Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 28 de junho de 2018

Encanar a perna à rã


A frase idiomática – ‘encanar a perna à rã’ – quer significar: não fazer nada, atrasar, não resolver, demorar, empatar, isto é, fingir que faz e não faz, não dar andamento, ser mandrião…demorar muito tempo, ser lento ou moroso.

Será um tanto útil explicar os termos usados na expressão…até para podermos encontrar as consequências do dito. ‘Encanar’ é colocar entre canas ou talas os ossos fraturados, mantendo-os em forma adequada para o seu processo de recuperação. ‘Encanar a perna’ será como que uma operação de imobilização do dito membro, a perna, em ordem a mais facilmente adequar as condições à melhor conjugação para vir a melhorar. Com a perna encanada, a (dita) rã não consegue movimentar-se, estando nalguma passividade sem reação, isto é, sem poder saltar ou mesmo saltitar… 

= Ora, quando se usa esta expressão na linguagem mais comum como que se pretende falar de alguém – real ou virtual – ou dalguma situação – vivida ou sonhada – onde se fala muito sem consequências ou onde uns tantos dizem algo sem que com isso participem na solução dos problemas, entretanto, surgidos, manifestados ou não-resolvidos…O mais desagradável de tudo isto é que há quem considere que o palavreado ouvido/sentido não é solução de nada nem de coisa alguma. Há até quem recorra a esta expressão para caraterizar uns tantos ‘oradores’ sem conteúdo bem como outros ‘anunciadores’ sem rede nem forma de sobrevivência daquilo que dizem e mesmo fazem…

Subjacente a estes considerandos estão como que aspetos duma mentalidade mais ou menos hipócrita onde se tenta dar a entender que se tem algum desempenho razoável, quando o que se nota são laivos de incompetência e de ignorância, fazendo com que esta pareça mais oportuna do que aquela e a tal se vá disfarçando até que se descubra que a cara não condiz com o reverso… Quem não encontrou nos momentos da sua vida uns tantos/as espertos/as que vão adiando o que deviam apresentar como resultado do seu trabalho/desempenho, sacudindo do resguardo os pingos daquilo que se esperava que fosse a conclusão do ainda não-feito… A isto se pode chamar na nossa linguagem popular: chico-espertismo nacional e à boa maneira lusa. 
= Quanta gente andar por aí a ‘encanar a perna à rã’, mesmo não se dando conta de que isso é mais o seu modo de vida do que outro ofício… Isso de ‘encanar a perna à rã’ não pode ser desculpa para tanta da incompetência e muito menos da incongruência duma parte significativa de tantos nossos concidadãos. Nem todos vivem de expedientes, mas muitos/as fazem disso o seu trabalho cotidiano, com teor razoável e subtilmente remunerado. Quanta gente, que vive num certo funcionalismo público, parece estar, nas horas de serviço, mais a encanar a perna à rã do que a servir quem solicita ser atendido. O que há de mais confrangedor é que muita desta gente que passa o tempo a ‘encana a perna à rã’ ainda não se tenha apercebido disso, apesar dos outros já se terem dado conta dos resultados! 

= Porque ‘encanar a perna à rã’ é como que um malefício nacional precisamos de detetar as situações, de denunciar as razões, de enfrentar as condições, de corrigir as causas, sabendo perceber por onde passa a melhor forma de emendar as consequências. Seja qual for o setor em que vejamos esta atitude de negligência será preciso que os responsáveis – podendo ser eles mesmos os mentores e/ou executores dessa conduta – tenham discernimento sério e objetivo para que não andemos a enganar nem a enganar-nos.

«Hoje em dia, tornou-se particularmente necessária a capacidade de discernimento, porque a vida atual oferece enormes possibilidades de ação e distração, sendo-nos apresentadas pelo mundo como se fossem todas válidas e boas. Todos, mas especialmente os jovens, estão sujeitos a um zapping constante. É possível navegar simultaneamente em dois ou três visores e interagir ao mesmo tempo em diferentes cenários virtuais. Sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião» - Papa Francisco, ‘Alegrai-vos e exultai’, n.º 167.

Assim sejamos capazes de entender e de viver…neste discernimento permanente e atuante!

 
António Sílvio Couto



segunda-feira, 25 de junho de 2018

Instabilidade emocional…dos dirigentes e não só


O que temos visto, ouvido, sentido e captado em vários factos, acontecimentos e episódios da nossa vida coletiva – na dimensão desportiva/associativa por excelência – é uma fortíssima instabilidade emocional duma grande parte dos dirigentes e não menos expressivamente dos que são por eles conduzidos…O que ontem era considerado posição irreversível, hoje não passa duma nota de rodapé, num texto em branco, pois a escritura nunca teve redação. O que era considerado acerto de posição contra os opositores, hoje parece ser motivo de diálogo, mesmo sem interlocutor. O que há dias parecia ser uma atitude de luta inquebrantável, hoje não passa dum afago no ego dos responsáveis sem linha nem direção…

Estamos, de verdade, numa fase complexa da humanidade, seja qual for o âmbito de intervenção e/ou de decisão. De entre os mais urgentes problemas de alcance geral, o dos refugiados é um dos mais gravosos e quase desumanos. Há países que foram erguidos pela intervenção dos refugiados – nos tempos de antanho eram antes considerados como emigrantes – como os EUA e tantos outros no quadro da cultura (dita) ocidental, que agora se acham no direito de criar obstáculos a que outros povos, menos favorecidos pelos recursos económicos e dos fatores de produção, possam melhorar as suas condições pessoais, familiares e sociais…emigrando com armas, bagagens e filhos.

