Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Fazer crescer a cultura da ternura e da compaixão

 

«Nesta mudança de época que vivemos, especialmente nós, cristãos, somos chamados a adotar o olhar compassivo de Jesus. Cuidemos de quem sofre e está sozinho, porventura marginalizado e descartado. Com o amor mútuo que Cristo Senhor nos oferece na oração, especialmente na Eucaristia, tratemos das feridas da solidão e do isolamento. E deste modo cooperamos para contrastar a cultura do individualismo, da indiferença, do descarte e fazer crescer a cultura da ternura e da compaixão».

Este excerto da mensagem do Papa Francisco para o 32.º dia mundial do doente, que celebramos, como habitualmente, no dia 11 de fevereiro, pretende chamar-nos a atenção «a todos a abrandar os ritmos exasperados em que estamos imersos e a reentrar em nós mesmos».
Partindo da frase bíblica - ‘não é conveniente que o homem esteja só’ - o Papa trata do tema ‘Cuidar do doente, cuidando das relações’.
Respigamos algumas das palavras desta mensagem papal:
- Fomos criados para estar juntos, não sozinhos. E precisamente porque este projeto de comunhão está inscrito tão profundamente no coração humano, a experiência do abandono e da solidão atemoriza-nos e olhamo-la como dolorosa e até desumana. E isto agrava-se ainda mais no tempo da fragilidade, da incerteza e da insegurança, causadas muitas vezes pelo aparecimento dalguma doença grave.

- Associo-me, pesaroso, à condição de sofrimento e solidão de quantos, por causa da guerra e suas trágicas consequências, se encontram sem apoio nem assistência: a guerra é a mais terrível das doenças sociais e as pessoas mais frágeis pagam-lhe o preço mais alto.

- É preciso assinalar que, mesmo nos países que gozam da paz e de maiores recursos, o tempo da velhice e da doença é vivido frequentemente na solidão e, por vezes, até no abandono. Esta triste realidade é consequência sobretudo da cultura do individualismo, que exalta a produção a todo o custo e cultiva o mito da eficiência, tornando-se indiferente e até implacável quando as pessoas já não têm as forças necessárias para lhe seguir o passo. Torna-se então cultura do descarte... O abandono das pessoas frágeis e a sua solidão acabam favorecidos ainda pela redução dos cuidados médicos apenas aos serviços de saúde, sem serem sapientemente acompanhados por uma «aliança terapêutica» entre médico, paciente e familiar.

- O primeiro cuidado de que necessitamos na doença é uma proximidade cheia de compaixão e ternura. Por isso, cuidar do doente significa, antes de mais nada, cuidar das suas relações, de todas as suas relações: com Deus, com os outros – familiares, amigos, profissionais de saúde –, com a criação, consigo mesmo.

- Recordemos esta verdade central da nossa vida: viemos ao mundo porque alguém nos acolheu, somos feitos para o amor, somos chamados à comunhão e à fraternidade. Esta dimensão do nosso ser sustém-nos sobretudo no tempo da doença e da fragilidade, e é a primeira terapia que todos, juntos, devemos adotar para curar as doenças da sociedade em que vivemos.

= Breve reflexão provocatória:
Somos todos doentes, antes, durante e depois do tempo em que vivemos. A fragilidade nos marca, sobretudo, com o avançar da idade. Como o aceitamos?
Pelo muito que significa a vida de cada de nós, a condição de doente é mais do que certa, mas saber vivê-lo à maneira de Jesus é essencial e com Ele havemos de entregar a nossa condição à sua redenção ativa e atuante neste tempo e de olhos postos na meta, que é Ele.
Queira Deus que aprendamos, de forma eucarística, viver a nossa fragilidade e de doença, mesmo sob a celebração do sacramento da Unção dos doentes, hoje.



António Sílvio Couto

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

A quem ganhar as eleições - congratulações ou condolências?

