Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 29 de abril de 2021

Insolvência das paróquias?

 

Temos paróquias que já estão insolventes do ponto de vista da sua administração local. Mas há algo também que se chama solidariedade interparoquial, há algo que se chama solidariedade diocesana e que procura ir ao encontro destas situações”.
Esta afirmação foi proferida pelo Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa após a reunião plenária que decorreu, em Fátima, de 12 a 15 de abril.
Com efeito, já no comunicado final escrito publicitado da CEP se dizia: «a Assembleia refletiu sobre a pandemia, tendo em conta a situação epidemiológica atual, a situação de vulnerabilidade e de grave crise económica e a realidade concreta em cada diocese. Entre outros desafios pastorais, que devem ser assumidos em dinamismo profético, missionário e sinodal em todas as instâncias eclesiais, foram destacados os seguintes: o anúncio do essencial da mensagem cristã; a importância da dinâmica comunitária e de fraternidade; a missão da família e dos leigos; a atenção particular aos jovens e aos idosos; a urgência da formação; o cuidado das novas linguagens. A Assembleia vê a saída desta pandemia como ocasião para a renovação da vida da Igreja e da sua missão no mundo».
De uma forma mais específica o mesmo comunicado se referia às IPSS’s sob a responsabilidade das paróquias: «a Assembleia manifestou a sua preocupação pela sustentabilidade das instituições de solidariedade social. A epidemia tornou evidente que, além do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, devem poder contar com o apoio logístico e financeiro do Ministério da Saúde».
Diante destas preocupações de ordem material, que podemos ou devemos refletir? Como poderá a Igreja católica, enquanto instituição que vive em condição terrena, sobreviver às dificuldades e problemas trazidos ou agravados por esta pandemia? Teremos meios e capacidade de ultrapassar estas conjunturas, tendo em conta o abaixamento de frequência das assembleias, sobretudo da missa e dos sacramentos de âmbito social? Estarão os nossos ‘fregueses’ atentos a estes problemas económicos e de sustentabilidade? Que fazer e como fazer para esclarecer, motivar e comprometer os ‘praticantes’ para uma fé que se faz partilha, fraternidade e solidariedade? Não haverá meios mais audazes ou teremos de entrar em bizarrias algo questionáveis?

 1. Aquela leitura algo inquieta do presidente da CEP certamente refletia o que outros prelados terão partilhado. A visão de âmbito nacional talvez não seja uniforme, mas que existe um problema nesta matéria dos dinheiros é indisfarçável. Estamos mais em maré de falta de dinheiro do que em excesso.

2. Vivemos num modelo económico de Igreja alicerçado na esmola dos fiéis. Com efeito, desde o início do cristianismo se entendeu que a partilha dos bens há de decorrer da disponibilidade interior – cf. At 4,32-35 – manifestada em que tudo se possa colocar em comum, não por obrigação, mas por descoberta espiritual com os irmãos.

3. Na Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, em 2004, no artigo 26.º, n.º 1, alíneas a) a c) estipula quais as ações que não estão sujeitas a qualquer imposto por parte do Estado: ‘as prestações dos crentes para o exercício do culto e dos ritos; os donativos para a realização dos seus fins religiosos; o resultado das coletas públicas com fins religiosos’. Seria exaustivo elencar atos de pessoas jurídicas não-tributáveis ao abrigo da Concordata. Enumeramos aqueles que envolvem mais as pessoas singulares e que nos deviam fazer atender com mais sentido cívico e religioso…

4. Se bem que nos últimos anos – talvez ainda não tenha três décadas de implementação – de forma um tanto generalizada tem sido incrementado um ‘estatuto económico’ – das dioceses, das paróquias e do clero – em ordem a dar estabilidade à ação pastoral. Mas para poder distribuir é preciso que haja material. Ora esta pandemia pôs a nu algo o que não se esperava com tanta velocidade nem com semelhante gravidade.

5. Há casos em que uma espécie de fuga dos responsáveis terá irremediável repercussão nas contas das paróquias. Dá a impressão que o salvar da pele não esteve na linha da dedicação… e isso poderá não passar sem castigo. Dizia o Papa Francisco, recentemente em dia ordenações sacerdotais aos novos padres: ’por favor, afastai-vos da vaidade, do orgulho do dinheiro. O diabo entra pelos bolsos’.

Como precisamos de reaprender a linguagem do Evangelho, tendo Jesus como modelo, sempre!

 

António Sílvio Couto


terça-feira, 27 de abril de 2021

Democratas de ‘26 de abril’… 47 anos depois

 


Decorridas quase cinco décadas ainda percebemos certos tiques com sabor a ditadura em tantos dos intervenientes na nossa praça. Se assim é em público o que será em privado!

Ora um episódio decorrido ao final do dia seguinte às comemorações da revolução de abril de 74 pode ilustrar esses democratas recauchutados, mas a quem estala o verniz sobre o caruncho (idade, educação e atitude) …quando as coisas não correm a gosto.

 = Um episódio quase-paradigmático

- Há novidade?

Foi desta forma algo ríspida que vimos um alto dirigente desportivo a dirigir-se a um repórter de imagem televisivo, após bastante tempo de um jogo de futebol… Tudo percetível em som e imagem.

Vejamos os factos antecedentes a este episódio. Tinha já acabado há quase uma hora o tal jogo de futebol, que não correu, no resultado, como era pretendido por umas das partes. Houve – como sói dizer-se – ‘mosquitos por cordas’. Como nem todas as televisões podem fazer a cobertura direta dos jogos, outros vão escorripichando o que fica das contendas, lutas e intrigas…dentro e fora dos campos.

Ora, pelo menos dois canais foram exibindo imagens exteriores ao espaço de jogo, onde se iam vendo alguns dos intervenientes – jogadores, dirigentes e outros elementos técnicos e não só – não-vitoriosos, depois de terem sido acalmados os ânimos antes exasperados.

Eis que aparece de forma mais ativa o tal dirigente superior: numa pose pacata e arrastada, dada a idade, se abeirou desses tais repórteres exteriores, questionando, diretamente, um deles. Eis, senão quando, surgem atropelos, ameaças e agressões a um dos jornalistas de imagem…O tom, as palavras e os resultados parecem ter sido pouco favoráveis às partes envolvidas.

Daqui decorreram por longas horas discussões – sobretudo nos canais que tinham estado a emitir antes do episódio de agressão – sobre o assunto, tentando encontrar as identidades de agressor e de agredido, as conexões com os dirigentes e os réus, as implicações socioculturais e desportivas… 

 

* Sobre este ‘acontecimento’ devemos deixar a quem de direito que faça o seu trabalho, sem branquear nada nem ninguém. Precisamos de saber como vai, verdadeiramente, este mundo do futebol e quem o conduz ou manipula. Deveremos conhecer melhor os artistas deste negócio, seja lá quem for e quais os tentáculos que possam haver. Neste como noutros casos, não poderemos confundir a árvore com a floresta, embora esta precise de ser expurgada de novos ‘patos-bravos’ que emergem em maré de crise e de confusão…

 

* Atendendo à conexão entre os dias – foi no dia 26 de abril, pela noite – vem-me à lembrança tantos que se converteram à democracia logo que viram para onde iam as correntes vitoriosas. Tem sido assim ao longo destas mais de quatro décadas: alguns – e são tantos – têm sabido posicionar-se na hora de reclamar ganhos, mesmo que não haja vitória para celebrar.