Por esta ocasião lembro-me dum certo diálogo entre um neto e um avô, em que o mais novo inquiria:

- Avô, porque somos considerados, enquanto portugueses, como um povo que saiu, em tempos recuados, a dar novos mundos ao mundo e agora estamos tão pobres ou mais do que os outros?

Ao que o avô respondeu:

- Sabes, neto, nós somos descendentes daqueles que ficaram…

Sim, uma longa e incontrolável lista de cidadãos deste país vive (ou vai sobrevivendo) dos proventos antes trabalhados e agora pouco ou nada acrescentam ao já feito e até sem interesse pelo que outros possam conquistar…e fazer melhor. 

= É notório que nos faltam líderes capazes de nos conduzirem com serenidade e prudente ousadia, isto é, sabendo quando podem propor caminhos que fazem andar sem ser preciso desviar-se dos obstáculos e dentro duma dinâmica que possa empenhar o maior número possível de concidadãos. Tais responsáveis/dirigentes teriam horizontes alargados e não pequenas metas para a sua autopromoção.

Ao desnorte de tantos dos que estão investidos em poder – seja em razão das votações, seja pelas artimanhas mais ou menos subtis – falta-lhes nitidamente autoridade, essa qualidade que se adquire em função daquilo que se é e muito para além do que se diz. De facto, a incongruência entre a palavra e a ação é uma espécie de erro muito comum naqueles/as que exercem funções de governança…seja qual for a instância em que se possam encontrar. Pior será ainda se tais pessoas forem desequilibradas emocionalmente, na medida em que possam confundir os seus gostos mesquinhos com os objetivos da corporação à qual dirigem ou presidem… Isto temos visto nos últimos tempos de forma abundante em que certas agremiações desportivas, culturais e sociopolíticas…dentro e fora de portas.  

= A crise do dirigismo tem servido para emergirem pequenos ditadores, que até conseguem cativar para o seu projeto pessoas mais ou menos credíveis. No entanto, quando lhe sobe a importância ao testo facilmente deixam transparecer quem são e o que pretendem, apesar de já terem feito estragos quase irremediáveis. Não estamos infelizmente livres de sermos conduzidos por alguns desses ‘democratas’ de laboratório ou de feira. Será preciso estarmos muito atentos para que não se apeguem ao poder, destronando-os logo que seja possível e não deixando que lancem tentáculos quase invisíveis. A desmotivação e o deixar andar podem ser as armas mais comuns para que tais ditadores se considerem imprescindíveis e armadilhem os espaços em que se movem. Já temos exemplos mais do que suficientes para que estejamos em alerta permanente.

No quadro nos nossos relacionamentos precisamos de estar em contínua avaliação emocional – mais do que intelectual – dos nossos dirigentes, responsáveis e chefes, colocando-os e colocando-nos em apreciação para que não se tornem nem nos tornemos isso que contestamos nos outros… Equilíbrio, precisa-se sempre!     

 

António Sílvio Couto  


sexta-feira, 22 de junho de 2018

Caça ao voto…começou ou nunca termina?


Numa expressão algo lapalissiana um deputado do partido que suporta o atual governo disse duma iniciativa de outro grupo parlamentar: isso que estão a fazer denota que começou a época de caça ao voto!

Mas será que esta ilustre mente (mais ou menos) pensante acha que a sua tarefa ‘política’ não é essa mesma de estar em contínua, atenta e audaz caça ao voto, seja lá o tempo que possa ser, não confinando a tal ‘caça ao voto’ à época de eleições e/ou de campanha eleitoral.