Eis que de repente o ano de 2024 poderá ficar na história como um dos mais marcantes do nosso ser coletivo. Para além de ocorrer o cinquentenário da revolução de ‘abril’ teremos eleições para quase todos os gostos - regionais nos Açores, em fevereiro; legislativas antecipadas, em março; regionais na Madeira, em maio ou junho; europeias, em junho; legislativas novamente (caso não haja maioria real ou fabricada após março) talvez em outubro... De todas só as ‘europeias’ estavam previstas, o resto têm sido impostas por fatores exteriores à condição politico-social, sobretudo sob a influência do poder judicial.

1. Tendo em conta as causas e como que advertindo os resultados, os vencedores poder-se-ão tornar merecedores não de encómios, mas de lamentos, tais poderão ser as dificuldades em fazerem vingar os seus objetivos mínimos e suficientes. Por muito que se tente diluir a leitura de bipolarização - direita/esquerda - é cada vez mais nítido o traço que divide as propostas dos partidos de um e de outro do lado da barricada, que, embora, virtual vigora desde sempre nos intentos das forças submetidas a votação. Mais Estado ou mais iniciativa privada, mais capacidade de viver à custa de todos ou sobrevivendo segundo os méritos pessoais e individuais, segundo as exigências do (pseudo) ‘estado social’ ou complementando com a autonomia dos bens e serviços prestados... eis alguns dos itens que podem e devem fazer com que as escolhas na hora de votar nos faça acreditar que a subsidio-dependência não gera riqueza e tão pouco a distribui com justiça...

2. Os assuntos em discussão mais recorrentes, por estes dias, andam em volta da economia, educação, segurança, saúde, habitação... Outros poderiam e deveriam ser acrescentados e colocados com serenidade, com verdade e,sobretudo, ouvindo os que todos têm a dizer, sem inflacionar o que não presta e não tratar condignamente o que é essencial. De facto, há setores da ‘nossa’ política - onde boa parte da comunicação entra quase acriticamente - segundo os quais se consideram donos e senhores de alguns assuntos. Veja-se o tema da ‘habitação’, onde uma certa esquerda manipula as ideias, mas não faz nada pela resolução do problema, inclusivamente escorraça quem não seja da mesma ideologia como se tem visto nalgumas iniciativas feitas ‘à la carte’ - quanto ao lugar e aos cartazes exibidos - para que os chefes partidários possam aparecer como recolhetores dos resultados em revindicação. Isto será sério ou andamos a brincar com coisas sérias demais e a fazer-de-conta que tudo não passa de cenário?

3. Mesmo que seja considerado o ‘terceiro poder’, a justiça, vive hoje dias atribulados, muito por culpa do vetor legislativo. Com efeito, aquele decide em razão do que é legislado. Ora, se a capacidade de legislação está infetada de preconceitos (quase) ideológicos, o poder judicial corre o risco de não decidir de forma livre e isenta. O que temos visto é uma certa contestação de quem governa pela possível ingerência do poder judicial - nos seus vários órgãos - nas questões de índole político-partidária. Mas não foram eles, os legisladores, que deram suporte para quem tem de exercer a justiça? Já só faltará que se façam leis que protejam os que governam, atendendo às repercussões das más decisões que tomam... Estes tiques andam por aí salpicando mentes e interesses...

4. Por muito ‘científicas’ que se pretendam impingir, as sondagens são o que há de mais funesto, tenebroso e enganador para votantes e votados, pois fazem estes acreditam naquilo que, uns tantos, dizem para que o resto creia que é por aí que vai a onda... Não deixa de ser, no mínimo, esquisito que, de entre os milhares de inquiridos, nunca tenha sido abordado para responder a nenhuma dessas sondagens. Não andarão sempre à volta dos mesmos, ludibriando e sendo enganados?

5. Muito honestamente digo: quem ganhar em qualquer das eleições que se aproximam irá chorar mais do festejar, pois os sinais de desemprego, os juros da economia, os problemas sociais não enganam, os problemas da educação e das forças de segurança: o tempo das ‘vacas gordas’ acabou, já!



António Sílvio Couto

sábado, 27 de janeiro de 2024

Quando deixei de ser surdo, caí

 

Estávamos no verão de 2010, tinha chegado há parcos dias à terra onde moro há quase catorze anos e decorria a apresentação das festas locais - dizem que era a primeira vez - e acontecia no reduzido ‘adro’ da igreja, tendo esta por horizonte.