Faz-me lembrar aquele episódio de uma esposa muito cuidadosa, e sabendo que o marido não era condutor perspicaz, lhe telefonou dizendo que estava a dar nas notícias que havia alguém a circular em contramão na autoestrada… ao que o infrator ripostou: e são tantos! De facto, quando já não se vê a figura que se faz, atira-se a culpa para os outros, quando quem não cumpre é o próprio infrator… Quando os resultados não são os que se queria, torna-se importante encontrar outros como explicação do insucesso… Quando o investimento não obtém os resultados pretendidos, será sempre bom descobrir ‘bodes-expiatórios’ para a incompetência e os falhanços…

 

* Por vezes surge na leitura parenética da vida uma conclusão que necessita de ser corrigida. Diz-se: temos de aprender com os erros. Sim. Deveríamos incluir ainda uma outra perspetiva: nas vitórias é importante respeitar quem perde para sabermos cuidar da nossa possível vaidade e presunção.

Será que os democratas de 26 de abril alguma vez aprenderam com os erros e as vitórias? Duvido!

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Quando ‘ser mãe’ é uma missão


 Por determinação do calendário, no nosso país, o primeiro domingo de maio é considerado o ‘dia da mãe’.

Atendendo à importância e significado desta celebração humano-cultural, a Comissão Episcopal do laicado e da família fez publicar uma nota pastoral, da qual vamos respigar alguns aspetos, inserindo, pela nossa parte, outras inquietações, propostas e desafios.    

* ‘As mães sabem que não basta dar filhos ao mundo, mas é preciso também dar um mundo aos filhos. Um mundo cheio de valores, de esperança e sonhos’.
A graça - e até a graciosidade - de ser mãe manifesta-se em tantos pormenores que, tantas e múltiplas vezes, se tornam pormaiores porque feitos, vividos e sentidos com o coração.
Àqueles que ainda têm mãe viva não menosprezem os gestos de encanto - mesmo que subtis - das vossas mães. Depois já poderá ser tarde...

* ‘As mães sabem que ser mãe não é ter, é ser. Ser-se quem se é nos filhos e pelos filhos. As mães são aquelas que amam antes de serem amadas. São aquelas que respondem antes de serem chamadas. São aquelas que beijam antes de serem beijadas. São aquelas que correm para o abraço esquecendo o cansaço. Como ninguém, as mães são capazes de se doar, de perdoar, de compreender, de aceitar e não julgar’.

De facto, as mães fazem tudo pela conjugação do verbo na forma ativa e quase nunca na passiva: amam, respondem, beijam, correm, perdoam, compreendem, aceitam,,, para o fruto das suas entranhas.

* ‘Nenhuma mãe tem em si todas as qualidades humanas e, menos ainda, vive sem erros, mas, apesar de tudo, abraça os filhos tal como são, por poucas qualidades que tenham, por maiores que sejam os seus erros. Uma mãe perdoa sempre. Ainda que de coração sacrificado, prefere pensar que a culpa é sua e não de quem, por vezes, assim a crucifica’.
Dá a impressão que a mãe peca sempre por exagero, quando tudo desculpa e quase se sente culpada por não ser ‘a’ melhor mãe. Por certo uma mulher só apreciará o que é ‘ser mãe’, quando ela mesma se torna mãe. Aí radica a força que lhe vem de ser mais do que de parecer...

* ‘A mãe ensina os filhos a serem mais fortes que os medos, não tanto através de discursos inspirados, mas pela grandeza e humildade do seu exemplo. É capaz de lhes oferecer o mar com um só sorriso e a vida inteira com uma só lágrima, que não será mais que uma gota do imenso mar do seu amor’.
Esse jeito de ser mãe pode aprender-se, mas está gravado no ser mais profundo de qualquer mãe. Talvez, por isso, não se ouse pagar o papel de mãe. Pode-lo-á ser enquanto pessoa que está em casa e não tem trabalho remunerado, mas a função de ser mãe é isso mesmo: missão, que não tem preço nem precisa de ser quantificado, pois emerge do coração.

* ‘Neste tempo de incerteza, confiamos as mães a Maria, que é a mãe de todas as mães. Recordamos as mães que deram à luz durante a pandemia, mães que perderam o emprego ou rendimentos, mães que perderam filhos e estão de luto, mães que lutaram e lutam pela saúde da sua família, mães cuidadoras de idosos e de pessoas com deficiência’.
Indubitavelmente o ‘dom da maternidade’ é um dos mais altos da divinização dos humanos, pois Deus tem coração de mãe nas mães da terra. Deus não perdeu tempo com discursos sobre a ternura, derramou-a nas mães. Deus não quis ser teórico nas coisas do coração, fez-Se presença na mães. Deus não andou fora para revelar a felicidade, derramou-a nas mães...

* ‘Ser mãe é ser feliz somente por ser mãe. Ser mãe é ser amor e amor que ninguém esquece, mas que sempre se agradece’.
Com seria frio o mundo - e é-o cada vez mais visivelmente - se acabasse a maternidade - também na dimensão psicológica e espiritual - com dom, como vocação e como ministério...mesmo na Igreja.

Obrigado minha mãe... tendo já partido para Deus!

 

António Sílvio Couto

sábado, 24 de abril de 2021

A liberdade não tem donos…

 


Basta!

Não é nome de nenhum partido político… embora tenha sido uma das hipóteses de denominação para um que anda por agora em crescendo.

Sim, basta de quererem continuar – uns tantos pseudo-democratas que facilmente deixam sair as garras por esta época do ano – a assenhorearem-se do património da liberdade conquistada na revolução de ’25 abril’. Vemos mais uma vez que uns tais donos de uma referenciada ‘comissão organizadora’ se consideram juízes e árbitros dos ‘seus’ e para os ‘seus’ correligionários, apaniguados e afins.

De facto da figuração castanho-esverdeada (fascista/salazarista) temos, agora, de aturar uma outra com tonalidade avermelhada-escurecida pela raiva, doseada com ódio e salpicada de intolerância… Eis o suave espetro dos ‘democratas’ ressabiados… quase cinquenta decorridos anos da dita ‘revolução’.

 

1. Desde já uma declaração de desinteresse: temos de esclarecer que a pretensa maioria de esquerda no nosso país é uma falácia, pois se acrescentarmos aos votos expressos em urna de não-esquerda, a taxa de abstenção (na fasquia dos sessenta por cento) teremos que isso a que chamam ‘democracia’ – talvez devesse dizer-se: ‘regime democrático’ – não passa de uma ditadura sobre uma maioria silenciosa… embora concordante com quem se lhe impõe. Diante disto teremos de considerar que aqueles que se pronunciam, votando, são os que estão mais interessados em prolongarem a ditadura sobre os abstencionistas, os desagradados, os desiludidos e tantos outros que vão sobrevivendo sem precisarem das benesses da ‘democracia’…Feitas as contas os que vivem dependurados no ‘senhor estado’ (em minúsculas, pois se torna pequeno para com quem dele não vive sem se alimenta) não atingem um milhão (de funcionários públicos, autárquicos, no ensino, na saúde, na segurança social, etc.), mas são esses os democratas festejadores do ’25A’… Serão livres, condicionados, obrigados ou manipulados?

