Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 19 de abril de 2024

A Igreja e a política…nos últimos 50 anos

Considerada por alguns historiadores mais integristas como uma espécie de suporte do regime caído no ’25 de abril de 1974’, a Igreja – sobretudo na sua expressão católica – em Portugal viveu tempos conturbados na sua aferição aos tempos pós-revolucionários, não sendo uniforme a atitude de dentro para fora e de fora para com a instituição no todo do território nacional: nalgumas situações houve colaboração, noutros casos alguma conflitualidade e, na maior parte das vezes, uma espécie de mútua desconfiança no conteúdo e até na forma…

1. Situemo-nos: ao nível da Igreja católica universal estava-se o clima de renovação introduzido pelo Concílio Vaticano II, terminado em 1965 – menos de dez anos antes da revolução abrilina – e cujos eflúvios ainda não tinham assentados nas hostes eclesiásticas lusitanas, com muitos padres a saírem do exercício do ministério, os seminários em adaptação aos novos tempos eclesiais, com um laicado pouco motivado ou mesmo comprometido nas lides da Igreja. Eram bispos nas principais dioceses: D. António Ribeiro, em Lisboa – tinha sido nomeado patriarca em 1971; D. Francisco Maria da Silva, arcebispo em Braga; D. António Ferreira Gomes, bispo no Porto, regressado do ‘exilio’ em 1969; D. David de Sousa, arcebispo de Évora; bispo em Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade, que exerceu também a função de presidente da Conferência Episcopal… São estes alguns dos que assumiram, em momentos de alguma tensão – como por exemplo no designado ‘verão quente de 75’ – algum protagonismo tanto na defesa da Igreja como na afirmação desta perante o poder político, em certos casos com sabor neototalitário.

2. Por ocasião de momentos eleitorais, sobretudo a Conferência Episcopal, foi emitindo notas pastorais, chamando os cristãos à participação eleitoral e tentando corrigir certas opções fora dos valores católicos, como por ocasião dos referendos ao aborto… Ainda na década de setenta foram criadas três novas dioceses: Viana do Castelo, saída a arquidiocese de Braga, em 1977, cujo primeiro bispo foi D. Júlio Tavares Rebimbas, coincidindo com um novo arcebispo para Braga, D. Eurico Nogueira; saídas do patriarcado de Lisboa, foi criada a diocese de Santarém, em 1975, com o seu primeiro bispo D. António Francisco Marques e também a de Setúbal, cujo primeiro prelado foi, durante vinte e dois anos, D. Manuel Martins.

3. Interpretando as necessidades das populações ainda do tempo do ‘estado novo’ foram surgindo nas paróquias mais carenciadas e onde não havia já instalada alguma ‘santa casa da misericórdia’ alguns serviços de ajuda aos mais pobres, mesmo na linha dos princípios do Padre Américo, da casa do gaiato, em que cada paróquia devia cuidar dos pobres… como por exemplo as conferências vicentinas e até já alguns centros paroquiais sociais. Estes tornar-se-ão uma espécie de ‘moda’ para catapultar a capacidade de resposta aos pais/mães trabalhadores em certas regiões onde o desenvolvimento fabril se desencadeou. Isso foi fazendo algum caminho com riscos à mistura, na maior parte das vezes, com empobrecimento da ação pastoral da Igreja: os padres-párocos passaram a ser patrões – tarefa para a qual a maioria não estava preparada – e o Estado lavou daí as mãos no investimento da ação social que apregoava e lhe era devida… Para certos fazedores da política, a Igreja só é reconhecida pela ação social que faz, o que é, nitidamente, redutor.

