Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



domingo, 30 de maio de 2021

Homilia na celebração do matrimónio

 


Recordo, num misto de espanto e de interrogação, o que dizia um padre septuagenário numa reunião com outros padres: investi tanto em fazer tão bem os casamentos que tinha, e, afinal, dá a impressão que perdi o meu tempo… Ora, esse padre deveria ter, à época, mais de duas centenas de casamentos anuais… tal era procura da sua paróquia, nos diversos e aprazíveis lugares de culto.

Agora que tais eventos religioso-sociais vão rareando – e não é só por causa da pandemia – deu comigo a refletir sobre qual a função da homilia – esse momento de palavra, tanto humana como divina – na celebração do matrimónio, seja qual for a instância de vivência, pois, hoje, muitos dos matrimónios já são celebrados com o casamento (civil) feito ou ainda nalguns casos, de forma ‘natural’, os filhos estão presentes, com maior ou menor idade…

1. O que diz o ritual do matrimónio sobre o assunto em análise? Lemos nas rubricas: «Segue-se a liturgia da Palavra, segundo o modo habitual, tomando os textos propostos… escolha-se sempre pelo menos uma leitura que fale explicitamente do matrimónio. Em seguida o ministro fará a homilia, na qual, inspirando-se no texto sagrado, exporá o mistério do Matrimónio cristão, a dignidade do amor conjugal, a graça do sacramento e os deveres dos cônjuges, tendo em conta, porém, as diversas circunstâncias das pessoas» (Ritual Romano, ‘Celebração do matrimónio’, n. os 90-91). Uma ressalva: quando falamos da celebração do matrimónio refiro-me àquele que é realizado ‘sem missa’… pois esta têm outros requisitos nem sempre devidamente atendidos…pelo menos em certas regiões (ditas) tradicionais religiosas.

2. Será, por isso, de questionar: a quem se deve dirigir a homilia – aos noivos ou aos outros; a uns e a outros? Dada a subtileza de tantas situações, mesmo diante de noivos bem formados e conscientes, dever-se-á acentuar tanto a altíssima dignidade do matrimónio, se podem estar ali ‘traumatizados’ de experiências anteriores de casamento? Não será preferível deixar as exortações – mais diretas e personalizadas – aos noivos para momentos posteriores, cuidando das feridas de quantos – e por vezes são tantos/as e tão diversificados/as – ali podem estar sob reserva quanto ao matrimónio, por experiências de menos bons casamentos?  

3. O ministro/oficiante do sacramento pode estar presente em razão do múnus (no caso de ser pároco ou outra função pastoral equiparada), por amizade aos noivos ou por convite circunstancial. Já estive nas várias possibilidades… Ora, como deverá ser a postura do oficiante: de distância ou de proximidade, mais ou menos hierático, criando solenidade ou mais à-vontade? Por vezes, certas atitudes dos participantes podem condicionar a postura, mas sem fazer do ato algo tão fútil que possa parece um mero acontecimento humano e não um acontecimento com a marca e o selo do divino…

4. Ora, atendendo ao acentuado processo de desconhecimento (por ignorância ou por nesciência) do mistério do matrimónio, refere-se ainda no Ritual do matrimónio: «embora os pastores sejam ministros do Evangelho de Cristo para todos, contudo devem ter em atenção de modo particular aqueles que nunca ou raramente participam na celebração do matrimónio e da eucaristia, quer sejam católicos ou não. Esta norma pastoral vale antes de mais para os próprios esposos» (n.º 37). Quer isto dizer que na celebração do matrimónio católico se pode verificar um caldo de misturas com diversas vivências espirituais e religiosas, devendo ser respeitadas as dinâmicas e mesmo as influências de todos, mesmo dos não-crentes…

5. Sendo uma comunicação verbal, a homilia na celebração do matrimónio pode e deve ter em conta as caraterísticas culturais onde se insere… tão diversificadas quão influenciadas por critérios mais mundanos do que verdadeiramente cristãos. Por isso, a palavra dita e escutada nem sempre terão consonância entre o emissor e o recetor. Saber dizê-la tem arte e engenho. Saber escutá-la poderá ser um exercício de humildade, tentando apreender aquilo que é dito e não estando à espera que se confirme o que mais possa convir.

6. Como me dizia um velho padre com muita experiência de vida de contato com as pessoas: bastará reparar como se benzem (ou não) – logo no princípio da celebração – para ficarmos a saber com quem estamos. Palavras sábias e acrisoladas no tempo, ontem como hoje! 

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Todos juntos, agora!

 


‘All together now’ (todos juntos agora) é nome de um programa televisivo, que faz desfilar concorrentes perante cem jurados, votando estes em conformidade com o seu gosto, preferência ou influência…musical e cultural. Pretendido como algo pulverizador das atenções do público nas noites de sábado à noite, tornou-se uma espécie de fiasco do canal, colocando nitidamente à prova a fanfarronice da apresentadora.

Mas não é do tal programa que pretendemos falar. Tão-somente retiramos o título para sugerirmos algumas questões, situações e problemas que precisam de ser encarados com esse espírito de ‘todos juntos, agora’…

Vejamos as propostas:

* Todos juntos, agora poderemos vencer a pandemia, fazendo cada um de nós o que lhe compete, sem atirar para outros o que se deve à sua participação consciente, atenta e sincera…

* Todos juntos, agora enfrentaremos os estragos caídos destes meses de provação pessoal, familiar, social… estrutural, conjuntural ou alienatória…

* Todos juntos, agora temos maior capacidade para resistir às investidas do desânimo, que foi povoando os meses mais recentes, não deixando ninguém derrotado pelas feridas psicológicas, morais ou mesmo espirituais…

* Todos juntos, agora vamos cuidar mais atentamente dos mais frágeis e fragilizados, particularmente os mais velhos, os doentes, os marcados pelo vírus ou até as vítimas indiretas, como os familiares e as instituições que perderam os seus utentes… 

* Todos juntos, agora queremos dar as mãos aos que não conseguiram chorar condignamente os seus falecidos ou nem tiveram tempo de cumprir o seu luto com a serenidade necessária, aconselhável ou recomendável…

* Todos juntos, agora queremos unir esforços quanto aos dias carpidos sem a comunidade dos irmãos da mesma fé, pelo fechamento das igrejas (templos) ou pelo excesso de rigor colocado no cumprimento das regras higiene-sanitárias…

* Todos juntos, agora desejamos contribuir para a normalização do tempo e do espaço do trabalho, criando novos laços para enfrentarmos as questões económicas, sem reduzirmos a nossa vida ao mero economicismo, para voltarmos a construir o tecido da vida em comum, sem nos deixarmos confundir pelas visões imediatistas e algo suscetíveis de nos quedarmos só pelo que rende…em cifrões.