 

2. Feitas as contas, muito por alto, dois terços do país real paga impostos sobre as suas coisas privadas e, com esses proventos, são pagos os ordenados (deveríamos dizer ‘vencimentos’, se o que fazem fosse realmente trabalho, mas configura mais a prescrição de ‘emprego’) de tantos desses que precisam de festejar, não aconteça que mude a cor de quem manda – tanto no governo central como na teia das autarquias e serviços dependente da cadeia política – agora, pois a mudança poderá trazer dissabores…Assim se prolongam por tanto tempo muitos dos votos de forma interesseira e quase-acrítica… Não será que a boca manda na inteligência?

 

3. Certos enfeites para a festa dos 48 anos do ’25 A’ – pelo que posso perceber no espaço em que me movo – quase roçam um certo carnaval atrasado – até porque este ano não foi festejado devido ao confinamento – e com nítidos sinais de imitação de aniversários recentes: foi só trocar os adereços porque os locais – postes de iluminação pública e lugares de convívio social – são os mesmos, as cores idênticas, as disposições paralelas…logo os mentores e executores serão da mesma estirpe e nomenclatura. Já basta de tanta coincidência e, sobretudo, de tanta exploração da ignorância ou da subserviência servida quase a despudor… Até ver, pensar ainda não paga imposto nem está sujeito totalmente a censura!

 

4. Ser livre é muito mais do que poder gritar por liberdade e com liberdade. Ser livre é poder pensar, refletir e mudar (mesmo de opinião) sem ter medo de perder direitos nem de ser posto em risco. Ser livre é ter capacidade de se questionar, sem deixar de reconhecer o que outros fazem de bem, de belo, de verdadeiro e de bom – os quatro transcendentais da filosofia aristotélico-tomista – e não dos contrários com que tantas vezes classificamos e julgamos os outros.

Numa palavra: ‘conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres’ (Jo 8,32). É desta liberdade que quero viver, de forma consciente, assumida e coerente!

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Venderam (ainda mais) o futebol


 Foi um furacão que percorreu a Europa do futebol em breves dias: pela noite de domingo, 18 de abril, surgiu a notícia de que doze clubes endinheirados do continente europeu tinham lançado a autodesignada ‘superliga europeia’. Nos ‘fundadores’ apareceram seis clubes ingleses, três espanhóis e outros tantos italianos, ficando de fora emblemas alemães e franceses, mas também holandeses, belgas, polacos e, claro, portugueses.

Menos de quarenta e oito horas decorridas o projeto colapsou...com estrondo, muita contestação e algum bom senso.  Uns após outros, ingleses e italianos e por último espanhóis, foram deixando cair a pretensão de fazer dos ricos do futebol mais enriquecidos e dos pobres cada vez mais encalhados, excluídos ou postos de parte... no dinheiro como na competição.

A propósito desta questão algo simbólico-paradigmática do mundo do desporto e do futebol em particular, ouso apresentar questões que se podem concatenar nesta reflexão:

1. Neo-esclavagismo. Embora aprecie o futebol como arte e entretenimento desportivo, considero da mais asquerosa fundamentação que se compre-e-venda homens para executar este jogo. Da mesma forma como agora condenamos – e muito bem – toda a forma de escravatura perpetrada contra povos indígenas de África e das Américas, não podemos silenciar que se faça negócio com as habilidades – por sinal com intérpertes da mesma tez desses de antanho – de uns tantos para serem mais-valia de uns poucos...mercadores a soldo de quem pague melhor ou que rendam mais. Lá por terem habilidade nos pés não podem ser tratados como mercadoria e como quase não-pessoas...

 2. Tempo gasto. Não deixa de ser revelador do estado cultural do país a quantidade de meios gastos pela comunicação social a discutir questiúnculas desportivas, mas em especial na área do futebol. Temos três jornais desportivos diários com mais de um milhão de leitores quotidianos. Por vezes há, pelo menos cinco ou seis canais – particularmente em sistema pago – que gastam o horário nobre (das 21 às 24 horas) a discutirem coisas, artefatos ou intrigas dos maiores clubes...em disputas, onde roça tanta malcriadez, a ofensa e mesmo o que há de mais subterrâneo do nosso mundo....

 3. Linguagem degradante. Agora que não há público nos estádios ouvem-se os mais diversos impropérios por parte dos diferentes intervenientes, desde os jogadores, passando pelos treinadores (e adjuntos), com outros dirigentes à mistura. Quantas vezes se ouvem vernáculos – dir-se-ia antes palavrões e calões de baixa educação – e insultos à mãe dos outros e até às acusações ao progenitor... Em certas ocasiões emergiram expressões de teor racista – esquisito é serem sempre da mesma tez e não caucasianos a serem ultrajados – com lampejos de manipulação bem urdida, quando interessa disfarçar os insucessos... Há questões que dizem não deverem passar do âmbito político para o campo desportivo, mas torna-se indisfarçável não perceber isso sempre... que se perde ou não se verificam conquistas e sucessos.

 4. Futebol – ópio do povo, hoje. Não tivesse sido o estado de exceção concedido ao futebol – sobretudo televisionado – e as etapas de confinamento e de emergência ter-se-iam tornado barris de explosão social. No entanto, tornou-se confrangedor o ambiente dos estádios vazios e nem a subtileza de músicas de fundo, imitando os ‘urros’ – o termo é duro e pode ser ofensivo – dos adeptos e de adversários colmatou a frieza dos espaços. Será que isto é profético daquilo que advirá a curto prazo? Talvez sim, na medida em que hoje também visitamos os teatros romanos – com belíssimos e amplos anfiteatros – em ruínas e nos questionámos sobre o verdadeiro sentido daqueles emblemáricos lugares. Da mesma forma nos acusarão, daqui a séculos, de sermos incapazes de denunciar aquilo em que estávamos envolvidos e talvez enleados de manipulação.

 5. O futebol sempre esteve à venda, só que o preço que agora pagamos é mais cultural do que económico, embora nos digam que é mais este do que, verdadeiramente, aquele! ‘Pão-e-jogos’, hoje como ontem...               

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 20 de abril de 2021

Enriquecimento – como desprovar?

 


É o assunto na ordem do dia: o enriquecimento (substantivo). Depois diverge o adjetivo: ilícito, injustificado… De seguida surgem os complementos adstritos: corrupção, criminalização, ónus da prova… Numa flutuação que se vê, mas que custa aferir, confirmar ou aceitar.

Porque este assunto é transversal à nossa sociedade desde quase tempos imemoriais, tem vindo a ser adiado na confrontação prática…tanto legislativa como sociocultural. Foi porque um certo rastilho – de umas tais prescrições quase abusivas – incendiou as reações que o tema está quente…embora se deva deixar arrefecer para não queimar ninguém e muito menos continuar a ilibar (como sempre) os culpados…

 

1. A escola da sabedoria popular reza: ‘quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem’. Isto é, precisamos de saber de onde é procedente a riqueza que alguém ostenda, sabe-se lá por real conquista, por manigância, por fortuna inesperada, por alguma tramoia ainda não detetada… Os sinais exteriores de riqueza assentam que nem uma luva no desejo de vaidade tão português. Somos um tipo de povo que gosta de acirrar a inveja dos outros, mesmo que isso signifique continuar a laborar numa mentira de vida mais ou menos desconhecida…

 

2. Num chavão algo comprometido – onde nitidamente se esconde a assunção das responsabilidades anteriores, atuais e futuras – temos ouvido: à política o que é da política e à justiça o que é da justiça! Mas será bem assim? Vejamos breves questões, de quem vê as coisas do lado de fora:

* Quem faz as leis (justiça) não é a política?

