Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Voltar a levar Deus ao homem de hoje


«A Igreja é chamada, de facto, a confrontar-se com uma condição eclesial, social e cultural totalmente inédita em relação ao passado. Sabemos que vivemos dentro de um contexto caraterizado pela indiferença e pelo ateísmo prático. O secularismo defendeu a tese de viver no mundo, como se Deus não existisse» - referiu D. Rino Fisichella, nas jornadas de atualização do clero, que estão a decorrer em Albufeira, Algarve.

Subordinadas ao tema: ‘o homem caminho de Cristo e da Igreja’ estas jornadas reúnem mais de uma centena de padres e diáconos das dioceses ao sul do Tejo.

Nos primeiros dias – 28 e 29 de janeiro – teve especial intervenção o responsável do Conselho Pontifício para a promoção da nova evangelização, que apresentou duas conferências – ‘o homem em crise: o desafio das antropologias’ e ‘a autonomia das realidades temporais: secularismo e/ou secularização. Que evangelização para o mundo hodierno’.

Nesta segunda conferência, D. Rino Fisichella salientou que «tendo deixado Deus de parte, o homem do nosso tempo perdeu-se a si mesmo. Deus perdeu o seu lugar central e, consequência disso, também o próprio homem perdeu o seu lugar. É preciso voltar a levar Deus ao homem de hoje. É urgente mostrar a exigência de uma renovada apresentação da fé, que seja capaz de responder à pergunta escondida no mais profundo do coração de cada pessoa: como posso encontrar Deus?».  

= Questões essenciais de antropologia

Partindo da abordagem de questões de antropologia, o presidente do Conselho pontifício apresentou alguns aspetos para a reflexão dos clérigos reunidos em Albufeira.

Respigamos algumas das frases proferidas:

- ‘Não esqueçamos que o contexto cultural em que vivemos se alterou profundamente em relação ao passado. Nas últimas décadas podia falar-se legítima e facilmente de antropologias no plural, porque a visão do mundo era multiforme. O contexto de globalização e a cultura da internet impõem um modelo uniforme em que as diferenças são superadas pela perspetiva de uma antropologia de sentido único’.

- ‘A cultura digital, além de ter relativizado o conceito de verdade, parece que varreu os próprios conceitos de tempo e de espaço… A cultura da internet usa exatamente os nossos [da Igreja católica ]termos, mas com significados diferentes’.

- ‘Já está a caminho uma outra revolução, a individualista. Eliminada cuidadosamente a escatologia demasiado imanente do pensamento socialista, o fenómeno individualista avança com as suas pretensões, que vão impondo nas legislações, sem a mínima perceção do limite que consigo transportam. A escatologia individualista alimenta-se do alargamento da esfera privada, da progressiva erosão do compromisso social, da permanente exigência dos direitos e do desamor por toda a espécie de responsabilidade política’.

- ‘Lado a lado com o egoísmo e o individualismo apresenta-se hoje o fenómeno cultural do narcisismo… O que se está a verificar, de facto, é o cume do individualismo que, no caso do narcisismo, evidencia o nascimento de um traço até agora inédito do indivíduo nas relações consigo mesmo, com o próprio corpo, com os outros, com o mundo, enfim, um recurvar-se do homem sobre si mesmo, numa forma de autorreferencialidade que se torna norma de vida e critério de julgamento’.

- ‘Uma transformação antropológica que contempla a promoção de um puro individualismo que tende apenas para a valorização de si mesmo. Em poucas palavras, o ‘eu’ torna-se o umbigo do mundo, à volta do qual tudo gira… São vários os exemplos que se pode dar para evidenciar a tendência narcisista deste momento cultural. Uma primeira referência pode ser feita certamente à moda da selfie… Não podemos subestimar a elevação do corpo à condição de um verdadeiro objeto de culto… A condição narcisista não exclui o outro, mas deseja vê-lo contruído à sua medida e a seu gosto… As relações deixam de ser interpessoais para passar a ser inter-individuais’.

Numa palavra: ‘a Igreja é chamada a revigorar-se a si mesma naquilo que tem de essencial, como é o caso do anúncio missionário’… O caminho está em aberto, é longo e precisa de ser bem estudado, conhecendo o melhor possível homem/mulher deste tempo, a sua cultura e circunstâncias!

 

António Sílvio Couto

sábado, 26 de janeiro de 2019

Corja… quem e porquê?


Segundo vários dicionários em uso na língua portuguesa, ‘corja’ significa um ‘conjunto de pessoas caraterizadas por péssima índole, pelo mau caráter ou má conduta’. Seguindo a linha de ser uma espécie de associação, ‘corja’ pode ser um ‘coletivo de ladrões, vadios, desordeiros’ ou ainda um ‘grupo de indivíduos vis e desprezíveis, canalhada, súcia, malta, ralé, gentalha’…

O uso deste termo ‘corja’ é, nitidamente, considerado depreciativo para com quem é, assim, mimoseado… seja qual for o contexto e/ou o âmbito de intervenção. De facto, daquilo que conhecemos, o uso da palavra ‘corja’ pretende ofender quem com tal adjetivo se vê qualificado. O problema situa-se da perspetiva de quem classifica de ‘corja’ outrem, na medida em que será preciso conhecer os factos que levam a tal referência, podendo, pelo contrário, atirar-lhe com ‘corja’ à personalidade numa espécie de antecipação para que não mereça, por seu turno, idêntico tratamento. Assim se pode compreender a troca de epítetos com que temos sido assaltados, procurando descortinar quem usou primeiro ou se a resposta teve provocação… 

= Dá a impressão que as pessoas começaram um caminho de ofensa, que poderá ser complicado de suster, tais são as etapas de vulgarização e dos meios usados para que tal se possa verificar. Com a larga difusão – sem filtros nem critérios – das redes sociais temos vindo a conhecer um sem-limite para dizer, fazer mal ou ofender seja a quem for, mesmo que se coloquem os ingredientes mínimos: as pessoas têm-se vindo a nivelar, cada vez mais, pela bitola da asneira, num processo de ‘quanto pior, melhor’ e sem olhar a meios para atingir os (seus) fins…mesmo que os mais ignóbeis. 

- O respeito pela integridade moral dos outros deixou de ser valor a preservar ou a defender. Com razoável aceitação dos internautas e/ou frequentadores das redes sociais proliferam insinuações sobre tudo e para com todos… escapar desse tribunal sem juiz será uma façanha de atroz martírio e competição.

- Agora já ninguém é insuspeito, mas terá de provar que não o é, se alguém se lembrar de dizer o contrário. Com efeito, vivemos na inconsistência do contraditório, pois um alguém, até sob o anonimato, poderá lançar uma dúvida, que logo muitos outros se pronunciam sobre isso, mesmo que não conheçam os visados ou nem tenham qualidade para se declararem sobre o assunto… 

= Dada a velocidade com que as notícias, as opiniões, os factos ou as situações se verificam, temos, urgentemente (até parece que entramos em contradição), de serenar as águas turvas, as ideias virulentas, as confusões de querermos tudo depressa e sem maturação suficiente.

Eis um excerto da mensagem do Papa Francisco para o próximo dia mundial das comunicações sociais, que ocorre a 2 de junho:

«O panorama atual convida-nos, a todos nós, a investir nas relações, a afirmar – também na rede e através da rede – o caráter interpessoal da nossa humanidade. Por maior força de razão nós, cristãos, somos chamados a manifestar aquela comunhão que marca a nossa identidade de crentes. De facto, a própria fé é uma relação, um encontro; e nós, sob o impulso do amor de Deus, podemos comunicar, acolher e compreender o dom do outro e corresponder-lhe.

