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sábado, 13 de março de 2021

200 anos do fim (oficial) da inquisição

 


Rezam os dados da História que, em 31 de março de 1821, foi oficialmente extinta a Inquisição em Portugal.

Esteve em vigor entre nós desde 23 de maio desde 1536… quase três séculos, desde o reinado de D. João III… até ao de D. João VI.

Duzentos anos decorridos que lições podemos e/ou devemos aprender? Não andaremos a correr atrás do prejuízo, sem sabermos inserir a questão na devida proporção histórica e cultural? O desenquadramento histórico não corre o risco de fazer o papel de outros tantos que se acoitam sob a capa anti-inquisição para esconderem as suas nefastas façanhas posteriores? Enquadrar o assunto no contexto histórico é tão importante quão essencial para percebermos o mal da Inquisição, se hoje continuarmos a usar os mesmos métodos (sem religião) para atingirmos os ‘nossos’ macabros fins…

 = Efetivamente, a publicação do decreto de extinção do tribunal do Santo Ofício, no nosso país, aconteceu em 5 de abril desse mesmo ano, dando conta da votação unânime das Cortes constitucionais a 31 de março anterior. A razão evocada para o caso era a de que: “a existência do Tribunal da Inquisição é incompatível com os princípios adotados nas bases da Constituição”. Foram ainda apresentados breves artigos de explicação da decisão de abolição daquele Tribunal, tais como: a revogação de todas as leis e ordens emanadas da Inquisição, a entrega dos processos pendentes à jurisdição dos bispos e a gestão dos seus bens e da sua documentação.

Talvez se deva referir que, desde o ano passado, temos, em Portugal, o ‘dia nacional da memória das vítimas da inquisição’, que ocorre a 31 de março, data-referência à sua extinção no nosso país.
Segundo registos existentes, entre 1536 e 1761 – data da última vítima, por sinal um jesuíta, condenado por heresia – foram queimadas vivas 1.175 pessoas, nos autos-de-fé públicos, enquanto a prisão e tortura atingiu perto de 30 mil pessoas...

= Introduzido no século dezasseis (1536), em Portugal, pelo rei D. João III, o Tribunal do Santo Ofício era um instrumento de vigilância social e ideológica de um país que tinha convertido à força e incorporado na comunidade católica muitos milhares de judeus – designados de ‘cristãos-novos’. Juntava-se ainda a preocupação com as heresias protestantes, numa época em que as diferenças religiosas eram consideradas uma séria ameaça à unidade política e à paz social do reino. A Inquisição estava, deste modo, ao serviço da ortodoxia católica, sempre atenta a práticas e comportamentos considerados como nocivos, digamos, à ideologia e moral dominantes. Contava também a Inquisição/Santo Ofício com proteção da Coroa e consubstanciava, de um modo geral, o apoio da população.
Julgar no contexto da fé e executar a condenação pelo braço político foram aspetos recorrentes nos vários séculos de Inquisição em Portugal. Com o abrandar da ‘perseguição’ aos cristãos-novos, na primeira metade do século dezoito, os tentáculos da Inquisição voltaram-se para outros grupos e setores heréticos, como a maçonaria. Com o tempo do Marquês de Pombal, a Inquisição tornou-se ainda mais um braço politico dos ‘inimigos’ do rei, transformando-se num tribunal da coroa e dos interesses do Estado.

Quando, nos primeiros anos do século dezanove, se discutiu a extinção do Santo Ofício, pareceu que já estava defunto e morto…deixando um rasto de perseguição, de condenação e de morte!

 = É verdade, a Inquisição – como fenómeno cultural, político ou religioso – é uma nódoa na história humana e da Igreja. Pois nunca se deveria usar a vertente da fé para maltratar, ofender ou, pior ainda, matar seja quem quer que seja. Desgraçada crença que usa a força para se impor e vencer quem não partilha da mesma vivência.

Se nos tempos em que vigorou a Inquisição estávamos sob uma espécie de cesaropapismo, onde religião e política se uniam para tirarem proveito, agora parece que vivemos num tal amorfismo que os responsáveis políticos se comportam como seres a-religiosos, não vá a sua fé interferir nas coisas de governança. Dois séculos decorridos a Inquisição é outra: usa avental e faz do compasso o instrumento de raciocínio…

 

António Sílvio Couto

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