Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 30 de agosto de 2022

Propostas de mudança enviadas ao Sínodo em Roma

 

No documento que a Conferência Episcopal Portuguesa enviou para a Santa Sé, como síntese das sínteses das dioceses, são apresentadas quase duas dezenas de ‘propostas de mudança’, a partir daquilo que o documento designa de ‘visão da Igreja atual’.

Porque estamos a viver um tempo de tribulação, dentro e fora da Igreja católica, torna-se importante vermos e discernirmos os sinais de Deus, por entre tantas nuvens…mesmo que elas tenham estado ausentes do firmamento, de onde nos vem a chuva!

– Igreja sinal da presença de Deus: ‘a Igreja é considerada um porto seguro, amplamente reconhecida como um espaço de comunhão e de encontro, protagonista na promoção dos valores cristãos e humanos, fazendo-se presente na resposta às necessidades humanas e espirituais das comunidades’. Assim o cremos e o desejamos…

– Igreja fator de ação social: ‘O cariz sociocaritativo é uma das dimensões que confere à Igreja uma visão positiva aos olhos da sociedade… na defesa dos mais pobres… Destaca-se o papel relevante nas áreas da educação, saúde e apoio à terceira idade’. De forma subsidiária a Igreja está em razão dos ‘irmãos’…

– Igreja sob a avaliação do passado: ‘assumir e corrigir os erros do passado, como no caso dos abusos de menores… Igreja é, pois, marcada por uma imagem maioritariamente desfavorável’. Numas coisas parece a Igreja estar bem cotada perante a (dita) opinião pública, noutras emergem sinais de descrédito…insanáveis.

– Igreja de portas abertas e em diálogo: ‘que abrace a diversidade e acolha todos, excluindo as atitudes discriminatórias… uma Igreja que disponibilize espaços abertos à partilha, ao diálogo e à reflexão, sem excluir qualquer tema, que promova um diálogo intergeracional e entre movimentos e paróquias… Uma Igreja que dê voz às minorias e estabeleça um diálogo com as periferias’. Não será que ao serem especificados certos grupos – sobretudo de teor afetivo-sexual – se pode marginalizar outros? Como dizia, há tempos, o Papa não estaremos a fazer um monólogo de surdos-mudos?

– Igreja transparente: ‘a premência de uma Igreja mais transparente e rigorosa nas suas formas de decisão e gestão, menos refém das lógicas das hierarquias e do poder… no combate aos abusos sexuais, mas também no que se refere aos recursos financeiros’. Em tempos houve quem anunciasse uma agremiação com ‘paredes de vidro’, só que não esclareceu qual era a qualidade do mesmo…Por vezes quem mais reclama de transparência e de verdade, pode encobrir isso mesmo antes que se descubra na incongruência.

– Igreja que seja (ou queira ser) família: ‘disposta a caminhar em conjunto, quer ao nível paroquial, quer como Igreja universal… [onde] todos se sintam parte integrante de uma Igreja viva e onde possam dispor e render os dons recebidos’. Bastaria recorder a imagem do ‘jogo de fiutebol’, onde todos correm e lutam, mas se não tiverem quem os oriente, podem jogar para o lado errado ou atropelarem-se sem nexo…



= Aspetos específicos que o documento da CEP aponta:

* quanto aos párocos – ‘haja maior rotatividade dos presbíteros ao serviço das comunidades e na assunção de responsabilidades, evitando assim a ocupação das mesmas funções por um período de tempo prolongado … É importante libertar os párocos de trabalho burocrático e da administração de instituições e serviços’. Este setor da pastoral precisa de ser amado, cuidado e atendido. Há lições a tirar da vida concreta…

Um tanto de forma lateral, o documento introduz, posteriormente, o tema do celibato sacerdotal – ‘necessidade de reflexão sobre o celibato sacerdotal, propondo que o mesmo seja opcional’… Pena seja que o tema apareça como questão controvérsia e não como assunto a aprofundar a sério, a começar pelos que o vivem e testemunham!

* quanto à formação (teológica, bíblica, humana) – ‘haja uma maior exigência e continuidade na formação em várias dimensões, tanto dos sacerdotes como dos leigos‘…Não basta uma certa boa vontade nos serviços litúrgicos ou a ignorância será cada vez mais atrevida…

* quanto aos seminários – ‘a reestruturação do caminho formativo, que exibe lacunas na dimensão humana, espiritual, afetiva e cultural, devendo enquadrar-se nos desafios e exigências do nosso tempo’. Tudo depende daquilo que queremos que a Igreja seja daqui a vinte ou trinta anos…

* Da comunicação à liturgia celebrada e em que espaços – ‘renovar a forma de comunicar, promovendo uma linguagem mais cuidada, aberta e adaptada às realidades, capaz de clarificar os conteúdos da fé… Revisão da forma como se celebra e de uma redescoberta do significado dos sacramentos, de modo a levar as pessoas a fazerem a experiência do encontro com Jesus Cristo vivo… Repensar a disposição dos espaços de oração, para que o espírito de comunhão seja mais intensamente vivido pelos fiéis’. Nem a pandemia, que retirou as pessoas dos templos, conseguiu dar-nos material para tratar estas questões de forma mais convicta.

* Os jovens – ‘Mais do que pensar qual é o lugar dos jovens na vida da Igreja é preciso perceber que lugar pode ocupar a Igreja na vida dos jovens e, para isso, a Igreja tem que escutar e dar tempo aos jovens’. Agora que caminhamos a passos largos para as JMJ, não seria de ver e de rever tantos dos processos de ‘catequese’ dos jovens, que ainda temos na Igreja?

* Continuar a dinâmica sinodal – ‘consolidar a consciência sinodal, dando continuidade a esta dinâmica de caminhada conjunta… O mundo precisa de uma “Igreja em saída”, que rejeite a divisão entre crentes e não crentes, que olhe para a humanidade e lhe ofereça mais do que uma doutrina ou uma estratégia, uma experiência de salvação, um “golpe de dom” que atenda ao grito da humanidade e da natureza’. A experiência dos grupos sinodais deve continuarm, mas não podemos fazer-de-conta que ‘crente’ ou ‘não-crente’ é o mesmo, pois correremos o risco de não ter mais sentido o processo de evangelização, que deseja anunciar Jesus a quem não O conhece!



António Sílvio Couto



segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Pedimos ‘cooling break’ para a Igreja católica, já!


Foi uma recente introdução nos jogos de futebol: dada intensidade do calor – ao menos no verão – mais ou menos ao meio de cada parte dos jogos temos agora um tempo de hidratação ou de refrescamento dos jogadores...

Se noutras modalidades já havia o ‘tempo de desconto’ ou outras formas de paragem do jogo para redefinir a estratégia ou até para condicionar o adversário, há quem considere este ‘cooling break’ como uma outra forma de esfriar o ímpeto de quem está na outra faceta do campo ou ainda como um criar de novas expetativas, mesmo que não sejam tão evidentes no imediato.