4. Ao longo destes 50 anos houve vários momentos de mudança – alguns dão-lhe o rótulo de ‘crise’ – que obrigaram a Igreja a saber adaptar-se, fazendo o proposto ‘aggiornamento’ falado no Concílio: a quebra de vocações sacerdotais e religiosas, o boom do consumismo, uma nova moral eivada de individualismo (sexual ou outras), o desemprego e a migração, questões de teor sanitário (a covid 19 foi um expoente, mas houve outras situações), a confusão nas questões familiares (com o divórcio, o aborto, a eutanásia, a ideologia de género, a educação, a habitação, a demografia), a quebra na prática da missa dominical, certos escândalos sociais (dentro e fora da Igreja)… Surgiram novos movimentos religiosos (intra e extra eclesiais), tivemos cinco papas, quase todas as dioceses mudaram de bispo duas a três vezes… O Espírito continua a soprar!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Favores e desculpas não se pedem, evitam-se

 


Estes dois conceitos – favores e desculpas – podem (e em muitos casos) revelam uma espécie de cultura mais ou menos assimilada nos nossos meios e ambientes. Com relativa facilidade ouvimos falar do pedido de favores a alguém com mais poder ou com idêntica subalternidade encontramos referência a quem se quer pedir desculpa por algo que não foi tão conforme quanto o desejado... Embora possam ser gestos e atitudes de uma certa educação – dada, recebida e exercida – há, no entanto, nestes dois motivos razões para que antes que se peçam, se evitem...

1. Decorridas cinco décadas sobre o ’25 de abril’ parece que não conseguimos exorcizar a tendência de recurso aos favores. Hoje como nunca, é preciso uma grande ‘cunha’ para que um favor resolva aquilo que deveria ser um direito num consequente dever. Diziam que certos lugares eram atingidos por intercessão de favores. E agora, algo mudou e se fez mais democrático? Nitidamente o cartão do partido se sobrepõe ao simples ‘cartão do cidadão’, onde constam vários números (fiscal, de segurança social e mesmo de saúde...associado ao dito do cidadão), que se entrecruzam para fazer de cada um de nós um pacóvio sem préstimo, se não tiver conhecimentos que lhes respaldem os favores pretendidos... Não nos usem para continuarmos na ditadura dos favores a pedido... Não será neste campo dos favores que medram as condições para a corrupção? De que adianta denunciá-la, se depois prestamos culto ao favorecimento mais ou menos explícito? Parafraseando a expressão bíblica: quem não tiver pecado, atire a primeira pedra!

2. Se há sinal de que pouco ou nada mudou é esse da censura que é lançada como labéu sobre quem discorda ou toma posição: não dizer amén a quem manda torna-se uma espécie de ofensa de difícil perdão. Vemos nos diversos campos de atividade humana gestos, atitudes, posicionamentos, insinuações, perguntas e respostas... que estragam o relacionamento entre as pessoas, os grupos, as associações (grandes ou pequenas, de bairro ou nacionais, dentro e fora da Igreja). Nota-se, mesmo à vista desarmada, um razoável clima de crispação, onde à mais pequena palavra menos bem dita, emergem acusações, dislates e provocações. Poderíamos usar uma imagem para simbolizar esta hiper-sensibilidade: seria como balões que se vão enchendo em crescendo, até que, numa qualquer ocasião de tão cheios que estão, chispam uns nos outros e com facilidade explodem, tal a incontinência verbal e de recurso em que andamos... e não só os outros, é cada um de nós! Os egos são tão opulentos que se obstruem mutuamente e ensombram o desempenho alheio...

3. Ainda dentro do primeiro ano do seu pontificado (foi em outubro de 2013), o Papa Francisco trouxe para a vida pública a inserção na linguagem e, sobretudo, no comportamento, de três palavras, que ele reputa de essenciais para o trato humano: com licença, desculpa, obrigado. Referiu mesmo a preferência no uso destes termos no contexto da família...

Nestas três palavras – atitudes de vida se pode perceber que o centro não é o eu, mas os outros. Estes merecem ser a referência e não a minha circunstância por muito respeitadora que ela possa parecer. Vivemos, muito mais do que julgamos, na conjugação das frases: primeiro eu, depois eu e sempre eu; ou ainda: o que é meu é meu, o que é dos outros é nosso (meu). Repare-se no clima de egolatria em que vivemos, talvez sem nos darmos conta. Já será registado como algum avanço na moderação se a minha ‘bolha’ contiver outros com quem não tenho afinidade de cor (clubística ou partidária), de opinião, de tertúlia ou mesmo de religião...

