casas e a iniciar uma viagem, um caminho que não sabem aonde os vai levar. Acontece o mesmo na nossa vida: em certo momento, uma ‘estrela’ especial convida-nos a tomar uma decisão, a fazer uma escolha, a iniciar um caminho. Devemos pedir a Deus com força que nos mostre essa estrela que nos impele para além dos nossos hábitos, porque essa estrela levar-nos-á a contemplar Jesus, aquele Menino nascido em Belém que quer a nossa felicidade plena.
Naquela noite que se tornou santa pelo nascimento do Salvador encontramos um outro sinal poderoso: a pequenez de Deus. Os anjos mostram aos pastores um menino nascido numa manjedoura. Não um sinal de poder, de autossuficiência ou de soberba. Não. O Deus eterno reduz-Se a Si próprio a um ser humano indefeso, pobre, humilde. Deus rebaixou-Se para que nós possamos caminhar com Ele e para que Ele possa pôr-Se ao nosso lado; Deus não quer pôr-Se acima ou longe de nós.
Espanto e maravilha são os dois sentimentos que emocionam todos, pequenos e grandes, perante o presépio, que é como um Evangelho vivo que transborda das páginas da Sagrada Escritura. Não interessa como se arranja o presépio, se é sempre igual ou diferente todos os anos; o que importa é que ele fale à nossa vida».

2. Quantas vezes ouvimos dizer que ‘é preciso dar espaço’ para que possa ser colocada outra coisa, retirando algo que estava a ocupar esse tal espaço. A noção de ‘espaço’ pode ser variável, tanto mais quanto esse possa ser subjetivo. Com efeito, dizem os entendidos em matéria de assuntos psicológicos que a descoberta de ‘espaço’ e de ‘tempo’ carateriza a nossa perceção de lugar e história, isto é, quem somos e onde estamos... num determinado lugar e em relação a quê e a quem.
Neste tempo de consumismo é habitual vermos – em nós e à nossa volta – que se dá um preenchimento do espaço (interior e exterior) das pessoas com coisas, numa quase insaciável vontade de ter mais do que, porventura, de ser, verdadeiramente. Se há época do ano em que isso parece estar mais ativo é no tempo de Natal: a sociedade de consumo fascina as pessoas com o desejo de ter mais, de ter muito e de ter melhor.

3. É com espanto e maravilha – nas palavras do texto citado do Papa – que podemos e devemos colocar-nos diante do presépio: nele somos desafiados a ‘dar espaço’, isto é, a que tenhamos espaço em nós mesmos (no mais íntimo do nosso ser), que demos espaço aos outros (nos lugares onde nos encontramos com eles - na família, no trabalho, na sociedade ou na Igreja) e que consigamos, acima de tudo, que Deus tenha o seu espaço condigno e necessário.

4. Uma sugestão simples: habitualmente colocamos na manjedoura do presépio uma imagem de Jesus-Menino, que está de braços abertos. Por momentos paremos e perguntemos-lhe o que Ele deseja receber de cada um nós, mais do que qualquer pedido a que Ele nos dê o que mais desejamos...



António Sílvio Couto

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Da mão aberta ao punho cerrado

 
A mão comporta uma forte e significativa linguagem de comunicação, pois através das mãos nós nos damos a conhecer e conhecemos os outros. Por vezes há pessoas que falam com as mãos, mesmo sem ser em linguagem gestual - essa específica para pessoas não-ouvintes. Se a mão é tão importante na nossa comunicação, ela configura estilos e modos nas diversas áreas do relacionamento humano. Vamos tentar refletir sobre duas das imensas forma de liguagem das mãos: a mão aberta e o punho cerrado...sobretudo agora que nos preparamos para viver um período de confronto político mais aceso.

1. Quem não terá já reparado que ideologicamente as mãos abertas – seja qual for a postura dos dedos – aparecem-nos mais conotadas com as (apelidadas) forças de direita e que, por seu turno, o punho cerrado como que simboliza as (ditas) ideias de esquerda. Haverá nisto algum fundo de verdade? Que raízes histórico-ideológicas podem ser aferidas a estas possíveis interpretações? Será que os ‘nossos’ políticos e afins compreendem esta distinção? Já se terão apercebido que qualquer destes gestos não é anódino,antes envolve linguagens atinentes? Como explicar, de forma simples e clara, a significação de tais comunicações de massas? Numa época de simbologias não será conveniente para todos conhecermos e sabermos o significado das coisas e dos gestos?

2. Nós falamos com mãos e as mãos falam daquilo que nós somos, isto é, a nossa forma de expressão oral é complementada com a expressão gestual. A mão simboliza uma acção ou uma obra e encerra a magia do coração; por isso transmite os seus sentimentos. As mãos amam, falam (por gestos) e acariciam, tocam e deixam-se tocar; as mãos tranquilizam e agridem, desejam e repelem; comunicam amor e agressão, serviço e domínio sobre o outro. Por isso a nossa língua é rica em expressões acerca da mão.
Na comunicação pelas mãos podemos percecionar a mensagem que nós queremos dizer e o que os outros nos pretendem transmitir. As mãos são arma e utensílio mesmo na linguagem política e ideológica...