1. Diante da acentuada provação a que tem estado submetida a Igreja católica – tenha-se a perspetiva que quisermos considerar, a mais pessimista ou a mais desanuviada – parece que precisamos de um tempo para esfriar – o ‘cooling’ – as menos boas análises diocesanas ou mesmo interdiocesanas. Com efeito, parece que faltou uma séria dose de menos paixão ao serem reportados os resultados do inquérito enviado pela Conferência Episcopal a Roma: uns óculos excessivamente escuros leram e interpretaram os dados... Dois terços dos documento divulgado ‘entretêm-se’ a apresentar resultados negativos, percorrendo milhentas facetas que mais parece que estamos no ‘muro das lamentações’ do que ver uma Igreja com mais de quatro mil paróquias e com cerca de três mil padres e quase cinco religiosas...

Perante tanto negativismo, a Igreja católica, em Portugal, ainda terá futuro? Adjetivos como ‘hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada, e resistente à mudança’ podem alentar alguém a confiar numa estrutura ‘algo soberba e pouca disponível para a escuta’? Embora esta ‘Igreja’ possa ser vista e denunciada seria preciso dá-lo a entender para os de fora que não têm nada a ver com Ela? A quem serve o diagnóstico veiculado: aos fiéis ou aos que nos combatem e para os quais tais palavras confirmam a nossa inutilidade na sociedade e na cultura? Não parece que certos ‘clientes’ das coisas da Igreja jogam nos tabuleiros que lhes convém, mesmo que possam abjurar da fé? A cruz e o avental não se compaginam...

2. Não sou – nem nunca fui – daqueles que têm uma visão efabulada da Igreja e tão pouco dos cristãos, tenham o compromisso que possam ter na Igreja católica. No entanto, quando estamos a constuir sínteses precisamos de ver também os aspetos positivos, esses que ajudam a não desistir e a acreditar que não fazemos parte de uma mera associação de benemerência – o Papa Francisco chamou-lhe ‘ong – organização não-governamental’ – onde o social motiva e conquista uma certa simpatia. Sem Cristo seremos uma aberração e – sim – seremos ridículos, até por andarmos a fazer coisas que competem ao Estado, gastando tanto do nosso tempo em agremiações mais dispensáveis e sob o controlo dos poderes político-partidários...

3. Nas propostas de mudança do documento da CEP surge a abrir: «para muitos dos participantes na caminhada sinodal, a Igreja é considerada um porto seguro, amplamente reconhecida como um espaço de comunhão e de encontro, protagonista na promoção dos valores cristãos e humanos, fazendo-se presente na resposta às necessidades humanas e espirituais das comunidades».

Estamos a cerca de um ano da Assembleia sinodal e, mesmo com os contributos de reflexão vividos, não podemos deixar que o documento final – dizem que quase fechado nas orientações – possa assemelhar-se a uma manta de trapos mal amanhada e feita ao sabor das influências mais pressionantes...

Não podemos perder de vista nem do comportamento isso que rezamos ao longo deste tempo: ‘Nós somos débeis e pecadores: não permitais que sejamos causadores da desordem; que a ignorância não nos desvie do caminho, nem as simpatias humanas ou o preconceito nos tornem parciais’...

Embora possa haver ‘peritos’ em certas coisas, não podemos deixar que nos tentem manipular com leituras mais ou menos preconceituosas sobre os dados enviados a Roma pela CEP. Sugiro que leiamos o documento na íntegra e que tiremos as lições sobre a forma como certos jornalistas (das agências católicas) envisaram as perspetivas... Não sejamos preguiçosos na denúncia quanto àquilo que nos querem impingir!



António Silvio Couto

sábado, 27 de agosto de 2022

Cordatos com ‘os de fora’ – mordazes para ‘os de dentro’?

 

Por estes dias tenho a sensação de que algo de complexo está a acontecer, tanto ao nível das pessoas como das instituições e da Igreja católica em particular.
Numa espécie de afã de simpatia – mais convencional do que verdadeira – vemos pulular uma tendência algo perigosa: somos cordatos (atenciosos, com atitudes de concordância e de boa vontade) para com os ‘de fora’ – autoridades, comunicação social, vizinhança, concorrentes e até adversários – e, ao mesmo tempo mordazes (exigentes, sem desculpa ou até com menos boa disposição) para com os ‘de dentro’ – da mesma família, da mesma Igreja, da mesma terra/paróquia/diocese e com maior conhecimento e proximidade…

1. Andava nestas conjeturas, quando me vieram à lembrança alguns episódios, que podem ilustrar este paradoxo. Recordo a observação de uma filha à mãe: porque és tão simpática lá fora, com os outros e para connosco pareces estar sempre zangada e ríspida? Lembro de memória essa resposta de Bento XVI (papa emérito desde 2013) que ripostava a quem dizia que, por vezes, alguns saem da Igreja – como hão de sair, se nunca entraram? O terceiro momento envolve uma passagem bíblica, essa em que São Paulo dizia, como prevenção, aos cristãos da Galácia: «mas, se vos mordeis e devorais uns aos outros, cuidado, não sejais consumidos uns pelos outros» (Gl 5,15). Estes três ‘episódios’ quero que possam servir-nos de pontos de diagnóstico para que tentarmos entender a armadilha em que nos temos vindo a enredar.

2. A observação da filha à mãe – de ser uma pessoa para os de fora e outra para os de casa – é muito mais perspicaz do que possa parecer, pois, todos somos tão suscetíveis de conseguirmos assumir papéis (e não são de atores) que, facilmente, entramos em incongruência, senão mental, ao menos emocional. Sempre me constrangeu esse ‘sorriso comercial’, que nos fazem por conveniência, quando vamos comprar qualquer coisa: simpatia nem sempre (se for exagerada e artificial) rima com competência…Esta atitude condiz com o ‘culto da imagem’, seja qual for a etapa da sua estruturação: a imagem que tenho de mim mesmo, a imagem que quero dar de mim, a imagem que os outros têm de mim e a (possível) imagem que nem imagino que fazem de mim. Quantas vezes posso querer ser cordato e não passo de mordaz…sem disso me dar conta!

3. Desgraçadamente a Igreja católica tem vindo a perder ‘clientes’ (fregueses, praticantes ou utentes) à velocidade do crescimento da paganização e da tal mundanização galopante… Sim, vamos mesmo a galope para o abismo… Ora não será com certos tiques de abertura que iremos ‘conquistar’ seja quem for. A dramática divulgação do relatório da Conferência Episcopal Portuguesa – difundido por estes dias – não salvaguarda nada nem ninguém. Os títulos da agência oficial são bons para continuar a desistir e depressa, antes que a loja abra falência.
Eis um excerto da notícia da Agência Ecclesia: «A síntese sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reconhece uma Igreja “em declínio social” e lamenta que esta não tenha sabido “utilizar a força transformadora do Evangelho numa oportunidade de conversão social, valorizando uma cultura humanista”.

O documento da síntese sinodal da Igreja em Portugal, enviado à Agência Ecclesia, fala numa “atitude demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada e resistente à mudança, que prioriza a manutenção da sua imagem ao invés de preservar a segurança da sua comunidade, surgindo os casos de pedofilia como o exemplo mais evidente”.

“Uma atitude algo soberba e que se mostra pouco disponível para a escuta, marginalizando os anseios e as expectativas dos membros da sua comunidade, atribuindo-lhes, demasiadas vezes, um papel de recetores passivos”, acrescenta o documento.