4. A melhor forma de combater esta sociedade dos favores, é colocar as pessoas – que ainda aceitem expor a sua vida – mais pelo mérito do que pela ideologia. Já começam a ser tão poucos os aproveitáveis, que será preciso despir a camisola colorida para que saibamos ainda dar futuro a este país, afundado por incompetentes oportunistas. Dizer a verdade nua e crua também é serviço aos outros, sem desculpas...



António Sílvio Couto

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Rebuscos ao ’25 de abril’

Com a aproximação ao cinquentenário da revolução do ’25 de abril’ emergiram sinais de análise que nos devem fazer refletir: o que é a liberdade? Há donos e senhores da liberdade? O que é a democracia? Quem pode ser considerado democrata? A cultura tem de ser só de esquerda? Quem não perfila os valores marxistas-leninistas-trotskistas tem direito a ter opinião? Onde começa e como acaba a definição de respeito pela vontade popular? O conceito de ditadura será unívoco ou tem abrangência plural? Deve-se cultivar a meritocracia ou temos de suportar quem é apresentado à votação? O que teve maior significado – social, cultural e económico – a ‘revolução de abril? (de 1974) ou a adesão à União Europeia (em 1986)?

1. Liberdade – entre a cantarolice e o exercício deste salutar direito e dever, respeitando e sendo respeitado – muitos clamam ‘liberdade’ mas só conhecem os trâmites da sua, por vezes, nem sempre respeitadora das diferenças (opiniões, posições e pontos de vista) dos outros. Certos tiques sobre a ‘liberdade’ não passam de arremedos de ditaduras. Repare-se nas lutas em favor da liberdade nalgumas latitudes, que se convertem em promoção da intolerância noutros espaços. Um facto incontornável é o prolongar do exercício autárquico, sobretudo ao sul do Tejo, nalgumas situações quase prefazendo os mesmos anos da ditadura derrubada no ’25 de abril’… Certas povoações viveram cerca de um século em regime ditatorial, antes no ‘estado novo’ (48 anos) e depois (outros tantos) sob a tutela de forças opostas àquele. Liberdade é algo mais alto e profundo do que slogans na ‘descida da avenida’ em Lisboa…

2. Da democracia conhecemos os resultados – em cinquenta anos tivemos seis governos provisórios e vinte e quatro governos constitucionais… com sete presidentes da república – que, por serem tão lestos no poder, quase confundem governar com o estar no poder ao serviço dos seus. Há quem duvide em que ‘república’ estamos, se na terceira ou na quarta, isto é, tendo em conta as tendências ideológicas mais ou menos reinantes e imperiosas. Efetivamente o conceito de ‘democrata’ flutua ao sabor das maiorias no parlamento ou na sociedade. A (dita) polaridade entre direita e esquerda serve como que a um jogo de luzes-e-de-sombras nem sempre claras e tão pouco clarificadas. Cinco décadas decorridas temos um longo caminho a percorrer, sabe-se lá com que resultado ou futuro…

3. De entre os diversos critérios e valores difundidos pela psicologia derivada do ’25 de abril’, a ‘cultura’ serve para o que a cada um interessa, deixando quase em manifesto que muitos são ignorantes com verniz cultural a gosto. Sem grande esforço se percebe que a ‘cultura’ tem de ter as marcas da ideologia de uma esquerda mais ou menos anti-cristã: vivem os criadores culturais sob o chapéu do estado, clamando por subsídios e às custas do que cai da mesa do poder, mesmo autárquico… Pouco ou nada que tenha marca dos valores cristãos tem acesso à classificação de ‘cultural’, embora muitas das produções possam ser de qualidade, mas fora da caixa da normalidade marxista reinante… O exemplo mais recente é a publicação do livro: ‘Identidade e família’, como o retrato bem claro de que nós, os cristãos, temos de respeitar as opiniões dos outros, mas o inverso não se coloca!