* Quem executa as leis (política) não é a justiça?

* A quem interessa excluir-se de não fazer leis se isso compete à política?

* Não haverá excesso de escusas para camuflar a incompetência do legislador (política)?

* A quem interessa manter uma promiscuidade entre políticos e escritórios de advogados, que, posteriormente, irão interpretar – e serem bem pagos – pelas leis que confecionaram?

 

3. Eis que, de repente, surgem propostas, projetos, iniciativas ou declarações para que o tema do enriquecimento seja tornado assunto nacional. Uns reclamam-se de inovadores, outros de resilientes e outros ainda de combatentes mais ou menos recentes. Emergiu um ‘robin dos bosques’ ou um ‘zé do telhado’ – dependerá na afinidade cultural ou procedência regional – que parece haver em cada um que deseja lutar contra os ricos, sem se desfazer da proximidade a eles, pois, podem pagar as contas mais subtis. 

Alguns que têm as mãos mais voltadas para dentro e exigem o punho cerrado querendo combater a corrupção e apresentando medidas para a criminalidade económico-financeira…mas o que fazem é o contrário quando isso envolve a sua formação partidária…

 

4. Daquilo que se vai percebendo das propostas mais ou menos publicitadas, vão surgindo sinais para que o combate à corrupção possa ter parâmetros de avaliação. Mas será que o critério de quatrocentos salários mínimos (pouco mais de duzentos e cinquenta mil euros) pode ser uma fasquia aceitável? Numa mera transação de droga esse montante não será facilmente ultrapassável? Com uma assinatura bem colocada num documento autárquico não se ficará a ganhar muito mais? O desfile de tantos carrões (e afins) não esconderá algo nem sempre declarado às finanças? Como entender, então, essa bizarria de ónus da prova, se quem fiscaliza tem de encontrar não as causas mas as consequências do enriquecimento? Por que será que muitos dos ‘novos-ricos’ surjam na área de relação entre quem faz a política e quem dela beneficia? Por que temos visto tantos autarcas e construtores civis passarem a exibir tantos sinais de riqueza? 

 

5. Claro que nem todos temos uma mãe com um cofre milionário... Nem todos temos sorte ao jogo... Nem todos teremos padrinhos ricos e bem colocados na sociedade e na política...Nem todos nascemos num berço de ouro... Como se diz com razão: só no dicionário é que sucesso aparece antes de trabalho...    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Sonho, serviço e fidelidade

 


Está a decorrer, de 18 a 25, a ‘semana de orações pelas vocações’.  O Papa propôs este ano como tema – ‘São José: o sonho da vocação’.

Dado o significado deste tema, em contexto católico, respigamos alguns excertos da mensagem papal:

A vida de São José sugere-nos três palavras-chave para a vocação de cada um. A primeira é sonho. 1Todos sonham realizar-se na vida. E é justo nutrir aspirações grandes, expectativas altas, que objetivos efémeros como o sucesso, a riqueza e a diversão não conseguem satisfazer. (...) Pois só se tem a vida que se dá, só se possui de verdade a vida que se doa plenamente. A este propósito, muito nos tem a dizer São José, pois, através dos sonhos que Deus lhe inspirou, fez da sua existência um dom.
Uma segunda palavra marca o itinerário de São José e da vocação: serviço.
(...) O serviço, expressão concreta do dom de si mesmo, não foi para São José apenas um alto ideal, mas tornou-se regra da vida diária. (...) Por isso gosto de pensar em São José, guardião de Jesus e da Igreja, como guardião das vocações. Com efeito, da própria disponibilidade em servir, deriva o seu cuidado em guardar.
Além da chamada de Deus – que realiza os nossos sonhos maiores – e da nossa resposta – que se concretiza no serviço pronto e no cuidado carinhoso –, há um terceiro aspeto que atravessa a vida de São José e a vocação cristã, cadenciando o seu dia a dia: a fidelidade. José .. medita, pondera: não se deixa dominar pela pressa, não cede à tentação de tomar decisões precipitadas, não segue o instinto nem se cinge àquele instante. Tudo repassa com paciência. Sabe que a existência se constrói apenas sobre uma contínua adesão às grandes opções.
(...) Porque a vocação, como a vida, só amadurece através da fidelidade de cada dia.

1. Efetivamente São José pode e deve ser um modelo de escuta, de discernimento e de vivência vocacional, tanto ao nível ministerial como no compromisso matrimonial ou na vida religiosa. Não será que, nas atuais circunstâncias de vida, se torna difícil sonhar ou ter sonhos exequíveis? Ainda será possível alimentar o sonho de que uma vocação pode e deve ser um momento de realização pessoal e de serviço aos outros? Quando parece que se vive mais ao sabor da corrente – mais fácil, mais barato ou mais imediato – poderemos considerar uma vocação como um investimento de futuro? Até que ponto vemos os mais velhos animados pela vivência da sua vocação no presente?

2. Não podemos deixar-nos ir na onda negativista de que os mais novos não são capazes de corresponderem a desafios, de se comprometerem em projetos ou de estarem menos atentos do que no passado. Com efeito, nesse tempo também havia gente fútil e foi possível viver a aposta de toda uma vida, numa crença de que valia a pena não ter medo ou de não-confiar... Quando os meios económicos e a apelidada ‘qualidade-de-vida’ não eram tão abundantes, havia decisão e capacidade de arriscar... Quando os meios de acesso aos estudos estavam como que vedados aos menos abonados economicamente... Quando até havia articulação – quase cúmplice – entre a professora do ensino primário e o pároco, selecionando os melhores... As vocações aos estudos nos seminários diocesanos proliferavam e permitiam fazer seleção...deixando um rasto – ainda percetível – de tantos cristãos e também de bastantes padres!

3. Apesar de tudo isto e com todos estes ‘fatos’ presentess, foi com muita tristeza e uma quase revolta que vi o desinvestimento nos seminários menores da maior parte das dioceses, aí onde tantos puderam estudar, de terem oportunidades de valorização cultural ou de serem criadas condições de escuta e de amadurecimento da vocação sacerdotal. Com efeito, recordo as centenas de rapazes que estavam nos quatro primeiros anos no seminário menor de Braga, à época da revolução de abril de 74...mais de quinhentos!

4. Agora e numa tentativa de interpretação das coisas do presente, questiono o que se poderá dizer de uma certa tendencia devocionista que perpassa nalguns seminários. Não será que precisamos de mais estudo e de cultura do que de refúgio em coisas de menor compromisso, embora com contento e resultados imediatos? Não andaremos mais a reproduzir propagadores de rituais tradicionalistas e não a investir em intérpretes dos sinais dos tempos, agora?

Sonho, serviço e fidelidade – quando, onde, como, com quem ou para quem?          