A síntese, “enviada para a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos dentro dos prazos previstos”, foi elaborada a partir das sínteses das dioceses, grupos e movimentos”, e demais pessoas que se sentiram “interpeladas por esta dinâmica” e que, “de forma direta ou indireta foram questionados e acederam ao desafio, sem medo nem complexos”, resultando num claro desejo de uma “Igreja renovada, mais amiga dos necessitados, mais santa e mais evangélica, que propicie o envolvimento de todos”.

Ora, como diria o adágio nem Maomé falaria tão pior do toucinho. Com efeito, se é este o panorama que temos estamos mesmo prestes a fechar…

Só uma questão: as forças do avental (e afins) dariam de si mesmas um retrato para o exterior tão nefasto. Por que temos de ser nós os miserabilistas de serviço? Não precisamos de fazer-de-conta que está tudo bem, mas não criemos a convicção de desânimo tão generalizado. Onde estão os homens e mulheres do silêncio, pela oração e o testemunho, foram varridos da leitura da Igreja?

4. Porque acredito na fundação divina da Igreja não quero cultivar a maledicência para com os de dentro, embora precisemos todos de grande processo de contínua conversão. Uma sugestão: leiamos a passagem de Jo 17…onde Jesus rezou pela unidade, ontem como hoje. Não fiquemos na espuma dos interesses humanos!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Carta-aberta aos participantes no simpósio do clero

 


De 29 de agosto a 1 de setembro está previsto realizar-se, em Fátima, mais um simpósio do clero – este é o décimo – subordinado ao tema: ‘identidade relacional e ministério sinodal do presbítero’.

Com a regularidade de três em três anos – à exceção dos tempos recentes de pandemia – desde 1993, que nos primeiros dias de setembro de cada edição (normalmente) cerca de quinhentos padres, das vinte e uma dioceses de Portugal, se reúnem para estudar, refletir, rezar, partilhar e conviver… tratando temas de formação do clero e com especialistas das mais diferentes áreas do saber humano, bíblico, teológico e pastoral.

Atendendo ao quadro de três décadas de permeio, creio que participei na maioria das edições dos simpósios do clero, por isso, dadas as circunstâncias socioculturais deste simpósio e, tendo em conta a diversidade de participantes pela idade, sensibilidade e mesmo configuração de presença de Igreja no mundo, ouso dedilhar esta carta-aberta numa aferição de intenções e – Deus queira – de motivações de todos…sinodalmente.

Servindo-me de algumas palavras-chave (mesmo como títulos de conferências e palestras) deste simpósio, tento escrever:

 * Identidade sacerdotal – com tantos e tão orquestrados ataques aos padres, por estes dias, nalguma comunicação social tenho sentido algo atroz: seremos todos tão maus, que é preciso sermos reduzidos a pó para que ninguém (ou o menos) acredite nos padres? Não se estará, neste afã de puritanismo, a confundir a floresta com as árvores? Com certas observações, conjeturas e quase-juízos não se perceberá que forças mais ou menos subterrâneas estão apostadas em desacreditar os padres e com isso ferir o rebanho do Senhor? Até onde irá a campanha do ‘quanto-pior-melhor’, sobretudo, atingindo o âmago da consagração sacerdotal?

Somos ministros do divino, embora sejamos humanos, logo falhos e falíveis. Deus escolheu pecadores santificados…hoje como ontem.

 * Identidade relacional – a dimensão de estar com os outros obriga a forte equilíbrio emocional com uma maturidade exigente para consigo mesmo e no trato com os outros. Neste âmbito a dimensão de relacionamento com os sexos tem de ser séria e serena, sincera e amadurecida…num mundo, por vezes, eclipsado pelas lacunas de educação na família, na sociedade e na cultura.

É verdade que os padres, hoje mais do que nunca, estão sob escrutínio severo, embora não o vejamos quanto a outras formas de vida pessoal ou associativa, como militares, forças de segurança, atividades de educação ou mesmo da área política…

 * Ministério sinodal do padre – formados em seminários com caraterísticas do seu tempo, bebemos de uma educação centrada na dádiva aos outros, por isso, desde a formação estamos em caminhada sinodal, isto é, com outros na vida de serviço e na diaconia aos outros, sobretudo em espaços de paróquia. Não foi agora que estamos numa forma de sínodo mais aberto que os padres têm – ou devem ter – a consciência de presbitério, este foi, aliás, tema do simpósio de 2006. Se quisermos apreciar a vida de um padre vê-la-emos retratada na forma como se relaciona com os outros padres, tanto na vigararia (arciprestado) como na diocese. A crise de muitos padres começou a manifestar-se pelo afastamento desse relacionamento com os seus pares…

 * Relação do ministério sacerdotal com outros estados de vida – não poderá ser ordenado padre quem não possua faculdades mínimas para outra forma (ou estado) de vida, ou será visto como uma espécie de refúgio que, mais tarde ou mais cedo, se manifestará negativamente… Do mesmo modo se devem interpretar as relações com outras vocações: à família, à vida religiosa, ao tempo de mosteiro, à consagração no mundo, etc. pois são chamamentos de Deus e não estádios inferiores ou superiores de vida e de Igreja. A consagração em celibato do padre não pode fazer dele um solitário nem uma espécie em vias-de-extinção, mas antes um sinal do Reino de Deus em condição terrena…

Este simpósio vem num momento fulcral para a vida da Igreja em Portugal. Assim o aproveitemos todos!  

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Quem invocamos ao celebrarmos Nossa Senhora da Boa Viagem?

 




Ao longo do quadro geográfico português são vários os locais e diferentes as situações em que Nossa Senhora é invocada como da ‘Boa Viagem’. No concreto na Moita podemos encontrar aspetos específicos: a introdução da novena (de 30 de agosto a 7 de setembro) e ainda o hino que Lhe é devotado…

- Qual a origem desta invocação que dirigimos a Nossa Senhora?
Alguns mais recetivos a uma fundamentação bíblica recorrem aos textos e passagens dos ‘evangelhos da infância’ para verem, nas viagens de Nossa Senhora, a prefiguração de ‘boa viagem’ não só dela, mas daqueles por quem Ela há de interceder. As ‘viagens’ a ter em conta pela vivência de Maria seriam: a visitação a sua prima Isabel (cf. Lc 1, 39-56), o caminho de Nazaré para Belém (cf. Lc 2, 1-12), a fuga com José e Jesus para o Egito (cf. Mt 2, 13-15) e o regresso para Nazaré (cf. Mt 2, 19-23)...

- Quais as condições para que Nossa Senhora seja invocada como da ‘boa viagem’?
Segundo alguns entendidos estará relacionado com a situação dos navegantes, ao perto e ao longe, podendo reportar-nos ao tempo dos descobrimentos e das ‘aventuras’ dos nossos navegadores... que invocavam Nossa Senhora nas suas viagens. O incremento da devoção a Nossa Senhora da Boa Viagem de um e de outro dos lados do Atlântico verificou-se a partir do século XVII.

- Onde é honrada Nossa Senhora como da ‘Boa Viagem’?
Localidades, em Portugal, como Ericeira, Peniche, Constância ou Moita têm grande devoção - sendo a padroeira principal nalguns casos - a esta invocação de Nossa Senhora... com a particularidade de quase sempre, envolverem a realidade marítima ou a relação com atividades de teor marítimo.
Na longa lista das mais de quatro mil paróquias, em Portugal, Nossa Senhora da Boa Viagem é padroeira (orago) de três: Aguçadoura (Póvoa de Varzim), Calhetas (Ribeira Grande) e Moita.