4. No conjunto destas cinco décadas de ‘democracia’ fomos chamados, ao nível nacional, a votar muitas e diversas vezes: em dezassete momentos nas legislativas; dez para as presidenciais; treze para as autárquicas; oito para as europeias e ainda três referendos (dois sobre o aborto e um sobre a regionalização), estes não vinculativos porque com participação inferior a cinquenta por cento do recenseados… Embora a abstenção tenha sido o ‘setor’ mais representativo, em muitos destes atos eleitorais criou-se a mentalidade de que votar ou não votar tinha o mesmo significado. Por vezes fomos assistindo a leituras enviesadas dos resultados, com partidos a ganharem sempre, embora derrotados e, noutros casos, a criar soluções pouco respeitadoras da vontade popular expressa.

5. Cinquenta anos cumpridos sobre o ‘25 de abril’, talvez este não fosse possível nas condições atuais!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 11 de abril de 2024

’25 de abril’: mitos, recordações e desafios

 

Tinha quinze anos quando aconteceu a ‘revolução do 25 de abril’, que fez cair – de podre e sem estrondo – o regime do designado ‘estado novo’. Apesar de ser adolescente e de estar em regime de internato fomos informados pelos superiores, de forma sucinta, dos acontecimentos na capital... Da experiência de ter vivido mais de metade dos cinquenta anos da (dita) democracia na região da capital, deixarei algumas leituras e incidências, agora que vou deixar esse espaço de macrocefalia (a diversos níveis) do nosso país...


1. Qual o balanço dos três ‘des’ (democratizar, descolonizar e desenvolver) enunciados pelos mentores do ‘movimento das forças armadas’?

Dos três ‘D’ vejamos as propostas – fui consultar às informações ao tempo veiculadas – e questionemos as consequências... cinquenta anos decorridos:

- Democratizar: a ‘revolução dos cravos’ trouxe a democracia a Portugal, pondo fim a décadas de ditadura;

- Descolonizar: o processo de descolonização permitiu a independência de várias colónias portuguesas em África e na Ásia;

- Desenvolver: O desenvolvimento do país foi uma meta importante, visando melhorar a qualidade de vida, a educação, a saúde e a infraestrutura (habitação).

Reparemos que, algumas destas ideias, estiveram ainda em confronto nas eleições mais recentes: pouco mudou, muito desiludiu e, de tantas formas, olhamos para o que quase nada foi realizado…

2. O cançonetismo alfabetizou?

Uma das facetas mais significativas e quase lúdicas dos primeiros tempos após a ‘revolução de abril’ foi a proliferação de canções – para uns de mensagem, para outros de contestação e para boa parte de mentalização. Com efeito, muitas das letras e das músicas conseguiam deixar no ouvido algo que ainda hoje se pode recordar. Embora a mais celebrizada seja a da ‘Grândola, vila morena’, outras ressurgirão por estes dias nas idas ao baú das memórias… Alguns dos intérpretes já desapareceram, mas as ideias quase subjazem em bastantes dos episódios a relembrar. Pena é que uns certos se tentem apropriar de algumas das canções como se fossem património da sua ideologia ou pretendam reivindicar aquilo que faz parte quase da história destes cinquenta anos de ensaio para a democracia.

3. Os mais novos ainda creem nos ideais abril?

Dizem certas sondagens – divulgadas por ocasião das últimas eleições – que os mais novos se sentem algo alheados dos princípios do ’25 de abril’ e como que se sentem escusados de fazerem parte daquilo que não pediram ou que lhes foi dado sem para isso serem-tidos-nem-achados. Não estaremos a incorrer no mesmo erro quanto à difusão/exaltação da implantação da república em 1910? Uns tantos saudosistas cultivam essas razões e os outros deixam-nos fazer uma certa figura quase ridícula de exaltação de algo distante. Se repararmos a maioria dos dirigentes dos partidos – valha-nos a referência aos que têm assento parlamentar – nasceu depois da ‘revolução de abril’. Não fosse a ‘catequização’ ideológica e ruiria a celebração e as suas simbologias, como o do cravo ou a das velhas chaimites… Será que o país evoluiu ou fossilizou? Houve capacidade de envolver todos ou preferiram fechar-se nas suas bolhas ideológicas?