3. O punho cerrado ou punho erguido é símbolo de solidariedade e de apoio a causas relacionadas com conflitos sociais como racismo, xenofobia, sexismo, entre outras mazelas que fragilizam as relações humanas. Também tem sido utilizado o punho cerrado como saudação para expressar unidade, força, desafio ou orgulho de pertencer a um grupo social e politicamente minoritário. A saudação remonta a antiga Assíria como um símbolo de resistência em face da violência.
No século XIX, o punho fechado como símbolo de enfrentamento esteve presente durante o episódio da comuna de Paris (1871), dos mártires de Chicago (1886) e na revolta dos Boxers (1899-1901). No século XX, o símbolo da mão foi largamente utilizado na revolução russa (1917-1921), como saudação vermelha, na guerra civil espanhola (1936-1939), como saudação anti-fascista, e também na Alemanha, como saudação nazista. Foi sinal usado ainda pelas lutas nacionalistas e de descolonização na América, África e Ásia, do movimento feminista e do movimento negro, chegando ainda às insurreições da atualidade...

4. Agora que estamos a entrar na refrega eleitoral em vias das próximas eleições antecipadas precisamos de estar atentos aos gestos – talvez mais contundentes dos que as palavras – daqueles que nos querem impingir a sedução ao voto. Felizmente nestas lides da democracia cada um só tem um voto, embora haja quem queira parecer que o seu é de qualidade e que intente fazer valer mais do que o dos outros.
De uma coisa estou certo: o punho cerrado pode refletir união e combate, mas não dá nada a não ser revolta, reivindicação e esmagamento, ao invés da mão aberta que pode receber e dar, por muito pouco que seja...hoje como ontem!
Não sigo nem voto nos proponentes e seguidores do punho cerrado. Nunca!



António Sílvio Couto

terça-feira, 21 de novembro de 2023

250 mil abortos (legais)… desde 2007

 

Os dados estão publicados. As fontes são minimamente credíveis: desde 2007 foram praticados, em Portugal, mais de 250 mil abortos de forma legal, isto é, cumprindo as regras higieno-sanitárias, as etapas da lei e em locais devidamente autorizados.

A Federação Portuguesa pela Vida (FPV) divulgou os resultados de um estudo sobre “A realidade do aborto em Portugal”, que apontam para 256 070 abortos realizados por opção da mulher, desde 2007. A notícia foi lançada, no dia 18 de novembro, pela Agência Ecclesia, ligada à Igreja católica.

1. Das hostes eclesiais não vimos qualquer comentário e/ou reação sobre o assunto, nem dos bispos e tão pouco pelos leigos e famílias. Os dados da FPV apontam para que, em 2021, houve 79.582 nascimentos, enquanto 195 mil mulheres abortaram desde que esta lei entrou em vigor, em 2007. Os números são duros e quase dramáticos, mas não podemos calá-los ou escondê-los ao sabor do (pretenso) politicamente correto.

2. Sem pretendermos pintar a situação com cores ainda mais escuras e tenebrosas, se acrescentarmos a estes dados os abortos ilegais, não será difícl de chegarmos à cifra simbólica de mais de meio milhão de abortos no nosso país, naquela (nesta) época? Apesar de se tentar branquear a questão por alguns mentores e difusores dos números do aborto, nada faz crer que a não-penalização – nessa tão eufemística quão enganosa designação de despenalização da interrupção voluntária da gravidez – tenha feito desaparecer o fenómeno do aborto clandestino e das vítimas que continua a deixar...direta e indiretamente.

3. Haverá alguma relação entre o ‘inverno demográfico’ na Europa e a difusão (vulgarização) do aborto? Os milhares de crianças mortas antes de nascer não teriam contribuído para o rejuvenescimento da população portuguesa e europeia? Por que não se faz – ideológica e acintosamente – uma correlação entre os dois fenómenos e como que se aceita como facto-feito o risco de perdermos a identidade pela não-opção em ter filhos? Não estará subjacente à recorrência ao aborto – há situações agravadas a partir do segundo filho – uma espécie de planeamento familiar de recurso?

4. Os mentores e continuadores desta matança não gostam que se lhes apresentem os números e com razoável habilidade escondem que os hospitais objetores da prática do aborto crescem, de norte a sul, pela consciência de que os médicos e outros servidores da saúde não se sentem vocacionados para matar, mas para defender e salvar a vida. Nas entrelinhas tais defensores do aborto deixam sair o queixume de que algumas equipas pró-aborto estão envelhecidas e cansadas, não será antes que estão mais conscientes e despertas para o valor da vida?

5. Este tema, desde a sua origem, sempre foi e será uma questão cultural, mais do que uma circunstância de saúde ou de conduta das mulheres. Não esqueçamos que a difusão do cristianismo na sociedade/cultura romana se deu na medida em que os cristãos eram contra a prática da matança das crianças – dito infanticídio – e pelo respeito pela vida na família. O choque, nessa época, foi grande e marcante, assim como o deve ser hoje, nesta sociedade hedonista e cultivadora do descartável, tanto na primeira como na derradeira etapa da existência.