* Todos juntos, agora sentimos que ainda não aprendemos a lição tão simples da nossa vulnerabilidade, da nossa condição de estarmos – como tem sido dito – ‘todos no mesmo barco’, que pode adornar se for colocada a carga só de um dos lados, isto é, se não descobrirmos que somos muito mais do que matéria em decomposição…ou com prazo curto de validade.

* Todos juntos, agora temos uma missão a cumprir: não se consegue vencer nada nem em nenhuma circunstância sem união nem se faz uma sociedade mais humana onde nem todos se empenham em ajudar os outros num intercâmbio de emoções, de sentimentos e de corações…

* Todos juntos, agora queremos olhar o Céu sem esquecermos a Terra que pisamos fraternal e solidariamente…onde as lições não se dão, aprendem-se humilde e diariamente.

* Todos juntos, agora precisamos de voltar a reunir as assembleias de fé, sem medos nem temores, mas mais alicerçados na confiança uns nos outros e ancorando-nos todos em Deus…

* Todos juntos, agora queremos acreditar nos meios que são postos à nossa disposição – testagem, vacinação e múltiplos programas de saúde – sabendo que o bem alheio depende do nosso cuidado e que cada um beneficiará da atenção de todos…numa cadeia pública de verificações e de prestação de serviços mínimos e suficientes.

Todos junto, agora e mais conscientemente!


António Sílvio Couto

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Do linguajar às inconsequências

 Não basta saber o que foi dito, é preciso conhecer quem o disse. Não basta chamar ‘bandido’ (ou outro termo), é preciso reconhecer o sujeito e mesmo o predicado, dado que o complemento tanto pode ser direto como indireto…isto nas designações sintáticas de antanho…

Nota-se que certas forças têm um tratamento algo discricionário, ao menos por uma substancial parte da comunicação social, tendencialmente eivada de velhos tiques esquerdistas, senão mesmo de um substrato marxista ressabiado…sem atualização aos valores democráticos mínimos…isto é
, de aceitação da diferença dos outros…sufragados em eleições (ditas) em democracia.

Vamos a factos, com recurso à memória:

 1. Em consequência de umas declarações – diga-se infelizes – um deputado e, ao tempo, candidato presidencial, sobre altercações verificadas com a polícia, num bairro periférico e problemático da ‘margem sul’, em que apelidou de ‘bandidos’ uns tantos… foi condenado, por estes dias, a retratar-se publicamente, pedindo desculpa (escrita ou oral), ‘em razão das ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem’ da família atingida…senão o fizer, após um mês de trânsito em julgado terá de pagar uma diária de quinhentos euros…Saídos da lura (buraco esconso, ignoto e subtil) das redes sociais muitos aplaudiram a condenação… Umas certas debutantes da música consideraram isso uma ‘boa noticia’, pairando a sensação que era uma espécie de caso do mês ou até do ano.

Fique claro: ofender não tem tez nem assume glória, seja para com quem for! Discordar não pode rimar com ofender, ultrajar ou vilipendiar.  

 2. Respiguemos, por outro lado, momentos (nem sempre fáceis de encontrar em arquivo) com que membros de um tal partido e de uma deputada em concreto têm dito palavras que não têm consequências, atendendo ao alcance subjacente: os negócios da máfia portuguesa, os gestores de um certo banco estão colocados sob suspeita, os capitais ofuscam as posições e estas aglutinam ataques mais ou menos intensos, constantes e indisfarçáveis a qualquer hora e em todo o tempo. O ar moralista insofismável quase colide com as palavras agressivas, azedas e provocatórias…

Quando celebrações religiosas tiveram espaços de metros, na convenção do tal partido da moralidade, vimos pouco mais do que centímetros a separar os fregueses. Já terão todos, imunidade de grupo? Pelo ar jovial de boa parte ainda não atingiram a idade! As exceções não se publicitam aos de casa!

 3. Vivemos num país onde quem não for – declarada ou tacitamente – de ‘esquerda’ (ou das esquerdas) está, quase sempre, sob suspeita, terá de provar que lhe assiste o direito a ter opinião ou a poder exprimir-se pelo voto. Para isso contribui uma sagaz comunicação social entretecida com saudosismos, critérios ou valores – creio eu – já ultrapassados, pelo menos noutros países e culturas. Com que facilidade se criam epítetos para quem não alinha com a manada de um certo pensamento uniforme e formatado para uma pretensa maioria votante, mas não realmente social. Com efeito, se somarmos a percentagem dos que não votam em formações partidárias (ditas) de esquerda – talvez trinta por cento dos recenseados – com aqueles que não votam (abstenção) – uns sessenta por cento, se nos ativermos às últimas eleições…embora se possam descontar os casos de falecidos e afins – onde está força dessa esquerda (ou esquerdas), que pretende impor-se tão radicalmente?

O país poderá ter uma tendência cultural de esquerda, mas sociologicamente a questão é de outro teor bem distinto…mesmo que de forma mais silenciosa.

 4. Urge criar, informar e formar pessoas que tenham opinião e que pensem pela própria cabeça. Mesmo no quadro dos partidos políticos fundadores da democracia temos de saber encontrar quem sente o país como seu ou se, pelo contrário, faz dele um antro propicio a que outros nos explorem. Enquadrados no eixo atlântico-áfrica-sul américa precisamos de fazer da nossa língua um veio cultural sem pejo nem rebuço…

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Coisas do reino da pascacilandia…

 


Conta-se de um eclesiástico fervoroso adepto do clube mais recentemente vencedor do ‘taça de Portugal’ em futebol masculino que ia para o velho estádio da cidade sempre rodeado de rapazes bastante novos, uns dizem que estes iam dependurados na sotaina e entravam para ver os jogos de graça, outros referem ainda que levava os bolsos da batina cheios de rebuçados, que ele dava aos miúdos sempre que o árbitro fazia alguma asneira em desfavor do seu clube, dizendo: chama-lhe tu (algum palavrão mais inapropriado), que eu não posso… e lá ia distribuindo os rebuçados ao longo do jogo…