4. Portugal, que futuro?

Nas vésperas do desencadear histórico da mudança, em 1974, saiu um livro intitulado – ‘Portugal e o futuro’ de um estratega da cúpula da revolta. Hoje podemos e devemos colocar a pergunta de outra forma: Portugal terá futuro, se continuarmos a extremar posições e a preferir mais o que divida do que aquilo que nos une? A quem interessa a visão maniqueísta – nalgumas situações quase maquiavélica – entre uns que são bons porque pensam como eu e outros são maus porque não alinham nas minhas ideias? Temos de atalhar esta visão de portugueses de primeira e outros de categoria inferior ou, então, para que valeu o ’25 de abril’?



António Sílvio Couto

terça-feira, 9 de abril de 2024

Nada é irreversível e indiscutível

 


O livro ‘Identidade e família – entre a consistência da tradição e as exigências da modernidade’, é uma obra coordenada pelos quatro fundadores do ‘Movimento acção ética’ – António Bagão Félix, Pedro Afonso, Paulo Otero e Victor Gil.

Este livro, editado pela «Oficina do Livro», reúne vinte e dois textos de vários autores, tais como (pela ordem alfabética que aparece na capa): Fernando Ventura, Gonçalo Portacarrero de Almada, Guilherme d’Oliveira Martins, Isabel Almeida e Brito, Isabel Galriça Neto, Jaime Nogueira Pinto, João César das Neves, João Duarte Bleck, José Carlos Seabra Pereira, José Ribeiro e Castro, Manuel Clemente, Manuel Monteiro, Manuela Ramalho Eanes, Margarida Gordo, Nuno Brás da Silva Martins, Paulo Otero, Pedro Afonso, Pedro Vaz Patto, Pureza Mello, Raquel Brízida Castro, Ruiz Diniz e Vasco Pinto de Magalhães.

Na sinopse de apresentação ao público diz-se que são destacados nesta obra:

- a importância da família, como um pilar central da vida em sociedade, considerando-a “natural, universal e intemporal”. Mesmo diante das mudanças constantes na sociedade, os valores associados à família permanecem relevantes;

- a cultura de morte, referindo-se a adversários da família que, de maneira subtil ou explícita, contribuem para sua destruição. Essa cultura inclui relativismo ético, indiferença, positivismo hedonista, egoísmo geracional e outros fatores que ameaçam a instituição familiar;

- a ideologia de género, considerando-a impositora de um novo modelo de pensamento único. Essa ideologia compromete o desenvolvimento humano fundado em valores, liberdade e autonomia.

= Reações (quase) histéricas de certos setores

Algo de preocupante percorreu a noite do passado oito de abril ao trazer para a discusão – nos vários canais televisivos – este livro: certas figuras e forças sairam a terreno contestando não só o livro, mas alguns dos posicionamentos apresentados. Para alguns/algumas mais fervorosos na ideologia foi como que um colocar em causa as suas certezas inamovíveis de que as suas ideias eram (são) tão dogmáticas e não podem ser discutidas. A sacralidade da evolução de certos conceitos faria corar de vergonha os inquisidores mais aferrados de tempos idos. A agressividade – que irá, naturalmente, crescer de tom e de provocação nos próximos dias – quase resvalava para a ofensa, mesmo que os opositores se mantivessem serenos e impávidos perante os adjetivos usados.

Este pequeno episódio deixou escapar uma nota que deveria nortear a nossa capacidade cristã de saber resistir e de aprender a esperar o tempo oportuno. Com efeito, a pretensa maioria sociológica que fez aprovar certas leis – sobre o aborto, a ideologia de género ou mesmo a eutanásia – pode mudar e poderão ser modificadas as ‘regras’ impostas e suportadas.