6. A compreensão para com que praticou o aborto – já encontrei pessoas que carregaram esse fardo por mais de setenta anos – não pode deixar-nos indiferentes às mazelas que esta ferida social, psicológica e espiritual deixa em tantas pessoas. Muitas vezes foram as circunstâncias que fizeram caminhar para tal beco, mas hoje devemos apostar na educação sexual pela responsabilidade. Mais do que seria desejável continua a pulular a ignorância em tantos/as daqueles/as que ainda usam as coisas da Igreja. Sem medo nem preconceito é preciso dizer claramente: o aborto mata!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Mensagem para os ‘nossos’ políticos (*)

 


Se usarmos os clássicos 5W – who (quem), what (o quê), where (onde), when (quando) e why (porquê) – poderemos encontrar pistas para esta ‘mensagem’, que tem tanto de despretenciosa quanto de preocupada para com as inquietações e as leituras em saber para onde poderá ir a nossa (portuguesa e europeia) ‘vida política’ a curto e a médio prazo.

Excentíssimos senhores,
considero como qualidades necessárias para o exercício desta ‘arte da política’ – como lhe chamava Aristóteles – certas potencialidades humanas – em linguagem cristã, diz-se virtudes ou dons – básicas: a educação cívica, o respeito pela diferença, o serviço da verdade (por palavras e ações), a lealdade para com eleitos e eleitores, a lisura de trato com as coisas económicas (públicas e/ou privadas), a honestidade de caráter com todos (incluindo simpatizantes e opositores), a assunção das responsabilidades (antes, durante e depois do exercício de alguma faceta do poder), a aceitação das vitórias e das derrotas com transparência e serenidade...

Excelentíssimos senhores e senhoras,
agradeço a vossa disponibilidade para estarem ao serviço das coisas públicas, sobretudo neste tempo em que parece estar tudo e todos sob suspeita. De facto, é quase ignóbil que seja vilipendiada a privacidade de que está ao serviço dos outros. Mais do que o efémero da fama será sempre de defender o bom nome, a honra e a tranquilidade da família, quantas vezes prejudicada pelo tempo que não lhes dedicaram. Os incómodos inerentes ao exercício da vossa função pública nem sempre é devidamente pago (económica e civicamente) e isso poderá explicar certos ‘casos’ que, desgraçadamente, são extrapolados para todos. Merecem que seja distinguido o ‘trigo do joio’, no sentido geral e nas formas particulares. Embora a verdade se manifesta, esta nem sempre consegue deixar rastos de menos-boa-crença quando algo surge a manchar uns poucos...

Senhores e senhoras que ainda querem estar (ou continuar) na vida da política,
- Pelo vosso comportamento ajudem a criar uma boa onda de credibilidade da vossa presença e ação.
- Procurem excluir das vossas listas os oportunistas e fazedores do descrédito até agora reinante.
- Cuidem de que sejam mais vistos pela competência do que pela conivência com o antes e o ‘dejá vu’.
- Sejam exigentes na elaboração - seja qual for o partido ou ideologia - das listas dos que serão submetidos à votação.
- Mais do que atenderem à satisfação dos interesses de grupos (económicos, lóbis ou ideológicos) que saibam promover o bem comum na forma e no conteúdo.
- Auguro que, pela qualidade dos executantes, sejam exorcizados os interesseiros, os bajuladores, os trapaceiros e quantos se servirem da política para enriquecer sem freio nem moral...

Queiram desculpar esta missiva, mas só a escrevi porque acredito que ainda haverá homens e mulheres que sabem e querem estar na vida política com sentido e cuidado dos outros. Que sejam mais e melhores!



(*) Membros/simpatizantes/beneficiários dos partidos políticos, autarcas, deputados (em exercício ou candidatos), governantes, assessores...juvenis ou retirados.



António Sílvio Couto

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Dar espaço


Por vezes ouvimos dizer que ‘é preciso dar espaço’ para que possa ser colocada outra coisa, retirando algo que estava a ocupar esse tal espaço. A noção de ‘espaço’ pode ser variável, tanto mais quanto esse possa ser subjetivo. Com efeito, dizem os entendidos em matéria de assuntos psicológicos que a descoberta de ‘espaço’ e de ‘tempo’ carateriza a nossa perceção de lugar e história, isto é, quem somos e onde estamos... num determinado lugar e em relação a quê e a quem.

