Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 30 de julho de 2019

Porque morre tanta gente nas nossas estradas?


Os dados são incríveis e despudoradamente tristes: em 2018 morreram nas estradas portuguesas 513 pessoas, em 132.378 acidentes…verificando-se um crescendo contínuo desde 2016 com 445 vítimas mortais e em 2017 verificou-se um total de 510. De referir ainda o crescimento progressivo de peões atropelados de forma fatal: 105 em 2018 num aumento de 4% em relação ao ano transato.

Com estradas melhores e com uma pretensa maior segurança rodoviária como se podem entender estes números? Atendendo à significativa melhoria das viaturas, onde está, então, o maior risco? Como de pode explicar que, tendo regredido nos anos anteriores, esta ‘batalha’ nas estradas esteja novamente a ceifar mais vidas? Os fatores humanos não serão mais importantes do que as condições materiais? Cada utente das estradas – condutor, peão ou noutra circunstância – já terá interiorizado que a possível desgraça não está dependente dos outros mas de si mesmo? Apesar de todas as regras, códigos ou sanções, já teremos conseguido transpor para a estrada a mais elementar educação cívica, social e ética? 

= Sem qualquer pretensão de apresentar ‘lições’ deixo a citação do decálogo dos condutores, num documento da Santa Sé, de 20 de junho de 2007:

«1. Não matarás;

2. A estrada seja para ti um instrumento de comunhão, não de danos mortais;

3. Cortesia, correção e prudência ajudar-te-ão;

4. Sê caridoso e ajuda o próximo em necessidade, especialmente se for vítima de um acidente;

5. O automóvel não seja para ti expressão de poder, de domínio e ocasião de pecado;

6. Convence os jovens e os menos jovens a não conduzirem quando não estão em condições de o fazer;

7. Apoia as famílias das vítimas dos acidentes;

8. Procura conciliar a vítima e o automobilista agressor, para que possam viver a experiência libertadora do perdão;

9. Na estrada, tutela a parte mais fraca;

10. Sente-te responsável pelos outros». 

Em qual destes ‘pecados’ mais incorro em infração? Em que é que tenho de corrigir-me, quando ando na estrada, tanto como condutor ou como peão? Como poderemos, na estrada, manifestar-nos mais do que bons cumpridores do código respetivo? Já nos apercebemos que é na estrada que manifestamos muito daquilo que somos, mesmo sem nos darmos conta? 

= Efetivamente no nosso país conduz-se mais ou menos mal e até admira que não haja mais acidentes. Muitas das vezes o carro não passa do prolongamento de algum complexo ou de algum trauma mal resolvido ou até revela a pessoa que está em conflito no/a condutor/a. Certas atitudes na estrada revelam que há muitos/as condutores/as que se acham no dever de impor aos demais as lutas interiores em diversos âmbitos, desde os mais facilmente detetáveis até à complexa dimensão fálico-psicanalítica. O poder de ter um volante nas mãos como que se torna uma conquista sobre os seus medos ou recalcamentos. À agressividade tantas vezes manifestada deve reportar-se a condução defensiva, isto é, em que antes de provocar algum acidente devemos preveni-lo ou evitá-lo…com sabedoria, arte e engenho. 

Ainda recentemente percorri mais de mil e seiscentos quilómetros em estrada e não vi nenhum acidente. Considero uma sorte nem sempre fácil de vivenciar, pois, noutras situações, bastará sair à rua para vermos a amálgama de erros, de infrações e mesmo de transgressões graves… de condutores e mesmo de peões.

Neste tempo que alguns reputam em termos conseguido um maior ou menor sucesso económico é bom de ver quantas máquinas poderosas em mãos nem sempre bem preparadas para as conduzirem. A velocidade é, na maior parte dos casos, inimiga da segurança, assim como a falta de destreza pode ser um engulho para quem se cruza com algum inepto na arte de guiar.

Será que me conheço ou dou a conhecer quando ando na estrada? Um pouco mais de atenção não faz mal!

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Irritações por causa dos incêndios


Bastaram dois dias de incêndios, em três concelhos da região centro/interior do país, para subirem de tom as trocas de acusações sobre a taxa de responsabilidade – real, presumida ou conveniente – sobre o que já correu mal.

É cíclico este filme: uns dizem que fazem tudo, outros argumentam que se verifica o seu contrário e outros ainda sentem-se agastados com as culpas aduzidas à mistura com a incontornável falta de meios.

O verão ainda é uma criança e o espetáculo vai-se alimentando à custa de milhares de hectares de floresta ardida. Se tivermos em conta os números referidos envolvidos no combate às chamas como que poderemos considerar que algo vai bastante mal: milhares de pessoas – entre bombeiros, outras forças e muitos coordenadores – surgem nas notícias, mas, de facto, custa a crer em tal mobilização, pois as chamas crepitam sem haver quem as detenha. Aviões, helicópteros, carros de bombeiros e de forças da ordem, da (dita) proteção civil e de segurança…e os efeitos custaram a aparecer. Briefings e comentários, diretos e declarações, análises e projeções…e as consequências são as mesmas dos anos transatos.

O que mais custa a aceitar é que ninguém assuma as suas culpas: uns estão no piso superior da imputação; outros sentem-se sem capacidade de assunção de responsabilidades, tais são os meandros da fuga, da inoperância e mesmo da incompetência; alguns preferem apontam o dedo aos de baixo, pois sabem que parecem superiores à vulgaridade dos poucos que ainda habitam naquelas paragens atingidas; muitos dos que perderam materialmente tudo – para já ainda a vida escapou – não conseguem ter a coragem de se insurgirem contra quem os abandonou como cidadãos dum país de classe inferior; poucos, muito poucos, se assumem como voz tribunícia da denúncia profética e de serem capazes de não se deixarem amordaçar por interesses nem sempre claros nem assumidos… 

= Numa espécie de provocação valeria a pena traçar uma linha vertical entre Chaves e Faro – colocando dentro dessa mancha cidades como Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Covilhã, Portalegre, Évora e Beja – e veríamos a forma como este interior do país tem sido tratado pelas mais diferentes entidades públicas e privadas, académicas ou associativas, empresariais ou laborais… para vermos que esta faixa interior é esquecida, ofendida e ultrajada por tantos que deviam gerar a inclusão e não o ostracismo…

Sem qualquer empolamento poderemos considerar que as estruturas ligadas à Igreja católica – dioceses e paróquias – são das poucas que resistem em votar ao abandono tais populações por muito poucas que ainda sejam… Nessa região abandonada porque não dá muitos votos e só lembrada quando há tragédias, há pessoas que merecem respeito, dedicação e capacidade de igualdade de oportunidades, de viverem como os do litoral e de serem cidadãos com direitos não-espoliados.

Façamos um exercício de cinismo: se vendêssemos (ou meramente cedêssemos) esta faixa de território à vizinha Espanha, certamente os que agora ali vivem seriam melhor cuidados, teriam mais atenção e poderiam considerar-se europeus de corpo-e-alma, coisa que até agora não parece sentirem. 