Por outro lado, gostaria de trazer à liça essa figura algo ficcionada (ou não tanto) que nos aparece nos livros de Eça de Queirós: um tal pascácio – rótulo entre o emblemático e o bizarro – que servia na literatura queirosiana para caraterizar o ‘conde de Abranhos’…um habilidoso, que saído da província, foi fazendo furor na capital, sobrevivendo num misto de oportunismo e de faz-de-conta, já em meados do século dezanove, nos meios políticos do governo emergente da carta constitucional…

 1. Que têm estes ‘episódios’ quase antagónicos a ver com a nossa condição atual? Que ligação poderemos encontrar entre o clérigo nortenho e o pascácio lisboeta? Como poderemos identificar situações similares na nossa conduta sócio-política-desportiva? Isso da pascacilandia rege-se por algum regime subterrâneo…com ou sem avental e afins? Os miúdos a vociferarem palavrões foram instrumentalizados naquele tempo ou deambulam, hoje, em certos meios? Como poderemos ler/ver/interpretar certas reuniões (chamem-lhe convenção, congresso ou sei lá o quê…) onde se fala mais de ausentes do que daquilo que pretendem fazer os presentes? Será este um dos requisitos da pascacilandia? Não andaremos a ser enganados com chilreios de mau agouro?

 2. Composto por duas palavras – pascácio e lande – a pascacilandia seria, assim, um misto onde os pascácios – isto é, tontos, cretinos, idiotas ou imbecis – têm uma ‘lande’ – isto é, terra, espaço ou território…arenoso, inculto e pouco produtivo – sendo, deste modo a terra/espaço/situação onde proliferam os pascácios, onde habitam sobretudo pascácios, onde estes se sobrepõem ao resto dos outros…numa conjugação para que possamos ser tomados todos por igual categoria…

 3. Cada vez mais o nosso país se está tornar uma pascacilandia onde parece que somos tratados como pascácios, não já na classificação queirosiana, mas sob influência de quem julga que é capaz de subverter as regras mesmo da convivência mínima social. Com efeito, à semelhança do outro adepto de futebol que desejava invetivar os árbitros com palavrões – agora até se diz ‘linguagem vernácula’ – mas, devido ao estatuto social lhe ficava mal, então fazia dos miúdos à sua volta os porta-vozes do seu descontentamento, assim vemos serem gastas horas a fio a atiçar os ouvintes (militantes ou não) contra forças que consideram perigosas para eles, não respeitando quem pensa diferentemente deles. Com tantos submissos pascácios pensarão continuar a falar sem se responsabilizarem pelo que dizem nem a assumirem os riscos incendiários das ações que protagonizam…

 4. Espero que este espírito de pascacilandia não atinja a alma da nação, pois seria o nosso colapso total. Nota-se que há espalhados pelo nosso contexto nacional quem defenda mais os seus apaniguados partidário-ideológicos do que quem é da sua nacionalidade. Com que facilidade vemos que uns tantos deputados alinham posições mais com os da sua cor – até no Parlamento Europeu – do que com os portugueses. Com eleitos destes teremos de saber mais de quem se servem do que a quem servem.

 5. Nesta pascacilandia em que temos vindo a converter o nosso país, há profetas da desgraça que parecem conjugar, em vários tempos e diversas circunstâncias, o princípio do ‘quanto pior, melhor’, pois do pântano poderá emergir a sua vitória…

Há boa maneira de outros tempos mais utópicos dizemos: acordai!     

 

António Sílvio Couto

sábado, 22 de maio de 2021

Derrota da estatização do ensino?

 


Pela enésima vez o ranking das escolas pôs a nu uma realidade: as escolas do ensino não-público são melhores do que as autoapelidadas do ‘ensino público’… e nem a sanha persecutória de alguns membros do governo em funções conseguiu trazer outros resultados…

Vejamos alguns dos dados publicitados por estes dias: em 2020 realizaram-se 252.676 provas nas 640 escolas com ensino secundário; das 593 escolas em Portugal continental onde se realizaram exames, 479 são escolas públicas e 114 são privadas; há 43 escolas privadas e 7 públicas no top 50; os 274 concelhos do país com escolas secundárias tiveram média positiva, sendo a média mais baixa de 10,3 valores e a mais alta de 14,4 valores; há 20 anos que os rankings das escolas são publicados.

 

1. Depois de termos assistido à tentativa de liquidar as escolas privadas, pelo anterior elenco governativo, vemos que algo vai mal o reino dos pascácios. Recorde-se a figura emblemática e algo bizarra, do ‘pascácio’ dos textos de Eça de Queirós… numa obra da segunda metade do século dezanove, onde um tal alípio abranhos deambulava, na sua ignorância e petulância, na ordem política (constitucional) do tempo num misto de oportunismo e de faz-de-conta. Há quem considere que estamos a viver, nos nossos dias, numa espécie de ‘síndrome do conde de abranhos’… sobrevivendo-se num recolher de benesses públicas que a economia não pode pagar…por muito mais tempo, embora se tente usufruir ao máximo, enquanto der!

 

2. Se em muitos dos setores este ambiente de lançar grande quantidade de dinheiro pode fazer avançar a economia, na área da educação não funciona tão linearmente como essa teoria do máquina de refrigerante fresco, isto é, põe-se a moeda e logo sai o pretendido. Não, neste setor, que tem vivido mais ao ritmo das pretensões dos titulares e afins, vemos que custa a dar fruto o investimento feito. Fizeram proliferar escolas por tudo quanto era sítio e a qualidade regrediu. Lançaram cursos ao desbarato e agora uma boa parte fica sem concorrentes. Prometeram futuro a tantos estudantes e estes acabaram a emigrar, sobretudo os melhores…  

 

3. A estatização do ensino iludiu muita gente e alguns ainda vivem nesta nostalgia de que todos podem ser engenheiros e doutores, mas faltam-lhes alguma capacidade, um certo engenho e suficiente inteligência. O tal ‘processo de Bolonha’ (desde 1999) trouxe mudanças, na forma e mesmo no verdadeiro conteúdo… Se já anteriormente era preciso saber onde foi feito o curso, agora precisamos de ser elucidados sobre a data – antes ou já no processo de Bolonha – para que se não meta tudo no mesmo saco… Não está em causa a qualidade, mas tudo quanto possa ser feito para não embarcarmos em enganos de subtileza ao nivelarmos pelos pés e não potenciando mais e mais…

 

4. Seria utópico pretendermos ter uma escola somente pública e só dela fazermos irradiar a capacidade de escolarização uniforme. Tais pretensões soam a totalitarismo, tenha a coloração que lhe quisermos aduzir. Citamos dois textos programáticos de bons cidadãos e de cristãos – se a Constituição acentua o direito de ensino, o Catecismo realça a tónica da educação.