- Qual a data da celebração da festa de Nossa Senhora da Boa Viagem?
Pelos dados recolhidos há duas datas mais usuais para celebrar esta faceta de Nossa Senhora: ligado ao dia 15 de agosto (antes ou depois) em que a Igreja católica celebra a Assunção de Maria ou à volta do dia 8 de setembro, quando celebramos a natividade de Nossa Senhora. Casos há ainda que situam a celebração no primeiro domingo de agosto.

- Novena: de 30 de agosto a 7 de setembro
Fazer festa é sempre importante, mas esta precisa de ser preparada condignamente. Na longa tradição e vivência da Igreja católica, a ‘novena’ configura uma das formas mais tradicionais de preparar as festas dos santos e, sobretudo, de Nossa Senhora.
À semelhança dos anos anteriores, vamos celebrar a ‘novena’, no contexto da Moita, desta vez à luz das sete ‘dores de Nossa Senhora’: profecia de Simeão, fuga para o Egito, perda de Jesus no templo, no caminho do Calvário. aos pés da Cruz, Maria recebe Jesus retirado da cruz, Jesus é sepultado. Embora as ‘sete dores’ não perfaçam os nove dias, incluímos no primeiro e no último dia uma relação entre as dores e a viagem (caminho da vida)…

Talvez valha a pena explicar a razão de ‘a novena’ ser constituida por nove dias. Desde logo ‘nove’ é três ao quadrado. Ora ‘três’ está relacionado com as Três Pessoas de Santíssima Trindade, que são evocadas, invocadas e glorificadas em cada um dos dias da novena por três vezes.


- Qual a mensagem contida no hino a N.ª S.ª da Boa Viagem (Moita)?

 
Nossa Senhora da Boa Viagem,
cheio de fé venero vossa santa Imagem.
Por Vós nossa alma tanto amor encerra.
Ó santa padroeira da nossa querida terra!

Padroeira da nossa terra, pedi por ela a Jesus:
nos dê a paz em nossas almas
o pão nosso de cada dia e Sua bendita luz!

Os marítimos vão p’ró mar sempre cheios de confiança
e nunca deixam de rezar.
Têm fé que hão-de voltar porque Vós sois sua esp’rança.

Quando ajoelhados Vos pedimos a Vossa doce proteção,
em nossa alma nós sentimos,
Virgem Mãe que acudis em tão grande aflição.

No refrão deste hino – com uma tonalidade menor, logo algo triste – faz-se a declaração de confiança em Nossa Senhora, como padroeira.
Na 1.ª estrofe há um acento cristológico, pois Maria é quem nos leva a Jesus e d’Ele recebemos proteção e luz.
Na 2.ª estrofe faz-se a ligação entre a Moita e o rio – aqui dito de ‘mar’ – numa referência à desejada viagem de regresso, após a faina.
Na 3.ª estrofe como que se faz memória de outras situações em que os devotos recorreram à proteção da Senhora, afirmada de Mãe atenta...



António Sílvio Couto

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Mulheres-comentadeiras de futebol… e não só

 

O tema do futebol – jogado, comentado/falado, comércio ou indústria (?), escrito ou ideologizado – faz gastar horas a fio neste país e no resto do mundo. Há canais televisivos, que mesmo não transmitindo jogos, vão escarafunchando tudo sobre a matéria…numa linguagem, por vezes, a roçar a ofensa senão a malcriadez.
No meio de tanto disto fomos vendo surgirem mulheres no estádio de comentadeiras – não é de comentadoras nem de comentaristas – dado que a função mais parece servir algum subtil interesse do que de pronunciar-se sobre as teias do futebolês… Embora poucas na quantidade como que emergem com uma certa qualidade…

1. É um facto que o futebol praticado no feminino tem vindo a crescer de uma forma expressiva. Quase todos os grandes clubes têm secções de futebol-feminino – nalguns casos com mais sucesso do que o praticado no masculino. Embora com menos agressividade e artimanhas vemos que as praticantes dão ‘show de bola’ e fazem ver a outros que a subtileza da modalidade até ganha nova graciosidade quando feita por elas. Não sabemos se tudo é tão claro como seria desejável – o uso de matérias nemos lícitas poderá trazer à luz do dia outros interesses e convulsões – notando-se que vemos equipas de treinamento no feminino e com resultados consideráveis em relativamente pouco tempo.
O leque de futebol vai desde o de ‘onze’ até ao futsal, sem esquecer os diversos escalões e competições já em curso bem como as instâncias ou campeonatos ao nível nacional e internacional…com seleções, ganhos e custos à mistura com transferências, ordenados e prémios…As vedetas já brilham e os negócios começam a proliferar… Afinal, muitos dos defeitos do futebol no masculino bem depressa chegaram à vertente feminina.

2. Voltemos, então, ao jogo falado e olhemos para a intervenção nas discussões a propósito de jogadas e de fintas, de cartões e de castigos, de erros de arbitragem, de habilidades que se tornam quase artimanhas. As opinantes no feminino dizem e fazem o mesmo que os do masculino, não se percebendo que são olhos diferentes quem vê e/ou opina. Casos houve que, por controvérsias com algum dos participantes em painéis de discussão, tiveram elas de serem substituídas ou relegadas para fora do écran. Algumas não conseguem esquecer a ‘sua’ cor clubística e – à semelhança dos masculinos – distorcem as questões, tornando-se, além de facciosas, pouco capazes de serem vistas com seriedade, até pela falta de serenidade.

3. Felizmente a equiparação entre homens e mulheres – isso é bem diferente da pretensa paridade ou até das famigeradas cotas – vai sendo posta em prática, não só pela pressão feminina, mas pela consciencialização social e cultural de todos. Embora já tenhamos feito uma evolução razoável em certos setores, outros há que resistem a consideração de que homem e mulher são iguais na diferença e diferentes na igualdade. Isso evitaria que uns se queiram fazer passar por outras e elas interpretando o que há (ou pode haver) de mais nefasto neles.
Com a evolução da instrução delas e o abandono da escola por eles, em breve teremos conflitos de papéis senão mesmo de figurações, sobretudo em espaços de poder, seja qual for o campo de atividade ou profissional. Aquilo que, por estes dias, vai sendo promovido pelas quotas para elas, brevemente sê-lo-á para eles. Mal vai uma sociedade – como a nossa ocidental – que se regula pela influência emotiva e não pela racionalidade em ato.

4. Enquanto não nos regermos pela competência, sem rótulos de sexos – o ‘género’ serve bem os intentos da reivindicação e não da cultura de valores – andaremos a perder tempo e a tentar justificar como vivemos e não a viver como pensamos. Por isso, cultivemos aquilo que faz de cada pessoa alguém com direitos e obrigações equilibrados, sérios e sensatos, numa sociedade que não olha à diferença pela exclusão, mas à semelhança pela capacidade do ser…
Se as comentadeiras trouxeram mudança ao futebol, venham mais e competentes noutros campos pelo que fazem, explicando o que dizem!

António Sílvio Couto

sábado, 20 de agosto de 2022

Justiça popular – perigo ou solução?