É precisamente a comunhão à imagem da Trindade que distingue a pessoa do indivíduo. Da fé num Deus que é Trindade, segue-se que, para ser eu mesmo, preciso do outro. Só sou verdadeiramente humano, verdadeiramente pessoal, se me relacionar com os outros. Com efeito, o termo pessoa conota o ser humano como «rosto», voltado para o outro, comprometido com os outros. A nossa vida cresce em humanidade passando do caráter individual ao caráter pessoal; o caminho autêntico de humanização vai do indivíduo que sente o outro como rival para a pessoa que nele reconhece um companheiro de viagem  

Esta sugestão do Papa Francisco precisa de fazer caminho, desde logo começando na Igreja católica, fazendo-nos sair do isolamento galopante com que certos/as religiosos/as (não tem a ver só com frades nem freiras) se engordam com as suas devoções e a ‘salvação’ da sua alminha! Os ditos ‘eremitas sociais’ – referidos na mensagem papal – são mais do que pensamos no contexto da nossa Igreja…

  

António Sílvio Couto

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Arroz de atum


Foi há meia dúzia de anos que uma senhora me exprimiu o ‘encanto’ desta iguaria culinária: arroz de atum. Estava ela a falar do apreço que seus filhos, entretanto dispersos do ambiente familiar, tinham por mais esta forma de cozinhar com atum…

Ora, por estes dias foi sucesso à mistura com um certo jocoso, o facto de uma dirigente partidária ter ido a um programa televisivo e cozinhado, de forma simples e provocante, o tal arroz de atum. Houve quem considerasse, que se tal figura recorria a esta forma de preparar o atum – percebeu-se que era denotativo duma certa fase de pobreza – o que aconteceria com elementos de outras ‘classes’ sociais.

Eis como, dum modo simples e rápido, se fez vir à emersão essa profunda caraterística tão lusíada de estratificar em classes as pessoas pela forma como se alimentam e de, através de preconceitos bem mais fundos do que a cor da pele, nos armarmos em defensores de uma moralidade fétida, hipócrita e mentirosa: diz-me o que comes, que te direi quem parece que és! 

= Efetivamente, estamos num tempo onde se vive mais pela aparência do que pela essência, onde a fatiota cataloga mais o estrato do que a condição, quando a carroça (isto é, o carro e demais adereços) onde se anda engana mais do que o real valor…intrínseco, sério e fundamental.

Se alguém surge pavoneando-se num carro de valor fora do normal, logo é lançado suficiente anátema sobre a procedência dos meios para o conseguir… alguma rede de coisas menos claras ou artimanhas de fuga ao controlo dos impostos. Houve fases em que se considerava isso uma exibição de meios de riqueza…não-declarada nem tributada. Por agora vão surgindo mais suspeitas do que acusações, mas a bisbilhotice das vizinhas – agora sob a alçada das postagens no face-book e afins – se encarrega de fazer a triagem mais ou menos do presente, sobre o relativo passado e ao alcance do vulnerável futuro… 

= Atendendo às inúmeras possibilidades que o dito ‘sucesso económico’ – essa miragem que nos vem vendendo nos anos mais recentes – tem trazido, é relativamente fácil vermos os restaurantes ao fim-de-semana abarrotados de clientes, muitos deles numa ostentação algo inquietante, pois muitas pessoas parecem ‘novos-ricos’ sem hábitos sociais e com tiques de algum desajuste na convivência com os outros. Bastará ver/ouvir a forma pouco respeitosa como falam em público – o barulho é denotativo dessa falta de civismo – misturando-se com um certo esbanjamento e excesso de comida, revelador duma incivilidade atroz… Despejaram dinheiro sobre as pessoas, mas não lhes deram critérios de uso, num clima de subdesenvolvimento, que em breve se pagará com nova crise… De facto, o sistema não educa, mas esmaga os incautos e mais orgulhosos! 

= Não deixa de ser sintomático que uma das ideias mais revolucionárias de certos regimes de pensamento único (totalitário e socializante) ponha a insistência no recurso, cada vez mais progressivo, aos refeitórios e cantinas de índole social, obnubilando, assim, a confeção, toma e convívio das refeições em família. Talvez, deste modo, se vá desfazendo a dinâmica do lar, infetando de ideias perniciosas (ao menos na teoria) a base da sociedade e de tudo quanto é precioso para a função da família nas raízes judaico-cristãs. Quantas vezes e de tantas formas vimos famílias unidas, sem grandes recursos económicos, mas que se mantiveram vinculadas por entre tantas dificuldades. Ao invés se foram desmoronando, quando houve mais abundância de recursos e mesmo de meios económicos… Não está em causa o ‘discurso heroico’ da miséria, mas a força que une e vincula, quando todos se respeitam e se amam! 

= De verdade à volta dum arroz de atum se pode criar algo mais do que a lamúria e se pode educar para a comunhão, nos bons como nos maus momentos. Faz lembrar a pequena estória dum casal muito idoso, que se mantinha unido, por entre diversas dificuldades. Ao que a senhora respondeu: no nosso tempo de mais novos, os meios que tínhamos não eram muitos e, quando algo se partia, mandávamos consertar…agora, quando algo se parte, com facilidade, se deita fora e se compra novo…       

   

António Sílvio Couto

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Qual o sentido correto do peditório na missa?


Quem participa habitualmente na missa – de domingo ou mesmo de semana – está acostumado a ver que, por ocasião do (designado) ofertório, alguém passe reconhecendo as ofertas – particularmente em dinheiro – daqueles que estão presentes na missa.
Ora, sendo este costume uma forma de participar na missa, qual é o significado profundo e primeiro desta atitude? Será uma recolha de fundos para a gestão da igreja? Poderá ser entendido como um modo de participar nas despesas da igreja, da paróquia ou do ‘pagamento’ dalgum serviço prestado pela igreja ou pelo padre?
Noutro aspeto mais relevante e que precisa mesmo de ser educado: esse peditório serve para dar o contributo pelas intenções da missa, seja pelos defuntos ou por outra qualquer intenção? Não haverá, na cabeça de muitas pessoas, uma certa ligação entre o peditório e o ‘pagamento’ (mesmo que gracioso e sem estipular o montante) pelas intenções enunciadas no decorrer da celebração da missa? Não será preciso corrigir e educar para a partilha por ocasião da entrega e da recolha do peditório na missa?
Pois bem, antes de tudo o dito ‘peditório’ é uma partilha entre irmãos na mesma fé e não um pagamento de serviços. Estes podem ser recebidos de outra forma e noutras instâncias, que não por ocasião da celebração da missa. Esta não tem preço e colocar, seja o que for na missa sob a forma de pagamento, é incorrer em simonia, isto é, compra/venda de ações sagradas, logo um pecado contra Deus e ofendendo a comunhão entre os irmãos. O correto será dizer partilha ou oferta por ocasião da celebração dos sacramentos e, duma forma especial, da missa.
Se é oferta e esta inserido por ocasião do ofertório, esse momento em que cada um de nós é chamado a oferecer-se a Deus, podendo o contributo económico ser um deles, mas haverá tantos outros que envolvam a oferta de mim mesmo, pela apresentação dos dons – simbolizados por excelência no pão e no vinho apresentados – ao altar, onde, por excelência Jesus se dá e se nos dá todo a todos.
Como a capacidade de oferta se educa, se esclarece e se amadurece, temos que o peditório na missa poderá representar mais do que a simples dádiva/entrega de moedas ou notas de dinheiro para envolver sempre mais e melhor a disposição para a partilha, o reconhecimento e a oferta do que somos e do que temos…a Deus, na e pela eucaristia.