= A pior das constatações é essa de que muitos dos agora litoralistas têm raízes nessa região do país e hipocritamente dizem regressar às origens, quando querem viver as festas mais rituais do natal e das coisas populares mais ancestrais. É vergonhoso que uma boa parte dos dirigentes da capital se esqueçam com tanta facilidade das suas raízes e se tornem a descrença daqueles que os viram nascer.

Cada ano, pelo verão, os incêndios fazem lembrar, ao resto do país, que há muitos portugueses que são esquecidos, embora sejam tanto ou mais dignos do que os habitantes das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Cada ano, quando emergem os incêndios, vemos que há pessoas que amam a sua terra, mas que não merecem dos políticos da capital mais do que considerações de negligência para com as suas dificuldades em terem saúde, educação, segurança (social e de policiamento), justiça…iguais os que cativam os votos e fazem barulho reivindicativo.

Senhores da capital – políticos, legisladores, dirigentes partidários, militantes dos partidos, sindicalistas ou mesmo bombeiros – não se esqueçam. O Portugal profundo não pode ser afundado por incúria ou por má-fé!

    

António Sílvio Couto

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Prometer o que não se fez…antes


Daquilo que se vai começando a saber das promessas eleitorais dos vários concorrentes começa a notar-se uma linha mais ou menos percetível e constante: promete-se para a peleja eleitoral aquilo que anteriormente foi insucesso de execução…

Áreas como a saúde ou os impostos, mas também questões de justiça ou de educação surgem entre as inúmeras promessas de futuro, mas que não passavam de incumprimentos no passado recente.

Tudo seria mais leal e sincero, se todos os intervenientes prometedores assumissem que aquilo que agora trazem à liça para poder fazer fosse rastreado com dados mais objetivos e sem subterfúgios ideológicos de conveniência. Com efeito, a polarização da nossa vida coletiva tem vindo a dividir-nos mais do que a esclarecer-nos: num passado não muito recuado as posições de alguns fatores de esquerda eram capazes de ajudar a ver de forma desigual; nos últimos quatro anos, conforme o posicionamento partidário, assim se foram alinhando as posições mais do que as ideias… 

= No caleidoscópio da política à portuguesa vamos vendo situações de partidos que tiveram sorte diferente noutras paragens europeias: alguns simplesmente desapareceram, outros titubeantemente vão sobrevivendo e outros surgiram como fenómenos novos, reveladores de outras leituras sociopolíticas.

Aos problemas diferentes não se pode continuar a responder com propostas antiquadas. Questões como a biodiversidade ou a sobrevivência ecológica do Planeta precisam de novos enquadramentos, de respostas ousadas e de soluções adequadas. Novas situações de âmbito laboral não podem estar submetidas a um sindicalismo do século dezanove.

– Será que a velha e ultrapassada leitura dialético-marxista consegue inventar outras formas de luta, que não as fraturantes de capital e de operariado? Como poderá o trotskismo rever a sua ditadura de proletariado se já não há prole (sem filhos) e o egoísmo das pessoas não se regula pela mentalidade de coletivo anónimo, piramidal e ditatorial? Como serão as garras socialistas capazes de fazer o ‘estado-patrão’ uma sociedade onde conte também a iniciativa privada, não como contrapoder, mas enquanto capacidade complementar das perspetivas estatais?

– Como será conjugada a força do dinheiro com a dinâmica do serviço? Como poderá sobreviver o ‘estado-social’ sem o contributo dos impostos diretos ou indiretos, mesmo que camuflados de taxas, cativações ou reversões de conquistas, regalias e direitos adquiridos? Será necessário tanto tempo de trabalho para conseguir o mesmo resultado? E do resto que já não é usado, haverá um novo emprego ou alguma aposta na valorização da ‘força de trabalho’, entretanto, dispensada?

– Até onde irá a ousadia no campo laboral, sabendo que muitas das tarefas de ocupação do tempo serão escusadas ou até mesmo inúteis para que todos tenham ocupação, poder-se-á, então, apostar em ações em favor da natureza, de forma solidária, gratuita e mais altruísta? A valorização dos fatores ambientais não poderão ser as novas formas de voluntariado, educado desde a mais tenra idade? Questões de punição em matéria de defesa, de conservação e de promoção em favor da natureza não poderão abranger, pelo contrário, ações de educação cívica, associativa, municipal e de vizinhança?  

= Nunca como agora precisamos de fazer confluir as ideias, as intenções e pretensões de tantos e de todos sobre os enganos, as falcatruas e os erros de tão poucos. De facto, não podemos continuar reféns de dirigentes sem qualidade, de decisores suspeitos ou de executores corruptos. O prolongamento de certos atores revela a má qualidade da peça em representação. O palco exige que mudemos de guião e que nos possamos alegrar por sermos dirigidos por responsáveis que servem e não se servem, que estão a pensar nos outros e não a enganá-los, que colocam o melhor que são ao serviço de todos e não só aos da sua coloração… ideologia ou sensibilidade mais ou menos secreta.

Porque acredito que ainda temos futuro e que podemos continuar a ser um país-nação digno dos seus antepassados, considero que não será digno de merecer o meu voto quem tenta prometer aquilo que já devia ter feito antes porque o prometeu, mas falhou. Promessas leva-as o vento. As obras falam por si…sempre!  

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 17 de julho de 2019

União Europeia – muda de rumo ou só de protagonistas?


Numa parcela da Humanidade que alberga mais de quinhentos milhões de cidadãos, num espaço territorial com uma diversidade cultural, histórica e linguística, numa configuração sociopolítica cada vez mais diversificada, a União Europeia está a viver uma nova etapa no rumo de mais de sessenta anos…de paz, de alguma prosperidade económica e de razoável segurança social, de trabalho e quase militar.

Atendendo às raízes constitutivas da agora designada ‘União Europeia’ – já foi chamada Comunidade Europeia do carvão e do aço e de Comunidade Económica Europeia – aglutina 28 estados-membros.

Se tivermos em conta entre os pais-fundadores deste projeto encontramos alguns abertamente cristãos: Konrad Adenhauer, Jean Monnet, Robert Schumann, Altiero Spinell, etc.  

Por entre as várias vicissitudes ideológicas que a Europa viveu nos tempos após-segunda guerra mundial, foram atravessadas pela falência de várias ideologias – queda do muro de Berlim, em 1989; implosão da maior parte dos partidos marxistas, trotskistas e até socialistas; focos de tensão étnico-racial; emergência de tendências populistas de direita com alguma esquerda encapotada – fomos assistindo a fenómenos de empobrecimento de participação dos mais novos nas decisões coletivas à mistura com uma razoável a-moralização perpetrada por lóbis transnacionais de pendor anticristão…

Nem o ‘mea culpa’ de alguns políticos ainda no ativo – na segunda geração de dirigentes – consegue atenuar o desagrado geral de quem sente que a União Europeia é um projeto inacabado, que não está fechado e tão pouco são irreversíveis as possíveis conquistas, entretanto, usufruídas. Muitos dos mais novos – situemo-nos na franja dos que têm menos de vinte e cinco anos – não tiveram de fazer grande esforço para integrar este grande espaço onde a democracia tem sido mais ou menos apanágio dos povos e dos governos. 