Por ocasião do surto de incêndios que temos estado a viver – associado às ondas de calor neste verão – ouviu-se um autarca referir que, dentro em pouco, poderá surgir uma espécie de justiça popular, levan

do as pessoas a fazerem justiça pelas próprias mãos. Esta sugestão emerge daquilo que temos tido a sensação de que os ‘criminosos’ incendiários (e noutros casos de malfeitorias a pessoas e bens) continuam sem serem apanhados nem tão pouco castigados condignamente.

1. A possível tendência a recorrer à justiça popular – castigar os prevaricadores pelas próprias mãos, sem esperar o julgamento – não significará a falência da justiça dos tribunais? Estes com tanta morosidade não correm o risco de se tornarem promotores da injustiça? Justiça que não é justa – no tempo devido e nas condições aceitáveis de execução – não é ela mesma fator de injustiça? Até onde irá a promoção do descalabro deste setor essencial da nossa vida em sociedade?

2. Ao falarmos de ‘justiça popular’ vem-nos à memória a figuração – visual e lendária – da designada ‘justiça de Fafe’, essa em que, na forma de estátua (imagem que ilustra este texto) – vemos um indivíduo de pau na mão e puxando-o pela vestimenta do oponente, agredi-o violentamente... Diga-se que este monumento está colocado ao lado do tribunal em exercício naquela cidade nortenha!

Valerá a pena, resumidamente, recuar na lenda deste episódio e conhecer a estória.

A versão mais difundida, desde o início do século XIX, narra um episódio, registado no século XVIII e protagonizado por um visconde de uma freguesia de Fafe, político influente no concelho e homem de não de levar afrontas para casa. Ora, como deputado às Cortes, o visconde terá chegado atrasado a uma sessão daquele órgão monárquico, no que terá sido censurado por um marquês, também deputado, que lhe terá chamado ‘cão tinhoso’. O visconde fingiu que não ouvira o impropério e mostrou-se tranquilo durante a sessão mas, finda aquela, interpelou o marquês, repreendendo-o pelas palavras descorteses que lhe havia dirigido. Em vez de lhe pedir desculpa, o marquês arremessou-lhe as luvas à cara, convocando-o para um duelo. Ao ofendido competia escolher as armas, e quando todos pensavam que iria preferir espadas ou pistolas, como era usual ao tempo, o visconde apresentou-se para o reencontro munido de dois resistentes varapaus. O marquês não sabia manejar esta ‘arma’, enquanto o visconde, perito na arte do jogo do pau, tradicional naquela região, espancou o seu opositor. A gargalhada foi geral e os populares que presenciaram tal ‘acontecimento’ não se contiveram e gritaram: ‘viva a justiça de Fafe... com Fafe ninguém fanfe’!

3. Conhecida esta forma radical de justiça popular poderemos e deveremos introduzir questões quanto ao nosso tempo... algo laxista sobre esta forma de condução social dos interesses pessoais e sociais, que é a justiça. Com efeito, quando vemos processos arrastarem-se dezenas de anos nos tribunais, será isso a forma mais digna de tratar um setor fundamental da sociedade? Os milhentos subterfúgios da lei como que permitem, sobretudo aos ricos, protelar a presença em julgamento em tribunal, podendo com isso prescreverem os processos e originando injustiças quanto aos lesados/vítimas. Os meandros da justiça como que parecem labirintos esconsos, onde os mais espertos deambulam e se escondem e os mais crédulos continuam a ser ofendidos por quem os possa ter enganado ou mentido.

4. Nunca será solução usar, no extremo, os meios físicos para resolver qualquer assunto que seja, embora haja quem considere que uma boas ripeiradas e uns trabefes, dados na hora apropriada, possam corrigir... e esses corretivos já ninguém lhos tirará. No entanto, precisamos de cuidar de que a justiça, feita segundo os moldes da sociedade ocidental e democrática, é a mais recomendável e acertada.

Estimámos que os responsáveis – da política e do legislativo – sejam capazes de fazerem leis exequíveis na hora devida e que os cidadãos possam acreditar que o fazem por bem e por valores bem mais dignos do que as práticas dos delinquintes. Não deixemos cair a justiça na rua!



António Silvio Couto

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Certas rãs na margem (ou dentro?) do pântano

 


É breve e incisiva a fábula de Esopo sobre a rã e o boi.

Aquela querendo equiparar-se no tamanho com este, engendrou uma forma de ir crescendo até atingir a estatura do boi, corpulento e solene… foi inchando, inchando e crescendo até que explodiu, sendo esventrada e espalhadas as vísceras em redor.

 = Nos acontecimentos mais recentes sobre a Igreja católica – seus ministros e responsáveis, suas agremiações e associados, seus fiéis e ‘praticantes’ de bancada, nas agruras ou nas romarias, nas notícias ou nas conjeturas – vimos surgir uma nova modalidade de intervenção: uns tantos publicam e fazer conhecer as suas cogitações sobre que é ou que será, sobre quem não querem ou promovem, sobre o futuro sem desconsiderar o passado… quanto àquilo que pode vir a acontecer nas entrelinhas da vida eclesial.

Uma pequena – que não insignificante – clique vai plantando notícias nas plataformas sociais, usando do seu saber privilegiado das coisas da Igreja em geral e do episcopado em particular para confundirem os mais incautos – muitos deles consumidores de rádio (mais ou menos ‘católica’), de canais televisivos de mistura (onde no mesmo écran surgem imagens de coisas religiosas – missas e afins – e avantesmas indecorosas, saídas de um tal esgoto social inexplicável), comunicações (ditas) online ou mesmo em espaços de tendência religiosa pretensamente anódina…onde se tenta confundir o leito (do rio) com a margem (das coisas) e se faz desta a referência de intervenção… Quantas serão as ‘margens’ e onde as podemos identificar? Elas balizam a fé ou confundem a crença? Servem a unidade ou, capciosamente, incentivam a indignidade de tudo e de todos?

 = Uma atroz e indisfarçável tristeza me percorre ao ver que, no seio da nossa Igreja católica, há quem pretenda mais vê-la a sangrar do que a converter-se, escarafunchando mais as misérias – essas que nos envergonham e fazem pedir perdão – do que deixando pistas para uma nova etapa de presença desta Igreja de sempre, renovada, assumida e arrependida. Alguns dizem-se auscultadores de ‘sete margens’, mas parecem mais ‘velhos do restelo’ na hora da despedida dos aventureiros ou como marretas de serviço no teatro da vida teatral….

 = Uma frase me tem servido de referência ao ver esta onda de ‘perseguição’ à Igreja e aos seus responsáveis: firam o pastor e as ovelhas dispersar-se-ão. Esta advertência de Jesus, no contexto das orientações da despedida, na Última Ceia, deixa-me um tanto perplexo: Jesus intuiu que isto iria acontecer? Ele viu-nos e não nos rejeitou, agora que O ofendemos? Ele percebeu que os responsáveis – bispos ou padres – podem pecar, mas isso não os desautoriza nem os faz serem menos eles, desde que olhem para Ele, o Mestre? Não haverá algo de inquisitorial em certas notícias e na sua difusão de modo tão escandaloso? Teremos fiéis, verdadeiramente, amadurecidos para saberem interpretar o essencial sem tropeçarem no secundário?