O tema em discussão anda em volta da carga fiscal – tecnicamente chamada de ‘imposto sobre produtos petrolíferos’ – que é aduzida sobre os combustíveis, no caso da gasolina estará na ordem de dois terços do custo por litro, enquanto no gasóleo se situa em cerca de metade no ato de pagamento…

Ora, havia sido prometido que a variação do preço do petróleo nos mercados se repercutiria no custo final do produto. À boa maneira duma frase-chavão: ‘se bem o prometeram, melhor o esqueceram’ e foi de ver um aumento crescente – muito para além do proporcional – dos impostos indiretos, no caso dos combustíveis que permitem circular as mercadorias, as pessoas, os bens…tanto em trabalho como em lazer, duma forma cega, pois ricos ou pobres todos pagam de forma indistinta, mesmo que isso possa tornar-se desigual e com mais impacto nos mais vulneráveis e com piores recurso… 

= Voltemos à frase-lamento a propósito da ‘caça ao voto’. Não será que muitos dos empregados de luxo, que são os deputados, se esquecem que só têm emprego por quatro anos? Nesses ditos tempos de exercício do poder, não será que se alheiam daqueles que neles votaram, servindo antes as tricas partidárias e menos os valores de cidadania? Sabendo que o emprego está com prazo delimitado, não seria expetável que o combate pelo voto se devesse alicerçar mais na valorização da qualidade e menos pela quantidade? A introdução – sobretudo nesta legislatura – de temas fraturantes é merecedora de aplauso ou de repúdio? Não andarão os deputados/as mais entretidos com assuntos de ‘pequena política’ – por vezes apelidada de politiquice – do que com os assuntos essenciais da vida dos seus concidadãos?

Ter trazido para a liça de conjetura a ‘caça ao voto’ só porque o assunto não lhe é favorável, será, no mínimo, ter perdido o controlo da gestão dos interesses partidários, subjugando os assuntos do país à mercê da volatilidade dos acordos e colocando sob suspeita a mentira repetida de que não há aumento de impostos ou de que a austeridade já teria terminado… 

= Todos sabemos que a qualidade das pessoas se pode medir na hora das vitórias, senão forem amesquinhados os vencidos, mas, sobretudo, nos momentos de derrota, pois, nesta se há de encontrar forças para recomeçar a tarefa de saber cativar para a luta quem possa estar mais desanimado. Tudo isto seria normal, se os vencedores governassem e se os vencidos aceitassem os resultados. Ora, em Portugal – a peste desta coligação negativa vencedora já se estendeu a Espanha – sabemos, desde há quase três anos, que perder pode significar vencer, se houver artimanha suficiente para fazer reverter a derrota em vitória aglutinadora dos vencidos… chegando ao poder por artifícios de conveniência… à boa maneira da insinuação: ‘inimigo do meu inimigo, meu amigo é’ ou pode tornar-se…

Dizem que o dinheiro volta a encher os cofres do estado, que quase tudo se pode pagar, desde que seja aos que suportam a nova fórmula governativa, amansando protestos e iludindo os resultados. Eis senão quando surgiram vozes a reclamar dos louros da pretensa paz social. Quase sempre pela mesma ordem vemos a cadeia de protestantes: transportes, saúde, educação e segurança (policial e social)… esses inegáveis vetores do pretenso ‘estado social’, onde todos usufruem e poucos pagam…o mínimo.

O castelo de sucesso começou a abrir brechas. Os aglutinados desejam colher resultados. Os de cima estrebucham sem meios para satisfazer as reivindicações. Os de baixo mobilizam-se para exigir o que dizem ter direito. Aquilo que parecia vitória garantida e pujante, começa a encolher e a trazer à memória medos recentes. Não fosse a máquina de certa comunicação social arregimentada e os engulhos seriam maiores e mais visíveis. Nem a distração do futebol consegue apaziguar os mais dececionados.

A ‘caça ao voto’ está na rua mais do que nunca. Assim estejamos despertos para as consequências…  

 

António Sílvio Couto  



segunda-feira, 18 de junho de 2018

Sob a expetativa da verdade ou na fraude


- Não preciso de me enfeitar que ver reconhecido o que sou e o que valho!

Foi desta forma algo rápida, ríspida à mistura com o razoável, que um artista/escritor, de origem catalã, se apresentou… sem complexos nem artifícios.

De facto, há gente que se empenacha para se fazer passar por aquilo que não é. Há gente que usa artimanhas para ser aquilo que nunca foi. Há gente que usurpa funções para parecer aquilo que acha que poderia ou desejaria ser. Há gente que tenta enganar com a imagem que pretende ‘vender’. Há gente fútil que se arvora em jeitos complexos, mas facilmente desmontáveis. Há gente que construiu para si mesma uma pretensão inacessível e, porventura, oca e disfarçada.

É diante destas e de outras aparências que será preciso que haja quem as afronte e confronte sem medos, mas em verdade. Com efeito, uma das maiores fraudes que podemos cometer para com os outros é a de fazermo-nos passar por aquilo que não somos, sobretudo, quando se quer dar uma boa impressão à custa do engano e talvez da mentira. Com alguma facilidade podemos ver gente a apresentar-se como ‘doutor’ (sendo um mero licenciado), por ‘mestre’ (mesmo à boleia do dito ‘processo de Bolonha’) ou por ‘engenheiro’ (quando só passou pela escola apenas de raspão)… Torna-se uma patranha sublimar neste país, onde se quer fazer valer as pessoas pelos graus de estudos e não pela correta aquisição de conhecimentos, que deveriam ser cultura a sério, sábia e séria. 