= Mesmo que podendo ser questionada, a UE continua a ser um motor essencial para a vida de milhões de pessoas naquilo que têm na (pretensa) qualidade de vida e nas aspirações para com o futuro próximo. Quando tantos como que prognosticavam a falência deste projeto sociopolítico, tantos outros lutam e almejam não satisfazerem os desejos derrotistas duma faixa significativa de pessimistas, vencidos e saudosistas do quanto pior melhor…tanto à direita como à esquerda.

Nunca como antes a Europa viveu em clima de paz como na vigência da UE. Nunca como antes foi possível articular povos, outrora, desavindos ao norte como ao sul e mesmo no centro do conjunto dos países que compõem a UE. Nunca como antes países pequenos tiveram voz como os países considerados médios e os grandes, criando, por vezes, condições para que saíssem das suas fileiras altos responsáveis das várias instâncias que compõem a UE. Nunca como antes as ideologias se foram articulando mais em função dos interesses comuns – dos cidadãos e dos países – do que das fações transversais, nos diversos momentos de decisão da UE.   

= Este grande espaço do Planeta Terra, que é a UE, funciona, acima de tudo, como um grande e profícuo areópago cultural, onde se misturam tantos e tão díspares países e nações, línguas e dialetos, sucessos e revezes, dúvidas e expetativas, promessas e conquistas, conservadores e utópicos, materialistas e teístas, incréus e vanguardistas, mentores da (pretensa) raça pura e criadores de mestiçagens, abertos aos emigrantes e retrógrados na sua aceitação… A UE é isto e muito mais, mas poderá ser ainda melhor se soubermos mais confluir para aquilo que nos une do que para aquilo que nos possa separar, agora como no futuro próximo.

Não podemos ignorar nem camuflar a base de tudo isto: a profunda e altíssima cultura cristã, que fez germinar o projeto e que quase sempre o tem salvaguardado, quando sobre ela pairam nuvens mais ou menos tenebrosas, seja pelas ideias, seja pela prática dos valores impressos nas mentalidades dos cidadãos, dos governantes e até dos emigrantes…

A UE tem futuro se todos nos comprometermos neste auspicioso caminho que já nos trouxe tantos benefícios. Urge, no entanto, rever os indícios de quem só quer o que lhe é favorável – sobretudo certos populistas de esquerda e de direita – mas reclama daquilo para o qual nunca fez nada por ser melhor e mais participativo. Não será com espetáculos ‘arco iris’ que mobilizaremos os mais novos. A UE tem futuro!         

 

António Sílvio Couto


segunda-feira, 15 de julho de 2019

Sugestões desportivas…para equiparação de ‘género’


Tem sido uma luta ferozmente travada pelos setores que esgrimem razões para a equiparação de ‘género’. Este termo é tanto recente, quanto antigo, pois as línguas clássicas (particularmente latim e grego) incluíam na sua organização substancial três ‘géneros’: masculino, feminino e neutro… e este não é (era) a inutilização de nenhum dos anteriores, antes era referido, sobretudo, na referenciação às coisas ou seres inanimados…

Traçando ainda as linhas desta reflexão: a maior parte dos desportos de equipa – atendendo aos mais conhecidos/praticados e por ordem alfabética – constituem-se em número ímpar – andebol: sete em campo; basquetebol – cinco em jogo; futebol clássico – 11; futebol de salão (futsal) – seis; hóquei em patins: cinco; rugby – treze ou sete na modalidade ‘seven’; voleibol – seis…

Porque teremos de continuar a ter equipas masculinas e femininas? Não será mais correto incluir, sem exclusão os vários géneros, as ‘afirmações’ de ‘género’ com que somos tantas vezes matraqueados por certa comunicação social ‘arco-íris’? Os ronaldos e os messis, os neymares e as martas terão lugar em que equipa? Como seriam os contratos, até agora milionários? Haverá capacidade para incluir tudo isto sem entrarmos num ridículo mínimo, suficiente e razoável?   

Para que houvesse uma (pretensa) igualdade de género, as equipas deveriam ser constituídas por elementos dos diferentes géneros ou estaremos a ostracizar quem não seja incluído. Ora, atendendo à composição das equipas dos desportos citados algo teria de mudar, fazendo com que houvesse – ao menos elementos pares ou emparelhados – na sua composição… A reconfiguração teria (ou terá) algo de inovador, senão na ousadia ao menos nalguma patetice histórica, social e cultural!

Ainda faltaria ter em conta as cotas para os que não se asseguram (aceitam, afirmam ou reivindicam) nem como masculino nem como feminino, pois a possibilidade de virem a integrar uma qualquer modalidade é hipótese não-descartável…

Eis algo factual em que teremos de estar prevenidos para as mudanças que advirão desta pretendida equiparação de género, situada noutros campos de atividade, deixando sempre em aberto a possibilidade de haver quem queira fazer valer a sua categoria de género…diverso ou ocasional. 

= Muito mal vai uma civilização que se deixa conduzir pelas meras tendências sexuais, mesmo que devam ser respeitadas. Mal vai uma cultura que enfatiza a significação de uma pessoa não pela sua qualidade humana, intelectual e emocional, mas obedecida pelo (possível) divã de psicanálise e/ou enferma de preconceitos, de tabus e mesmo de traumas. Pior será ainda uma sociedade onde a diferença se faz suplantar à normalidade, desde a mais serena, séria e sensata até à mais inconformada, chamativa e (até) rebelde.

É pena que as paixões de uns tantos/as se pretendam impor àquilo que vai sendo a correta vivência da sexualidade ao nível pessoal, familiar e em sociedade. Não podemos permitir que os fantasmas saídos do armário venham a governar, a influenciar e a manipular a normal, objetiva e sensata convivência entre todos.

O respeito pela diferença tem de ser recíproco entre todos os intervenientes nesta como noutras questões, onde a sanha ideológica não se pode sobrepor à diferença de quem não é como aquilo que pretendem defender ou impor… Parece ser longo e árduo o caminho de todos!  

= Tal como noutras etapas da história da humanidade – rotuladas de crise ou de perda e/ou de inversão de valores – assim agora estamos a necessitar de algo que possa purificar este ambiente de morróida social agravada. Urge denunciar a ideologia de género que pouco mais quer do que ratificar as suas posições – seja qual for o sentido ou o estado…de saída ou de chegada – à força não da convicção, mas da coação. Com efeito, certos espetáculos de rua – nas ditas manifestações do ‘orgulho’ – deixam muito a suspeitar sobre a seriedade das intenções atuais e para o futuro. Efetivamente questões sérias não se tratam nem se cuidam com essas bandeiras arco-íris nem com o recurso a vestimentas de faz-de-conta…

Há problemas – digo de conhecimento – que não precisam de tais argumentações, mas de formas de acolhimento, de diálogo e mesmo de solução em que as pessoas possam ser tidas na sua individualidade, acrescentando e não diminuindo a valorização de cada pessoa, que precisa de escuta, de ajuda e de aceitação.