= Neste tempo de grande provação a que temos estado submetidos, torna-se de importância capital vivermos num discernimento contínuo sobre tão graves e nefastos factos. A Igreja vive, hoje, mais do que no passado, um tempo de paradoxo, de contrassenso e de purificação.

Explicando: de ‘paradoxo’, pois em condição terrena anuncia e trata de assuntos cuja abrangência aponta para as realidades mais do que naturais, isto é, sobrenaturais e isso pode ser contradito pelo comportamento dos seus membros, todos os fiéis. Quem não conhece a expressão – o paradoxo da Igreja no mundo – nisso que o Concílio Vaticano II tratou tão bela e serenamente no documento ‘Gaudium et spes’? Mais de meio século decorrido, a mensagem está atualizada e urgente!

‘Contrassenso’ como que configura um dizer que pode ser desdito pelo (não) fazer. Quantos se aferram nesta discrepância para condenarem a Igreja (sobretudo a hierarquia), pois não parecem viver o que pregam aos outros… Como é fácil apontar aos outros aquilo que nós (também) não vivemos!

‘Purificação’ – é isso que deverá deixar marcas para o futuro, para estarmos mais segundo o Evangelho!    

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Porque todos os segundos contam

 


Quem estiver atento à publicidade – desde a mais comercial até à mais institucional, sem esquecer tantas outras subtis vertentes contidas nesta arte de comunicação – poderá encontrar as linhas-força de um tempo, de uma sociedade e quase de uma civilização. Disso mesmo me dei conta ao ver e ao ouvir uma publicidade sobre uma técnica de comunicação entre pessoas e onde surgiu uma frase algo inquietante sobre o modo como podemos aproveitar ou talvez desperdiçar o tempo e mesmo aquilo que nos resta de vida em cada dia: um segundo, qual a diferença?

1. Não será que um breve segundo poderá fazer a diferença entre a vida e a morte? Um segundo de distração, por exemplo na estrada, não poderá ter um destino trágico e irreparável? Um segundo de não cuidado, no caso de uma criança, não deixará marcas para sempre? Um segundo de silêncio (vazio) não poderá deitar a perder todo o investimento no relacionamento entre pessoas?

2. Estas e outras perguntas como que nos colocam perante uma questão fundamental – o tempo é curto e tem de ser aproveitado com toda a intensidade. Noutra época ouvi uma distinção sobre as diversas fases da nossa vida: até os vinte, posso tudo (a força física); até aos trinta, sei tudo (capacidade intelectual com algum excesso); dos trinta aos quarenta, tenho alguma coisa a aprender (a aferição às questões da vida, sabendo ver as limitações e as capacidades ainda asseguradas); dos quarenta aos cinquenta, há qualquer coisa que não sei e tenho de aceitar as limitações; depois dos cinquenta, tenho tanto a aprender com os outros…mais velhos ou mais novos; a partir dos sessenta, já quase não sei nada e preciso (aceitando ou sendo obrigado) de dar o lugar aos mais novos… talvez esteja a começar a idade da maturidade psicológica e – que bom seria – da maturação espiritual; depois dos setenta a experiência de vida quase que se comunica por osmose… depois dos oitenta estamos na idade da expetativa quanto a tudo e a todos…

3. Recordo ainda um episódio que se contava de um padre de Braga que, ao ver os outros mais velhos, decidiu escrever uma carta a si mesmo, para abrir somente quando fizesse sessenta anos. Se bem o pensou, melhor o fez. No dia do aniversário abriu carta com as recomendações que fizera a si próprio, quando atingisse tal idade, concluindo: ‘eras muito burro’… Presume-se que tais conselhos, além de desprezíveis, considerava-os não-aceitáveis… agora que atingiu a idade-barreira da sua reflexão em tempos da juventude.
Certamente já todos passámos por experiências idênticas: vermos que as observações para com os mais velhos bem depressa foram desmentidos pela nossa vivência ou ainda que os conselhos que pretendíamos dar aos mais novos serão facilmente desmontadas pelo nosso comportamento de antanho. Pena seja que nem sempre tenhamos, na devida conta e o correto discernimento, esta oscilação para o antes e pelo depois!

4. A velocidade a que andamos nem sempre nos permite aferir tantas das incongruências em que nos enredamos. Com efeito, tanta dessa pressa é inimiga de uma autêntica maturidade e quase corremos o risco de envelhecermos rapidamente, sem disso nos darmos conta, conscientemente. Pior ainda será vivermos numa espécie de eterna nostalgia sem conseguirmos viver a graça – no sentido de boa conduta e não meramente no sentido religioso – de cada idade. Aliás, certos momentos de convívio com outros de idade semelhante – tempos de escola/estudos, da vida militar ou de seminário – podem ajudar a recordar, mas correm o risco de não ajudar a amadurecer, verdadeiramente.

5. ‘Porque todos os segundos contam’, torna-se urgente assumir as vulnerabilidades de cada idade, tendo presente as condicionantes de cada lugar e deixando aberta a porta da boa convivência, pois podemos recordar, embora nem sempre seja viver: o passado ensina, o presente guia e o futuro alimenta a esperança de que haveremos de ser melhores cidadãos porque mais cristãos…

António Sílvio Couto

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Justiça e compaixão – complemento ou confronto?

 


Por ocasião dos problemas de ‘abusos sexuais’ – para já – na Igreja católica temos visto despontar uma linha justicialista, que, pretensamente, defendendo as vítimas, essencialmente, reclama o castigo dos prevaricadores. Estes como que são tornados ‘objeto’ de condenação e quase nunca se tenta olhar para eles como pessoas – doentes, descompensadas emocional ou afetivamente, embora se transgressores devam ser julgados e condenados...no devido tempo e não – como parece – ainda na fase da acusação...quando a há.

 1. Estamos num tempo algo conturbado, onde, com facilidade, emergem fantasmas, surgem mitos e pululam oportunistas. Com efeito, a propósito das prevaricações de alguns padres como que se faz uma generalização e passam a ser todos suspeitos de serem abusadores de crianças ou mesmo cultivadores de uma moral pouco apropriada às regras que propõem. Com que destreza se extrapolam episódios e se fazem conjeturas sobre tudo e para com todos. Com que ligeireza se aceitam denúncias, sem questionar as razões – ou serão ressabiamentos? – dos que tal dizem. Com que leviandade se envolvem na discussão quantos/as, que tentam disfarçar as mazelas que povoam os seus antros de frequência ou mesmo de referância...social, económica ou ideológicamente.

2. Não devemos dar aos outros, por caridade, aquilo que lhes devemos, por justiça. Este aforisma é tanto mais verdade quando pode estar em causa a honorabilidade de alguém ou até a sua vulnerabilidade. A justiça deve ser rápida para que não se torne foco de injustiça, isto é, de acusar sem provar ou de deixar a moer aquilo que pode ser removido, mesmo que dóia.

 3. Pelo que temos conhecimento há pessoas acusadas, em suspeita, há meses, que ainda não foram ouvidas sobre nada daquilo que foi publicitado...como escandalosamente. Costuma dizer-se – e com razão – todos são inocentes até prova em cntrário, isto é, até transitar em julgado. Ora, nestes casos em divulgação publicados como ‘abusos’, seja quem for o acusado, é culpado mesmo que possa nunca ser julgado e, enquanto presumível, terá de o aceitar silenciosamente sejam quais forem as acusações...mesmo que inventadas, tecidas e urdidas por quem lhe (possa) desejar mal...passados anos ou décadas, isto é, tirando do contexto dos acontecimentos factos, situações, pessoas e intenções!