- «Todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. O ensino deve contribuir para superação de desigualdades económicas, sociais e culturais, habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre e promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade» – Constituição da República Portuguesa, artigo 74.º.
- «Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos. Testemunham esta responsabilidade em primeiro lugar pela criação de um lar no qual a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado são a regra. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes. Esta requer a aprendizagem da abnegação, de um reto juízo, do domínio de si, condições de toda liberdade verdadeira. Os pais ensinarão os filhos a subordinar ‘as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais’. É uma grave responsabilidade para os pais darem bons testemunhos aos filhos. Sabendo reconhecer diante deles seus próprios defeitos, ser-lhes-á mais fácil guiá-los e corrigi-los» – Catecismo da Igreja Católica, n.º 2223.

Confundir direito com obrigação não estará a conduzir muitos dos nossos governantes? Não confundamos…     

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Imposição das mãos

 


É um gesto recorrente na ação da Igreja, tanto na liturgia, como na vida eclesial e mesmo com fundamentação bíblica assaz referida, como expressão evocativa do poder de Deus e também invocativa do Espírito Santo, a imposição das mãos.

Antes de mais poderá ser-nos útil fazer uma referência ao significado da mão ou das mãos no trato do nosso dia-a-dia. Citando um biblista: «A mão simboliza uma ação ou uma obra e encerra a magia do coração; por isso transmite os seus sentimentos. As mãos amam, falam (por gestos) e acariciam, tocam e deixam-se tocar; as mãos tranquilizam e agridem, desejam e repelem; comunicam amor e agressão, serviço e domínio sobre o outro. Por isso a nossa língua [o português] é rica em expressões acerca da mão.

No que se refere a Deus, a mão direita simboliza a proteção, o poder criador e providente, que liberta o seu povoe o acompanha pelo deserto, castigando os inimigos com a mão esquerda para o proteger. As mãos impostas sobre alguém transmitem poder ou o Espírito Santo. As mãos levantadas são símbolo de um coração suplicante que sobe até Deus. No mundo, Jesus tornou-se a mão de Deus Pai estendida a todos os pequeninos e pecadores. Com a sua mão Ele acaricia as crianças, consola os tristes, acolhe e cura os doentes, perdoa os pecadores» – Herculano Alves, ‘Símbolos na Bíblia’, Lisboa: Difusora Bíblica, 2011, p. 205.

Que dizer, então, da imposição das mãos: quantas vezes aparece a expressão na Bíblia? Tem o mesmo significado no Antigo como no Novo Testamento? No uso neotestamentário haverá algo que devíamos recuperar, hoje, na Igreja? Será lícito, correto e oportuno, os leigos recorrerem à imposição das mãos? Haverá ou poderá haver situações não-recomendáveis à imposição das mãos?

 1. No Antigo Testamento encontramos a referência à imposição das mãos em três vertentes essenciais: a transmissão de uma bênção espiritual ou de autoridade (Gn 48,14; Nm 8.10); a confirmação pública de uma bênção espiritual ou autoridade recebida de Deus (Nm 27,18-2-23); um compromisso para com Deus e para um ministério especial (Dt 34,9).  

 2. No Novo Testamento encontramos vinte e uma vezes esta expressão da ‘imposição das mãos’, podendo distinguir quando feita por Jesus (em nove situações) e, posteriormente, pelos discípulos, sendo sete vezes só nos Atos dos Apóstolos… Com efeito, no Novo Testamento encontramos quatro tipos de “imposição de mãos”:  o próprio Cristo manifesta autoridade ao orar e ao abençoar (Mt 19.15; Mc 10.16); na cura de doenças (Mc 16.18; At 28.8); na concessão de dons extraordinários do Espírito Santo  e em especial através do ‘batismo no Espírito Santo’ (At 8.14-20; 19. 1-6); e ainda na solene consagração de homens separados para o serviço na igreja (At 6.6; 13.3; 1 Tm 4.14).  

 3. Dimensão sacramental na imposição das mãos – em todos os sacramentos encontramos referência à imposição das mãos, como forma de comunicação do Espirito Santo, tanto sobre as pessoas, como sobre as coisas. É a designada epiclese. Nos sete sacramentos que temos na Igreja católica em todos encontramos a referência à invocação do Espírito Santo pela imposição das mãos, isto é, a comunicação do poder divino pelo ministério do ministro ordenado. De referir que a ‘ordenação’ do diácono, do padre e do bispo se dá, explicitamente, pela imposição das mãos em silêncio sobre o ordinando (cf. Catecismo da Igreja Católica, n.os 1558 e 1573).   

 4. Referências pastorais do passado e para o presente

Em 1 Tm 5,22, São Paulo faz uma advertência sobre o modo e em que condições se pode fazer a imposição das mãos: «não imponhas as mãos a ninguém precipitadamente, nem te tornes cúmplice de pecados alheios. Conserva-te puro». Esta prevenção pretendia acautelar quanto à possibilidade de ordenar ministerialmente alguém de forma indevida.

Mas não poderá esta mesma advertência ser útil para com algumas ‘quase-vulgarizações’ da imposição das mãos, em círculos onde este modo de proceder se tem vindo a tornar mais habitual? Será tolerável que, por tudo ou quase nada, se recorra à imposição das mãos como acontece em certos grupos eclesiais? Haverá condicionamentos relevantes à imposição das mãos? Terá esta o mesmo valor feita por um eclesiástico ou por um leigo/a, mesmo que dotado, reconhecidamente, de dons e de carismas? Haverá riscos e/ou perigos que devam ser atalhados antes que tenham de ser corrigidos?

De forma sucinta vamos tentar aflorar esta redescoberta de oração, pela imposição das mãos, nos tempos mais recentes, na Igreja católica. Com efeito, pelo acontecimento do novo Pentecostes, que temos estado a viver desde 1967 – data do ‘surgimento’ do Renovamento Carismático na Igreja católica – e como graça também do Concilio Vaticano II, tem – não gostaria de escrever num tempo verbal passado – vindo a crescer a consciencialização da presença, da ação e da condução do Espírito Santo… nas pessoas e nas comunidades, sendo estas renovadas pela conversão daquelas.

Terá de haver um suficiente bom senso – também dito de discernimento – por quem seja solicitado para que se possa impor as mãos, seja em modo de intercessão, seja em modelo de oração no ‘batismo no Espírito’, seja ainda em questões de âmbito espiritual ou mesmo em circunstâncias de índole comunitária e/ou de confiança em situações específicas.