 

António Sílvio Couto

sábado, 13 de julho de 2019

Dimensão comunitária no tempo carismático


Nas cartas paulinas encontramos vários textos que nos fazem refletir na dimensão comunitária para que possam ser acolhidos, exercidos e vividos os diversos dons carismáticos: 1 Cor 12,4-11; 14,26-40; Ef 4,11-13; Rm 12, 3-8.

Nesta nossa abordagem à dimensão carismática dos cristãos queremos centrar a nossa atenção na referência comunitária, pois é desta e nesta que a vivência dos dons carismáticos têm significado e ganham consistência, dado que é com os irmãos/ãs que os dons carismáticos são descobertos, confirmados e exercidos. Com efeito, ninguém vive os dons que Deus lhe concedeu para a edificação da Igreja-assembleia, se isso não foi vivido em Igreja-comunidade.

Para refletir sobre este aspeto comunitário dos carismas servimo-nos de Rm 12,3-8. Na primeira parte deste capítulo (vv.1-2), São Paulo começa por acentuar a necessidade da conversão da mente – ‘transformai-vos pela renovação da mente’ (12,2) – para saber discernir a vontade de Deus, segundo um culto espiritual que não se conforma com os critérios deste mundo. As orientações que Paulo dá à comunidade de Roma situam-se na linha de corrigir possíveis erros de conduta no exercício dos dons carismáticos… tal como fizera para com a comunidade de Corinto. 

«3 Em nome da graça que me foi concedida, eu digo a cada um de vós: não tenhais de vós mesmos conceito maior do que convém, mas um conceito justo, de acordo com a fé, na medida que Deus concedeu a cada um. 4 Num só corpo há muitos membros, e esses membros não têm todos a mesma função. 5 O mesmo acontece connosco: embora sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo, e, cada um por sua vez, é membro dos outros. 6 Mas temos dons diferentes, conforme a graça concedida a cada um de nós. Quem tem o dom da profecia, deve exercê-lo de acordo com a fé; 7 se tem o dom do serviço, que o exerça servindo; se do ensino, que ensine; 8 se é de aconselhar, aconselhe; se é de distribuir donativos, faça-o com simplicidade; se é de presidir à comunidade, faça-o com zelo; se é de exercer misericórdia, faça-o com alegria».

S. Paulo escreve à comunidade dos irmãos em Roma, que ele não conhecia pessoalmente, mas a quem traça as linhas principais do ser cristão…numa redescoberta comunitária, alicerçada nos princípios bebidos no primeiro testamento. Paulo realça a vertente da comunidade como corpo vivo no Espírito Santo. Aquilo que Paulo faz, realiza-o em razão da graça e da autoridade que lhe foi concedida, referindo aos seus irmãos que todos sejam humildes – ‘não tenhais de vós mesmos conceito maior do que convém’ – sentindo-se membros uns dos outros e que se comportem como ‘um só corpo em Cristo’ e em cada um é, ‘por sua vez membro dos outros’.

À semelhança do que acontece em 1 Cor 12,7 – ‘a cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum’ – assim, nesta passagem aos romanos, S. Paulo traça o critério básico essencial de avaliação dos dons carismáticos: ‘temos dons diferentes, conforme a graça concedida a cada um de nós’. As palavras ‘graça’ e ‘carisma’ têm a mesma raiz de ‘Cristo’, isto e´, são bênçãos divinas recebidas para edificar a comunidade dos irmãos.

Eis os carismas – diferentes, diversos e conjugados – que Paulo apresenta para análise daquela comunidade/Igreja, que está em Roma: dom da profecia, dom do serviço, de ensino, de aconselhar, de caridade, de presidência e de misericórdia. Basicamente poderemos considerar que havia dons carismáticos a quatro níveis – da ‘palavra’: profecia e ensino; da ‘presidência’ e de conselho; e da ‘caridade’ ou ao serviço dos mais necessitados: serviço, caridade e misericórdia… Talvez valha a pena ler em paralelo a esta lista de dons carismáticos a hierarquia de ministérios apresentada em Ef 4,11: ‘e foi Ele que alguns constituiu como apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres’. Será na comunhão de um só Espírito pela diversidade dos vários serviços (dons e carismas) que a comunidade-Igreja se edificará para glória de Deus neste mundo. 

Vejamos, então, os atributos de cada um dos dons carismáticos de Rm 12,6-8…reportando-nos à nossa vivência atual ou à sua ausência:

* quem tem o dom da profecia deve exercê-lo de acordo com a fé;

* se tem o dom de serviço, que o exerça servindo;

* se [é o] do ensino, que ensine;

* se é [o dom] de aconselhar, aconselhe;

* se é [o dom] de distribuir donativos, faça-o com simplicidade;

* se é [o dom] de presidir à comunidade, faça-o com zelo;

* se é [o dom] de exercer misericórdia, faça-o com alegria.

Atendendo às caraterísticas apresentadas talvez valha a pena ver as consonâncias entre os dons carismáticos e as virtudes humanas/cristãs que são consideradas essenciais para a correta vivência comunitária. Assim, a presidência exige zelo e, como agora se diz, cuidado pastoral. Por seu turno, a ação profética coloca a quem o faz um nível superior, porque humilde e verdadeiro, de fé. O ministério de ensino não pode ser algo que dá lições, mas que faz crescer os irmãos na maturidade da fé. As três dimensões da caridade aqui referidas – serviço, partilha e misericórdia – colocam no seu exercício qualidades tão essenciais como a simplicidade – distribuir donativos não pode ser uma ação social com tiques de superioridade – e de alegria, pois se dá a quem precisa, como sendo presença fragilizada de Cristo…

A terminar: diante deste texto bíblico façamos a nossa avaliação para nos analisarmos sobre as condições comunitárias que possam fazer surgir, viver e servir a Igreja-comunidade em que estamos inseridos!

 

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Governo está a encarrapichar ou a encarapitar?


Nos sinónimos do dicionário encontramos para ‘encarrapichar’: encher-se de capricho, fazer carrapichos ou bucres (anel que se faz no cabelo). ‘Encarapitar’ tem como sinónimos: passar para um lugar elevado, mover para cima, instalar-se num lugar mais alto, subir, trepar…

Ao nível popular podemos ouvir: ‘encarapinchar’… que seria um misto entre os dois termos, com a significação de que alguém está a encher-se de brios, cuidando das suas coisas para se destacar diante dos vizinhos e concorrentes… o que no comportamento popular pode roçar o bairrismo entre povoações.   