Deixamos a finalizar uma citação da Instrução Geral ao Missal Romano, n.º 73, onde se insere com maior propriedade aquilo que desejamos abordar:
«A iniciar a liturgia eucarística, levam-se para o altar os dons, que se vão converter no Corpo e Sangue de Cristo.
Em primeiro lugar prepara-se o altar ou mesa do Senhor, que é o centro de toda a liturgia eucarística; nele se dispõem o corporal, o purificador (ou sanguinho), o Missal e o cálice, salvo se este for preparado na credência.
Em seguida são trazidas as oferendas. É de louvar que o pão e o vinho sejam apresentados pelos fiéis. Recebidos pelo sacerdote ou pelo diácono em lugar conveniente, são depois levados para o altar. Embora, hoje em dia, os fiéis já não tragam do seu próprio pão e vinho, como se fazia noutros tempos, no entanto o rito desta apresentação conserva ainda valor e significado espiritual.
Além do pão e do vinho, são permitidas ofertas em dinheiro e outros dons, destinados aos pobres ou à Igreja, e tanto podem ser trazidos pelos fiéis como recolhidos dentro da Igreja. Estes dons serão dispostos em lugar conveniente, fora da mesa eucarística».
Queira Deus que assim vivamos o sentido das coisas e a digna celebração dos mistérios divinos.

 

António Sílvio Couto

domingo, 20 de janeiro de 2019

Discriminações não-justificadas


Quem tenha tempo e possa ver os programas televisivos, em canal aberto, sobretudo aos sábados e domingos, poderá ver uma espécie de romaria em competição para fazerem sobressair os espaços que pretendem mostrar.

Normalmente, nessa amostragem regional, aparecem diferentes ingredientes mais ou menos soprados por quem convida ou por quem suporta (o mesmo quererá dizer por quem paga) a efabulação da cidade, vila ou lugarejo em destaque… Raramente vemos surgir na pantalha referências ao substrato cultural do cristianismo nessas abordagens. Instituições ou agremiações associadas à Igreja católica muito poucas vezes são referidas e, sobretudo, a ação das paróquias é como que obnubilada ostensiva, clara e categoricamente. 

= No dia 19 de janeiro o canal público de televisão esteve nove horas em emissão da Moita, tendo como pano de fundo o edifício da edilidade. Por ali desfilaram coisas e loisas, num aparente cardápio encomendado, cifrado e/ou rotulado… Das coisas da Igreja talvez tenha havido algumas referências alusivas – vi muito pouco e de raspão – onde o sujeito das notas ficou subentendido, embora usado como possa ter sido conveniente.

Fique claro: nada me move quanto aos critérios de programação nem tão pouco me sinto preterido na discriminação, mas torna-se algo abjeto ignorar a ação cultural da Igreja católica, mesmo que não se tenha nenhuma afinidade com ela. Muitas das instituições que agora – isto é, há pouco mais quatro décadas – se acham donas e senhoras da condução das populações ainda são suficientemente imberbes para ombrear com a história da paróquia e mesmo da diocese. Há coisas e situações que democracia alguma pode pretender ofuscar e será de muito mau tom e pior conduta pretender confrontos com quem não tem nada a provar nem tão pouco a temer. Pelo contrário, quem assim se comporta manifesta razoável ignorância, pouco sentido de respeito e, sobretudo, incapacidade de criar sinergias de bom serviço às populações…que dizem defender! 

= Em jeito de reflexão ouso colocar algumas questões…mais para ajudar do que para denunciar:

* A Moita seria o que é (mal ou bem) sem a sua padroeira (religiosa e cristã), que é Nossa Senhora da Boa Viagem?

* Não haverá certos preconceitos, nem sempre assumidos, de medo para com a força da ‘santa’, que inquieta e amedronta (bastante) alguns espíritos?

* A energia subjacente da Mãe de todos não incomodará certos comportamentos impacientes de poderem perder a força que não têm ou estão a verem esvair-se?

* Não haverá ainda fantasmas de antanho que perturbam a leitura da mudança dos tempos e das escolhas sem rótulo nem encomenda?  

= Uma cultura e uma sociedade ancorada em preconceitos e vão temores não evoluirá…e a Moita é disso um exemplo… e no dia 19 de janeiro de 2019 mostrou-o sem máscaras nem disfarces. Assim, não!   

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

A ‘fidelidade’ daquele cão…


Foi notícia por estes dias: um homem paraplégico morreu carbonizado na sua própria casa. O facto é de per si trágico e confrangedor. Por entre os destroços daquilo que foi uma habitação sobressai – dizem as reportagens – um cão que não abandona o local, farejando e esperando o regresso do dono falecido. Houve quem se oferecesse para adotar o animal, levando-lhe comida e bebida, mas nem assim o fiel cão sai de estar ao pé do lugar onde viveu, tanto quanto se pode perceber, com o dono…

Embora haja a expetativa de que, com o passar do tempo, possa trocar aquilo que foi uma casa por outro lugar mais confortável, podendo haver quem cuide dele, este episódio faz-nos – ou deve fazer-nos – refletir sobre vários aspetos, desde o relacionamento entre as pessoas e os animais, passando pelo trato que lhes damos e até àquilo que pode distinguir os sentimentos humanos – por estes tempos algo confusos e baralhados – e os nítidos sentimentos dos animais na sua base mais significativa. 

= Já há dias se ouviu relatar que alguns cães percorreram quilómetros atrás da ambulância que levou um sem-abrigo para o hospital. Foi no Brasil: o homem teve um colapso cardíaco e os seus seis cães – devidamente vacinados e tratados – estiveram à porta do hospital até que ele saiu passados uns dias, voltando à rua onde vive há vinte anos.

Quando se fala tanto da proteção aos animais, estes exemplos podem tornar-se reveladores do que há (ou pode haver) de vinculativo entre os humanos e os outros animais, seja qual for o porte ou mesmo a sua expressão mais ou menos doméstica. 

= Não estamos nessa onda de aparente superiorização dos animais sobre os humanos, que certas forças andam por aí a fomentar, a divulgar e a promoverem-se... Os animais têm a sua caraterística no processo da obra da criação divina, continuando os humanos a serem aqueles que, segundo as Sagradas Escrituras, foram criados ‘à imagem e semelhança de Deus’, portanto como os interlocutores essenciais e privilegiados para com Deus.  

= Se os maus tratos perpetrados contra os animais denunciavam uma fase mais ou menos desumanizante dos humanos, não será que este excesso de dedicação para com eles reproduz uma outra fase não menos desumana para com os humanos? Não será que certas dedicações aos animais (de companhia e não só) revelam que estaremos a entrar numa etapa desafetiva para com os humanos e carinhosa para com os animais?