Neste tempo de consumismo é habitual vermos - e nós e à nossa volta - que se dá um preeenchimento do espaço (interior e exterior) das pessoas com coisas, numa quase insaciável vontade de ter mais do que, porventura, de ser. Se há época do ano em que isso parece estar mais ativo é no tempo de Natal: a sociedade de consumo fascina as pessoas com o desejo de ter mais, ter muito e ter melhor.
Atendendo a estas questões sugerimos para a preparação do Natal deste ano a expressão: ‘dar espaço’, naquilo que implica ou que possa exigir que tenhamos espaço em cada um de nós (no mais íntimo do nosso ser), que demos espaço aos outros (nos lugares onde nos encontramos com eles - na família, no trabalho, na sociedade ou na Igreja) e que consigamos, acima de tudo, que Deus tenha o seu espaço condigno e necessário.

= Etapas da caminhada

As propostas de caminhada do Advento deste ano podem ser faseadas, isto é, a partir da Palavra de Deus de cada domingo em que acolhemos e deixamo-nos interpelar ainda por algumas (mais simbólicas) ‘figuras’ do presépio.

Como linguagem de suporte podemos servir-nos da ‘estrela-do-mar’ na sua figuração.
Em cada semana (apontamos o domingo) ligando a alguma das figuras mais representativas de preparação para o Natal..e, se quisermos incluir uma outra dinâmica, as velas da ‘coroa do Advento’ com uma coloração diferente por semana
- 1.ª semana (dia 3) - ovelhas como sinais de simplicidade; na ‘coroa’ acendemos uma vela de cor verde;
- 2.ª semana (dia 10) - vaca e burro como sinais de aconchego animal; na ‘coroa’ acendemos uma vela de cor vermelha;
- 3.ª semana (dia 17) - Maria como expressão de maternidade; na ‘coroa’ acendemos uma vela de cor de rosa (em consonância com o domingo gaudete);
- 4.º domingo (dia 24) - José como significação da paternidade; na ‘coroa’ acendemos uma vela de cor azul.
No centro da ‘estrela-do-mar’ poderemos colocar uma pequena imagem do Menino Jesus, proporcional à dimensão da mesma estrela. Seria um bom presente a oferecermos a quem considerarmos que gostaríamos de fazer presença neste Natal.



António Sílvio Couto



quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Identidade e questionamento

 

“Je suis ce que je suis

et si je suis ce que je suis
qu’est-ce que je suis?»
(Sou o que sou e se sou o que sou, o que é que eu sou?)
Esta frase - no original em francês e traduzida - pode conter algo suscetível de fazer-nos refletir sobre diversos aspetos da nossa vida pessoal, familiar e coletiva/social/eclesial. Efetivamente urge conhecer-se na verdadeira identidade, sem subterfúgios ou compensações, sem duplicidades ou mecanismos de substituição, antes enfretando-se a si mesmo e aceitando os outros como eles são, verdadeiramente.

1. É bem mais habitual do que se julga encontrarmos pessoas que se guiam pela aparência do social, desde os critérios de conduta, passando pela indumentária (carros, roupagens, festas e amigos) que usam ou até mesmo que pertença a algum grupo das redes (ditas) sociais... valem pelo que mostram e não pelo que são. Em certas ocasiões ostentam os títulos académicos (se os têm) mais como forma de impressionar os outros do que pela valorização que eles significam. Recordo o episódio de um senhor que ostentava um anel de formatura de um curso considerado de relevo social, mas cuja forma de falar, deturpando as palavras e a conjugação das frases, não condizia com tal graduação académica. Depois de alguns dias de convivência abordei-o, questionando qual era o curso simbolozado por aquele anel, ao que ele respondeu, comprei-o numa ourivesaria... e assim tentava impressionar os frequentadores do café famoso que geria...numa cidade de renome.

2. Com relativa facilidade podemos ainda encontrar pessoas que, de alguma forma, renegam as suas origens e as da sua família, tentando com isso dar a impressão de que se colocam numa fasquia social acima – na maior parte das vezes é fora – ofendendo os antecessores e podendo deseducar os sucessores. Infelizmente os exemplos são muitos e em quase todos como que nos percorre a sensação de que sob a máscara de certas figuras se encobre um quê de complexidade no equilíbrio emocional e psicológico de tantos em excesso.

3. A avaliar por alguns comportamentos de pessoas com quem convivemos habitualmente – de forma direta ou indireta – precisamos de ter uma chave de leitura bem mais apertada do que seria desejável, se tudo decorre-se em conformidade com critérios ‘normais’ entre todos. Vivemos num contexto social onde as pessoas se relacionam e criam redes de proximidade: umas vezes dão-se a conhecer, noutras tentam impressionar e, na maior parte das situações, procuram tirar proveito daqueles que consideram ‘amigos’ – no conceito mais vasto ou restrito – seja via redes sociais ou no contacto direto. É calamitoso que haja pessoas com milhares de ‘amigos’ no faceboock, mas solitários (sós, tristes e abandonados) na hora da verdade.

4. Cada vez mais e melhor precisamos de aprender a conjugar a multiplicidade de ‘imagens’ que temos de nós mesmos, que damos aos outros, que os outros têm de nós e que eles possivelmente nos querem apresentar.