 

António Sílvio Couto

sábado, 17 de abril de 2021

Cumprir os ‘dez mandamentos’

 


Por estes dias ouvi, num desses programas televisivos de entrevistas a figuras e personagens da nossa vida comum, algo que me fez refletir: se soubéssemos e cumpríssemos os dez mandamentos poderíamos ser felizes…nós e os outros!

Quem disse isto foi o ator Ruy de Carvalho, que, na sua vetusta idade de mais de nove décadas de vida, deixou transparecer algo que, certamente, o norteou e assim ele o propõe para outros.

Quando tantos se envergonham da sua (possível) fé, é significativo que alguém, tão significativamente cotado no campo das artes e da cultura, nos venha lembrar algo tão básico e essencial: conhecer e cumprir os ‘dez mandamentos’ da Lei de Deus. 

 1. Antes de mais, será que todos sabemos, mesmo de memória, os ‘dez mandamentos’? Não andarão estes basilares princípios ignorados, esquecidos ou atropelados? Não andaremos a pressupor que se sabem os ‘dez mandamentos’, embora se desconheçam? Que nos faltará para que não nos envergonhemos das leis de Deus?

 2. Façamos, então, a proclamação dos ‘dez mandamentos’, que «anunciam as exigências do amor de Deus e do próximo. Os três primeiros referem-se mais ao amor de Deus; os outros sete, ao amor do próximo» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 2067): 1.º amar a Deus sobre todas as coisas; 2.º  não invocar o santo nome de Deus em vão; 3.º  guardar os domingos e dias santificados. 4.º  honrar pai e mãe e respeitar os outros legítimos superiores; 5.º  não matar nem causar outro dano a si mesmo ou ao próximo; 6.º  guardar castidade nos pensamentos e nos desejos; 7.º  não furtar nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo;  8.º  não levantar falso testemunho nem de qualquer forma faltar à verdade ou difamar o próximo;  9.º  guardar castidade nas palavras e nas obras; 10.º não cobiçar as coisas alheias.

 3. Podendo considerar que o decálogo fundamenta uma espécie de teocracia, como que sentimos o afastamento destes princípios sagrados, tanto nas instituições quanto nas pessoas. Se alguém ousasse introduzir os valores ou referir-se aos ‘dez mandamentos’ nas intervenções públicas políticas correria o risco de ser apelidado de ‘fundamentalista’ e, agora, na mais recente terminologia de ‘populista’ – um conglomerado de ideias que podem ser vistas em contraste com o chavão – ‘laico, republicano, socialista e marxista’… Efetivamente boa parte dos ‘nossos’ políticos meteu Deus na gaveta e como que se envergonham de assumirem a sua fé, sobretudo se for cristã. Salve-se o atual presidente da república e uns tantos que, à socapa, ainda se apresentam nas igrejas como seus hipotéticos frequentadores…

 4. Para nossa confusão temos vindo a assistir à crescente privatização da fé, entendendo esta como fato privado e do foro intimista. Certas forças podem apregoar as suas pretensões ideológicas, mas os cristãos têm de ser conter e quase de disfarçarem os seus ideais, sendo tolerados se se entretiverem no campo do social… mesmo os padres tornaram-se mais homens das coisas da fome do que da cultura, mais empenhados em obras de caráter social – cuja competência é, sobretudo, do Estado – do que na correta promoção da formação bíblica ou litúrgica, teológica e ética.

 5. Lemos por estes dias na liturgia de semana, no livro dos Atos dos Apóstolos: ‘deve obedecer-se antes a Deus do que aos homens’ (5,29). Mas o que temos visto é uma subserviência de tudo e de quase todos ao poder político, nalguns casos antecipando as medidas de encerramento dos templos às propostas dos políticos. Fique claro: sou pela colaboração, mas não pelo mero colaboracionismo; advogo a presença nas coisas públicas e políticas e não a fuga, na hora da dificuldade; sinto que devemos seguir o nosso caminho e não de entrarmos na agenda do poder…na suas artimanhas e ardis.

Viveremos, na vida do dia-a-dia na dinâmica dos ‘dez mandamentos’? Respeitamos a Deus, mesmo que sejamos rejeitados pelos homens? Teremos ainda chama para iluminar ou já perdemos o sal? 

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Enjeitado ou coniventes?

 


As reações à pronúncia para com um ex-governante da mesma cor de quem agora exerce o poder tem tanto de questionável quanto de revelador das reais condutas de quem ocupa os lugares de comando, hoje como ontem. Sem qualquer juízo moral ou outra intenção sinto que este episódio nacional não pode passar na espuma do tempo nem tão pouco ser lido, visto ou interpretado de forma leve nem leviana.

 

1. Efetivamente como é possível alguém ser tão enjeitado pelos seus pares – se bem que se tenha desfiliado – quando foi a única personalidade que lhes deu maiores glórias eleitorais? Uma boa parte dos atuais dirigentes e governantes constituíram equipa, quando dirigida por quem agora foi formalmente acusado. Alguém acredita na possível não-contaminação com que agora é tão rejeitado? Será esta forma de proceder – fugir de quem os conduziu sob aplausos e encómios, estando agora na mó de baixo – digna, aceitável e correta para o comum dos mortais com sentimentos e com um mínimo de memória? Poderá ser considerado normal o ruidoso silêncio e a indisfarçável mudes cúmplice, senão traiçoeira, desonesta e conivente? Este ‘lixo tóxico’ novamente lançado ao vento não deixará consequências na volatilidade eleitoral? Não dá a impressão que alguns com mentalidade de avestruz – enfiar a cabeça e na areia, julgando que o perigo passa – irão colher os resultados de certas cobardias?  

 

2. Por outro lado, cheiram a desequilíbrio emocional e quase mental as reações desabridas do ‘acusado’. Decorridos que foram quase oito anos fervilham ainda à flor da pele atitudes de quem não aprendeu nada com o passado recente. Alguém normal apareceria – coisa que seria escusada até ao apuramento da verdade, se tal for possível – mais humilde e comedido, mais sensato e contido, mais sereno e apreensivo. O que vimos foi alguém altivo e provocador, impante e sobranceiro, irascível e rude… desde a imagem até às palavras, passando pela mensagem de quem não aprendeu que, na vida, se cresce descendo, senão na humildade ao menos pela humilhação.

 

3. Deixo algumas das lições que vou colhendo deste ‘espetáculo’ para o meu amadurecimento de vida:

a) De pouco adianta parecer, se não se for o que se pretende manifestar, isto é, o dinheiro, embora pague, não compra a dignidade de ninguém;

b) Na hora da verdade os que se diziam ‘amigos’ convertem-se facilmente em estranhos, mesmo que possam dever-nos favores;

c) Como diz o nosso povo: ‘o diabo tapa, mas Deus descobre’, isto é, nada há escondido, mesmo que bem encoberto, que não se venha a saber, mais tarde ou mais cedo;

d) Por muito esperto que se seja ou pretenda fazer passar, haverá sempre um momento de distração em que os outros, na sua inteligência, perceberão a nossa incoerência, falta de verdade ou mesmo a mentira, que só nós não tínhamos percebido;

e) Os erros dos outros são o nosso mais que exigente exame-de-consciência ou até o espelho mais nítido da nossa vida mais subtil;

f) A vida não decorre sempre em linha reta, os percalços (curvas, acidentes ou problemas), devidamente assumidos, contribuem para que não cometamos os mesmos erros nem nos sintamos tão importantes ou imprescindíveis como julgávamos;

g) Mais do que ficar azedo ou amargurado, precisamos de aprender – recebendo e dando – o perdão, pois esse é nitidamente dádiva divina…

 

4. Muito boa gente precisa de se questionar quanto ao sucesso das suas ações. Deixo uma alusão ao episódio da entrada de Jesus em Jerusalém, pois o jumento, que transportava Jesus, ao ouvir as palmas, em jeito de aplauso, julgou que eram para ele, quando se esqueceu que eram antes para Aquele que transportava… Assim na vida, muitas palmas que queríamos que fossem para nós, são, afinal, para quem as merece, não nós!