 4. À justiça aquilo que é da justiça. Sempre. Mas será que a justiça – sobretudo esta de caraterísticas populistas e arrastada – tem funcionado como entidade defensora da verdade ou de quem quer fazer dela uma espécie de ariete contra ‘inimigos’ escondidos, presumidos ou indesejados? Não será que uma boa dose de justiça está eivada de peconceitos contra membros do clero e das instituições da Igreja católica? Por que se abespinham tanto certas forças contra sinais religiosos, quase sempre sob suspeita e em menos boa discrição? Não andará por aí, de forma difusa, uma tendência em fazer das coisas espirituais, causas perdidas para os valores do consumismo, do hedonismo e de quanto possa cheirar a Deus?

 5. Fixemos a atenção naqueles que são (ou foram) considerados culpados dos abusos – por vezes apelidados de abusadores e noutras situações apresentados como causadores de malfeitorias para com crianças e não só – e que nos surgem, desde logo, como pessoas de má-índole, senão criminosos pelo menos ‘dignos’ de serem apedrejados sem dó-nem-piedade, já...

Não está em causa defender acriticamente quem que seja, mas antes perceber quem são essas pessoas, em tantos casos, já eles/elas vítimas de atrocidades idênticas ou até de menos boa formação moral, apesar de a terem estudado e de terem sido examinados sobre a matéria. Que querem fazer com essas pessoas – recuperá-las ou trucidá-las social e religiosamente? Saberemos distinguir entre o pecado e o pecador? Quem nos faz combater – o mal feito ou os malfeitores?       

Precisamos de mais compaixão, sabendo distinguir os parâmetros de avaliação. As pessoas, sempre!

 

António Silvio Couto

domingo, 7 de agosto de 2022

Padres - sinais de contradição

 


Por estes dias e perante as notícias que são dadas sobre os padres, vemos que estes devem ser uma ‘raça’ (quase a resvalar para o desumano) de má índole, pois o que deles se refere é pouco menos do que muito mau, tais as malfeitorias que praticam ou mesmo as tropelias em que se envolvem.

Dá a impressão que regredimos ao tempo da ‘primeira república’ - há um século atrás - quando a mesma ‘classe’ era classificada de ‘corja’ e como que promotores da ignorância, assinalados como inimigos de quem os perseguia...

1. Enquanto padre, quase há quatro décadas, nunca pensei ter a sensação de desprezo, de ser olhado de soslaio, de constituir um perigo para a sociedade... como agora nos fazem crer que somos ou que nos devemos considerar enquanto tal. Alguns dos factos trazidos à luz do dia - depois de tempos tenebrosos e esconsos - sobre ações cometidas por parte de certos padres fazem com que o mal de uns se propague, difunda e infete todos os outros. De uma forma orquestrada vemos serem desfiados erros, pecados e crimes de uns que cobrem todos os demais. De um modo quase torpe se faz crer que, quem ainda não foi denunciado, tem de se colocar de prevenção, pois mais cedo do que tarde entrará no role dos proscritos...

2. É uma perceção infetocontagiosa essa de ver que, alguns daqueles que caíram nas teias de todo este processo, estão a ser colocados no patibulo de uma nova inquisição. Surgem denunciantes (anónimos, encobertos ou com cobertura), são incentivados os delatores - veja-se a promoção de certas campanhas e de argumentos de determinados setores - pois, dá a impressão de que não seremos ‘civilizados’ se não atingirmos a cifra de outros países... nesta matéria. Daqueles que conhecemos e que foram lançados na fogueira inquisitorial percebe-se que estão votados ao desprezo, sendo trucidados sem dó nem piedade. Mesmo que tenham cometidos ‘crimes’ - estes só serão assim considerados quando transitarem em julgado - estas pessoas não merecem respeito e não têm dignidade? Os seus erros fizeram deles cidadãos de classe inferior? Não haverá um plano para primeiro (social, cívica e culturalmente) condenar e só posteriormente aceitar a pronúncia?

3. A habilidade com que está a ser montado todo este processo reveste condições de perseguição à Igreja católica e pretende criar condições para que as ‘jornadas mundiais da juventude’ do próximo ano, em Lisboa (JMJ 2023), sejam um fiasco, pois quem acreditaria numa ‘agremiação’ onde os seus colaboradores principais, que são os padres, estão sob suspeita social e moral? Quem deixaria aproximar-se de um potencial mau elemento social e (quase) profissional? Quem daria crédito a quem foi desacreditado eticamente?
Nota-se que as garras infetadas de má-fé estão untadas de preconceito ideológico. Nota-se que forças mais ou menos habituais noutros processos se perfilam para colherem os frutos desta campanha de intoxicação noticiosa. Nota-se que os (ditos) católicos acreditam mais nas notícias das redes sociais do que nas ações silenciosas de tantos dos membros da Igreja - onde o clero se inclui - ao longo dos séculos.

4. A título de exemplo deixo dois momentos da ordenação dos diáconos e dos padres, numa tentativa de alicerçar as razões de ser e não tanto o entretenimento do mero fazer.
Por ocasião da ordenação do diácono diz o bispo ao ordenado: «toma o Evangelho de Deus, que tens a missão de proclamar: crês o que lês; ensina o que crês; vive o que ensinas».
Num momento da ordenação do padre, o bispo afirma, depois de ter perguntado: «prometes a mim e aos meus sucessores reverência e obediência» ... ao que o ordenado responde: «prometo»... dizendo o bispo: «queira Deus consumar o bem que em ti começou».
Duas atitudes se destacam nestes momentos trazidos à colação: a importância e o serviço à Palavra de Deus, por parte do ordenado e a qualidade de compromisso deste em comunhão com os responsáveis da Igreja e todo o presbitério.
Num tempo ávido de protagonismo pessoal, o que vemos na essência do ser diácono e posteriormente como padre é saber que a Palavra de Deus é o grande guia da sua conduta e do seu viver, bem como desse estar em comunhão de obediência responsável com o seu bispo, inserido num presbitério (comunhão de padres) de servos e não de senhores, de irmãos e não de lacaios, de pessoas que não procuram os seus interesses, mas a glória de Deus pelo serviço aos irmãos...    

António Sílvio Couto

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Hibernar na estiagem

 Sou daqueles que não gostam de férias em agosto. Talvez seja quase uma raridade, pois uma imensa maioria faz deste mês o seu tempo preferido de descanso, que, a meu ver, pela confusão de espaços, o atropelo de pessoas e mesmo o excesso de procura, esse tempo de férias como que fica condicionado…

Esta quase hibernação coletiva, em tempo de estiagem, torna-se um ritmo de vida que talvez não favoreça o pretenso tempo de descanso, não fossem as predisposições para aguentar tudo e o resto por esses (estes) dias.