De facto, não alinho nessa tendência, um tanto crescente, de substituição dos filhos pelos animais, e com tais cuidados que algo parece revelar qualquer outra dimensão que tem a ver com uma menos boa ou não-razoável integração psicológica e/ou emocional. Certas manifestações exteriores de carinho e de afeto para com os animais poderão significar que algo se perverteu na ordem natural das coisas, na medida em que os filhos parecem não-ser mais do que meros adornos e/ou acidentes de percurso.

Faz-me lembrar, na linha dum certo anedótico, essa situação em que, uma família tendo ido ao restaurante, sobejou comida no final. Ora, não querendo desperdiçar o que não foi consumido, o pai pediu ao empregado se podia colocar isso numa caixa para levar para casa ‘para o cão’…Ouvindo isto, a filha mais nova, sabendo que não tinham cão algum, regozijou-se, dizendo: vamos ter um cão, vamos ter um cão!

Não precisando os cães (e outros animais do círculo familiar) das sobras, fica-nos desta estória que não se pode mentir às crianças, mesmo que não se tenha ideia de vir a ter um cão ou, pior, os animais, que circulam pela casa, têm, hoje, quase melhor estatuto do que as crianças. 

= Inseridos na complexidade do ambiente familiar torna-se, cada vez mais importante, saber que lugar ocupam (ou devem ocupar) os animais no tecido da família, pois, se não nos acautelarmos, teremos animais tratados de forma principesca e os humanos de forma tendencialmente descartável, como tão sabiamente nos vem prevenindo o Papa Francisco, para dentro e para fora do espaço eclesial…      

   

António Sílvio Couto


segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

‘Remar e cavar…hoje como ontem’


Com este título - Remar e cavar...hoje como ontem - saiu, por estes, um pequeno livro, com cento e oitenta páginas, tornado público na área da paróquia da Moita.
Como se lê na contra-capa: «Na primeira parte são coligidos 60 pequenas estórias, que foram publicadas na folha da Paróquia da Moita entre setembro de 2017 e novembro de 2018, nas quais se tenta fazer um percurso de reflexão sobre vários aspetos desta paróquia, percorrendo as povoações que a compõem..
Em forma de apêndice é apresentado um percurso como se fossem umas ‘memórias’ sobre os momentos mais significativos dos 60 anos de vida»... de António Sílvio Couto.
Este é o trigésimo sétimo título publicado pelo autor.
‘Remar e cavar...hoje como ontem’ tem como subtítulo: 60 estórias e memórias, marcando desde logo um âmbito datado, pois com esta publicação se quis assinalar sessenta anos de vida do autor, apresentando estórias que têm a Moita - paróquia, que, por seu turno, abrange três freguesias - espaço geográfico e abordando questões um tanto especificas de cada lugar...onde as ‘cenas’ são inventadas e as ‘personagens’ fictícias, embora não meramente ficionadas.
Naquilo que é considerada uma espécie de ‘apêndice’ é feita uma retrospetiva de sessenta anos de vida, onde, como se diz na nota explicativa «é apresentado um percurso como se fossem umas ‘memórias’ sobre os momentos mais significativos dos 60 anos de vida, desde o berço (que não foi de ouro, antes pelo contrário) até à vida de padre (tanto no tempo de ‘jornalista’ como mais recentemente como pároco), passando por essa razoável etapa de formação desde a escola primária até ao seminário, sem esquecer o que foi gasto na formação intelectual, cívica, moral, teológica e espiritual... em diferentes lugares e tempos.(...) Aqui são colocadas em registo aspetos e visões muito pessoais, nalguns casos adjetivando as situações... Nada há de muito restrito, embora não se possa esquecer que algo se pretende dizer ao colocar, muitas vezes, reticências (...) por entre as frases e, sobretudo, a terminar as diferentes avaliações. 60 anos não é muito tempo, hoje, mas já é algum... Eis tão somente uma leitura»...
De referir que esta publicação tem a chancela da Paulinas Editora, embora com tiragem dedica à Paróquia da Moita.

ASC

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Sublimes patranhas


Na exposição frenética das notícias diárias vemos alguns setores andarem numa roda-viva: o governo a intoxicar com investimentos de milhões (ferrovia, espaço aéreo, subterrâneo, etc.)…querendo fazer em meses o que esteve cativado em anos; clubes desportivos com dinheiro à fartura para treinadores e jogadores; uns praticantes em final de carreira que se travestem de generosos ao regressarem à pátria porque usufruem de descontos para metade nos impostos; coisas e loisas de boa vontade que encobrem jogadas fabricadas para público (desatento, flácido e manipulado) se enfeitiçar…

Alguns episódios parecem, desde logo, tão inverosímeis, que podem facilmente ser descartados. Outros momentos por tão repetitivos, logo geram desconfiança. Nalguns casos nota-se alguma subtileza nos assuntos, enquanto noutros parece que se capta com facilidade a desconexão entre as pretensões e a realidade.

Estas sublimes patranhas quase parecem ‘falsas notícias’ tal a ténue credibilidade com que aparecem a um público mais atento, exigente e com outros critérios que não sejam a filiação partidária, a ansiedade de protagonismo ou até o insuficiente discernimento sobre aquilo que nos vendem a toda a hora…  

= A máquina das agências noticiosas – essas que fazem e gerem as agendas dos jornais e os alinhamentos televisivos – estão em constante laboração: fabricam factos e trucidam personagens, fazendo com que, quem lhes paga, esteja na crista da onda, qual surfista em maré de campeonato final…

Progressivamente se vai dessacralizando o dogma da comunicação social, essa que permite atingir o poder, prolongar-se nele e arranjar lacaios para que continuem a ser gerados novos militantes. Com que habilidade temos de deixar de ser fiéis do mesmo noticiário, do mesmo canal de rádio ou até do mesmo jornal. Confrontar os critérios de seleção das notícias faz com que tenhamos de saber aferir-nos à diversidade dos pontos de vista, sem nos deixarmos manipular só por uma perspetiva, a de quem noticia ou quer vender o produto informativo. 

= Vejamos exemplos, a partir do enunciado supra citado:

– o tal jogador que escolheu uma equipa portuguesa para vir jogar agora, soube aproveitar o desconto que o governo propôs de cinquenta por cento no IRS, durante cinco anos. Foi isto, generosidade ou habilidade? Porque não se disse (quase) nada sobre o assunto? Quem fica a ganhar com estas habilidades?

 – se o relatório ambiental chumbar o projeto, não haverá aeroporto no Montijo. Era necessária tanta pompa e aparato para algo que pode não passar dum bluff e de ‘fake news’? Havia necessidade de enganar deste modo o povo e de gastar tanto tempo com algo incerto e talvez errático?

– o tempo gasto sobre certos clubes de futebol é excessivo e fastidioso. Porque será que algumas notícias são espremidas até à exaustão, enquanto outros passam incólumes e vão fazendo o seu trabalho de ganhar a todo o custo? Uns vendem, outros dispersam? 

Nota – Aconteceu num canal televisivo, em direto, o abandono de dois (dos quatro) convidados para comentarem um assunto, dando como razão a manipulação duma reportagem – ao que disseram feita à revelia dos intervenientes – e sobre casos pré-pagos. Pena é que um dos participantes se escondesse não no armário mas por trás duma cortina encomendada… Mais uma patranha bem cozinhada, mas bastante mal servida!

Coragem, precisa-se.