   

António Sílvio Couto

Em quem podemos ainda confiar?

 


A avaliar pelas reações mais recentes, os executantes da justiça – com os juízes à testa – são um setor sobre o qual foi lançado o labéu mais inclemente. Com efeito, já anteriormente vimos crescer – talvez de forma tácita e não muito visível – o descrédito sobre outras funções, profissões ou atividades com incidência humana, tais como os padres, os professores, os polícias, os políticos (autarcas ou nas funções governamentais e parlamentares), os treinadores e dirigentes desportivos... todos mais ou menos numa catadupa que nem a mais eficiente execução colmatava essa tal ignomínia lançada...

 1. Será que os médicos e enfermeiros – tão essenciais nesta fase de pandemia – ainda são dignos de confiança, de apreço ou de reconhecimento público e dos públicos? Quando a saúde foi posta em perigo, percebemos quem cuidava efetivamente de nós? Foi possível não confundir a árvore com a floresta, isto é, os menos bons com toda a classe? Ao contrário dos setores supra citados em possível descrédito pela inoperância e/ou ineficiência dos executantes, ainda cremos nos atos benfazejos e quase-heróicos de tantos/as que sacrificaram a sua vida para que outros sobrevivessem? Apesar dos erros e talvez menos bons desempenhos em questões sanitárias, aceitamos alguma preponderância no tecido humana e social por parte de quem cuida da nossa saúde e bem-estar?

 2. Atendendo à necessidade de explicitar mais as causas do que as meras consequências daqueles de quem temos vindo a desconfiar, traçamos um perfil desses que anteriormente elencamos em exemplo:

* dos padres – caídos da influência religiosa preponderante do catolicismo, em certos meios sociais, muitos como que foram sendo nivelados pelo desempenho mais de uma profissão e não como uma vocação. Por vezes, em certas correntes intra-eclesiais, se questiona se o uso ou não da veste talar ou ao menos do ‘clergyman’ poderá ter ‘banalizado’ a função clerical e com isso perderem os atores capacidade de aceitação, de intervenção ou de significado. É cada vez mais necessário que os padres sejam homens de Deus e não da mera ação social. Lançados às feras não podem julgar-se superiores pela instrução e tão pouco pela possível significação social, pois para além de homens do culto, têm de ser pessoas da cultura... humilde, dialogante e serena para com todos.

* dos professores – considerados no setor do saber – embora parcelar, pois cada um tem a sua especialidade – nem sempre foram valorizados até pela remuneração. Semeadores da instrução – e nalguns casos ds educação – foram perdendo, noutros meios, a importância e influência social e cultural. A crise de quem queira vir a ensinar nota-se gradualmente.

* dos polícias – representantes práticos e executores da autoridade nem sempre têm sido respeitados e dignificados, mesmo por aqueles que usufruem da sua proteção e intervenção em nome da lei e da ordem. Dá a impressão que boa parte da população só nota o significado das autoridades policiais quando se encontram em apuros. Corremos o risco de negligenciar a nossa segurança, tanto das pessoas como dos bens.

* dos políticos – divididos em tendências ideológicas mais parecem inimigos do que adversários, propondo-se servirem o povo, de quem dá a impressão só precisarem em maré de eleições... no resto escapam-se para gerirem os seus interesses e dos seus apaniguados. Quantos enriqueceram e não foi só a trabalhar. Quantos têm fortunas e outras mordomias sem se saber a proveniência. Acusações de corrupção correm o risco de prescreverem, quando for a maré de julgamento. Sérios haverá poucos e honestos ainda menos!

* dos dirigentes e e treinadores desportivos – da época dos ‘patos-bravos’, procedentes de outros mundos para se promoverem no desporto parece que está a surgir uma outra ‘classe’ mais cuidada, embora necessitada de mais eduçação e boa presença. Também aqui a divisão clubística tem feito as suas vítimas e deixado feridas... escarafunchadas em programas televisivos de mau gosto e de pior conteúdo...

 3. Uma classe vai flutuando até se afundar: os jornalistas. Precisamos de saber a quem servem, pois não há independentes em nenhum dos postos, pelo contrário, são, na sua maioria, jornaleiros de grupos económicos e servidores ideológicos de duvidosa qualidade. Embora se considerem acima, na maior parte das vezes, mergulham e fazem carreira à custa das misérias alheias. Em breve provarão do seu veneno!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 13 de abril de 2021

Das raízes aos frutos… da (nossa) pobreza


Foram recentemente divulgadas informações sobre a pobreza em Portugal. Segundo dados relativos a 2019 haveria no nosso país 1,6 milhões de pessoas em situação de risco de pobreza, isto é, 16,2%, o que traduzidos noutros números daria quase dois ‘pobres’ por cada dez portugueses…tudo isto sem ter acontecido a pandemia de 2020 e subsequentes.

Mais do que desfilar números sobre os pobres, importa, efetivamente, encontrar as causas da pobreza, embora combatendo tenazmente as consequências. Recordo as palavras de um reputado sociólogo católico e com grande intervenção nas questões sociais: mais do que lutar contra a pobreza e as suas manifestações é essencial ir à raiz dos problemas ou continuaremos a ter uma reprodução de mais pobres, pois estes reproduzem-se em larga escala não só na quantidade como na falta de qualidade.

1. Qual é a bitola, segundo a qual se considera alguém no limiar da pobreza? Desde quanto é que alguém pode usufruir de apoios na luta contra a pobreza, pessoal, familiar ou de grupo? Haverá alguma pobreza estrutural, mais do que meramente social? Para além dos ‘pobres profissionais’ como poderemos detetar os que vivem à custa do (pretenso) trabalho com os pobres? Numa palavra: não há tanta gente – na política, do sindicalismo, da comunicação social e até das coisas da religião – que sobrevive porque lhes interessa que haja pobres?

2. É considerado ‘pobre’ quem tenha um rendimento líquido inferior a 6.480 euros anuais (540 euros por mês). Segundo os dados publicados, tendo em conta os pobres acima dos dezoito anos, o leque dos atingidos abrange as seguintes situações: 32,9% são trabalhadores, 27,5% reformados, 26,6 % precários e 13 % desempregados... O maior problema são os baixos salários.

3. Se atendermos ao indicador que conjuga as condições de risco de pobreza, de privação material severa e de intensidade laboral per capita muito reduzida poderemos verificar que mais de dois milhões de pessoas se encontravam em risco de pobreza ou de exclusão social, em 2020, e, tendo em conta os rendimentos do ano anterior, numa percentagem próxima dos vinte por cento.