= Em tempos não muito recuados era habitual ver, no endosso dos cheques a emitir, alguma referência a um título/honraria/qualificação humana – dr., eng., padre, etc. – dando a impressão em quem recebia o dito valor em cheque que tal figura era respeitável e com alguma credibilidade… Ora, isso nem sempre era verdade – até porque bastaria influenciar a entidade emissora de que tal pessoa poderia (mesmo que não fosse certo) induzir a esse disfarce e engano – permitindo viver na camuflagem a quem se apropriava de algo que não possuía, mas que lhe daria uma espécie de estatuto para o engano e a usurpação de identidade e/ou de função.

Felizmente agora os cheques – se ainda usados – não ostentam os tais títulos, nivelando todos pela condição de cidadania sem trejeitos de aproveitamento por parte de pessoas sem nível nem credibilidade, seja lá qual for a instância onde possam desenvolver a sua atividade…profissional, social ou cultural.  

= Se estivermos atentos não será muito difícil perceber se uma pessoa fala, se comporta ou mesmo se apresenta tendo em conta a instrução que diz ter ou mesmo aquilo que aparenta. Bastará reparar na construção das frases na conversa ou no discurso. Bastará questionar sobre assuntos que diz conhecer para, com alguma facilidade, se poder percecionar o desencontro entre as partes, tanto no diálogo como na referência dos conhecimentos. Bastará deixar que o ‘desconhecido’ se mostre para que saibamos se estamos perante alguém verdadeiro ou um possível impostor.

Naquilo que tenho visto e vivido, é preciso ser cuidadoso com os primeiros contatos. Estes não podem ser um estendal de banalidades nem uma incorreção de estilos. Tenho para comigo que é preciso ser prudente, observando mais do que querendo deixar ‘boa impressão’ em quem se tem como interlocutor. Recordo como lição dum venerável superior que me dizia, citando uma frase bíblica: ‘é preciso ser prudente como a serpente e simples como as pombas’… por esta ordem, não trocando a apresentação dos fatores, pois se tal acontecer seremos, facilmente, engolidos pelos mais espertos, que até podem nem ser mais inteligentes do que nós.

Neste mundo em que vivemos, onde tropeçamos a cada momento (talvez mais do que seria desejável) em gente que usa mais da manha do que da sabedoria, será importante não se deixa ludibriar com roupas aparentemente de marca – talvez sejam antes de contrafação – subtilmente arranjadas e perfumadas, induzindo em erro e engano os mais incautos… Todos os cuidados serão poucos e as prudências nunca serão em excesso, pois há gente que nada vale, mas se insinua; há gente que pouco presta e se acha imprescindível; há gente sem valor moral que facilmente pretende dar lições aos outros, mas não as colhe para si…

De facto há expetativas atendidas, outras que são defraudadas e tantas outras imerecidas. Verdade, precisa-se.   

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Fico ou saio da Igreja?


 
Por vezes há pessoas que, num ato de quase rebeldia, exprimem a vontade de saírem da Igreja (instituição), se bem que, em raros momentos, frequentem a igreja (espaço), dando-se o caso que acham que saem sem nunca terem entrado, de facto. As razões dessa (pretensa) saída são tão básicas quão insignificantes na forma e mesmo no conteúdo… Por vezes, o diálogo com pessoas nesta atitude de reserva/resistência/confronto, torna-se um tanto complicado, pois até falta uma consonância nas linguagens e, sobretudo, nos critérios de conduta. Isso nota-se de sobremaneira quando alguns – infelizmente uma boa parte – solicitam os sacramentos com implicações sociais, como o batismo e o matrimónio, sem esquecer ainda a presença aceite, pedida ou tolerada por ocasião dos funerais. 

= Se atendermos à diminuição dos ditos sacramentos com incidência social – batismos e casamentos – poderemos ser tentados a considerar um tanto benéfico o menor número dos que os pedem e vem agora celebrar. Talvez não haja maior engano, pois uma grande maioria – dizemo-lo da realidade pastoral onde estou há mais de duas décadas – continua a fazê-lo sem grande consciência cristã e tão pouco católica, pois, uma imensa quantidade não quer fazer o que a Igreja católica faz nem celebra…

Quais serão, então, as razões da procura das cerimónias na igreja à mistura com uma relativa inconsciência dos celebrantes/participantes? Não estaremos a sacramentar sem evangelizar e, por conseguinte, a lançar sementes sem terreno preparado? As exigências colocadas – sobretudo em matéria de casamentos/matrimónios – não têm sido acolhidas mais como acomodação do que como oportunidade de ser e de fazer igreja? Não andaremos ainda fascinados pelos números e não pela qualidade antes, durante e, sobretudo, depois dos ditos sacramentos de incidência social? Teremos feito bem o diagnóstico dos assuntos para sabermos tratar a verdadeira doença que lhe está subjacente? Teremos já aprendido com os erros do passado recente ou ainda vamos sublimando as causas com o tratamento das consequências? 