Qual é a imagem que eu tenho de mim mesmo? Está alicerçada na verdade ou vivo na aparência do que quero que os outros vejam ou pensem de mim? Aceito-me como sou ou tento encobrir, pelo disfarce, aquilo que não gosto ou não aceito em mim mesmo? Qual o grau de autoestima que cultivo? Não será exagerado e pouco verdadeiro?
No trato com os outros aceito-os como eles são? Distorço as suas qualidades e/ou defeitos? Vejo neles o que não são? Critico-os ou adulo-os? As suas qualidades fazem-me sombra? Sou moderado nas apreciações que faço dos outros, sobretudo daqueles que penso conhecer melhor? Tento aproveitar-me dos ‘amigos’ que digo ter?

Numa palavra: amo e estimo os outros porque me amo – com qualidades e defeitos, virtudes e falhas/pecados – a mim mesmo?



António Sílvio Couto

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

O que ofende – as perguntas ou as respostas?

 

Quem não ouviu já frases – tipo chavão ou quase idiomáticas – como estas: perguntar não ofende; só se deve responder àquilo que nos perguntam; quem pergunta quer saber; antes de saber as respostas devemos deixar fazer as perguntas; quem pergunta quer ser esclarecido; dar respostas com educação...etc.

De facto, nem sempre aquilo que é perguntado deverá ser respondido, pois desta ação de resposta poderá decorrer algo que correrá o risco de faiscar no perguntador ou nas entrelinhas suscitadas.

1. Por vezes o silêncio é a melhor resposta a certas perguntas, sobretudo àquelas que se percebe que podem envolver má-fé ou, pelos menos, menos boa intenção. Efetivamente, recordo, há anos, uma simples intervenção do então Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, que a uma questão colocada por uma jornalista, respondeu direta e secamente: ó menina, isso é pergunta que se faça! Com efeito, há quem mais do que querer esclarecer-se – e através das perguntas que faz ajudar outros a serem esclarecidos – procura mais entalar aquele/aquela a quem está a questionar. Isto será tanto mais grave quanto o interlocutor questionado possa cair na esparrela de dizer tudo e o resto que não lhe é perguntado...

2. Num tempo de velocidade – psicológica até mais do que real – as perguntas podem ajudar a saber mais, mas também podem confundir quem ouça ou veja. Em certos casos da comunicação social em uso no nosso país encontramos perguntadores que não passam de tripé de microfone, pois aquilo que dizem, sob a alçada de pretensa pergunta, é já conversa encomendada, senão mesmo soprada do estúdio. Aquele simulado microfone no ouvido serve para quê? A insistência no mesmo tema, se já foi respondido, é feita com que intenção? Disparar sem parar perguntas e mais questões não será mais para tentar colher de quem fala aquilo que talvez não queira dizer?

3. Recordo, quando andava nas lides do jornalismo ativo, um certo ‘jornaleiro’, que entrava mudo e saia calado das ditas ‘conferências de imprensa’, mas nas páginas do seu jornal, no dia seguinte, ele referia que quem falou respondeu às ‘suas’ perguntas, sem que se lhe tivesse ouvido a voz em tempo algum. Ainda hoje vemos certos papagaios de televisões e de jornais que usam o mesmo truque: com a verborreia de perguntar não deixam ninguém esclarecer nem dão espaço a que outros possam colocar perguntas com lealdade e sem manhas. A dita pressa em informar corre o risco de se tornar um espaço de criação de factos relevantes com questões insignificantes e quase miseráveis do ponto de vista do verdadeiro interesse do público.

4. Nos dias mais recentes temos assistido a uma quantidade razoável de situações onde os que perguntam e aqueles que são perguntados precisam de saber respeitar-se: os perguntados não podem tentar ofender a inteligência dos outros, menosprezando so seus neurónios enferrujados; os perguntadores mais do que desviarem a atenção do essencial devem permitir que, quem esteja sob a pressão de responder, o faça com liberdade e não embarcando nas subtilezas da manipulação preconceituosa de lóbis e ideologias.

5. Urge, por isso, fomentar a verdadeira liberdade de comunicação, onde todos se respeitem e façam dessa atividade um autêntico serviço à verdade. Por muito que dela se reclamem, em certos fazedores da comunicação social, nota-se que mais do que servi-la, ofendem-na com meias-verdades, senão mesmo mentiras e difamações... As apelidadas ‘fake news’ (notícias falsas) são mais normais do que se julga e pululam nos órgãos de comunicação com regularidade. É importante comunicar, mas torna-se indiscutível saber fazê-lo. É essencial perguntar, mas é urgente conhecer os meios e as formas mais corretas. Informar e ser informado é um direito e dever com regras e obrigações de todos...



António Sílvio Couto

sábado, 11 de novembro de 2023

Num país de galambices

O dia 7 de novembro de 2023 ficará na história como uma data marcante da nossa quase meio-centenária democracia: um chefe do governo – suportado por uma maioria parlamentar – teve de pedir a demissão por razões mais ou menos esconsas e subterrâneas, isto é, pelas manobras ardilosas de um certo ministro e afins que foi espalhando má reputação – à mistura com jogos de influência – a ponto de colocar em causa regras mínimas do Estado e da governação.