4. Outro dado que pode ser tido na abordagem ao tema da pobreza (ou da riqueza, segundo a perspetiva) é o da declaração do rendimento médio bruto deduzido pelo IRS. Assim em 2018 o valor médio, em Portugal, foi cerca de nove mil euros. Se tivermos em vista o conjunto dos concelhos veremos que um quinto apresentou valores medianos superiores àquele dado nacional, sendo dezoito da área metropolitana de Lisboa e outros tantos da região centro, treze no Alentejo, seis no norte… Por outro lado, em cinquenta e cinco municípios, sobretudo na região norte, o valor mediano do rendimento bruto declarado deduzido do IRS liquidado por sujeito passivo não atingiu sete mil e quinhentos euros.

5. Se tivermos ainda presente o adágio – diz-me onde moras (ou como moras) e direi quem tu és – poderemos conhecer um tanto melhor a nossa população, atendendo aos rendimentos e às condições de vida. Assim, segundo dados conhecidos, cerca de dez por cento dos inquiridos vivia em alojamento com sobrelotação, com particular incidência no Algarve e nos Açores. Ainda há cerca de cinco por cento da população que vive com problemas habitacionais, tais como a falta de água para a higiene, infiltrações ou humidades nos espaços e insuficiente luz natural na casa. As despesas familiares com a habitação era de mais de dez por cento, em 2019…

6. Numa palavra: a pobreza é caleidoscópica, pois nela se entrecruzam vários aspetos, incidências e necessidades: rendimentos resultantes do trabalho (emprego, precariedade, desemprego, reforma); da capacitação pessoal, familiar, profissional, social ou cultural; da habitação, meio ambiente, compromisso político; dimensão psicológica ou vertente espiritual. Com efeito, a pobreza não pode continuar a ser um quase-estado de vida de uns tantos expostos por outros, mesmo que tentando fazer dos desfavorecidos o alvo da sua promoção. A pobreza (material e/ou psicológica) é prima da indignidade e não se podem tornar ambas fatores de continuidade na exploração, hoje como ontem!

De pouco adiantará lançar dinheiro – em subsídios, promoções, campanhas ou reivindicações – sobre a pobreza se não formos capazes de cuidar dos pobres sem paternalismo, mas fazendo-os atores da sua própria dignificação. Precisamos de evangelizar os ricos, pois estes, tocados por Deus, farão diminuir os pobres… 

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Rosas e/ou espinhos da não-justiça


Por estes dias estamos a viver uma das maiores crises da justiça em Portugal. Não que a não-pronúncia de um tal político seja grave, mas o desentendimento (quase acusatório) entre os agentes da justiça, sim.

Se quisermos fazer ironia com o apelido do juiz-instrutor – ‘rosa’ – aquelas longas horas, que reduziram mais de seis mil páginas a breves ‘crimes’ acusados, foram uma espécie de despinhar da rosa, que por sinal chegou a ser símbolo do partido político a que pertencia – dado que se desfiliou – o antigo governante…acusado.

 1. Considerado um megaprocesso, a ‘operação marquês’ teve início em 2014, envolvendo quase três dezenas de arguidos (dezanove singulares e nove coletivas), reportando-se a ‘crimes’ – esta designação entre aspas não passa de um eufemismo para circunscrever um longa lista de irregularidades, de ilegalidades ou de prevaricações) – imputados ao início deste século…e incluindo muito dinheiro, senão na forma real ao menos na vertente presumida!  

 2. Por envolver figuras gradas do mundo da política – sobretudo da área socialista – mas também do setor banqueiro à mistura com o mundo empresarial, este processo foi inchando de pequenos outros casos, que envolviam as mesmas figuras e flutuando as questões de um para o outro lado… Ao longo do inquérito foram efetuadas cerca de duas centenas de buscas, inquiridas mais de duzentas testemunhas, recolhidos dados de cinco centenas de contas bancárias, no país e no estrangeiro…e vistos milhões de ficheiros informáticos.

 3. A confusão foi-se generalizando numa busca de saber quem favoreceu quem, a troco do quê, com que artimanhas ou ganhos, criando-se uma suspeição geral de corrupção – esse fantasma que atribula tanta gente, uns porque a querem combater, outros porque dela têm beneficiado e não desejam que se descubra totalmente e tantos ainda aspirando a enriquecerem, desde que não se note que foi de forma menos correta, ‘legal’ ou aceitável…

 4. A lista de acusações é longa e diversificada – corrupção passiva ou ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento, fraude fiscal qualificada, abuso de confiança, peculato, detenção de arma proibida… Só o ex-primeiro ministro esteve indiciado de trinta e um ‘crimes’…

 5. Efetivamente nos últimos anos fomos brindados pela comunicação social – nalguns casos a roçar mais o espetáculo do que a informação, o auge foi a prisão em direto do principal arguido – com um esmiuçar da vida dos diversos intervenientes, criando-se inegavelmente um ambiente de pré-condenação, mesmo sem haver ainda acusação formal. Quantas horas foram gastas a enunciar as prevaricações, as intrigas, os favorecimentos, os conluios e as argumentações desfavoráveis a quem caiu em desgraça, depois de ter sido adulado, aplaudido e cultivado, enquanto estava em reinação…

 6. Habilmente alguns dos políticos em funções tentaram usar uma estratégia de algum distanciamento estratégico sobre aqueles que lhes foram próximos, com quem colaboraram e de quem usufruíram protagonismo. Um chavão de conveniência foi sendo usado: à política o que é da política e à justiça o que é (ou deve ser) da justiça. Aquele que deu ao partido a única maioria absoluta foi chutado para fora de jogo, pois podia infetar os protagonistas atuais. A forma habilidosa com que têm tratado os antecessores poderá fazer deles uma espécie de ‘anjinhos’, quando se descobrirem as manigâncias que os fazem manter-se agora a flutuar… até quando.

 7. As guerras dos vários fazedores da justiça – ministério público, procuradores, polícias de investigação, juízes, advogados, etc. – deixaram de ser surdas para transparecerem para a praça pública. Com efeito, a acusação deduzida pelo juiz-instrutor do processo fartou-se de lançar alfinetadas a tudo e a todos, como se ele fosse o detentor da verdade e nada possa existir fora da sua altissonante autoridade: dos 189 crimes elencados na fase de acusação só dezassete seguem para julgamento; apenas cinco dos 28 arguidos serão julgados…todos os crimes de corrupção prescreveram.

 8. Deixo breves e ‘inocentes’ questões: por que é tão morosa e cara a justiça em Portugal? Não haverá uma justiça em escalões: uma para os ricos e poderosos e outra para os pobres e desprotegidos? Não seria de tirar a venda dos olhos da estátua-símbolo da justiça, dado que de tão cega parece errar sempre para o mesmo lado? A quem interessa prolongar no tempo questões que podiam ser resolvidas de forma mais rápida e justa? Esta vertente da sociedade, que é a justiça, não estará mais doente do que se aceita?           

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Mensagem aos cristãos…em desconfinamento

 


À luz dos textos bíblicos das manifestações d’O Ressuscitado, que lemos e meditamos nesta oitava da Páscoa, sinto, hoje, vergonha pela falta de ousadia e não menor complexidade por fazer parte – mesmo como padre – de uma época onde os cristãos quase-hibernaram e se esconderam na hora de darem testemunho.