= Estas e tantas outras questões se podem colocar e precisam de ser correta e adequadamente respondidas, tanto na teoria como na prática, pois muitas delas obrigam-nos a questionar o que temos feito e que clara e simplesmente não resultou e muito daquilo em que não apostamos por medo, por alguma insensibilidade às pessoas e até por negligência para com o futuro próximo da própria Igreja.

Será preciso assumir que urge desarticular a conexão entre matrimónio católico e as implicações no foro civil, pois se este fosse autónomo daquele haveria mais liberdade e (possível) exigência para com aqueles/as que, mesmo batizados, possam solicitar a celebração em contexto da igreja. De facto, muitos dos nubentes não reúnem o mínimo de condições sobre a sua efetivação, pois muitos/as apresentam mais razões de recusa do que de aceitação. Com efeito, na revisão da Concordata – assinada já em 2004, mas nunca regulamentada! – houve um erro gravíssimo de forma por partes dos negociadores católicos, que se intimidaram perante a possível perda de poder por uma solução de progressividade na avaliação em ordem ao reconhecimento civil do matrimónio religioso e não por uma amálgama de interpretações sobre a força da autoridade que não pode nem deve, hoje, ser exercida…como o foi em antanho! 

= Sobre a insinuação de abandono da Igreja por parte de quem não lhe é feito o que desejava em mentalidade de cristandade, estou cada vez mais convencido de que é preciso sacudir as peias de ignorância de tantos/as que se aproximam em forma de pirilampo – isto é, de modo intermitente e sem brilho – só quando lhes convém ou precisam dos serviços religiosos. A esta ‘igreja de conveniência’ – à semelhança das lojas em áreas de serviços nas estradas e autoestradas – será preciso pôr cobro, pois fazem gastar tempo, hipotecar energias e subtrair convicções…antes, durante e depois dos atos solicitados e tão mal vividos!

Deixo a terminar uma nota de hipotética esperança: à luz do que diz o profeta Isaías, não podemos apagar a mecha que ainda fumega nem suprimir a torcida que ainda cintila… Sim, mas até quando podemos levar esse desejo, sem que não nos possamos inquietar e sentir ultrapassados – muitas das vezes ofendidos, desrespeitados e acusados – e sem capacidade de resposta serena, séria e sensata? Assim, fico ou saio?

 

António Sílvio Couto  


segunda-feira, 11 de junho de 2018

Perante o excesso de futebol…


Por estes dias – passados, mas também no futuro próximo – o tema futebol é assunto constante, insistente, mesmo pertinente e quase irritante: futebol com bola, isto é, jogado (bem ou mal); jogo sem bola, isto é, discutido (nas intrigas mais ou menos aceitáveis) e, sobretudo, nesta cultura absolutista de que este ‘desporto’ se assenhoreou nos tempos de paz entre povos, nações, línguas e culturas…quase até à exaustão.

A abertura do torneio mundial na Rússia tem vindo a destacar-se pelos imensos recursos envolvidos por tantas televisões e outros meios de comunicação – clássicos ou mais atualizados – desde que entretenham o povo na ilusão assumida, intentada ou presumida…

Dá a impressão que uns tantos foram instruídos para irem escarafunchar as tricas e as intrigas dentro e fora do campo de ação. Talvez não interesse saber quem está melhor preparado para integrar o desempenho desportivo, mas quem possa fazer as delícias dos comentadores, quase sempre sem nunca terem sido praticantes, embora ‘inteligentes’ treinadores-de-bancada sem curso e muita sabedoria infusa… 

= Num destes dias um dirigente do comité olímpico português considerava que havia excesso de futebol nas notícias… De facto, muitos dos intervenientes são mais opinadores do que participantes no processo desportivo. Certas leituras e visões estão um tanto enfermas da inexperiência de quem quer falar mas sem objetividade suficiente. Àqueles que cheiraram o odor da relva damos alguma credibilidade, mas em tantos outros nota-se que lhes falta campo e suor…sem fama.

Nas mais recentes discussões, onde este excesso de futebol tem estado presente, pode ver-se em relação a uma agremiação onde os sucessos noutras modalidades são nítidos e claros, mas no (dito) futebol profissional não conseguem vitórias significativas há quase duas décadas. Tudo é posto em causa, quase duma forma doentia, tanto por parte dos dirigentes como pelos sócios e adeptos. Por aqui se pode ver que o futebol tem excesso de protagonismo na nossa vida coletiva, social e cultural…

Porque se foi transformando o fenómeno desportivo, cada vez mais, num afunilamento sobre o futebol? Será porque este é mais barato do que os outros desportos? Será porque o futebol cria mais paixões e menos reflexão? Será porque o investimento tem mais rápida capitalização do que noutras modalidades? Será porque esta (apelidada) indústria traz mais resultados sociais do que outros modos de praticar desporto? 