A chave do problema – de seu nome João Galamba, de 47 anos – tem deambulando pela área do ambiente, embora esteja, por agora, a decidir sobre matérias de infraestruturas de grande alcance… lidando mais uma vez com muito, mas mesmo muito, dinheiro, tal como no passado a que dizem respeito as matérias sob investigação… concessões de exploração de lítio e de hidrogénio verde.

1. Andava o país entretido a tentar resolver o imbróglio do (dito) serviço nacional de saúde, quando rebentou a bomba no palácio de S. Bento: o chefe de governo estava metido no enredo – sabia ou foi usado na matéria – por outros intervenientes, alguns deles próximos nas ideias do partido. Em menos de cinco horas tudo se resolveu pela renúncia ao cargo do PM e fomos vendo cair outros por arrastamento…

2. Com que velocidade emergiram certos figurões – da área judicial, mas também do foro legislativo – a insurgirem-se contra quem questionou o comportamento dos prevaricadores: a justiça passou de elemento de paz social para estar na mira da acusação pelos apaniguados dos agora denunciados. Numa mentalidade muito portuguesa passou-se a questionar o árbitro e não a revoltarem-se contra os maus jogadores… É assim no futebolês e também na política de baixa moral: na hora da derrota a culpa é sempre dos outros!

3. Quando se pensava que o tráfico de influências andaria um pouco mais arredado dos espaços do poder, eis que volta a estar na ordem do dia e mais uma vez pela mão dos mesmos de outras épocas. Ainda não saiu para julgamento um anterior PM socialista e novamente está outro na liça. Isto será coincidência ou sina? Que há de tão propício neste setor ideológico para que, ciclicamente, tenhamos de ser confrontados com novos intérpretes, mas com defeitos antigos e repetidos? O povo que vota continuará a insistir na dose em engano, quando os dados são por demais óbvios?

4. Pasme-se na avaliação que a comunicação social – no geral e em certos particulares – faz destes enredos: promotores e seduzidos pelo poder dos mais fortes, aparecem como ‘virgens ofendidas’ na sua honorabilidade, quando fizeram parte dos banquetes e deram cobertura às façanhas de ontem como às de hoje. Eis que uns tantos querem parecer defensores do bem alheio quando não sabem cuidar do que é seu; que são bons a dar conselhos, mas não os seguem para si mesmos; que têm boas intenções, mas não as vivem minimamente.

5. Por muito que nos custe ouvir e de termos de reler: há um povo nos confins da Europa que não se governa nem se deixa governar. Somos algo irrisório no mapa das ‘democracias’ ocidentais: desde que nos deem pão e jogos facilmente nos levam pela demagogia. Uns trocos a mais ao final do mês, uns tostões de desconto em certos produtos, umas benesses de ocasião ou promoções à socapa… eis como nos vão ludibriando vez após vez e ninguém desconfia quando a mísera esmola cresceu um pouquito.

6. Neste país de galambices são poucos os que tentam destoar da manada e se o fizerem correm o risco de serem apelidados de populistas, de reacionários, de defensores dos valores extremistas. Estamos formatados para continuar a seguir os passos que nos têm levado ao abismo? Até quando nos enganam com papas e bolos? No virar da esquina se adivinha mais uma crise de identidade, mais do que económica ou social…



António Sílvio Couto

terça-feira, 7 de novembro de 2023

O ‘cavalo-de-tróia’ já chegou...


 Tinha a sensação de que algo de muito nefasto está a acontecer no nosso país. Por estes dias – infelizmente – pude confirmar: cidadãos de países do extremo oriente pululam em diversos pontos das nossas cidades: Santarém ou Setúbal, Lisboa ou Braga, Albufeira ou Cascais...vemos a deambularem, sorrateiramente, cidadãos com tez de outras paragens geográficas, dedicando-se a atividades – comerciais ou de restauração, nos espaços de conforto ou de estética, na agricultura ou em situações de substituição de tarefas rejeitadas pelos autóctones – nem sempre entendíveis pelos lusos, numa espécie de invasão em lugares significativos e simbólicos de cada localidade.

1. Somos na prática um país dependente da imigração – mais de 10% da população residente tem origem noutros países que não Portugal – mas isso não nos deve induzir numa certa resignação e excesso de abertura em receber tudo e todos que queiram para cá virem. Numa escala de troca de serviços poderemos considerar que a necessidade da substituição em áreas já não desejadas para os nossos ‘trabalhadores’ deveriam fazer-nos refletir mais naquilo que temos estado a fazer. A aventura de partir pode ter muitas e díspares explicações, mas no fundo da maioria dos casos reside uma busca para uma resposta que, por vezes, envolve mais mistério do que razões explicáveis... Se bem repararmos a maioria dos migrantes é triste e espalha esse ambiente interior, disfarçado de barulhento... à semelhança da sua terra de origem.