Solicitaram-me que dissesse umas palavras. Não conhecia ninguém, não sabia o terreno que pisava e tão pouco estava preparado para fazer ‘discurso’.
Saiu-me, então, a breve ‘estória’ da corrida de sapos: numa aldeia simples do interior convocaram toda a população para assistir à corrida de sapos, que constava em colocar alguns desses batráquios no sopé da torre da igreja e deixá-los subir até ao topo. Como sempre a assistência começou a opinar e a dizer: não conseguem chegar lá acima, é muito alto, não conseguem... Um a um foram desistindo... por cansaço ou em razão das críticas e observações negativas da assistência. Mas eis que um sapo conseguiu ir trepando, afanosamente, e chegou ao alto da torre, ganhando a corrida... Por que teria ele conseguido tal proeza? Depois de o terem examinado descobriram que era surdo e não ouviu os comentários, seguindo, sempre e só, o seu caminho...

- Desculpando a declaração de interesses, desejo fazer a avaliação destes anos aqui vividos e qual a razão recente de ter mudado de opinião, isto é, de dar por terminado algum tempo - no conjunto mais de duas décadas e meia - de diáspora nas terras setubalenses e longe da família e das origens sociais, religiosas e culturais...

- Talvez tenha deixado de ser tão surdo como houve tempos em que consegui ser e, pelo contrário, ter aceitado certas vozes de desânimo, senão mesmo de desencorajamento. Confesso que, por vezes, se torna um tanto complicado não ver a mínima recetividade às propostas apresentadas. Mesmo por entre dúvidas e contrariedades torna-se algo confrangedor ver a indisponibilidade por parte de pessoas que deveriam corresponder a sugestões simples e insistentes. É impressionante esbarrar com a indiferença de tantas pessoas que bem podiam aproveitar as oportunidades propostas para saírem da sua contumaz ignorância.

- Olhando o futuro, será possível crescer depois de ter caído como tantos outros sapos que se deixam desanimar pelas vozes de derrotistas e derrotadas. Dizem que dos falhados não reza a História, mas esta está cheia de caídos que se levantaram ou se deixaram erguer com ajuda, mesmo que isso signifique mudar de trilho ou, enquanto é possível, mudar de rumo...sempre em vista do Bem maior que é Deus e servindo-O na sua Igreja.

- «Fiz-me tudo para todos (omnibus omnia factus sum), para salvar alguns a todo o custo» (1 Cor 9,22). Este tem sido o meu lema. Nem sempre tem atingido os objetivos desejados…



António Sílvio Couto

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Trânsfugas - como entender?

 

Nunca como agora se ouviu tanto falar que elementos de um certo grupo partidário troque de cor e de opção ideológica. Na maior parte dos casos isso, anteriormente, tinha a designação de ‘independente’, mas agora emerge uma nova figura que tem tanto de bizarro quanto de patético. Mesmo que forma algo superficial este novo fenómeno da nossa política merece alguma reflexão senão mesmo uma análise atenta, cuidada e prospetiva.

1. A simples zanga com quem manda ou a não-presença nas listas a votar serão razões para mudar de partido e de campo ideológico? Ser de outra facção diferente de quem reina ou não se rever nos atuais dirigentes explica que se deixe incluir numa lista anteriormente adversária e concorrente? Quem tem razão nesta disputa: os que saem ou os que continuam? Quais as facetas psicológicas e inteletuais manifestadas por estes trânsfugas em abundância? Serão tantos assim ou isso fará parte de uma campanha de fraqueza do sistema partidário algo anquilosado senão mesmo bafiento?

2. Perante a evidente falta de qualidade de liderança da maior parte dos partidos políticos portugueses somos, agora, confrontados com esta onda de trânsfugas em busca de não quererem sair do seu terreno de ganha-pão. Isto diz bem da incapacidade de saberem ver a sua incompetência, arrastando-se nos postos de mando os que menos valem e que, nalgumas circunstâncias, poderão ser os mais oportunistas. Deste modo é como que trucidada aquela que era considerada uma arte - a da política - convertendo-se num espaço desvalorizado, menos bem frequentado e, possivelmente, abrindo caminho para espertos ditadores, mesmo que votados, legitimados e tolerados... Já foi assim noutras épocas da História!