Poderá ser neste misto dos termos com o acintoso da vivência popular que poderemos caraterizar algumas das iniciativas do ‘governo da geringonça’, que reinou nos últimos quatro anos em Portugal.

Não deixa de ser simbólico que o termo ‘geringonça’, cunhado pelos adversários para ridicularizar a confluência dos intervenientes para a solução governativa encontrada, se tenha colado com uma certa facilidade, não tanto nos aspetos negativos, mas mais naquilo que foi conseguir harmonizar sob o mesmo chapéu quem se digladiava pelo mesmo quinhão de eleitores… Até agora funcionou por entre arremedos, louvaminhas e sucessos…reivindicados.   

= Quais os indícios de que o governo está a encarrapichar-se? Que sinais são dados de que se poderá encarapitar? Até que ponto é que os meses (três) que medeiam para as eleições vão ser usados para se encarapinchar? Quem serão os intervenientes para que tais preparos se notem mais ou sejam subtilmente dissimulados? A quem interessa prolongar esse estado de conluio em tantas das façanhas promovidas, realizadas ou propagandeadas? Como irá reagir quem não seja envolvido no espetáculo já anunciado? Tal como noutras ocasiões, quando se descobrirá que o estado foi capturado pelos anseios partidários de certas fações ideológicas, pseudo-republicanas e assaz agnósticas? Será que a falange de servidores deixará cair quem os promoveu?     

= Sem ousarmos responder às questões colocadas a esmo, fica a sensação de que, quando há dinheiro, é fácil distribuir, mas perdido o controle do saco, será um tanto mais complicado continuar na crista da onda, como o surfista em maré de vitória. A fabricação de ilusões veio com a propaganda de que a austeridade foi exorcizada. Não há maior engano. À semelhança do texto bíblico, bem depressa poderemos constatar que este ‘espírito mau’ voltará com mais força e revestido de um poder de complexo combate.

Depois de terem aprendido a fazer as contas certas e de ser feito panegírico de tal façanha, seremos assaltados pela compensação degustada em forma de impostos encapotados, de forma crescente e ao sabor dos intentos de quem manipula. Como dizia um comentador sobre a atuação situação sociopolítica: há problemas laborais (saúde, transportes, educação, etc.), há lacunas e conflitos, nunca como agora se pagou tantos impostos, mas o povo dá a impressão que se sente feliz, sem olhar às dificuldades, pois sente a tilintar de mais dinheiro ao final do mês…mesmo que isso possa ser efémero, breve ou enganoso. 

= Depois de centenas de mortos causados pelos incêndios – 2017: junho 107; outubro: 45 – nada aconteceu. O governo continuou em funções como se duma epopeia estivesse a sair. Vimos pessoas perderem tudo e só uns tantos auferiram ajuda, sabe lá a troco do quê. O governo atirou dinheiro para cima das questões e lavou as mãos, sem querer saber totalmente como foi administrado o gasto.

Neste lapso de quatro anos o país ganhou o europeu de futebol em seniores, os juniores também se tornaram campeões e até o hóquei em patins saiu da tumba das derrotas. Mas – pasme-se! – uma cantiguinha de classe medíocre suplantou o resto das outras e ganhou o festival da eurovisão… Tudo isto no lapso de breves dias. O governo foi-se colando aos sucessos alheios para os fazer seus…por arrasto ou por arresto!

O desemprego caiu para uma faixa quase residual. O turismo enxameou o país, com vagas de procedentes dos espaços mais invulgares, enquanto uns tantos se abotoavam com casas de pseudoturismo… até um dia!

Agora que caminhamos para a avaliação final, torna-se urgente saber que país queremos: um fotogénico, embora em colapso ou um país que seja verdadeiro e com sentido das responsabilidades…atuais e futuras?


António Sílvio Couto




quarta-feira, 10 de julho de 2019

Vício do jogo gasta 8,5 milhões por dia


Segundo dados da entidade promotora dos jogos de apostas, os portugueses gastaram três mil milhões de euros em jogos, em 2018, o que se traduz em 8,5 milhões de euros por dia.

As vendas totais dos ‘jogos santa casa’ conferem que houve 1.880 milhões de euros em prémios, ou seja, que os portugueses gastaram 36 milhões de euros por semana.

O jogo mais popular é o da raspadinha com 51% das preferências, seguindo-se as propostas de apostas mútuas (euromilhões, m1lhão, totoloto e totobola), se bem que o ‘placard’ tenha vindo a crescer… Se acrescentarmos a estes jogos as lotarias (nacional, clássica e popular) somos como que induzidos a considerar que vivemos sobretudo à condição do jogo, tanto de fortuna como de azar…dentro ou fora dos locais de jogo autorizado. Surgem já no horizonte as apostas nas corridas de cavalos… Ambição a quanto obrigas! 

= Como sempre este clima social em que vivemos deve levar a questionar-nos: qual a origem desta fome de dinheiro? Quais as consequências atuais e futuras na economia familiar e social? O que leva tanta gente a preferir viver da ‘fortuna-e-azar’ do que do trabalho?

Sabendo que o jogo é um vício, que se entranha na vida das pessoas, torna-se essencial não ficarmos pela mera constatação dos números envolvidos ou pelos resultados (mais ou menos) rapidamente obtidos, mas antes irmos ao fundo da questão e encontrarmos as razões mais fundas deste fenómeno que tem vindo a crescer e a popularizar-se no nosso país.     

É um facto que, só no dicionário, é que ‘sorte’ aparece antes de ‘trabalho’, bem como o dinheiro se ganha sem esforço. Efetivamente foi-se criando a mentalidade de que quem mais preguiça é quem mais sucesso apresenta, deixando à mistura com isto uma sensação de que o dinheiro que não custa a ganhar também não custa a gastar. É bom de ver, nas casas de venda de jogos, que muitos dos reformados investem centenas de euros por semana – há dias alguém me referiu que determinada pessoa gastava, só num local, quarenta euros semanais na raspadinha – na ânsia de ganhar mais e, quando isso acontece, logo é investido, isto é jogado, para aproveitar a onda da sorte…

Quantas e quantas pessoas estragaram a sua vida e da sua família com o vício do jogo. Quantas empresas entraram em falência em razão do fascínio do jogo. Quantas fortunas foram esbanjadas com o recurso à ilusão do jogo. De quantas e tantas formas se foram engendrando artimanhas para fazer cair quem quer ser rico pela opção do jogo rápido, imediato e que, afinal, sai caro…fazendo perder tudo, até o que há de mais sublime que é a dignidade humana. 

= Qual a doutrina da Igreja católica sobre este tema do jogo?

Diz o Catecismo da Igreja católica: «Os jogos de azar (jogo de cartas, etc.) e as apostas não são, em si mesmos, contrários à justiça. Mas tornam-se moralmente inaceitáveis, quando privam a pessoa do que lhe é necessário para as suas necessidades e as de outrem. A paixão do jogo pode tornar-se uma grave servidão. Apostar injustamente ou fazer batota nos jogos constitui matéria grave, a menos que o prejuízo causado seja tão leve que quem o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo» (n.º 2413).