= De entre todos os aspetos que envolvem o futebol há um que me inquieta de sobremaneira: a compra/venda de homens como executantes do espetáculo – chamam-lhes ‘jogadores’, mas são usados e abusados, como se fossem uma mercadoria descartável e com um prazo de validade muito reduzido. As somas de dinheiro – um declarado e tanto outro sujo e não lícito – envolvidas no negócio é o que há de mais escabroso e execrável, se tivermos em conta os critérios noutras profissões.

De facto, há um circo – que me desculpem os fazedores deste outro campo de atividade – que se desenrola à volta do futebol, desde os estádios, as multidões que os enchem ou esvaziam, as promoções políticas e autárquicas em questões de proximidade e de promiscuidade, as jogadas sob a mesa e tantos outros tentáculos que vivem e se desenrolam tendo o futebol com cenário, palco e bastidores…

Como é possível considerar normal a venda dum homem por milhões de euros, quando à sua porta ou na sua família pode haver gente a passar mal, não só no desemprego, como com fome e tantas outras privações? Como é possível fascinar tanta gente com instrução que se torna ridícula e quase irracional, quando discutem coisas e loisas do futebol? Como é possível gastar horas e dias, semanas e meses a impingir futebol, quando tantos outros problemas, bem mais sérios e graves, ficam ofuscados pelos interesses que estão em jogo com o futebol?

Esta irracionalidade coletiva estará ao rubro nos tempos mais próximos com o apelidado ‘mundial de futebol’, na Rússia. Aqui são os países que irão estar em competição, mas a clubite nacional ou internacional fareja modo e sentido de não deixar de estar presente. Como será jogar contra, quando se faz parte do mesmo clube e se conhecem os jeitos e trejeitos do adversário? Como referia alguém, recentemente, o desporto – e o futebol em particular – é uma espécie de guerra em tempo de paz… Não será mesmo?

 

António Sílvio Couto


terça-feira, 5 de junho de 2018

Pecado sem perdão…


«’Quem disser blasfémias contra o Espírito Santo nunca mais será perdoado; é réu de eterno pecado’ (Mc 3,29). Não há limites à misericórdia de Deus, mas quem recusa deliberadamente receber a misericórdia de Deus, pelo arrependimento, rejeita o perdão dos seus pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo. Tal endurecimento pode levar à impenitência final e à perdição eterna» – Catecismo da Igreja Católica, 1864.

Certamente que a todos nos faz impressão esta sentença de Jesus de condenação eterna, referida como ‘blasfémia contra o Espírito Santo’. Vamos tentar explicitar um pouco melhor esta condenação, servindo-nos de textos do magistério da Igreja católica, concretamente duma encíclica de João Paulo II sobre o Espírito Santo, ‘Donum et vivificantem’ (n.º 46) em que se faz a interpretação daquela passagem bíblica citada pelo Catecismo:

«Porquê a «blasfémia» contra o Espírito Santo é imperdoável? Em que sentido entender esta «blasfémia»? Santo Tomás de Aquino responde que se trata da um pecado «imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é concedida a remissão dos pecados».
Segundo uma tal exegese, a «blasfémia» não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o mesmo Espírito Santo agindo em virtude do sacrifício da Cruz. Se o homem rejeita o deixar-se «convencer quanto ao pecado», que provém do Espírito Santo e tem carácter salvífico, ele rejeita contemporaneamente a «vinda» do Consolador: aquela «vinda» que se efectuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do Sangue de Cristo: o Sangue que «purifica a consciência das obras mortas».
Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem rejeita o Espírito e o Sangue permanece nas «obras mortas», no pecado. E a «blasfémia contra o Espírito Santo» consiste exactamente na recusa radical de aceitar esta remissão, de que Ele é o dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira, por Ele operada na consciência. Se Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, é porque esta «não-remissão» está ligada, como à sua causa, à «não-penitência», isto é, à recusa radical a converter-se. (...) Ora a blasfémia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica o seu pretenso «direito» de perseverar no mal — em qualquer pecado — e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida». 

Quais podem ser as consequências para os nossos dias desta explicação? Onde se enraíza este ‘pecado contra o Espírito Santo’, hoje? Como poderemos discernir esta ‘blasfémia contra o Espírito Santo’ na condição e pela condução da nossa vida terrena?