 

António Sílvio Couto



quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Armadilha do ‘azul e rosa’


Vindo do outro lado do Atlântico chegou à nossa sociedade a discussão do ‘azul e rosa’, isto é, a insistência em conotar com estas cores o sexo das pessoas: azul para rapaz e rosa para rapariga. Numa declaração mais fundamentalista – no correto e essencial significado do termo – das cores do sexo masculino e do sexo feminino, respetivamente.

Será este o problema essencial na vida daquele país? Teremos nós de entrar numa discussão que tem tanto de inoportuna quanto de patética? Para ir ao fundo do problema – a ideologia de género – será preciso arranjar fait-divers com perda de tempo e de significado? Trazer novamente este assunto para a praça pública, no contexto geral e nacional, será algo de sério ou de mero folclore sem engenho? 

= Parece importante tratar esta questão como racionalidade e não reduzi-la a um amontoado de emoções, muitas delas mal digeridas e, sobretudo, vulgarizar uma discussão que devia ser serena e sensata. Num tempo tão marcado por interesses de lóbi, este assunto ‘azul e rosa’ e dos mais fraturantes em certas sociedades e sê-lo-á ainda mais se forem introduzidos acepipes de natureza politica, partidária ou mesmo religiosa…

Este assunto pode até camuflar angústias a quem vive o problema de forma dorida, misturando tudo e o seu contrário para que se vá disfarçando outros problemas e adiando a solução do que é sério. Isto não é uma questão de direita nem de esquerda, é um assunto da personalidade da pessoa humana, no concreto de alguém que tem, vive e sofre consigo mesmo e no relacionamento com os outros. Mal vai o problema, seja ele qual for, se o próprio não se sente parte da solução e entrega esta a outrem que o pode manipular e usar como mais lhe convier. 

= De facto, não será pela cor da roupa que iremos guiar-nos nem ficaremos pendurados na bandeira do ‘arco-íris’ para sermos mais ou menos defensores da igual dignidade das pessoas, tenham elas a orientação sexual que manifestem. Com efeito, esta questão do ‘azul e rosa’ – adstrito ao sexo que se considere – não passa dum falso problema e, por vezes, não é quem muito fala e reclama que mais faz pelo reconhecimento e a aceitação da diferença. Efetivamente, torna-se complicado discernir o que é ou pode ser congénito daquilo que é ou pode ser influência do meio e mesmo da educação. Por isso, não podemos deixar-nos condicionar por ‘modas’ nem por ‘fantasmas’, sejam de que coloração se apresentarem, pois cada pessoa é única e irrepetível e merece ser tratada com respeito, com sensatez e, sobretudo, com o máximo da dignidade…coisa que certos setores não têm deixado que seja feito, tentando impor a tal ‘ideologia de género’, que mais não é do que um género de ideologia, pretensamente progressista, mas manipuladora dos sentimentos e das emoções das pessoas mais fragilizadas e, por vezes, marginalizadas… 

= Valerá a pena reler o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre este assunto: «Um número não negligenciável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente enraizadas. Esta inclinação objetivamente desordenada constitui, para a maioria, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição» (n.º 2358)

Toda a forma de discriminação é considerada ofensiva. Também neste campo ela é assim… Tudo o resto – o favorecimento em particular – por ser desta forma não será maior discriminação de quem não é dessa forma? Ou será obrigatório deixar de ser normal para se ser exceção? Excecionar em excesso faz disso normalidade?

 

Por favor: haja maior bom senso e superior racionalidade, seja lá a cor de que se vista ou pela qual se tenha preferência, em vestir, despir ou assumir!    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Tontices da (nossa) democracia


Eis senão quando se abriu a caixa-de-pandora da nossa democracia. As reações parecem ser um tanto infantilizadas, pois um órgão de comunicação social levou às suas instalações e fez ouvir as opiniões um tal senhor apelidado de neonazi, com ideias nada-democráticas à mistura com arrebiques xenófobos, racistas e, no seu conceito, mais ou menos nacionalistas…Outros dizem-se ‘patriotas’!

Uns senhores advogados do antirregime que não o deles, querem que seja castigado quem deu voz e som a quem, sendo diferente deles, não tem espaço, em seu entendimento, na sociedade democrática lusitana. Mas a democracia não é para todos, até para com aqueles que pensam, dizem e atuam de forma diferente de mim? Não andaremos a usar as mesmas armas dos ditadores que vislumbramos nos outros? Não será tão legítima a opinião de uns e não a exclusiva dos meus? 

Acima de tudo o que está em causa é a rotura de comunicação que se tem vindo a fabricar fora dos circuitos tradicionais dos jornais impressos, das rádios estabelecidas, das televisões licenciadas… Agora a comunicação faz-se sem controlo, sem grelha e (talvez) sem estatuto de editorial. Quando deram crédito às informações veiculadas por telemóveis, a partir de gente sem critério, mas onde a necessidade de chegar primeiro ultrapassou o bom-senso, estava-se a abrir a porta para todos e mais que fossem os populismos, as posições díspares e sem consequências…

Estes são os custos da evolução da informação, que escapa à censura das maiorias políticas/ideológicas, votadas ou legalizadas, com expressão ou ridículas…Os velhos e anquilosados esquemas de campanhas eleitorais – com comezainas e discursos longos, com militantes arregimentados em camionetas à pressa e tudo o que de certinho estava adquirido – acabaram! Agora sem sair de casa um qualquer ‘iluminado’ pode fazer chegar a sua mensagem a milhões pelas redes sociais. Ora, o povo que assim é doutrinado será mesmo ignorante como alguns nos querem fazer crer? O Brasil tem tantos milhões de ignorantes…só porque votaram fora do esquema dominante em década e meia? 

= Nota-se que as ‘novas tecnologias’ – novas só para quem for sexagenário e mais velho…de mentalidade – ultrapassaram o regime de censura em que uma parte dos políticos profissionais e outros ‘senhores’ quiseram amordaçar uma longa e farta maioria silenciosa do nosso país. Os critérios de conduta mudaram rapidamente e os barões/baronesas da democracia estão a ver-lhes fugir o (pretenso) prestígio. As mordomias estão a acabar e o reinado de quem se perpetuava no poder está prestes a cair. Por isso, de pouco adiantará tentar controlar quem discorda neste pântano, pois os meios postos à disposição de todos farão terminar a ditadura com que nos têm feito viver…em quase cinco décadas ‘democráticas’.

Deixem aparecer as novas formas de expressão da vontade popular e cuidem-se para que, no essencial, estejamos de acordo, pois o individualismo para o qual nos empurraram, esse sim, é preocupante. Agora que estamos nesta outra fase cultural e temos de aprender a lidar com a diferença, mesmo que essa seja mais presumida do que real. De pouco adianta gritar pelo socorro, se já metemos em casa o ladrão. Torna-se urgente deixar de culpar os outros, mas cada um deve assumir as suas culpas e questionar-se sobre que tipo de democracia vive e faz… 

= Não deixa de ser revelador da confusão – resultado da perda em valorização que achavam ter – que alguns dos ditos servidores do povo continuam a manifestar: ainda não sabem que valem tão pouco e esbracejam como náufragos para sobreviverem na complexidade do mundo, onde perderam o protagonismo…embora com as mesmas regalias na letra e nos proventos.

