Rezam os dados da História que, em 31 de março de 1821, foi oficialmente extinta a Inquisição em Portugal.
Esteve
em vigor entre nós desde 23 de maio desde 1536… quase três séculos, desde o
reinado de D. João III… até ao de D. João VI.
Duzentos
anos decorridos que lições podemos e/ou devemos aprender? Não andaremos a
correr atrás do prejuízo, sem sabermos inserir a questão na devida proporção
histórica e cultural? O desenquadramento histórico não corre o risco de fazer o
papel de outros tantos que se acoitam sob a capa anti-inquisição para
esconderem as suas nefastas façanhas posteriores? Enquadrar o assunto no
contexto histórico é tão importante quão essencial para percebermos o mal da
Inquisição, se hoje continuarmos a usar os mesmos métodos (sem religião) para
atingirmos os ‘nossos’ macabros fins…
Talvez se deva referir que, desde o ano passado, temos, em Portugal, o ‘dia
nacional da memória das vítimas da inquisição’, que ocorre a 31 de março,
data-referência à sua extinção no nosso país.
Segundo registos existentes, entre 1536 e 1761 – data da última vítima, por
sinal um jesuíta, condenado por heresia – foram queimadas vivas 1.175 pessoas,
nos autos-de-fé públicos, enquanto a prisão e tortura atingiu perto de 30 mil
pessoas...
= Introduzido no século dezasseis (1536), em Portugal, pelo rei D. João III, o Tribunal
do Santo Ofício era um instrumento de vigilância social e ideológica de um país
que tinha convertido à força e incorporado na comunidade católica muitos
milhares de judeus – designados de ‘cristãos-novos’. Juntava-se ainda a
preocupação com as heresias protestantes, numa época em que as diferenças
religiosas eram consideradas uma séria ameaça à unidade política e à paz social
do reino. A Inquisição estava, deste modo, ao serviço da ortodoxia católica,
sempre atenta a práticas e comportamentos considerados como nocivos, digamos, à
ideologia e moral dominantes. Contava também a Inquisição/Santo Ofício com
proteção da Coroa e consubstanciava, de um modo geral, o apoio da população.
Julgar no contexto da fé e executar a condenação pelo braço político foram
aspetos recorrentes nos vários séculos de Inquisição em Portugal. Com o
abrandar da ‘perseguição’ aos cristãos-novos, na primeira metade do século
dezoito, os tentáculos da Inquisição voltaram-se para outros grupos e setores
heréticos, como a maçonaria. Com o tempo do Marquês de Pombal, a Inquisição
tornou-se ainda mais um braço politico dos ‘inimigos’ do rei, transformando-se
num tribunal da coroa e dos interesses do Estado.
Quando, nos
primeiros anos do século dezanove, se discutiu a extinção do Santo Ofício,
pareceu que já estava defunto e morto…deixando um rasto de perseguição, de
condenação e de morte!
Se nos
tempos em que vigorou a Inquisição estávamos sob uma espécie de cesaropapismo,
onde religião e política se uniam para tirarem proveito, agora parece que
vivemos num tal amorfismo que os responsáveis políticos se comportam como seres
a-religiosos, não vá a sua fé interferir nas coisas de governança. Dois séculos
decorridos a Inquisição é outra: usa avental e faz do compasso o instrumento de
raciocínio…
António Sílvio Couto
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