Muito do comportamento das pessoas do nosso tempo – mesmo em contexto de fé cristã e de Igreja católica – parece assemelhar-se à configuração de se manter acomodada à vida de pecado, senão na teoria, ao menos na prática…muito vivem mesmo num ateísmo prático sem controlo. Com efeito, nota-se um fechamento crescente nas pessoas em si mesmas, vivendo uma espécie de contentamento na sua autossuficiência e menosprezo (ou até desprezo) pelos outros e pelos seus problemas. Com facilidade poderemos perceber que muita gente vive mais em conceito de si autoidolatria do que numa atenção às exigências de conversão de acordo com a Palavra de Deus. Dá a impressão que uma larga maioria dos nossos praticantes é contumazmente não-convertida e sem abertura ao questionamento que a Palavra de Deus lhe possa fazer. Não será isto ‘blasfémia contra o Espírito Santo’, como diz a explicação do Papa? Há muita gente que se considera a seus próprios olhos como boa, mas que ainda está numa tendência de religião natural, sem ter aceitado a salvação de Jesus. A aceitação da salvação de Jesus é a marca do cristianismo e isso é realizado pelo Espírito Santo…em nós e pela Igreja.

Certos tiques de ‘new age’ palpitam no agir e no pensamento de muitos dos que frequentam a Igreja… Não será isto pecado contra o Espírito Santo? Como proceder para sermos perdoados?

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 4 de junho de 2018

Quando o livro reina, fazendo cultura


Na sua 88.ª edição, a ‘feira do livro de Lisboa’ é, durante cerca de três semanas, um grande espaço de apresentação de novidades editoriais, de lançamentos e autógrafos, de miscigenação de culturas, tendo por denominador comum o texto impresso, sobretudo, em papel.

Em razão da minha participação no lançamento e apresentação do último livro – ‘Nesta Igreja que amo e sirvo’ – bem como da sessão de autógrafos no dia seguinte, pude ver a grande afluência – num domingo e numa 2.ª feira – de visitantes, compradores e cultivadores da cultura através do livro. Nota-se a presença de muitas crianças, normalmente, acompanhas pelos pais, que as vão introduzindo ao gosto pela leitura, certamente, cultivada em casa e aprimorada na instrução e aprendizagem nas escolas. Nesta faceta da habituação ao texto escrito tem muita importância a cativação desde tenra idade, pois isso também se aprende a gostar como outros hábitos que fomos adquirindo desde novos.

Há, no entanto, dados e situações que podem favorecer ou desmotivar quem leia ou quem escreva. Desde o preço dos livros e a sua aquisição por necessidade, por gosto ou mesmo por educação. Aqui se poderá ver com mais acentuada conexão a distinção entre instrução e cultura, pois esta pressupõe aquela e a segunda se aprofunda usando os meios mais adequados para o seu enraizamento. Será sempre de questionar se os professores são instrutores da palavra e da novidade pela leitura. Quantas vezes se pode exigir que se saiba o mínimo, mas não se lançar as sementes para que se possa crescer pelos próprios meios. Isto consegue-se quando se for criando o gosto pelo estudo, tanto dos assuntos de escolarização, quanto de aprendizagens para que o pensamento se eduque e cresça com ferramentas de que cada um sente necessidade socorrer-se. 

= De entre a multiplicidade de propostas e sugestões que a ‘feira do livro’ coloca poderemos considerar que a especialização do livro precisa de ser assumida. Cultura e livros não podem ser dois binómios de uma campanha onde a literatura (dita) criativa e (mais ou menos) vendável seja uma espécie de efabulação veiculadora de ideias, de sensibilidades e de correntes a pedido. Com efeito, escrever é comunicar e todos sabemos que, se ao lermos seja o que for, a escrita não estiver clara, simples e apelativa, com facilidade abandonamos esse texto e procuraremos quem nos comunique algo que seja percetível à nossa cultura.

Não é tão grande quanto seria desejável o leque de autores que escrevem em português e dizemo-lo sobretudo atendendo às questões de fé, que não de mera religião. Se virmos os pavilhões específicos onde se podem encontrar abordagens à dimensão espiritual, à intelectualidade e à formulação de questões de âmbito religioso cristão poderemos perceber que, em Portugal, há muita religiosidade com cariz cristão/católico, mas que poucos, muito poucos, o exprimem em forma de escrita…correndo o risco de exporem-se e de serem criticados (no sentido positivo e/ou negativo) pelo que dizem ou pensam.

Para além de certos escritos devocionais – muitos deles de qualidade gráfica e doutrinal a roçar o sofrível – não tenho visto, na ‘feira do livro’, publicações mais ou menos desenvolvidas – a volumetria e as páginas nem sempre são o critério supremo para avaliação – segundo a capacidade dos nossos leitores. Há questões que devem ser levadas ao terreno da ‘feira do livro’, pois ninguém sabe se não andará por lá alguém à procura de Deus e do sentido para a sua vida. Não podemos embarcar na onda de certos critérios editoriais só porque nos foi proposto um tema – vindo de Roma ou de alguma diocese – e enquanto dura o ‘ano de qualquer coisa’ saem a propósito ou a despropósito muitas publicações. Há questões que precisam de ser aprofundadas, estudadas e esmiuçadas sempre. Eis algumas sugestões: o tema da Igreja será sempre útil e atual; as questões acerca da vida não pode ser abordadas por atacada só quando são introduzidas questões fraturantes; assuntos de âmbito moral e não só afunilada nas tribulações sexuais; os temas de compromisso social, como a economia e o trabalho, os direitos/deveres sociais, a vivência política, etc.