Nada é irreversível nem indiscutível, pois tal intransigência em questionar vários problemas poderá deixar a descoberto que a certeza daquilo que querem obrigar a seguir pode, com relativa facilidade, deixar de ser tão certo e seguro como desejavam fazer acreditar.

= Atenda-se a quem escreveu

De facto, no leque de co-autores do livro há personalidades do quadrante cristão-católico, desde o mundo eclesiástico (dois bispos e três padres) até ao espaço político, da área da saúde, passando pelo meio universitário, tanto de ontem como de hoje. Na linha da intervenção dos cristãos na política – ativa, social e solidária – temos de aprender a escutar as várias posições, discuti-las e colher a verdade de todos e de cada um. Só quem tem medo de sair derrotado é que se intrincheira nas suas ‘certezas’ e se esconde para que possam viver na penumbra do engano, da manipulação ou mesmo da ditadura do pensamento único.

Cinquenta anos depois da ‘revolução de abril’ ainda há que viva à sombra dos tiques que então acusavam, mas que hoje cultivam quase inconscientemente...

Desde quando é crime dizer o que se pensa e pensar o que se diz?



António Sílvio Couto

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Recuperação do logotipo

 

Segundo alguns ‘inteletuais’ – comentadeiros/as a questão da recuperação do logotipo do XXIV constitucional parece uma não-questão, tentando varrer para debaixo do tapete a presunção de inocência. De facto, incluir na simbologia do governo da república as cores nacionais (vermelho e verde) com a esfera armilar em destaque para tais mentores não passa de algo de somenos, sobretudo se tivermos em conta a dose estilizada da governação anterior onde as cores – vermelho, verde e amarelo – surgiam em paralelo e sem qualquer alusão à esfera armilar com as quinas em evidência.

1. Tudo isto seria uma espécie de chinesice de mau gusto se não estivéssemos na comemoração dos quinhentos anos da morte de Luís Vaz de Camões, esquecido – sabe-se lá com que intuitos – pelo anterior (dito) ministro da cultura. As garras ideológicas não se contiveram nas decisões dos governantes antecessores e isso poderá contrastar com quem os substitui. Também o esquecimento quanto a Camões deixa muito à mostra quem cuida dos nossos maiores na literatura, embora proteja e subsidie quem propaga as suas ideias, mesmo que de forma camuflada, subsidiada e acintosa…

2. Quem conhece a distribuição das cores da bandeira nacional portuguesa sabe que é composta, principalmente, pelas cores verde e vermelha. A cor vermelha, predominante na bandeira de Portugal, representa a conquista, o sangue e a coragem daqueles que morreram pela pátria. Já o verde representa a esperança e a força do povo português e também a natureza do país.

A partição do campo é assimétrica, ocupando o verde dois quintos do mesmo e o vermelho os restantes três quintos. Sobre o centro da linha divisória entre as duas cores, estão colocadas as armas nacionais, constituídas por uma esfera armilar amarela sobre a qual assenta o escudo de Portugal. A bandeira é retangular, com uma proporção de dois terços entre a medida da largura e do comprimento.

3. Num tempo que se espera de grande competição este pequeno pormenor faz-nos, desde já, adivinhar que há forças que ainda não perceberam a mudança e que nem todos se deixam guiar pelos interesses dos que continuam a laborar numa espécie de supremacia de alguma esquerda, incapaz de saber perder e de refletir sobre as causas do sua menor aceitação sócio-política. Formações partidárias reduzidas a menos de meia dúzia de deputados – cada uma e cerca de uma dezena no conjunto – ainda se julgam no fulgor da era revolucionária de antanho. Não haverá por aí uma dislexia cultural à custa dos direitos adquiridos sem mérito? Por que será que os mais novos se estão borrifando para as ‘conquistas de abril’, quando ainda não tinham nascido nem foram tidos nem achados, depois? A quem interessa recordar um certo saudosismo da ditadura de antes do ’25 A’, quando criaram em muitas autarquias a sua ditadura e poder estabelecido?