Será sempre de avisada prudência que a imposição das mãos, em contexto católico e de Igreja, não se confunda com gestos nem palavras e tão pouco simulações pouco abonatórias da credibilidade do ato e até do equilíbrio dos diversos intervenientes… A confusão ou a mistura não será de Deus nem abençoada…

Uma breve sugestão, passível de ser critério sério, que haja sempre a presença da Palavra de Deus, pela leitura bíblica, de modo a que seja Deus a intervir e não os meros fatores humanos…a que podemos estar submetidos.

Rezemos uns pelos outros e confiemo-nos à oração mútua e comunitária…mesmo pela imposição das mãos,            

António Sílvio Couto

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Repórter-redator: da estenografia às vírgulas

 


Na recente celebração do ‘dia mundial das comunicações sociais’, o Papa Francisco, numa mensagem cheia de experiência de vida e acautelada pelo zelo de fazermos melhor, como que traçou as linhas de referência disso que, na feitura de um jornal ou de um noticiário radiofónico ou televisivo, poderá caraterizar as funções do repórter e do redator, tanto nas atividades desenvolvidas como no papel de relacionamento com o público – sujeito e/ou objeto – da comunicação.

Isto é tanto mais agravado com um episódio – certamente não será um facto recorrente – que envolveu um repórter sobre umas notas tiradas à velocidade de quem escuta… e que passaram desapercebidas na redação…Esquecidas terão ficado ainda vírgulas na redação de um texto legislativo, que, se tivessem sido incluídas, fariam toda a diferença para a interpretação do pretendido.

Lancemos os dados:

 1. Da mensagem do Papa: «Pensemos no grande tema da informação. Há já algum tempo que vozes atentas se queixam do risco dum nivelamento em «jornais fotocópia» ou em noticiários de televisão, rádio e websites que são substancialmente iguais, onde os géneros da entrevista e da reportagem perdem espaço e qualidade em troca duma informação pré-fabricada, «de palácio», autorreferencial, que cada vez menos consegue intercetar a verdade das coisas e a vida concreta das pessoas, e já não é capaz de individuar os fenómenos sociais mais graves nem as energias positivas que se libertam da base da sociedade. A crise editorial corre o risco de levar a uma informação construída nas redações, diante do computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca sair à rua, sem «gastar a sola dos sapatos», sem encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações. Mas, se não nos abrimos ao encontro, permanecemos espectadores externos, apesar das inovações tecnológicas com a capacidade que têm de nos apresentar uma realidade engrandecida onde nos parece estar imersos. Todo o instrumento só é útil e válido, se nos impele a ir e ver coisas que de contrário não chegaríamos a saber, se coloca em rede conhecimentos que de contrário não circulariam, se consente encontro que de contrário não teriam lugar».

Bem observado, tanto mais que, quem anda na rua, vê, enquanto na redação se aveluda ou agrava, conforme até o interesse editorial… Talvez haja muita preguiça no meio da comunicação social, ‘trabalhando’ uns tantos por encomenda e outros usufruindo da repetição quase-acrítica…agora como no passado!  

 2. Em tempos não muito recuados a estenografia fazia parte da preparação de quem ia exercer a profissão de secretariado. A estenografia é uma técnica de escrita com abreviaturas, tendo a finalidade de ser tão rápida como se fala. Quem escreve tem de saber o código no qual se exprime, podendo não ser totalmente entendível por outrem.

Talvez tenha sido isso que aconteceu com uma ‘nota’ pretensamente racista de um jornalista de uma agência noticiosa nos apontamentos tomados sobre uma tal comissão parlamentar de revisão constitucional ao designar uma deputada segundo a coloração da sua tez… Não houve filtro da redação? Deixaram passar por distração ou propositadamente? Parece que o episodio veio mesmo a calhar para o partido da dita deputada, pois, dias antes, um secretário de estado tinha classificado de ‘estrume’ a comunicação de um outro órgão de informação… Por sinal ambos os atingidos de comunicação – agência e televisão – são do mesmo dono…o Estado, servidores, sobretudo, do governo!

 3. A questão da vírgula tem permitido ultrapassar ‘obrigações’ a alguns governantes. O decreto-lei 52/2019 de 31 de julho refere-se ao regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. A questão da vírgula ou não, prende-se com a declaração quanto às contas à ordem… Mais uma subtileza da nossa legislação, propícia a recorrer a gabinetes de advocacia e entretendo-se com minudências, enquanto o povo paga a fatura de não ser habilidoso em matéria judicial.

Honestidade, precisa-se!     

 

António Sílvio Couto

domingo, 16 de maio de 2021

Será o futebol irracional?

 


Contaram-me por estes dias uma situação de alguém que era (ou é) muito cuidadoso nas questões relacionadas com o vírus em curso – as higienizações, as distâncias, os apetrechos, etc. – e que foi, de forma desabrida, para os festejos do mais recente campeão de futebol no nosso país… E com eles milhares de tantos outros deram a imagem de que o futebol-paixão como que torna a maior parte das pessoas quase-irracionais, senão mesmo inconscientes…

Alguns mais paternalistas foram deixando escapar a desculpa de que quase duas décadas de jejum de festa têm de merecer mais compreensão. Outros, para não assumirem as respetivas responsabilidades, escondem-se por detrás dos ajuntamentos – autorizados, suscitados ou provocados – por forma a quererem dizer que a multidão é anónima e sem assunção de culpas. Outros ainda – sobretudo os de outros clubes ou fações derrotados – estão com o dedo em riste para acusarem os ‘prevaricadores’, quando fariam o mesmo, se estivessem em idênticas condições…

 1. Mesmo com o alarido ou sob provocações, a maior parte daa pessoas festejantes atenderam aos riscos inerentes à pandemia em curso? Serão todos tão inconscientes para julgarem que isso (o contágio ou a afetação) só acontece aos outros? Como justificar, senão por falta de senso ou quase-irracionalidade, encurralar pessoas aos magotes, sem prever as consequências? Será que uma tarde de festejos pode deitar a perder meses de confinamento ou de estado de emergência, se bem que ainda estejamos em estado de calamidade? A quem interessa o ‘jogo-do-empurra’, por parte das autoridades envolvidas? Será que o ‘covid-19’ fez perder o bom senso – há quem diga que alterou a moleirinha – da maioria dos atingidos pelo vírus?