3. Nota-se que é cada vez mais é difícil encontrar pessoas que estejam disponíveis para estarem na política ativa, isto é, de se submeterem a ter a vida espiolhada a todo o tempo, sem privacidade nem resguardo de si e da sua família. Este ambiente é clima tortulhoso para crescerem os que não prestam, aliados aos interesseiros mais subtis e em vias de assaltarem os lugares de governança. Veja-se o espetáculo da constituição das listas de candidatos/as ao próximo parlamento. Repare-se na desqualificação orquestrada com que certa comunicação social embala e promove uns tantos, denegrindo outros. Atente-se aos excertos dos discursos de alguns para depreciar as intervenções daqueles que menos lhes agradam... Não serão estes também trânsfugas e promotores de maior dissidência?

4. Com estas condições poderemos ver que a participação no próximo ato eleitoral será um teste à sobrevivência da (dita) democracia, que, com quase cinquenta anos, ainda tem muitos tiques de adolescência. Os paladinos deste regime de faz-de-conta serão os potenciais vencedores, pois ao promoverem a ignorância vão reinando sobre os incautos e descrentes da política como serviço de todos e para todos. Assim poderão perpetuar-se e aos seus no poder sem mérito nem glória!

5. «Os cidadãos devem, tanto quanto possível, tomar parte activa na vida pública. As modalidades desta participação podem variar de país para país ou de uma cultura para outra. «É de louvar o modo de agir das nações em que, em autêntica liberdade, o maior número possível de cidadãos participa nos assuntos públicos».
A participação de todos na promoção do bem comum implica, como qualquer dever ético, uma conversão incessantemente renovada dos parceiros sociais. A fraude e outros subterfúgios, pelos quais alguns se esquivam às obrigações da lei e às prescrições do dever social, devem ser firmemente condenados como incompatíveis com as exigências da justiça. Importa promover o progresso das instituições que melhorem as condições da vida humana» - Catecismo da Igreja Católica, n.os 1915-1916.
Numa palavra: o cristão - cidadão e eleitor - tem obrigação moral de votar e de decidir, segundo, os valores da doutrina da Igreja católica, participando no bem comum... Tudo o resto será de grave culpabilidade.

António Sílvio Couto

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Consagração ao Imaculado Coração de Maria no ‘verão quente de 1975’

 


Por estes dias tive conhecimento – através de alguém entendido na matéria e em razão do local que ocupa como reitor de um santuário mariano – que, em 1975, o então Presidente da República, Francisco da Costa Gomes, fez, no dia 14 de setembro (festa da exaltação da Santa Cruz, por sinal nesse ano era domingo), a consagração de Portugal ao Imaculado Coração de Maria, mãe de Deus.

Eis o texto:
«Santa Maria, Imaculada Conceição, Rainha e Padroeira das gentes e das terras de Portugal, certo da Vossa particular amizade ao Povo Português, como primeiro Chefe desta Nação, entrego e confio hoje para sempre ao Vosso Coração Imaculado e Materno, no meu nome pessoal e de todos os portugueses, esta nossa Pátria, os seus territórios, os seus cidadãos, as almas, os haveres, os trabalhos e instituições, todas as formas de vida, todos os quadrantes da palpitação nacional.
Aceitai ó Virgem Santa Maria, Mãe de Deus e Mãe Nossa, Senhora de Portugal, a Pátria Portuguesa, que hoje Consagro à Vossa Guarda, certo de que a tomareis para futuro à particular protecção, que sempre lhe confiastes ao longo de toda a sua História, desde o seu nascimento e nas horas mais difíceis de seus caminhos.
Prometemos honrar com filial respeito e atenção, as exigências da Vocação Cristã que os Portugueses têm por Maria desde o berço de Portugal como ao longo dos oito séculos de sua Vida, e os pedidos que em Fátima deixastes nas nossas mãos para a Paz e o Bem nosso e de todo o Mundo destes Tempos.
Peço ao Anjo de Portugal, Anjo da Paz, que em 1917 visitou o seu Povo, que nos tome com Força de Sua Guarda, junto da Senhora, Mãe de Deus, e nos alcance o Bem da Fidelidade e da Aliança com Sua Graça, no Seu Querer e na Sua Santa Vontade».
Recordemos que decorridos dois meses sobre a data desta consagração feita pelo Presidente da República se deu a reposição da normalidade política tão ameaçada nesse ‘verão quente de 1975’... De referir ainda que só em 1995 esta consagração presidencial foi tornada pública a um pequeno número de pessoas.