4. Diante de certos sinais da nossa sociedade – nalguns casos quase decrépita – é preciso não embarcar na leitura dos novos fazedores de opinião, pois, muitos deles e delas servem mais a promoção do ‘dejá vu’ do que a aferição aos acontecimentos de vida e com impacto no futuro. Vendedores de ilusões requentadas, não obrigado!



António Sílvio Couto

terça-feira, 2 de abril de 2024

Na Páscoa acende-se a esperança?

 


Sorvendo ainda o néctar da vivência pascal, como que somos desafiados a perguntar se a Páscoa – mais espiritual do que culturalmente – acende (ou pode acender) a esperança em cada pessoa e nas instituições humanas do nosso tempo? Com efeito, os dias foram e são mais turbulentos do que as perspetivas atmosféricas, as questões sobrepujam as respostas e as inquietações ultrapassam as certezas.

1. Por estes dias ficamos a conhecer as escolhas para o governo do nosso país: Os vários comentadeiros tentaram escarafunchar os meandros na suspeita, sobretudo porque o primeiro-ministro não fala desde que foram dados os resultados das eleições, a 10 de março. Fazendo jus à opinião contundente logo viram que foi preciso pescar no aquário para constituir o elenco governativo. Nem o curriculum inteletual e científico de muitos dos designados/as foi suficiente para calar as vozes do contra. Lançada a rede aos eurodeputados houve quem visse nesse gesto uma espécie de vendilhagem aos interesses europeus, como se fosse ainda no ‘terreiro do paço’ que as coisas se decidem ou ganham corpo económico... Querem fundos e regalias, mas esquecessem onde eles se negoceiam e conquistam...

2. Coisa grave a complexa é advertência de que estamos em pré-guerra, enquanto vamos cantando e rindo porque as coisas acontecem no norte da Europa. Eis que é lançada para a fogueira da discussão a proposta de dois responsáveis de áreas militares de que é preciso reintroduzir o serviço militar obrigatório... Agora que as defesas foram abaixadas, surge esta solução para defender a Europa no seu conjunto e em cada país/nação. Por momentos como que vimos ruir em catadupa o sucesso e a aparente pacatez desta paz podre, entretida com manifestações de setores ‘trans’. como se isso fosse a questão mais irreversível da humanidade.... De referir que dezasseis dos páises da União Europeia têm serviço militar obrigatório

3. Pasme-se: em dez anos cresceu, de forma aterradora, a criminalidade... em Portugal. Os dados dizem: no ano passado houve cerca de 400 mil crimes. Aponta-se para um índice de mil crimes por dia. Sobretudo na região de Lisboa, as notícias de crimes são quase assustadoras: tiros e facadas, assaltos e violência, emboscadas e apedrejamentos... são alguns dos itens desta faceta de perigo na nossa sociedade. Porque razão se têm de privilegiar notícias de tanta criminalidade nos vários canais televisivos? Que faz esmiuçar esta onda de risco no comportamento social dos nossos dias? Até onde irá este crescimento de mau ambiente entre as pessoas?

4. Um mundo está perigoso, mas quem faz este perigo são as pessoas e o seu comportamento. Talvez se tenha deixado de falar e – sobretudo – de educar para os valores, onde o respeito, a confiança e a atenção aos outros se sobreponham aos interesses individuais, egoístas e quase maquiavélicos, que sejam vencidos pela paz, a vida e a esperança. Nas palavras do Papa Francisco, estes dias, ao falar sobre a ressurreição de Jesus como “a vitória da vida sobre a morte” e “da esperança sobre o desânimo”.

5. De facto, num mundo que vive – como dizia o Papa Bento XVI – como se Deus não existe, corremos o risco de colapsar nesta civilização algo à deriva e sem critérios que não sejam os das tendências da sociedade de consumo, onde o material ganha sobre a dimensão espiritual mínima. Queira Deus que deixemos acender em nós mesmos a luz da esperança e a transmitamos aos outros com coragem e força de testemunho.



António Sílvio Couto