 2. Infelizmente é verdade que o fenómeno do futebol transtorna as pessoas, sobretudo as mais apaixonadas e quase fanáticas. O que dizer de médicos-cirurgiões, de juristas ou de professores que assumem pose de verdadeira malcriadez, quando discutem coisas do futebol… e não é só do jogo, mas das tricas dos bastidores? O que dizer de pessoas sensatas – ao menos na aparência – e que se alteram quando se confrontam com outros adversários…por vezes enfrentados quase como inimigos? O que dizer de certas discussões televisivas, quando se esgrimem argumentos inflamados, estando às portas de chegarem a ‘vias-de-facto’, não fossem as distâncias ou de estarem em espaços separados?

3. O comércio do futebol tritura tudo e todos…em si mesmo e à sua volta. Veja-se que de desporto já só tenhamos alguns adereços – a bola, o campo e talvez as balizas – pois os intervenientes estão em constante mutação, tal a necessidade de novo produto para vender-e-comprar. As pessoas tornaram-se coisas e as coisas ganharam identidade. Com efeito, à expressão ‘indústria do futebol’ temos de contrapor o comércio, onde tudo se vende ou tudo se compra, desde que se saiba o preço e haja quem queira comprar ou vender. Os jogadores estão à venda. Os dirigentes andam no mercado na tentativa de fazer negócio. O produto sobe ou desce conforme tem procura ou se expõe à venda. Há que despachar um jogador, enquanto tem preço convidativo no mercado. Esta escravatura tem conluios e sobre ela se estende um manto de silêncio cúmplice e provocatório…  

 4. As provas do grande investimento feito nos futebóis – pois há o do meu clube e os dos outros – são as horas de discussão televisiva, de angariação dos melhores jornalistas vinculando-os à sua cor clubística ou o custo de publicidade em certas horas…Temos, em Portugal, três jornais diários sobre desporto, mas onde o futebol ocupa a quase totalidade do espaço. Em canais televisivos – seis entre canal aberto e por cabo e mais os dos grandes clubes – são gastas horas a fio a discutir tricas e truques, jogadas e falhanços, sucessos e inglórias…atuais, do passado e com implicações no futuro. Em tudo isto fica a possibilidade de mudar de canal ou de jornal, se não for atendido o clube (dito) do coração, pois a racionalidade deixa muito a desejar quando se perde e, sobretudo, quando se ganha…

A saúde não teria merecido melhor tratamento do que aquele que lhe deram alguns do que celebraram as vitórias… arrolhadas há tantos anos?  

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 12 de maio de 2021

‘So too’ – em jeito de denúncia

 


Tem proliferado no meio artístico uma corrente de denúncia sobre pessoas – normalmente de estatuto dito superior – que não terão respeitado outras, isto é, exercendo assédio… umas vezes referido como sexual, outras sob o âmbito profissional ou mesmo social.

Foi este movimento apelidado de ‘me too’ (eu também), desde finais de 2017, onde várias pessoas – em especial do mundo do cinema, do teatro, da música, etc. – fizeram emergir casos de assédio sexual e, nalguns casos mesmo de abusos.

 1. Sobretudo áreas que lidam com o sigilo profissional podem – e em muitos casos vivem – ser confrontadas com assédios de vária ordem. Refiro-me aos padres, médicos/enfermeiros, jornalistas, advogados… Poderia ter escolhido enumerar campos de atividade, mas preferi salientar os que exercem essas atividades, pois é sobre eles, como pessoas concretas, que tal acontece, tomando os mais díspares contornos, situações ou quase disfarces. A isto designaria uma espécie de movimentação ‘so too’ (também eu)…para denunciar, esclarecer ou combater quem, mais vezes do que seria desejável, não respeita quem escuta e/ou engole, gratuitamente, desabafos alheios…

 2. Nalgumas circunstâncias o alcance do sigilo profissional como que faz calar algo que condiciona o trato com as pessoas. Tenho por adquirido – a partir da minha experiência ‘profissional’ – que se nós respeitamos escrupulosamente o segredo, nem sempre se poderá dizer o mesmo de quem nos contata. Com efeito, como se sabe algo que nos foi dito, senão fomos nós a divulgá-lo? Ou como se poderá saber o que dissemos, em consciência, como conselho e que outros o saibam de forma tácita ou mais ou menos explícita? Como atender e entender quem nos procura e não respeita a equidistância entre quem fala e quem escuta?

 3. Muito mal iria o nosso relacionamento como pessoas, se alguém ousasse chantagear outrem, pela simples razão de lhe ter confiado particularidades da sua vida. Há, no entanto, indícios de que algo começa a desviar-se dessa confiança mútua. Nesta época propensa a falar de tudo e do resto sem o mínimo da respeitabilidade – dos assuntos, das pessoas com quem se fala ou mesmo do modo como as questões são tratadas – haverá, de verdade, confidencialidade entre as pessoas? Não ocorrerá algum modo de divulgação (gravado, filmado ou até transmitido) sem autorização? Não ocorrerá a tentação de entalar o interlocutor, expondo o que é dito?

4. A título de exemplo deixo uma anotação da minha área de intervenção. Dizia alguém com sabedoria e prudência que os padres não são assediados (procurados, tentados ou adulados) por serem meramente homens mais ou menos bonitos (segundo certos conceitos – ‘bonito’ nalgumas terras chama-se ao boi a tourear), mas por serem padres, isto é, são matéria que o mal procura para fazer cair e com isso causar mais escândalo e, porque não, mal à Igreja. Repare-se nos encómios tecidos para com um padre – tenha ou não as qualidades para quem tal enfatiza – e com que velocidade é esquecido, quando se estatela e deixa o ministério! Não será isto, artimanhas do mal?

 5. ‘So too’ (também eu) quero denunciar com toda a veemência os ardis que são lançados em situações de conflitualidade nos meios paroquiais. Com que habilidade se espoleta um problema e com que lentidão se tenta resolver. Com que sagacidade se extremam posições e com que morosidade se concertam as opiniões. Com que propaganda se divulga algo de mal e com que estranheza não se veem os desmentidos.

 6. Recordo com boa memória aquilo que, um dia, me foi advertido, lendo-o no evangelho: ‘ sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas’… não ao contrário ou as simples pombas entrariam pela boca da sagaz e subtil serpente!     


António Sílvio Couto

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Notícias de uma tal estrebaria…luxuriante

 


Por vezes as pessoas dizem coisas que deixam a manifesto aquilo que são, sobretudo se emitem juízos sobre outrem. Mais uma vez um moço da política se referiu a quem faz a comunicação social, que nem sempre lhe é agradável, como sendo ‘estrume’. Contestava algo que não lhe seria tão favorável como desejava.