Algumas das associações e mesmo das personalidades protestantes no ‘caso’ em presença não passam de servos duma gleba falida e/ou arrebanhadores de benesses por informação privilegiada. Basta de protegidos e de enteados nesta democracia, que já devia ser mais adulta, senão pela maturidade ao menos pela idade! Basta de protecionismo para uma certa corrente ideológica, que se esconde por trás da defesas das suas democracias, consideradas ditaduras noutras latitudes, tanto do passado como no presente…

   

António Sílvio Couto

Qual a idade ‘ideal’ para ser batizado?


Atendendo a que, no próximo domingo (13 de janeiro), se celebra a festa litúrgica do Batismo do Senhor, e com ela se encerra o tempo celebrativo do Natal, pareceu que podia ser oportuno colocar algumas questões sobre tema e aflorar aspetos deste sacramento básico da fé cristã.

Se tivermos em conta as várias circunstâncias da vida atual poderemos perguntar: será conveniente batizar uma criança? Até que idade poderá ser batizada uma criança sem se exigir maior preparação? Que tempo pode e deve um adulto dedicar para receber o batismo?
Num tempo algo anódino sobre questões de fé, será que é desprezível batizar uma pessoa – particularmente se for criança – mesmo que os pais não sejam casados catolicamente ou até que nem sejam batizados? Será de recusar a semente do batismo em quem crepita uma ténue de luz de fé ou de desejo por Deus? Não teremos andado a cometer ‘muitos erros’ – excluindo, afastando ou escandalizando – pelas (nossas) exigências para que possam existir as condições ideais para alguém ser dado o batismo? Não terá havido, nalgumas situações, mais coração de madrasta do que de mãe na Igreja com tais atitudes e regras…tão exigentes?
Diz um padre da Igreja, S. Gregório de Nazianzo, no século IV depois de Cristo: «O Batismo é o mais belo e magnífico dos dons de Deus [...] Chamamos-lhe dom, graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo e tudo o que há de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que não trazem nada: graça, porque é dado mesmo aos culpados: batismo, porque o pecado é sepultado nas águas; unção, porque é sagrado e régio (como aqueles que são ungidos); iluminação, porque é luz irradiante; veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é sinal do senhorio de Deus».
Precisamos de renovar em nós – mesmo quando participamos na celebração dalgum batismo – a graça deste sacramento e de consciencializar as exigências dessa graça e dom recebidos.
Temos por costume dar alguma importância à data do nosso batismo? Se a data de nascimento é (ou pode ser) um tanto convencional, dadas as circunstâncias em que pode ter acontecido, a data do batismo é algo de concreto e sério…Assim saibamos vivê-lo e celebrá-lo condignamente.
= Mistagogia dos sinais batismais
(*) Tentemos fazer uma leitura dos ‘sinais’ do batismo, procurando discernir o significado de cada um deles, no desenrolar da celebração e no seu progressivo desenvolvimento:
«O sentido e a graça do sacramento do Batismo aparecem nos ritos da sua celebração. Seguindo, com a participação atenta, os gestos e as palavras desta celebração, os fiéis são iniciados nas riquezas que este sacramento significa em cada batizado»
(Catecismo da Igreja Católica (CIC), 1234). * Sinal da cruz – «O sinal da cruz, no princípio da celebração, manifesta a marca de Cristo impressa naquele que vai passar a pertencer-Lhe, e significa a graça da redenção que Cristo nos adquiriu pela sua cruz» (CIC 1235). * O anúncio da Palavra de Deus – «O anúncio da Palavra de Deus ilumina com a verdade revelada os candidatos e a assembleia e suscita a resposta da fé, inseparável do Batismo. Na verdade, o Batismo é, de modo particular, o ‘sacramento da fé’, uma vez que é a entrada sacramental na vida da fé» (CIC 1236). * Unção com o óleo dos catecúmenos – «E porque o Batismo significa a libertação do pecado e do diabo, seu instigador, pronuncia-se sobre o candidato um ou vários exorcismos. Ele é ungido com o óleo dos catecúmenos ou, então, o celebrante impõe-lhe a mão e ele renuncia expressamente a Satanás. Assim preparado, pode professar a fé da Igreja, à qual será «confiado» pelo Batismo» (CIC 1237). *Água batismal – «A água batismal é então consagrada por uma oração de epiclese (ou no próprio momento, ou na Vigília Pascal). A Igreja pede a Deus que, pelo seu Filho, o poder do Espírito Santo desça a esta água, para que os que nela forem batizados «nasçam da água e do Espírito» (Jo 3, 5)» (CIC 1238). * O rito do batismo – «O batismo propriamente dito, que significa e realiza a morte para o pecado e a entrada na vida da Santíssima Trindade, através da configuração com o mistério pascal de Cristo. O Batismo é realizado, do modo mais significativo, pela tríplice imersão na água batismal; mas, desde tempos antigos, pode também ser conferido derramando por três vezes água sobre a cabeça do candidato» (CIC 1240). * Unção com o óleo do crisma – «A unção com o santo crisma, óleo perfumado que foi consagrado pelo bispo, significa o dom do Espírito Santo ao novo batizado. Ele tornou-se cristão, quer dizer, ‘ungido’ pelo Espírito Santo, incorporado em Cristo, que foi ungido sacerdote, profeta e rei» (CIC 1241). É pela participação nestas três funções de Cristo, que o cristão/ungido assume as responsabilidades de missão e de serviço que delas resultam.
* Imposição e explicação da veste branca – «A veste branca simboliza que o batizado ‘se revestiu de Cristo’: ressuscitou com Cristo»
(CIC 1243). * Vela acesa – «A vela, acesa no círio pascal, significa que Cristo iluminou o neófito. Em Cristo, os batizados são ‘a luz do mundo’» (CIC 1243). A conclusão do rito batismal – na celebração de crianças – com o Pai-nosso faz-nos reconhecer que o recém-batizado é agora filho de Deus Pai no Seu Filho Jesus e pelo Espírito Santo, a quem ele ousa rezar comunitariamente, a oração dos filhos e dos irmãos. O recém-batizado deixa de ter só uma família humana para fazer parte da grande família da fé, que é a Igreja na qual foi acolhido, aceite e integrado!
 (*) Cf. António Sílvio Couto,
Nesta Igreja que amo e sirvo, Prior Velho: Paulinas 2018, pp. 123-131.

 

António Sílvio Couto



sábado, 5 de janeiro de 2019

Indícios de censura…


44 anos depois a censura está mais viva em Portugal do que nunca. Quem não é da cor dominante – esquerdista, laica e amoral – logo é rotulado de populista, apelidado de não-democrata, defensor de ideias perigosas e fautor de convulsão social…

É deste modo ‘democrata’ que uns tantos iluminados, mas bem protegidos pelas sequelas dialeto-marxistas, olham os outros e quem deles discorda e/ou não se cala nem deixa intimidar.

Órgãos que deviam ser independentes de trejeitos preconceituosos – sindicato dos (ditos) jornalistas, entidade de regulação comunicativa e mesmo certos fazedores de opinião com conotação arrevesada – não conseguem esconder ou dissimular quem, de verdade, os comanda: uma ‘escola’ transnacional que vai manobrando até que possa reinar, manipulando as massas e vivendo à custa da ignorância amorfa das maiorias…consumistas.