Atendendo à já décima-quarta declaração do ‘estado de emergência’ e ainda no rescaldo do segundo momento geral de confinamento...mesmo que à espera de novos recaimentos, sinto-me desafiado a colocar alguns pontos de reflexão a, nós claramente, menos bons cristãos neste tempo de crise e de provocação. Por uma questão metodológica vou seguir as palavras que nos aparecem nos relatos da ressurreição...em ritmo litúrgico.

 1.Não tenhais medo’ (Mt 28,5), Ao vermos o recurso, por antecipação algo esquisita, dos nossos responsáveis eclesiais a fugirem da dificuldade da propagação do vírus, no contexto dos templos, questiono: será que a prudência agora se tornou numa nova forma de submissa cobardia?   

 2.Não Me detenhas, porque ainda não subi para o Pai’ (Jo 20, 17). Ao sermos mais incentivados à resignação negativa do que a estarmos preparados para alguma resistência às leis contra a fé (cf. artigo 21.º da Constituição da República Portuguesa, sobre o direito de resistência), pergunto se a presunção do medo não tomou o lugar do ardor da evangelização e do martírio cristão?  

 3.Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso’ (Lc 24, 29). Ao vermos a deserção de tantos dos cristãos antes ‘praticantes’, como que assumo a inquietação duma pergunta atroz, neste momento de quase-colapo: por que fugiram os que antes ocupavam os lugares na igreja, foi porque não tinham razões de celebrar ou porque eram espetadores de cerimónias sem nexo?

 4.Abriu-lhes, então,o entendimento para compreenderem as Escrituras’ (Lc 24, 45). Na constatação de tantos anos de ‘catequese’ – mais escolarizada do que querigmática – e ao vemos que, na hora da dificuldade, uma boa parte desapareceu, questiono se não devemos mudar de método e de sistema, dando mais lugar e significado à presença e à participação da família? Depois dum certo ritualismo, seremos inovadores na aprendizagem da Palavra de Deus?  

 5.Lançai a rede para o lado direito do barco e haveis de encontrar’ (Jo 21,6). Com alguma tristeza vemos crescer o desânimo entre todos – hierarquia, religiosos e leigos – não se vislumbrando résteas de esperança. Perpassa-me pela mente e, sobretudo, pelo coração alguma inquietude sobre o futuro. Até onde irá a acomodação? Seremos capazes de aprender com humildade nesta etapa de humilhação? 

 6.Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura’ (Mc 16,15). Perante as atitudes de encolhimento de tantos/as, torna-se algo complicado destoar da normalidade medíocre. Até onde irá a religião de sofá, aliada às pantufas de conveniência? Teremos ainda quem olhe mais para os outros e menos para si?  Haverá coragem de sair do ‘culto virtual’ para enfrentar o incómodo da vivência comunitária?

 7.Tomé, um dos Doze, não estava com eles quando veio Jesus’ (Jo 20,24). Não basta dizer, é preciso testemunhar. Com tanta gente ausente, torna-se complicado reunir as condições mínimas e suficientes para termos uma Igreja viva, atuante e interpelativa. Qual será o testemunho de compromisso que vamos passar às gerações vindouras?

 Não quis dar lições. Somente exprimi inquietações... Será que ainda se lê e alguém escuta?  

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 6 de abril de 2021

Avental ou toalha…no lava-pés?


 No evangelho de São João, capítulo 13, lemos que Jesus ‘levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura’ (vv. 4-5). O que está em causa, neste contexto, é saber como designar ‘isso’ que Jesus colocou à cintura e com ‘a qual’ enxugara os pés aos discípulos.

O termo grego é ‘lention’ no v. 4 e ‘lentiu’ no v. 5. Que a Bíblia dos capuchinhos traduz por ‘toalha’ e não por ‘avental’…embora na possibilidade de sinónimo este possa ser uma alternativa. Também em latim, tradução da Vulgata, nos aparece a referência a ‘linteum’ (v. 4) e ‘linteo’ (v. 5) para referir a peça com que Jesus se cingiu e com que limpou os pés aos seus discípulos… No grego clássico ‘avental’ diz-se ‘podia’ e em latim: ‘abante’.

Por que poderá surgir, então, uma referência a ‘avental’ como hipótese de tradução? Será um termo correto e recomendável, sabendo o possível impacto que tem ‘avental’ em certos círculos sociopolíticos?

Deixo a transcrição de uma homilia proferida por um prelado na tarde/noite da passada quinta-feira santa:

Nesta noite, Ele [Jesus] manifesta dois gestos de amizade: o primeiro é lavar os pés, algo reservado aos servos dos grandes senhores, um gesto de carinho. Pedro tem reservas mas Jesus diz-lhe se não lhe lavar os pés não tem lugar consigo.
“Tomou o avental do serviço, para servir, para lavar os pés, para que eles entendessem o que significa ser mestre, o que significa ser Deus, que gosta deles. Ele tem gosto de lavar os pés, não se humilha, não é uma obrigação ou um ato de humildade: é um ato de carinho. É assim que têm de fazer uns aos outros. Têm que aprender o que é ser mestre e senhor”... “Hoje em dia, o avental são as máscaras que usamos. Faz parte do nosso serviço, no cuidado aos outros”.

O segundo gesto é o momento em que Jesus apresenta o pão e o vinho: “Trouxe o pão e Deus graças a Deus. Mas juntou algo de estranho, que não estava no ritual. Diz: ‘Este Pão, tomai e comei, este é o meu corpo que será entregue por vós.’ Ele sabe o que está para vir, e entregou este pão, que era ele mesmo”.

 Lido e meditado o que este senhor Bispo nos quis dizer, fica-me – desculpando a atitude e talvez a ousadia – uma necessidade de discordar em que se prefira ‘avental’ a ‘toalha’, pois com aquele não será fácil, possível ou cómodo enxugar os pés, seja a quem for…

Não seria mais advertível não usar termos que possam confundir, senão os incautos ao menos os desconfiados? Numa época em que precisamos de saber distinguir as águas e as correntes, não seria mais avisado evitar equívocos de linguagem e talvez de comportamentos?

Atendendo aos contextos algo controversos em que certas matérias de secretismo têm sido discutidas, recentemente, na nossa praça – pública, política e de comunicação social – não teria sido preferível não envolver este gesto de Jesus, na última ceia, como uma acha escusada numa fogueira que sempre crepita, quando estão em causa – e muitas vezes em luta – questões e temas fraturantes, mesmo no seio da Igreja católica?

Como, em tantos outros momentos de discussão, parece que será recomendável distinguir entre a batina e o avental, não fazendo crer que incompatibilidades do passado foram obnubiladas ou resolvidas de forma tácita. A todos é benéfico que haja clareza de palavras, de intenções e de comportamentos, pois se deixarmos entrar a traça da dúvida ou o vírus da harmonização do menor-denominador-comum bem depressa seremos vítimas da nossa confusão, senão mesmo da apatia neste clima de tanto-faz…

Só a vacina da Verdade, da coerência e da humildade nos fará tomar a toalha do serviço, como Jesus, sem trejeitos de mistura ou de qualquer outra coisa que não seja viver na Luz…

Avental, não, obrigado!    

 

António Sílvio Couto