Vem sendo recorrente ouvirmos, lermos e vermos responsáveis políticos no ativo (e não só) a vociferarem contra quem não lhes dá o valor que julgam ter: umas vezes fazem-no usando a comunicação social; noutros momentos aproveitam os microfones disponíveis e desancam nos adversários sem direito de resposta; outras vezes servem-se dos lugares que ocupam para ampliarem os egos nem sempre adulados ou promovidos; casos ainda denotam a perda do mínimo sentido de ridículo, se ainda fossem capazes de terem bom senso, correção e até discernimento…

 1. Poderá alguém questionar: quem é e onde se situa a tal estrebaria? Será esta uma imagem ou um retrato de algo que se vislumbra ainda de forma um tanto desfocada? Não andaremos a fazer chiqueiro de coisas menos conhecidas, enquanto o que se vê já tresanda? Valerá a pena valorizar declarações infelizes ou teremos de descortinar o que há de verdade, mesmo que dito a despropósito? O tal ‘estrume’ será de combustão controlada ou precisa de ser limpo a curto prazo?  

 2. Por estes dias tem vindo a ser introduzida no vocabulário social a palavra ‘transparência’. Só que, tanto quanto parece, cada um dá-lhe o significado que melhor deseja, em conformidade com os seus intentos e/ou pretensões. Casos há em que usar tal termo se torna uma forma mais ou menos subtil de ofender os adversários… Com efeito, certas contas precisam de maior transparência. Alguns atos de governo – quase sempre com o mesmo intérprete – estão sob a penumbra de denso nevoeiro. Medidas de combate à imigração continuam sob a alçada da mentira… surfando sobre um mar de irregularidades, mesmo que à custa da exploração de milhares de necessitados de pão e de paz.

 3. O espetáculo foi digno de ser visto. Alguém o considerou colocado entre a entrega dos ‘óscares’ – com passadeira não vermelha, mas azul – e o concurso da ‘miss universo’, onde as declarações de boas intenções tresandam a palavras de circunstância e ao nada feito… A dita ‘cimeira social’ da União Europeia serviu para ‘consagrar’ o que vale a Europa e o aproveitamento dos focos da comunicação social – essa a que apelidam de ‘estrume’ – para promover alguma da estrebaria luxuriante de serviço. Com efeito, não deixa de ser simbólico que a norte se pavoneiem uns tantos bem cheirosos, perfumados e galantes, enquanto a sul se escondem da vista milhares de imigrantes como que tinhosos de vírus, amontoados em casas insalubres e explorados por habilidosos transnacionais.

 4. Sobre a situação de Odemira-S. Teotónio-Almograve referiu, há dias, o bispo de Beja: “Isto não é uma coisa de agora. Rebentou agora, mas há uns cinco anos fiz uma visita pastoral a Odemira e visitei algumas dessas empresas e vi que havia esses problemas”. Segundo D. João Marcos tanto a paróquia de Odemira, como as dos outros locais, têm tentado ajudar a suprir as necessidades desses trabalhadores, mas “não têm capacidade para resolver um problema desta magnitude”. Conhecedora da realidade humana e social, à Igreja nem sempre lhe é dada a voz e a importância que tem e sobre a qual faz muito mais do que qualquer outra entidade… Desgraçadamente a Igreja conhece a estrebaria, cuida dela e, por vezes, suja-se sem proveito humano, mas Deus conhece… e recompensará!

 5. Os acontecimentos mais recentes sobre o ‘covid-19’ parecem alentadores de que a maré grave terá passado. No entanto, nada está conquistado e nem o processo de vacinação servirá de lenitivo, pois os cuidados devem continuar para que saiamos desta quase-estrebaria social, onde certos comportamentos parecem fazer perigar o esforço de todos nos meses anteriores. Sabemos que a cultura cívica nem sempre é a mais adequada. Por isso, continuemos nesta árdua tarefa de vencermos um inimigo sem rosto…na desgraça.  

 

António Sílvio Couto

domingo, 9 de maio de 2021

Com Maria em ritmo dos dias assinalados

 


Não deixa de ser significativo que cada vez menos haja um dia do ano que não esteja ocupado com uma referência a algum dia especial… desde as questões mais simples e outras quase anedóticas até às simbológicas mais representativas. Assim acontece no mês de maio.

Por uma questão de desafio em resposta a essa conjugação entre dias assinalados e a consonância com o ritmo de mês de maio quis propor um percurso este ano conjugando os tais dias assinalados com a oração a Nossa Senhora, neste mês tão especial na nossa devoção popular.

Eis o elenco dos diversos dias assinalados no mês de maio e a sua conjugação com a oração diária do Rosário: do trabalhador (dia 1), da mãe (dia 2), da liberdade de imprensa (dia 3), do bombeiro (dia 4), da língua portuguesa (dia 5), da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e da segurança social (dia 8), da Europa (dia 9), do enfermeiro (dia 12), da família (dia 15), das comunicações sociais (dia 16), das telecomunicações e da sociedade de informação, da internet e da hipertensão arterial (dia 17). dos museus (dia 18). do médico de família (dia 19), do mar, das abelhas (dia 20), da diversidade cultural para o diálogo e o desenvolvimento (dia 21), do autor português e da diversidade biológica (dia 22), de luta contra a obesidade (23), de África, das crianças desaparecidas (dia 25), do alfaiate, do brincar (dia 28), da energia e dos soldados da paz das Nações Unidas (dia 29), do folclore português (dia 30). dos irmãos e sem tabaco (dia 31)...

De facto, será sempre útil conjugar estes dias assinalados com textos da tradição da Igreja – dos padres e do magistério mais recente – com explicações sócio culturais e até com aspetos de dimensão politica e implicações psicológico-éticas.