Se amordaçarem quem pensa de forma diferente da deles terão explosões (reais, virtuais ou psicológicas) bem mais mortíferas do que as meras palavras de circunstância… sejam lá os programas ou intervenções que forem. Se não deixarem manifestar-se quem pensa (a inteligência não é exclusivo daqueles que pensam só como nós) de forma diferente da deles, em breve serão sacudidos por fenómenos que não dominam. Se não atenderem ao que dizem esses tais que destoam da normalidade (dita) democrática, nunca saberão onde estão os tais ‘inimigos’, pois ao tentarem varrê-los para debaixo do tapete, não os liquidarão pela convicção…antes dar-lhes-ão (mais tarde ou mais depressa) uma espécie de estatuto de heróis perseguidos! 

= Portugal ainda não aprendeu a digerir que a diferença é o constitutivo essencial da democracia. A caminho de cinco décadas da apelidada ‘revolução de abril’ pululam por aí muitos pequenos ditadores – senão reinantes ao menos presumidos – ao seu nível e saltitando em maré de crise. Muitos deles advogam modos de estar e de comportamento que, se vistos pela perspetiva contrária, seriam considerados ofensivos da dignidade dos outros e do respeito mínimo e necessário. 

= Salvo a devida distância – tantos dos termos quanto das atitudes – não podemos continuar a viver sob o signo de certas ‘vacas sagradas’ da nossa democracia. Não há ninguém impoluto nem inatacável. Mais ou menos todos, duma forma ou de outra, têm aspetos reprováveis na execução da vida política e partidária. Só os ditadores se consideram incólumes, pois cada um se vê e vive numa certa circunstância e, por vezes, à luz duma determinada época.

Felizmente, na vivência do cristianismo, há algo que nunca nos envergonha nem deixa de não nos tornar iguais: somos suscetíveis de falhar, de errar, de arrepender-nos e de pedirmos perdão. Esta faculdade humana é um dom do cristianismo, que muitos outros não têm, não aceitam nem usam. A graça de não ser ‘senhor da verdade’ faz-nos (ou devia fazer-nos) muito mais humildes do que presunçosos, criando laços de comunhão e de fraternidade, onde cada um não julga o outro, mas fá-lo grande sem medo de ser ultrapassado pelas suas convicções e conveniências. 

= Temos de limpar estes ignóbeis censores – mais com lápis vermelho do que com adereço azul – da nossa vida coletiva. Abjuramos os donos das consciências e os gurus incontestáveis. Não é mais tempo de tanta tutela para com quem é cidadão como eles. Felizmente na votação não há sócios com votos mais categorizados: o voto, expresso por um analfabeto e o de um catedrático, só vale um. Por isso, quem se julgar senhor ou suserano da democracia está uns séculos atrasado e quase fora de prazo de validade.

Senhores do sindicato dos jornalistas, membros da ERC ou comentadores televisivos (à mistura com membros do governo) quem não seja socialista, trotskista-marxista e afins… ainda não foi expulso de Portugal. Todos temos direito de exprimir a nossa opinião, assumindo as consequências antes, durante e depois! Quando o quiserem fazer – cortarem-nos os direitos básicos – avisem-nos para emigrarmos a ‘bem da nação’! Os velhos dos restelo não morreram todos… nem os adamastores foram exorcizados totalmente!      

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

48 casas penhoradas por dia


Segundo dados publicitados recentemente, até final de novembro, a autoridade tributária já tinha penhorado, por dívidas fiscais, mais de dezasseis mil imóveis…o que dá, em média, a soma de quarenta e oito casas penhoradas por dia.

As ditas ações de penhora incidem não só sobre a casa de habitação/morada da família, mas também sobre lojas, armazéns, quintas e terrenos para construção.

Ao que parece – dado que há interpretações diferentes sobre o articulado da lei de 2016 – não se proíbe que a casa de família seja penhorada pelos serviços fiscais, mas que a casa seja vendida em hasta pública com o despejo consequente dos seus ocupantes…

Para além das casas penhoradas pelos serviços fiscais temos também as casas penhoradas pelos bancos e ainda pelos serviços da segurança social…envolvendo tanto pessoas singulares como empresas. 

= Será digno e justo subtrair a uma pessoa ou a uma instituição a sua casa, seja de morada, seja de exercício da sua atividade profissional ou social? As penhoras – algumas delas já sobre o vencimento ou sobre os bens e mesmo as contas – serão justas ou criam, aquando da sua execução, mais injustiça do que a que tentam resolver? Não estaremos a criar uma nova classe social que são penhorados sem meios de recurso à sua sobrevivência? Porque se chegou a este estado: houve incúria, negligência ou falta de sentido da realidade e das responsabilidades? O polvo tentacular dos interesses consumistas não estará a inferiorizar quem não sabe conduzir-se segundo os seus meios, mas antes fomentando a procura, a ambição e mesmo a capitulação pessoal, familiar e social? Não será uma nova ditadura do faz-de-conta querer passar por rico, deixando por vergonha a incapacidade de gerir o mínimo da sobrevivência?

O carrocel do sensacionalismo da imagem continua a fascinar tantos/as, que, nem depois de vários episódios de fracasso, aprendem a viver de forma sensata, comedida e avisada… 

= ‘Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar’ – Constituição da República Portuguesa, artigo 65.º, n.º1.

Perante este princípio teremos de questionar as penhoras – fiscais, bancárias ou da segurança social – pois, se executadas, podem colocar em risco este direito, mesmo que não se apontem totalmente as condições de obrigação para que tal possa prosseguir. As rendas controladas e compatíveis com o rendimento familiar são algumas das sugestões, entretanto, introduzidas na legislação.

É notório que uma certa política de ‘bairros sociais’ quase só serviu para guetizar alguns setores da população, tornando certos espaços habitacionais propensos à delinquência e à propagação da marginalidade duns tantos contra outros. Com efeito, não basta dar casa, é preciso educar para o seu correto uso, fomentando a aquisição de princípios básicos de convivência social e até do modo como ocupar os espaços da habitação. 

= Se quisermos conhecer alguém precisaremos de entrar na sua casa, com respeito e sem intromissão na privacidade do lar, mas tornando-se bom observador de tudo quanto está visível ou não nos vários compartimentos da habitação. Não será por uma pessoa ter muitos ‘santinhos’ em casa que se pode concluir que é mais cristã do que outra um tanto sóbria, mas podendo apresentar sinais relevantes do seu compromisso cristão. Quase que poderíamos parafrasear: mostra-me como vives na tua casa, que direi, afinal, quem tudo és…

Assim sendo é algo atroz e um tanto desumano privar – de forma temporária ou mais definitiva – alguém da sua habitação/casa/lar, pois será despersonalizar essa pessoa ou tal família, na medida em que se torna vulnerável e suscetível de marginalização.

Verificando-se tantas pessoas a ficarem, por dia, em média, sem casa, estaremos a viver num país feliz, pacífico e com futuro?