Certamente que, para muitas pessoas, esta doutrina soa a orquestra desafinada, pois os valores materialistas se sobrepõem aos conceitos humanos de respeito por si mesmo e pelos outros. A crescente materialização da vida, aliada ao viver sem Deus – ou como se Ele não existisse – vai semeando frutos de mal-estar, tanto nas pessoas, como nas famílias e na sociedade em geral…

Talvez seja urgente incluir na educação dos mais novos – na idade e/ou na mentalidade – que não será pelo dinheiro fácil que a vida recompensa quem se quer valorizar humana, profissional, social e culturalmente. Não se pode continuar a querer vender a imagem de que o sucesso é tarefa sem esforço, pois aquilo que se conquista tem mais sabor e melhor significado. É preciso combater o regime de futilidades em que tantas vezes se labora, na medida em que se for acreditando que a melhor fortuna não está nos bens materiais, mas nas armas pessoais de valorização, que se adquirem pelas ferramentas recebidas no esforço e conquistadas no apetrechamento de pensar pela própria cabeça, com critérios mais espirituais do que materiais…      

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Pode um católico recorrer à cremação?



Diz o Catecismo da Igreja Católico sobre o cuidado para com os defuntos: «Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo» (n.º 2300). Ora sobre a cremação diz o mesmo Catecismo: «A Igreja permite a cremação a não ser que esta ponha em causa a fé na ressurreição dos corpos» (n.º 2301). Mais recentemente foram aprovados textos e orações para a celebração das exéquias com a possibilidade da cremação…Por vezes não bastará estar atento ao formato do caixão na hora da encomendação, serão precisos mais dados e melhores informações…até sociológicas, culturais e religiosas de tal opção pela cremação.
Com data de 15 de agosto de 2016, a Congregação para a doutrina da fé publicou a Instrução ‘Ad resurgendum cum Christo’ a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação das cinzas da cremação. Depois de algum enquadramento teológico à luz da ressurreição de Cristo, o documento lembra a antiga tradição cristã em que ‘a Igreja recomenda insistentemente que os corpos dos defuntos sejam sepultados no cemitério ou num lugar sagrado’.
É partindo desta teologia e práxis secular que a Congregação para a doutrina da fé procura atalhar alguns erros e abusos no que toca ao recurso, entretanto, muito difundido da cremação. A Igreja ‘não pode, por isso, permitir comportamentos e ritos que envolvam concepções erróneas sobre a morte: seja o aniquilamento definitivo da pessoa; seja o momento da sua fusão com a Mãe natureza ou com o universo; seja como uma etapa no processo da reincarnação; seja ainda, como a libertação definitiva da “prisão” do corpo’.
Do mesmo modo se insiste que a ‘sepultura nos cemitérios ou noutros lugares sagrados responde adequadamente à piedade e ao respeito devido aos corpos dos fiéis defuntos, que, mediante o Baptismo, se tornaram templo do Espírito Santo e dos quais, “como instrumentos e vasos, se serviu santamente o Espírito Santo para realizar tantas boas obras’.
– O documento da Congregação para a doutrina da fé salienta que ‘onde por razões de tipo higiénico, económico ou social se escolhe a cremação; [esta] escolha que não deve ser contrária à vontade explícita ou razoavelmente presumível do fiel defunto, a Igreja não vê razões doutrinais para impedir tal práxis; uma vez que a cremação do cadáver não toca o espírito e não impede à omnipotência divina de ressuscitar o corpo. Por isso, tal facto, não implica uma razão objectiva que negue a doutrina cristã sobre a imortalidade da alma e da ressurreição dos corpos’.
– Explicando depois o modo de proceder para com as cinzas, a Instrução refere que ‘as cinzas do defunto devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério ou, se for o caso, numa igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica’. Com efeito, ‘a conservação das cinzas num lugar sagrado pode contribuir para que não se corra o risco de afastar os defuntos da oração e da recordação dos parentes e da comunidade cristã. Por outro lado, deste modo, se evita a possibilidade de esquecimento ou falta de respeito que podem acontecer, sobretudo depois de passar a primeira geração, ou então cair em práticas inconvenientes ou supersticiosas’.
– Sobre a conservação das cinzas e outros artefatos com elas praticados, a Congregação para a doutrina de fé salienta que ‘a conservação das cinzas em casa não é consentida... não podendo ainda as cinzas serem divididas entre os vários núcleos familiares e deve ser sempre assegurado o respeito e as adequadas condições de conservação das mesmas’.
– Desejando corrigir certas visões e atuações menos respeitosas para com as cinzas dos defuntos, a Instrução diz que ‘para evitar qualquer tipo de equívoco panteísta, naturalista ou niilista, não seja permitida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou, ainda, em qualquer outro lugar. Exclui-se, ainda a conservação das cinzas cremadas sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objectos, tendo presente que para tal modo de proceder não podem ser adoptadas razões de ordem higiénica, social ou económica a motivar a escolha da cremação’.
Ao longo da breve Instrução, faz-se uma abordagem da correta celebração das exéquias pelo defunto e a posterior atitude de sufrágios...numa leitura e vivência sem oscilações nem fundamentalismos.
 
António Sílvio Couto

sábado, 6 de julho de 2019

Vai, estás perdoado!


Nos tempos mais recentes fomos percecionando situações que vem podem ser catalogadas nesta expressão: ‘vai, estás perdoado’! Com isto queremos significar que os sujeitos – por vezes enfaixados de predicados, a seus olhos – em causa podem seguir o seu caminho, que bem depressa sairão do horizonte em que têm andado a flutuar…

Ainda sem irmos aos casos, poderemos considerar que algumas figuras (mais ou menos conhecidas, vistas ou divulgadas) se acham quase-insubstituíveis e encenam a sua partida como se fosse um fim dramático, caindo um tanto no ridículo e numa escusada vulgaridade. Dá a impressão que, por muito que tenham conseguido, não foram suficientemente agradecidos e/ou agraciados. Nota-se, afinal, algum infantilismo e imaturidade de quem, tendo feito o que lhe era devido, usa as armas do imprescindível, mesmo que bizarro e nefasto a si mesmo e aos demais. 

Vejamos alguns episódios:

* Um tal chefe de governo que se anunciou a si próprio como candidato putativo, sem se tenha percebido logo para que cargo europeu em concreto ou convidado quem o tinha indigitado… Fica mal pôr-se em bicos de pés, sobretudo, se os ditos são de barro e sem alicerces…razoáveis.

A quem almejava tais pretensões dizemos: vai, estás perdoado… pelas ilusões que vendeste e pelas patranhas em que nos fizeste entrar… Pode-se enganar muito tempo, mas não o tempo todo e, sobretudo, aos papalvos todos!  