 = Quais as razões, por exemplo, da celebração mundial do ‘dia do trabalhador’, do ‘dia da Cruz Vermelha’, do ‘dia da Europa’, do ‘dia do enfermeiro’, do ‘dia de África’ ou até mesmo do ‘dia dos irmãos’? Sobre estes ‘dias’ assinalados, a título de respigar, vamos fazer alguma ressonância:

- ‘Dia do trabalhador’ (1 de maio) – a homenagem remonta ao dia 1 de maio de 1886, quando uma greve foi iniciada na cidade norte-americana de Chicago com o objetivo de conquistar melhores condições de trabalho, principalmente a redução da jornada de trabalho diária, que chegava a 17 horas, para as oito horas...
- Dia da ‘Cruz vermelha’ e ainda do crescente vermelho, no campo islâmico (8 de maio) – a escolha da data deve-se ao facto de o dia 8 de maio ser a data de nascimento de Henry Dunant, o fundador da Cruz Vermelha, que foi criada em 1863. Os 7 princípios da Cruz Vermelha são: humanidade, imparcialidade, neutralidade, independência, voluntariado, unidade, universalidade.
- ‘Dia da Europa’ (9 de maio) – esta data assinala o aniversário da histórica «Declaração Schuman». Num discurso proferido em Paris, em 1950, por Robert Schuman, então Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, onde expôs a sua visão de uma nova forma de cooperação política na Europa, que tornaria impensável a eclosão de uma guerra entre países europeus.
- ‘Dia do enfermeiro’ (12 de maio) – remete para o aniversário de nascimento de Florence Nightingale, considerada a fundadora da enfermagem moderna, pelo papel que teve na guerra da Crimeia, em 1853.
- ‘Dia de África’ (25 de maio) – recorda a data em que foi criada a Organização de Unidade Africana (OUA), na Etiópia, com o objetivo de defender e emancipar o continente africano. Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 25 de maio como o Dia da África ou o Dia da Libertação da África. Em 2002, a OUA foi substituída pela União Africana, mas a celebração da data manteve-se. Este dia recorda a luta pela independência do continente africano, contra a colonização europeia e contra o regime do apartheid, assim como simboliza o desejo de um continente mais unido, organizado, desenvolvido e livre.
- ‘Dia dos irmãos’ (31 de maio) – na Europa, o dia dos irmãos celebra-se a 31 de maio, conforme foi instituído por deliberação da Assembleia geral da confederação europeia das famílias numerosas... Liturgicamente celebra-se a visitação de Maria a sua prima Isabel...

 

Tendo em conta os vários dias assinalados, será útil e interessante rezamos a Maria por estas intenções…

 

António Sílvio Couto


segunda-feira, 3 de maio de 2021

Promoção ardilosa do cravo…vermelho

 


Por ocasião das comemorações do ’25 de abril’ contou-se aquilo que tinha sido guardado como uma espécie de mito do ‘cravo vermelho’ associado àquela revolução. Foram novamente reproduzidas umas declarações daquele que é considerado o executor da peleja.

Aquando da manhã da revolução, passando pelo Rossio (Lisboa), eram distribuídas flores – sobretudo cravos sobrantes do aniversário de um restaurante nas redondezas – de várias cores, entre os quais vermelhos. Só estes foram destacados pelas fotografias da comunicação social, por haver nessa coloração alguma afinidade, dizem, com a esquerda.

Este breve depoimento foi relembrado num programa televisivo há dias, reproduzindo as declarações do guia-militar no terreno… Embora se tenha ouvido isso de viva voz, ainda houve quem quisesse considerar que tal não era tão credível como as estórias que nos têm vindo a impingir… neste quase meio século!

A difusão do cravo vermelho no cano da espingarda teve, segundo histórias desencantadas na memória, na receção aos carros de combate no mesmo local do episódio referido, pois, uma senhora não tendo um cigarro, pedido pelo soldado na chaimite, deu-lhe o que tinha: flores, que ela foi distribuindo pelos restantes militares, imitadores do primeiro e que colocaram a flor nas armas…E, se a senhora, de facto, fumasse?   

À vista desta explicação-narrativa poderemos considerar que a ‘revolução de abril de 74’ – efetiva e afetivamente – aloja vários arquétipos – inventados, cultivados ou explorados – a cuja sombra se acolhem conotações nem sempre abonatórias daqueles que delas se apropriaram, ontem e também hoje.

A quem interessa continuar a laborar nesta mentira e com estas patranhas? A quem serve uma tal comunicação social com tiques de não-independência, hoje como ontem? Por que se cultiva esta censura de factos e de situações, maquilhando-os com os mesmos retoques anteriormente contestados?

 = Brevemente celebraremos o ‘dia mundial das comunicações sociais’ (16 de maio). O tema deste 55.º dia mundial é: ‘vem e verás’ (Jo 1, 46). Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são’.

«Numerosas realidades do planeta – e mais ainda neste tempo de pandemia – dirigem ao mundo da comunicação um convite a «ir e ver». Há o risco de narrar a pandemia ou qualquer outra crise só com os olhos do mundo mais rico, de manter uma «dupla contabilidade». Por exemplo, na questão das vacinas e dos cuidados médicos em geral, pensemos no risco de exclusão que correm as pessoas mais indigentes. (...) Na comunicação, nada pode jamais substituir, de todo, o ver pessoalmente. Algumas coisas só se podem aprender, experimentando-as. Na verdade, não se comunica só com as palavras, mas também com os olhos, o tom da voz, os gestos. (...) Os discípulos não só ouviam as suas palavras, mas viam-No falar (...). A palavra só é eficaz, se se «vê», se te envolve numa experiência, num diálogo. Por esta razão, o «vem e verás» era e continua a ser essencial.

Pensemos na quantidade de eloquência vazia que abunda no nosso tempo, em todas as esferas da vida pública, tanto no comércio como na política (...) A boa nova do Evangelho difundiu-se pelo mundo, graças a encontros pessoa a pessoa, coração a coração: homens e mulheres que aceitaram o mesmo convite – «vem e verás» –, conquistados por um «extra» de humanidade que transparecia brilhou no olhar, na palavra e nos gestos de pessoas que testemunhavam Jesus Cristo».

 1. A quem interessa a notícia fabricada pela agência ou na redação? A quem pode responder uma suspeita do facebook não confirmada com a realidade? A quem convém mais o locutor do que o repórter? Tenho para comigo que, naquilo que conhecemos há tanta falcatrua, o que será onde não podemos confirmar o noticiado?

2. Quem ainda não viu que a uniformidade noticiosa esconde a preguiça na busca dos casos a tratar? Quem ainda não percebeu que tanto daquilo que vemos e ouvimos é pago com benefícios e protagonismos? Quem ainda não descobriu agora que estão a ser usados os mesmos métodos dos acusados pré-absolvidos?

3. Como dizia na sua quase-inocência um candidato presidencial: será que a maioria dos que fazem a comunicação conhecem a variações climatéricas reais para além das que lhes apresentam para ler? A quem interessa surgir em roupagem leve se está frio ou encapotado se o sol escalda? Os cravos podem ser tingidos!       

 

António Sílvio Couto