2. Talvez nos falte capacidade de discernimento para sermos rigorosos quanto ao futuro próximo. À luz de certos métodos político-sociais é mais fácil rotular de xenofobia com a subdivisão de racismo a quem ouse defender uma maior atenção a quem chega. Talvez seja mais sensível dar um ar de democrata evitar refletir sobre as causas de quem nos procura, negligenciando as consequências de saber o que se poderá seguir a curto e a médio prazo. Talvez possa ser mais conveniente tentar enganar-se com não enfrentar os problemas do que em procurar entender o que estamos a dar sem resolver o mais importante: essas pessoas não serão reduzidas as coisas (números, faturas e impostos) em vez de lhes resolvermos a fuga dos nossos próprios problemas sem resposta?

3. Qual é a mentalidade comum do migrante? Ter e dar melhores condições humanas para si e para os seus. Isso o fez arriscar sair da sua terra, mas esta será sempre o seu lugar de referência e como que a nostalgia do regresso. E nem os internacionalistas mais arrejados deixam de sentir que o seu ponto de regresso é a casa de partida. Lá no fundo todos temos um quê de saudade de onde vimos, mesmo que nem sempre saibamos para onde vamos ou para onde queremos ir. Pasme-se que os defensores dos migrantes quase sempre são ou foram isso mesmo nalguma etapa da sua vida. Ousaria considerar que a defesa dos migrantes encobre um desejo profundo de que eles não o deveriam ser, por muito que deles possam precisar para certas tarefas que já não fazem...

4. Há uma espécie de confluência de imigrantes que nos deveria fazer refletir: muitos são procedentes de regiões do Planeta onde a faceta da religião-ideologia está mais arreigada. Sem temer ser confrontado com a tal teoria da conspiração, com que certas mentes rotulam quem coloque questões, deixo breves perguntas. Certa tolerância de alguma ‘esquerda’ não cheira a combate ao cristianismo sob a forma de defesa da imigração anticristã? Não andaremos a deixar que o ‘cavalo-de-tróia’ – essa simbólica de fazer penetrar algo disfarçado no castelo em defesa – seja montado, entre e até dissimine a capacidade de poder fazer implodir a sociedade ocidental e europeia em particular? Na nossa sonsice generalizada não andaremos a dar trunfos – que mais cedo do que tarde serão triunfos – a quem nos pode aniquilar cá dentro, em caso de ataque consertado com o exterior? Porque há tanto sucesso nas manifestações pró-muçulmanas nas sociedades e culturas dos países europeus? Já vimos o crescimento – em números reais – dos muçulmanos no nosso país?



António Sílvio Couto

sábado, 4 de novembro de 2023

Não deviam ter começado!

 


"Desta vez foi alguém do vosso lado que começou. Não deviam".

Foi desta forma algo paternalista que o Presidente da República portuguesa se dirigiu a um dirigente palestiniano como que a repreendê-lo - e nele a todos os seus compatriotas - quanto ao início do conflito entre Israel e a grupo Hamas de origem palestiniana, que atacou os israelitas no passado dia 7 de outubro... e desde então assistimos a uma guerra destruidora de tudo e de todos.

1. Será que o PR português se imiscuiu na refrega? Tomou partido por uma das partes com o que disse? Confundiu advertência privada com posição política? Não tem direito de se exprimir, quando tantos outros (duma certa esquerda pacifista de garras afiadas) já se venderam - como de costume - à parte agora (e mais uma vez) beligerante? Ser por Israel é vergonha e pelos que atacam é honra? Não faltará honestidade mental e cívica a tantos defensores de quem esbentrou o subsolo da Palestina? Em boa parte dos mentores deste secular conflito continuam a correr-lhes nas veias o espírito de Caim contra Abel... Se não conhecem a estória leiam o guru da Azinhaga e meditem as propostas lá contidas!

2. Qual cena do recreio da escola, o senhor professor quis dar ‘tau-tau’ aos meninos que andam à luta, engalfinhando-se até que um seja vencido. O pior é que a sensação que temos é que nenhum ganhará a batalha e tão pouco a guerra. Os que assistem à bulha como que acirram ainda mais os contendores e daquilo a pouco nada nem ninguém os fará parar, pois se sentem enfurecidos pelos apoios que seriam dispensados... Tal como no contexto da escola, os matulões que patrocinam a barafunda saem sempre a ganhar, ontem como hoje!

3. Este retrato do conflito israelo-palestiniano como que nos dá a sensação que mais este problema entre vizinhos será um foco de animosidade local e geral, deixando perceber que as duas partes são mais do que aquilo parecem mostrar. Vejam-se as reações extremadas e extremistas de certas sociedades - entre as quais a de Portugal - onde rapidamente se desenterram posições ideológicas, se mostram simpatias e se arregimentam protestos e apoios quase impensáveis. Não esqueçamos as palavras pouco diplomáticas do secretário-geral da ONU e das reações em favor e contra, bem como as declarações do PR português, que vimos citando neste texto: um e outro, mesmo que amigos entre si e ambos concidadãos, disseram coisas tendo como referência uma e outra das partes da barricada e foi claro de ver o que sobre um e para com outro foi reagido... A Palestina continua a ser terra abençoada e de múltiplas contradições, tal como reza sua história milenar!