 1. Custa-me a crer que se tenha de deixar de pensar só porque se está de férias. Vemos, por exemplo, articulistas que fecham a loja durante agosto e partem com destino ao nada ou sem lugar para onde. Agora que pode haver mais serenidade não seria de passar a escrito impressões e reflexões com maior (e melhor) profundidade? Agora que os neurónios se podem distender, dado que o stress do dia-a-dia foi atenuado, não seria útil canalizar as reflexões para assuntos de maior interesse e de possível acutilância? Não terão ficado para trás temas e assuntos que precisam de mais tempo de aprofundamento e que o tal tempo de férias ajudaria a colmatar? Por estas e outras questões considero um exagero que se não continue a veia de partilha/reflexão em tempo de férias, em agosto ou noutro qualquer mês…

 2. Num tempo considerado de ‘sealy season’ vemos que surgem (ou reaparecem) temas de algum nojo, quando considerados em circunstâncias normais. Veja-se a exploração de temas de escândalo, sobretudo se atingem pessoas, entidades ou personagens ligadas à Igreja…numa exploração quase a roçar o ridículo, ou se não se suspeitasse quem possa estar interessado em tal fascínio doentio. Dada a quase ausência de temas político-partidários vai-se escarafunchando em assuntos que possam (pretensamente) dar audiências – e possivelmente publicidade – nem que seja requentando coisas sem nexo nem interesse.

Tirando o calor e as praias pouco fica para entreter quem ainda tem tempo para gastar diante da televisão. Começam a voltar os jogos de futebol (ao nível internacional e cá por casa), discutem-se táticas e troçam-se galhardetes de clubismo, acirram-se os ânimos em tempos de discussão, que tem tanto de inútil quanto de irracional.

À exceção de festas e romarias, vemos arrastar-se o mês de férias ao ritmo do calor sufocante – este ano bem mais agreste do que noutros tempos – e dos fogos florestais tão cíclicos quão fatídicos…

 3. Com o país inclinado ainda mais para o litoral, nesta época do ano, vemos como certas regiões se tornam espaços quase irrespiráveis, tal o sufoco de pessoas, o acrescento do custo de vida e até a possibilidade de escassez de recursos para alimentar tanta gente e com níveis de exigência progressivamente crescentes. Agora que os gastos – pessoais, familiares e sociais – aumentam, vemos diminuir a força de trabalho. Quando o ‘direito’ a férias se sobrepõe às obrigações de todos e de cada um, precisamos de saber para onde vamos, não aconteça de sermos beneficiários de regalias que podem suicidar o futuro a curto e a médio prazo.

 
4. Na ementa dos eventos deste tempo de estiagem vemos com realce as diversas ‘festas’ – algumas ditas religiosas, mas onde o tal religioso serve mais os intentos do popular; outras de teor populista, onde não faltam as ‘autoridades’ autárquicas e não só a perfilarem-se nos espaços religiosos; outras ainda que usufruem da designação ‘religiosa’, mas cujo teor serve para o que serve e vale para aquilo que querem que valha – ocupando e entretendo incautos, preenchendo programas de fachada e até dando cobertura aos intentos mais subtis de promotores, executores e beneficiários…

Não fossem os dois anos de interregno das ‘festas’ e estaríamos a maldizer a nossa sorte, pois temos de purificar tanta coisa espúria que poucas energias nos ficam para fazermos bem o que de menos mau temos suportado. Queira Deus que sejamos dignos de interpretar o que estamos a viver…com verdade, humildade e sinceridade!    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Efeitos dessa ‘geração nutella’


 De muitas e variadas formas tem sido recorrente ‘rotular’ as diversas gerações, na maior parte das vezes mais pelo ridículo do que pelo essencial e benéfico. Assim encontrei uma nova expressão – pelo menos para a minha ignorância – para caraterizar algumas das atitudes dos nossos dias, tanto de mais novos como de mais velhos...embora sejam (no tempo, no espaço e na mentalidade) já deste século e milénio.

 1. O que é a ‘geração nutella’? Define a geração que nasceu ou cresceu durante os anos de 2010, coincidindo com a ascensão de uma marca famosa de creme de avelã com cacau e leite, utilizada pelas gerações 80/90 para se sentirem superiores aos mais novos, que cresceram entre o auge da tecnologia.

2. O que é a ‘nutella’?  É uma marca de creme de avelã com cacau e leite. ‘Nutella’ foi criado por uma empresa italiana ligada à produção de doces  e de chocolates, no ano de 1963. A receita foi desenvolvida a partir de um outro produto lançado pela mesma empresa nos finais das segunda guerra mundial. ‘Nutella’ é atualmente vendida em mais de 75 países.  

 3. Se aquilo que comemos define, minimamente, o que somos, temos de refletir sobre essa dose de ‘nutella’ que ingerimos. Embora possa ter outros nomes – como tulicreme – esta composição alimentar tem conquistado novos aderentes, dando-nos uma espécie de leitura para tantos dos problemas humanos, sociais e culturais com que temos de nos confrontar...quase sempre numa tonalidade de algo pouco exigente e quase a roçar a facilidade um tanto ético-moral. Sem nos darmos conta entramos numa onde de facilitismo, reduzindo ao mínimo aquilo que possa contrariar pessoas e desejos, intenções e pretensões, projetos e decisões...

4. Quem não foi já confrontado com o ‘poder’ das crianças, nalgum momento da vida privada ou pública? Com que facilidade as crianças – desde tenra idade e até ao nível da adolescência – condicionam a vida dos adultos pelos bons e maus motivos. Quando embirram com alguma coisa torna-se complicado contrariá-las, gerando situações desagradáveis e complicadas, sobretudo, se tais momentos acontecem em público e sem filtro. Nota-se que, em muitos casos, se reveste de complexidade extrema gerir as situações de crianças algo arrogantes e sensíveis à sua dose de vitória nas pretensões manifestadas.

Sem querer fulanizar a situação fui, recentemente, confrontado com o ‘poder’ de uma criança – teria quatro anos – que se opôs, de forma ostensiva e provocatória, a ser batizado, pois, não permitia que lhe molhassem a cabeça com a (possível) água batismal. Disso fez altissonantemente saber e, claro não podendo ‘traumatizar’ o petiz, venceu na sua argumentação...

Será isto algum indício da ‘geração nutella’? Esta carateriza quem: os mais velhos ou os mais novos? O uso a gosto de nutella serve para desculpar ou para acusar?

 5. Ao ritmo a que vivemos, corremos, seriamente, o risco de sermos ultrapassados pelos factos, que vemos e tantas vezes vivemos. Dá a impressão que não querem que paremos para refletirmos sobre a condição em que estamos a deixar passar o tempo: mais do que velocidade é a quase-irracionalidade em que nos deixamos embalar, pois se não travamos a tempo, iremos esbarrar-nos contra a muralha da indiferença ou cairemos pelo precipício em que nos encontramos.

Esta ‘geração nutella’ é, minimamente, instruída, mas parece quase incapaz de tomar posição sobre tantos temas e assuntos nos quais está contido o seu futuro e dos vindouros. Questões de índole tecnológica não são problema, mas questões de natureza ética – onde a vida e os outros valores estão presentes – não foram (nem são) campo onde tenham capacidade de tomar posição... Assuntos do âmbito social ganham significado, quando trazidos à discusssão, mas critérios de conduta humana não foram educados nas escolas, até por falência da maior parte das famílias...

Afinal, nutella adoça, mas não dá condimento com substância e bom gosto!     

 

António Silvio Couto