* Por vezes há trabalhos – humanos, sociais, pastorais e culturais – que conseguem destoar da vulgaridade, tanto pelo que foi operado como pelo espaço onde foi implementado. Isso, normalmente, é conseguido pelo empenho, o compromisso e o laboral de pessoas, que vivem no tempo certo e na ocasião oportuna. Saber interpretar as condições favoráveis é algo que nem todos conseguem realizar.

Quando tal acontece é bom e salutar saber – dizemo-lo no contexto dos valores do Evangelho – como desenvolver os dons, as qualidades e os carismas de cada um em favor de todos. Será, no entanto, questionável que se pretenda deixar essa tarefa, dando a entender que se quer sair, mas que ainda há uma réstia de vontade de se prolongar, embora a pedido… Talvez este jogo não seja honesto nem tenha as regras cifradas no verdadeiro.

Agora que em tantas das dioceses há mudanças de agentes da pastoral, será que tudo será tão claro quando visto ou leal quanto dito? A qualidade de quem parte pode entender-se pelos frutos de continuidade em quem fica e quem recebe deverá saber acolher quem substitui!  

* Nas deambulações das coisas da vida vemos tantos episódios que chamuscam a integridade da maior parte dos intervenientes, umas vezes por incúria dos sujeitos, outras vezes por incapacidade dos predicados e noutros casos por ignorância dos complementos. Com que facilidade alguns se pretendem fazer passar por competentes, quando não passam de oportunistas, enganando os mais incautos e sobrepondo-se a quem lhes pode fazer frente ou sombra. Com infeliz naturalidade vemos que o facto de serem de ‘certas famílias’ ou por pertencerem a cliques reinantes – políticas, ideológicas ou de género – conseguem postos de poder, que mais não passam de correias de interesses múltiplas vezes subtis.  

* Na sabedoria popular encontramos adágios que nos comunicam muito daquilo que é experiência feita. Assim neste capítulo ‘do sair e do entrar’, seja daquilo que for, diz-nos essa escola de vida: ‘atrás de mim virá quem bom de mim fará’ ou ainda ‘a qualidade do mestre revela-se naqueles que vem depois dele’, podendo serem (até) melhores do que ele…Se as sementes eram de qualidade, os frutos ver-se-ão!

Deste modo certos apegos aos lugares ou considerando que tudo acaba se eu partir, para além de não ser verdadeiro, pode servir para perceberemos a quem servimos: se a nós mesmos, se aos outros ou se Deus nos outros, que Ele coloca no nosso caminho…em cada etapa da história. 

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Qual o lugar do silêncio nas (nossas) celebrações?


Será o silêncio uma ‘forma de participação’ ativa na celebração da liturgia e da eucaristia em particular? Até que ponto é que o silêncio, observado no devido tempo e na correta proporção, é fator de oração de todos os que participam na eucaristia? Haverá, nas nossas celebrações silêncio a mais ou a menos? O nosso silêncio é mesmo um tempo sagrado, na comunhão dos mistérios divinos?
Os documentos da Igreja, sobretudo os que têm incidência na liturgia, dizem: «Também se deve guardar, nos momentos próprios, o silêncio sagrado, como parte da celebração. A natureza deste silêncio depende do momento em que ele é observado no decurso da celebração. Assim, no ato penitencial e a seguir ao convite à oração, o silêncio destina-se ao recolhimento interior; a seguir às leituras ou à homilia, é para uma breve meditação sobre o que se ouviu; depois da Comunhão, favorece a oração interior de louvor e ação de graças. Antes da própria celebração é louvável observar o silêncio na igreja, na sacristia e nos lugares que lhes ficam mais próximos, para que todos se preparem para celebrar devota e dignamente os ritos sagrados» – Instrução Geral ao Missal Romano, 45.

Há quem considere que a ‘qualidade’ das nossas celebrações se mede, particularmente, pela intensidade e pela vivência do silêncio. Todos sabemos o que é o silêncio e o que é esse outro espaço vazio em estar calado. Este, tantas vezes, é tanto ou mais barulhento do que o trepidar dum comboio antigo em marcha ou de uma multidão em maré de feira.
De facto, hoje, as pessoas têm uma grande dificuldade em estarem em silêncio. Um exemplo (quase) banal: podem estar caladas, mas não conseguem desligar do telemóvel, nessa ânsia do ‘sempre contactável’, como se não houvesse tempo de espera em momento algum. Assim vemos (ou melhor ouvimos) retinir os sons mais variados nas nossas celebrações e nos momentos mais dispensáveis para que desfilem os toques mais execráveis, perturbando tudo e todos, à exceção de quando é o próprio o visado...
À luz dos momentos supra citados de silêncio na eucaristia, quais são (ou devem) as caraterísticas do nosso silêncio celebrativo? Um silêncio de encontro consigo mesmo e com Deus tanto na escuta da Palavra como na contemplação/adoração eucarística. Um silêncio em que se aprecie o ‘kadosh’ divino, isto é, a glória, a santidade e o poder de Deus para nós e connosco. Um silêncio onde as palavras cessam e fica só a capacidade de querer mergulhar em Deus, tudo e eterno.
Precisamos, com urgência, de aprender a fazer silêncio, a desejar o silêncio, a amar o silêncio, a apreciar o silêncio…como um dom divino e mesmo como qualidade humana. Com efeito, o equilíbrio humano estará posto em causa se não vivermos um tempo mínimo de silêncio diário, mergulhando no mistério de nós mesmos e – como cristãos – recolhendo-nos no sacrário íntimo da pessoa que somos, escutando a Palavra de Deus – vide o processo da ‘lectio divina’ – e recompondo a textura da nossa condição humana e cultural...para que não sejamos seduzidos pelas propostas à maneira da ‘new âge’, na versão ‘reiki’ e afins.
Saber fazer silêncio é uma arte e exige, hoje, muito engenho!

Para além de pedagógico, o silêncio é uma necessidade para o nosso equilíbrio emocional, psíquico e espiritual. Com efeito, será através do silêncio que ouviremos Deus, que escutaremos os outros e que poderemos ser escutados…

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Crescem os sem-religião na ‘grande Lisboa’


Os dados estão aí: 55,2% daqueles que se afirmam ‘sem religião’ vivem na área metropolitana de Lisboa (AML), que abrange dezoito municípios numa população de cerca de três milhões de pessoas.

Embora uma boa parte ainda se considere católica – 54,9 % ao menos de tradição – muitos daqueles que se afirmam sem-religião são procedentes de famílias com alguma identidade católica.

Estes dados foram apurados através de um estudo intitulado – ‘identidades religiosas e dinâmica social na área metropolitana de Lisboa’ – e que foi apresentado por estes dias, em resultado da auscultação a mais de mil e cem inquiridos ao longo do ano passado.

Deste estudo podemos respigar:

* budistas e muçulmanos têm idêntica franja social, cerca de quinto por cento para cada uma das expressões religiosas;

* apesar de crescente o grupo ‘sem-religião’ não é homogéneo na sua composição;

* os setores evangélicos têm vindo a crescer, nalguns casos à custa da deserção dos católicos… noutros casos os evangélicos enquadrados em contextos urbanos, com uma nova linguagem no âmbito musical, vão crescendo no setor jovem da sociedade;

* naquilo que toca à militância, os muçulmanos são dos que menos consideram mudar à semelhança daquilo que acontece com as testemunhas de Jeová, com uma percentagem de 20% dos seus membros situada na área geográfica da AML. 