4. Embora este acentuado conflito na Palestina dure há tempo de mais, ele reflete vários problemas e que dificilmente terão solução a contento de todos: questões religiosas - várias fés (abraâmicas) ali têm referência; situações de luta pela água - num espaço quase desértico esta é algo precioso; convivência cultural - mais do que religião temos aspetos de visão de vida; explosão demográfica - muita gente para curto terreno; incidências do passado não resolvidas e que emergem ciclicamente... São estes e outros ingredientes que tornam tão efervescente esta porção do planeta Terra. Será complicado encontrar a resolução de algo que tem mais para prosseguir na conflitualidade do que para se resolver na pacificação. Será avisado e de bom senso não se meter na questão, pelo contrário tomar partido só o prolonga no tempo e fora do espaço...

5. Aquela que apelidam de ‘terra santa’ continua a ser sacrificada e ser pedra de tropeço na história humana. Até quando?



António Sílvio Couto

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Perdemos a memória…pessoal e coletiva?

 

Por ocasião do recente ‘dia de fiéis defuntos’ podemos ver – ainda não é reconhecer – um sinal algo perigoso da nossa condição e cultura coletiva e como reflexo de muitas atitudes pessoais: um abandono crescente da ausência das pessoas a recordarem – de forma assumida e pública – a lembrança dos seus mortos, antepassados, familiares ou não.

Sou procedente de uma região do país com outra vivência e envolvência social, onde o respeito pelos mortos tem quase um culto exacerbado. E aquilo que vejo não só me custa como me escandaliza. Por isso, esta breve partilha, reflexão ou quase grito de revolta não só quanto ao presente, mas atendendo ao futuro próximo.

1. Desde já uma observação de interesses: considero que se devia acabar com os feriados religiosos com incidência civil, pois, esta dimensão civilista obriga quem tem de estar no serviço religioso e não cumpre a finalidade para a qual foi feito o ‘feriado religioso’. Datas como 1 de novembro, 8 de dezembro, sexta-feira santa, corpo de Deus, Assunção funcionam como feriados civis mas que, de verdade, são ’dias santos’ e para os católicos com obrigação de preceito religioso. Faço parte de um minoria que não os usufrui… Não gosto, no entanto, de contribuir para a preguiça alheia, dando-lhe cobertura que seria escusada, se houvesse verdade no conteúdo e na forma.

2. Fixemos a atenção neste fenómeno cultural crescente que é a privatização da morte, senão mesmo o varrê-la para fora do nosso alcance de inquietação, como se, desta forma, a evitássemos ou mesmo dela conseguíssemos escapar.

Li, há dias, esta observação: «há crianças que não vão ao funeral de familiares diretos porque ficam traumatizadas, mas no halloween, os papás [e mamãs] vestem-nos de mortos-vivos e bruxas». Este incisivo revela bem a incongruência de tanta gente, que critica uns comportamentos e promove o mesmo, só que em contexto diferente.

Sem qualquer juízo de valor podemos ver que se torna difícil ser coerente, tanto nas ideias como nos comportamentos e, pior, como que se brinca com assuntos sérios banalizando-os com atitudes, gestos, palavras e preconceitos.

3. Recordo de lembrança frases como estas: um país sem memória é um país sem futuro; um povo sem memória é um povo sem história; um povo que não conhece a sua história está fadado a repeti-la… Por estas quase sentenças podemos tentar perceber que, muito daquilo que somos hoje, está inscrito na vivência dos nossos antepassados e que nós próprios fazemos parte da construção do futuro com as lições – boas ou menos boas e mesmo más – que colhemos do passado. Por isso, o crescente abandono às nossas referências históricas – pessoais, familiares, sociais, culturais e coletivas – torna-se, além de perigoso, uma espécie de atentado à nossa sobrevivência como pessoas e instituições: antes de nós já houve vivência e depois de nós continuará a existir vida, mas esta dependerá da forma como soubermos referenciar-nos aos valores essenciais e não meramente às intriguices de circunstância…

4. Nesta sociedade de consumo em que vivemos podemos entender um tanto melhor essa ortopráxis materialista com que tantas pessoas se deixam conduzir, isto é, guiados mais pelas coisas materiais das quais têm experiência e vivência, esquecendo os valores psicológico-espirituais. Com que facilidade vemos resvalarem para o esquecimento valores que foram critérios de vida de muitos dos nossos antepassados. Com que velocidade temos visto serem perdidas causas de pessoas que eram motivo de exemplaridade na vida familiar e social. Embora os tempos sejam outros – como dizem certas vozes – os valores da gratidão, da honestidade, da lealdade… são intemporais e precisam de ser promovidos, vividos e reconhecidos.

5. Embora o sepultamento em cemitério fosse um acicate ao não esquecimento (memória), que dizer das repercussões do rápido vulgarizar da cremação, não iremos esquecer mais anónima e facilmente?



António Sílvio Couto