Com o devido respeito e a máxima compreensão, ouso sugerir que talvez fosse desejável que os ínclitos professores das nossas universidades com formação e compromisso católico se dessem mais a conhecer, publicando com regularidade e numa linha de reflexão/partilha com os seus irmãos na fé. Até mesmo os membros de congregações e institutos religiosos, bem como os padres diocesanos precisam de deixar escrito algo mais que façanhas ocasionais de obras materiais e de arranjos em monumentos…    

 

António Sílvio Couto  


sexta-feira, 1 de junho de 2018

Defender os animais e matar as pessoas?



As mais recentes discussões sobre a despenalização/legalização da eutanásia – eufemisticamente apelidada de ‘morte medicamente assistida’ – trouxe à liça a conjugação de trocadilhos não menos irónicos: a humanização dos animais versus a animalização dos humanos, onde se têm vindo a trocar os direitos dos animais pelos deveres dos humanos, tanto na conjugação de uns com os outros como no confronto entre os dois vetores…

Com alguma facilidade vemos grupos partidários e formações ideológicas transversais a defenderem com mais vigor os animais, colocando os humanos na linha da morte senão imediata ao menos pretendida. Não é um pouco isso o que se pretende fazer com o combate fundamentalista às corridas de toiros, enquanto se promove a divulgação da eutanásia? Que dizer ainda da exaltação dos animais – sobretudo os ditos de companhia – enquanto se desincentiva a natalidade – com leis, mentalidades e ações –, tornando aqueles os substitutos dos filhos e de entes queridos? Como é entendível que formações partidárias concorram coligadas, quando nas iniciativas próprias defendem o contraditório dos outros?

Não está em causa, nesta argumentação que pretendemos apresentar, de forma alguma que os animais sejam tratados de modo menos respeitável e com menor cuidado, mas antes que não se sobreponham estes aos humanos, pois pelo caminho que vamos, teremos, em breve, uma cultura demasiado holística para que as pessoas humanas não tenham de reivindicar os seus direitos tais são os atropelos no confronto com as regalias e benesses dadas aos animais… 

= Este fenómeno de hipervalorização dos animais relativamente aos humanos não será uma espécie de mudança cultural e quase fracionária da nossa condição de humanos? Que pensamento está subjacente a esta tão rápida mudança? Não andaremos iludidos com esta modificação na mentalidade de tantas pessoas e de muitas em simultâneo?

Por outro lado, como se poderá compreender que a desvalorização do ser humano tenha descido tão baixo e de forma tão rápida? Não foram os animais que pediriam nem que executaram esta modificação, mas alguns humanos ‘iluminados’ às ordens sabe lá de quem e com que finalidade. Os desenvolvimentos no final do século passado e parte deste têm feito um tal caminho que será de arrepiar sobre o futuro próximo… Humanidade e humanismo chegaram ao descalabro quase total!  

= Perante certos guardiães duma tal moralidade social, vemos emergir uma tendência trotskista e afins a censurarem tudo e o resto daquilo que não são os seus objetivos mais ou menos dissimulados. Se uma campanha antitabágica não lhes agrada – sabe-se lá se a atriz na alinha nos seus ideais! – logo pedem a suspensão da mesma com rótulos de misoginia e adjetivos quejandos. Quando pretendem impor a sua orientação sexual, logo fazem o resto de tudo para que pareça que a maior parte os secundariza. Quando acham que os mais novos precisam de drogas a pataco, logo insinuam os benefícios da canábis, primeiro medicamentosa e em breve aduzida como terapêutica contra os problemas da sua claque, mas estendidos à possibilidade para todos.

Foram estes guardiães da tal moralidade que quiseram trazer para a discussão – a que lhes interessava e não a da população em geral – a temática da eutanásia, mesmo que julgando ganhar antes de irem a jogo. Talvez nesta área da saúde devêssemos fazer uma mutação na designação do titular, passando a chamar-lhe ‘ministro da doença’, tal é a complexidade de problemas a enfrentar, mas que ele – quem o acompanha e os outros elos da cadeia – vai chutando para o lado, numa espécie de não-resolução despachada a contento…  

= A leitura e interpretação do personalismo quase capitulou, mesmo nos partidos que disso se reclamavam. Pé-ante-pé a dialética marxista tem vindo a querer sobrepor-se na vida pública e privada. Os tentáculos leninistas e trotskistas estão novamente a enredar muita gente, senão ao nível do pensamento, ao menos na vida prática. Temos de estudar mais as razões e os comportamentos, não nos deixando ludibriar com a ética republicana, que tem servido para uns tantos irem flutuando sobre a nuvem de esterco… É preciso acordar!     

 

António Sílvio Couto