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Celebrar, hoje, a ‘epifania’


Ao designarmos cristãmente este dia de ‘epifania’ o que queremos, de facto, dizer?
‘Epifania’ significa ‘manifestação, revelação’, sendo esse momento em que Jesus se revelou aos gentios, isto é, aqueles que não faziam parte do povo de Deus, do povo de Israel.    
Vulgarmente se diz que celebramos, a 6 de janeiro, ‘os reis’, como se os ‘magos que vieram do Oriente’ fossem alguns reis ou aparentados com isso. A narrativa de Mt 2,1-12 apresenta-nos uns tais ‘magos’, que se apresentaram em Jerusalém em busca dum rei que tinha nascido, mas eles não se apresentavam com tal epíteto.
À boa maneira ocidental logo se quis dar nome aos ditos ‘magos’, criando com isso uma função a cada um dos que ofereceram os presentes trazidos ao Menino. Melchior, Baltasar e Gaspar foram identificados já tarde na tradição religiosa cristã e no contexto da Idade Média… atribuindo a cada a entrega dum presente a Jesus: ouro – Ele é rei; incenso – Ele é Deus; mirra – Ele é humano, pois a mirra era usada na arte de embalsamar os corpos após a morte…
Quando vemos certas manifestações folclóricas à volta deste dia – normalmente fixado a 6 de janeiro – não se estará (mais uma vez) a tirar proveito das coisas religiosas para o nosso mundo tantas vezes sem Deus? Os presentes dados e recebidos não serão mais interesseiros e menos despojados de cariz materialista?
Se atendermos à antífona do magnificat das vésperas da solenidade da Epifania diz-se – recordamos neste dia três mistérios: hoje a estrela guiou os Magos ao presépio; hoje, nas bodas de Caná, a água foi mudada em vinho; hoje, no rio Jordão, Cristo quis ser batizado para nos salvar.
Temos, assim, que na celebração da Epifania somos chamados a contemplar três momentos de revelação de Jesus: aos magos (gentios), aos judeus no batismo e aos discípulos, nas bodas em Caná.
= Qual foi a linguagem que usaram os ‘magos’ para se entenderem com Jesus e Maria, na visita ao presépio? Sendo de nações diferentes e com culturas diversas, como terão ‘falado’ uns com os outros? As palavras trocadas entre eles foram captadas numa linguagem humana ou no sentido das coisas divinas?
Dado que estamos nos primórdios do cristianismo e em que os sinais carismáticos estão muitos vivos, muito presentes (sensíveis e audíveis) na comunidade dos irmãos, talvez não seja difícil de caraterizar com algum canto em línguas – essa linguagem dos pequeninos em Deus – que, duma forma tão simbólica, representam os ‘magos vindos do Oriente’. Eles foram em busca de Jesus e ao encontrá-Lo terão ficado radiantes de alegria, exprimindo-se duma forma simples, sincera e humilde. Com efeito, é isso mesmo que se pretende com a celebração da ‘epifania’ do Senhor: desmontar a complexidade duma religião que estava ao sabor mais das leis e preceitos do que servindo o Deus verdadeiro.
Também nós, hoje, precisamos de desmontar alguns artifícios religiosos, que se vão acumulando na vivência dalguma liturgia, mais saudosista doutros tempos e menos atenta aos sinais dos nossos tempos. Tal como os ‘magos’ precisamos de sair das nossas certezas de fé para entramos na aventura da esperança, segundo o Espírito Santo. Tal como os ‘magos’ é chegada a hora de abrir os nossos tesouros e de oferecermos a Jesus os presentes que Ele espera e precisa.
Queira Deus que, na condução do Espírito Santo, vivamos a epifania deste ano de forma nova e renovada na Igreja católica.

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Tendências de bricolage espiritual… à la carte


Sob a confluência de diversas tendências vemos que, hoje, se manifestam múltiplas formas de religiosidade individualista, onde cada um se serve do que lhe interessa, desde que se sinta (mais ou menos) bem… e que possa tomar das diferentes expressões religiosas – desde as mais tradicionais até às menos institucionais – o que lhe dá gosto ou fornece resposta às suas pretensões.

Os novos ‘mestres’ podem ser gurus à medida das pretensões manifestadas, nessa tendência de cada um ir fazendo e resolvendo, conforme a sua habilidade… Importa que cada um possa usar o que está no mercado, aliando um certo jeito para remendar o que possa resolver as questões mais urgentes, sejam reais ou efabuladas…

A panóplia de recursos sugeridos é significativa, juntando o que há de mais antigo ao que surgiu no escaparate recente. Músicas – algumas delas exotéricas e ambíguas – misturam-se com escritos com boa apresentação. Faz-se o recurso a anjos e a santos, com uma pitada dum certo espírito santo (pouco ou nada trinitário) ou harmonizações com macumbas, feitiçarias e bruxarias. São fornecidas indicações para sucessos rápidos e truques mais ou menos subliminares, sem esquecer sugestões para interpretar ‘mistérios’ pessoais, familiares ou socioculturais. Faz-se a apologia de ‘orações’ poderosas, que mais não são do que rezas encriptadas para seduzir e entreter quem possa estar em aflição… Bastará consultar um ficheiro onde estes e outros temas possam aparecer e veremos uma multiplicidade de respostas, onde cada um cozinhará a sua alimentação…mesmo que esta possa ser tóxica e que venha a criar dependência psicológica e espiritual. 

= Qual a razão para vermos e vivermos sob a influência desta razoável tendência de bricolage espiritual? Esta nova vaga – mais abrangente do que a ‘nova era’ – será, assim, tão normal e desconexa do resto da nossa cultura hodierna? As religiões e igrejas tradicionais já levaram a sério esta vaga de confronto? Será que bastará ignorar ou negligenciar para que o assunto se resolva? A quem interessa valorizar indiferenciadamente isto e o resto (as religiões do Livro), se não se identificar os autores, fautores e executores? Porque vão enriquecendo os ‘autores’ deste fenómeno e não se investigam as fortunas – numa boa parte livre de impostos – que auferem? Será esta bricolage espiritual só resultado da pesquisa na internet ou revela algo mais sobre a falência de outros fenómenos religiosos clássicos…evangélicos e carismáticos? 

= Estas e outras questões podem ser colocadas sobre algo que, por ser tão recente e imediatista, pode fascinar quem esteja mais fragilizado, sobretudo, emocionalmente, em sofrimento ou a precisar duma resposta sem ter de se identificar totalmente. Este serviço ‘à la carte’ serve para o que serve e vale enquanto vale. Há, no entanto, questões sobre a mudança cultural que está subjacente a esta nova religiosidade e que exalta mais o ‘eu’ do que o ‘nós’: aquele faz-se (ou torna-se) o centro de todo o relacionamento estre as pessoas, que são menosprezadas ou só valem enquanto interessam ao ‘eu’.

O questionamento sobre as religiões reveladas – temos em conta duma forma especial as do Livro: judaísmo, cristianismo e muçulmanismo – é, assim, visto como algo que pode fazer perigar não Deus, mas o homem, que se pretende fazer deus de si mesmo e impor aos demais como a fonte e a meta de tudo. Este excessivo imanentismo vem fazendo um percurso lento, mas progressivo. Mais do que um olhar para fora e para o Além, teremos um homem/mulher enrolado sobre si mesmo e em busca de se satisfazer nesta dimensão de mundo em que vive fechado, egoísta e quase misantropo.  

= Eis, por isso, chegada a hora duma séria, serena e sincera reflexão sobre qual a espiritualidade que estamos a seguir, pois há fortes sinais de que muitos dos cristãos/católicos mais ou menos praticantes são-no em função dessa bricolage à la carte com que frequentam os cultos, os ritos e os sacramentos, na medida em que misturam, conforme lhes convêm, a frequência com outros locais onde lhes é dada uma religiosidade mais emotiva e de adesão de curta duração. A leveza ou a leviandade com que se trocam momentos de fé por atos sociais secundários não será disso sintoma? Como se pode ser evangelizado se não há continuidade nem compromisso? Falta muito para que se note uma nova evangelização com raízes e consequências…na vida!        

 

António Sílvio Couto