= Se este estudo lança algumas pistas sobre a complexidade da vivência religiosa no nosso país, não poderemos enjeitar os dados que nos devem fazer refletir. De facto, a dimensão religiosa da pessoa humana é cada vez menos tida em conta, mesmo que questões de índole espiritual sejam transversais à análise dos problemas deste tempo. Mais do que o vínculo a uma Igreja vemos crescer o interesse, que pode ser volúvel, para com alguma espiritualidade, em muitos casos mais com sabor sincrético do que comprometido e claro. Isso mesmo era apontado, naquele estudo, para com uma certa vaga de simpatia pelo budismo, na medida em que este valoriza a experiência da interioridade à mistura com uma outra capacidade de atrair principalmente indivíduos urbanos e escolarizados.  

= Quem estiver atento às manifestações ‘religiosas’ dos nossos dias pode ir penetrando numa apetência de um número significativo de pessoas por temas mais ou menos exotéricos, sejam cristãos ou não. Às vezes é mais fácil mobilizar pessoas para uma ‘peregrinação’ a uma manifestação religiosa – temos em mente a ‘senhora da bondade’ e outras mais sigilosas – suspeita do que em conseguir que possam participar, regularmente, na missa paroquial de domingo. Por vezes nota-se, em certos movimentos de incidência ‘espiritual’, alguma capacidade (tempo e gastos económicos) de receção para fenómenos a roçar quase o bizarro e, por outro lado, não há tempo para uma qualquer reunião mensal que seja de formação mais serena, sensata e progressiva. 

= Apesar de tudo creio que os dados revelados pelo estudo citado exigem de nós, como cristãos, uma reformulação de muitos conceitos e mais dos comportamentos. Com efeito, se continuarmos a refugiar-nos em certos tiques tradicionalistas não conseguiremos ver que estamos a perder o comboio – ou seja lá o transporte que acharmos melhor! – da refontalização dos valores cristãos aos princípios do Evangelho, que nos fazem reconhecer os erros, nos levam a corrigi-los e a mudar de proposta, pois o que seguimos até agora falhou…

Bem razão tinham os filósofos gregos que consideravam o ‘homem, um animal religioso’. Nem as doutrinas marxistas ateias conseguira coartar esse princípio sagrado. Teremos, no entanto, de saber qual o modo de concretizar esse anseio. Ora, os cristãos, não podem demitir-se da tarefa que lhes está confiada. Inspiremo-nos na forma como foi feita a primeira evangelização e tudo mudará…    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Missiva a Salvini…pseudocristão


Um tal senhor Matteo Salvini – vice-primeiro ministro e ministro do interior italiano – surgiu, mais uma vez com esse ar de caudilho fascista, a contestar a receção de emigrantes/refugiados àquele país.

Embora desta vez não tenha surgido de terço em punho – qual amuleto escusado – logo anatematizou quem quis ajudar pessoas indefesas em busca de um presente menos duro e de um futuro que possa ser não tanto sofrido e perigoso

Ora, diante das imagens e das declarações de outros apaniguados de Salvini fica-me uma preocupação: para quando a expulsão Papa Bergoglio também ele filho de emigrantes italianos, que retornou a Itália para governar a Igreja Católica a partir do Vaticano…enclave no território da capital italiana?

De facto, este senhor Salvini tem memória muito curta, pois milhões de italianos – dizem que mais de setenta, entre 1880 e 1960 – se espargiram pela Europa (Alemanha, França e Suíça), a América do Sul (Brasil, Argentina e Uruguai), a América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e mesmo a Austrália… Claro que todos estes italianos foram difundindo a sua cultura, a típica maneira de ser, a inconfundível gastronomia e tudo o resto que está contido na mentalidade transalpina.

Se fizermos comparação com a população de quase 60 milhões daqueles que vivem no espaço territorial de Itália como que se torna ridículo que temam que lhes afetem o palácio dourado, que já foi, mas que está, nitidamente, em ruína como qualquer outra civilização que se fecha e que rejeita comparações ou mesmo intromissões no seu egoísmo social e económico…

De referir que desde 2007 a população italiana está na barreira dos quase-sessenta milhões sem nunca a atingir… e que vai, segundo as projeções, decrescer de forma progressiva nas próximas duas décadas… até 56 milhões.

Que fará, então, estrebuchar, Salvini e os seus lacaios… dentro e fora de Itália? Que valores estarão em causa para que um povo que é feito de emigração e não se deixa renovar pelos migrados? Onde se situam os critérios dos cinquenta milhões de cristãos registados? Será a ínfima parte de islâmicos (quase 4%) que cria tais obstáculos à receção de quem chega? Ou serão os quase 13% que se declaram ‘sem religião’ que engendram tais fenómenos xenófobos, ridículos e desumanos? 

= É preciso distinguir com urgência as atitudes de dirigentes insanos de tudo quanto é normal e faz acontecer as ocorrências da História: as mudanças, mutações e transferências de populações sempre aconteceram e fizeram com houvesse evolução de povos, de nações, de culturas e de civilizações. As razões sempre foram muito variadas. Umas vezes feitas de forma pacífica e progressiva, enquanto noutros casos se geraram guerras e conflitos, com estragos e mudanças mais rápidas, agressivas e mesmo violentas.

Normalmente quem resistiu à mudança foi vencido, derrotado e teve de pagar as custas de não se saber adaptar ou compreender os factos na devida proporção. Mesmo quando as razões eram de procura de melhores condições de vida – passando das dificuldades para a melhoria menos má – os emigrantes foram quase sempre os vencedores, pois além de terem o desejo de conquista ainda combatiam contra a acomodação dos resistentes, que nem sempre estavam de atalaia para com as suas falhas e fraquezas.  

= Os tempos próximos vão-se encarregar de desmistificar os slogans de Salvini e quejandos, pois não se pode fazer do medo uma atitude política nem se pode tornar a agressão aos outros uma forma de crescer sobre as suas fragilidades. Do mesmo modo que mentir, iludindo a verdade, depressa será descoberto, assim querer enclausurar-se nas suas inverdades capciosas não conseguirá sobreviver todo o tempo.

Mais do que construir muros, urge levantar pontes, sejam materiais ou espirituais, sejam nos espaços políticos, sociais e religiosos.

Tenho vergonha de ver Salvini de terço na mão e de faltar à caridade mais simples e sincera, assim como tenho uma sensação de ser abjeto ver combatentes materialistas (ditos ateus, agnósticos e marxistas) de vela na mão, pois ambos ofendem sinais da nossa fé cristã mais básica…Efetivamente, Cristo merece mais respeito!

 

António Sílvio Couto