Em jeito de enquadramento histórico lembremos os momentos de consagração de Portugal ao Imaculado Coração de Maria:
Consagração Episcopal de 1931 e Consagração Episcopal de 1938 [Estas Consagrações de 1931 e 1938, feitas pelo Episcopado Português, segundo o Santuário de Fátima, foram renovadas em 1956, 1957, 1975, 1981, 1983 e 1992];
A consagração Presidencial de 1975;
A consagração Real de 1998, com as consagrações Reais subsequentes: de 2001 e de 2002;
A consagração Episcopal de Portugal e Espanha de 2020.

= Mesmo que de forma simples tentemos discernir o que tem sido o mistério da proteção de Nossa Senhora para com o povo português... Embora nem sempre o vejamos como queríamos, decorrido este tempo podemos testemunhar que a proteção da Nossa Senhora ao nosso país/nação é atenta, simples e eficiente. Que dizer, então, daquilo que se está a passar, em surdina, atualmente: já reparamos que a famigerada lei da eutanásia, aprovada há meses (25 de maio de 2023), ainda não foi desta que entrou em vigor por falta de regulamentação? O governo saído das próximas eleições terá essa tarefa de fazer a sua regulamentação... Não haverá, nesta matéria, Alguém a conduzir as coisas, muito para além do meramente humano? Em questões ético/morais não teremos o suporte de Nossa Senhora a suster o descaminho de tantos/as eivados de mentalidade antirreligiosa e, sobretudo, anticristã?
= Ao termos trazido à liça esta consagração feita pelo Presidente Francisco da Costa Gomes quisemos confiar na proteção de Deus e na ação dos humanos, mesmo quando não visto totalmente. Assim o consigamos continuar com fé e confiança...



António Sílvio Couto

sábado, 20 de janeiro de 2024

Repreendido por ter dito: ‘Jesus Cristo’

O episódio além de bizarro pode ser revelador de algo mais profundo que perpassa uma certa cultura, sendo mais do que um caso ‘à americana’.

Segundo uma mãe, do estado de Mississipi, seu filho com apenas sete anos foi repreendido pelo professor por ter dito – ‘Jesus Cristo’ (considerado um palavrão), quando deixou cair um dos seus brinquedos. O processo envolveu um recado da escola para casa, com a notificação de ‘linguagem inaceitável’.

1. Este episódio poderia parece quase uma anedota, não fosse a possibilidade de envolver outras questões e, sobretudo, tendo em conta a precocidade da criança e as reações à invocação do nome de ‘Jesus Cristo’ no meio escolar. Será isto uma espécie de fundamentalismo anticristão? Envolverá algo mais do que uma advertência? Como reagiríamos por cá a um episódio idêntico? Será que dizer ou invocar ‘Jesus Cristo’, por ocasião de uma falha, mesmo em brincadeira, constituirá, de facto, uma ofensa à convivência humana e social?

2. Parece ser cada vez mais recorrente vermos tentativas de retirar da linguagem das pessoas a referência a Jesus Cristo e aos valores cristãos, mesmo que isso seja feito de forma tácita, capciosa ou sem grandes alaridos: nas conversas, nas escritas, nas codificações, nas diversidades…na educação/ensino, nas comunicações sociais (falada ou visionada) encontramos como que um ambiente com tendência a anatematizar tudo quanto seja (ou possa ser) referência a Jesus Cristo, aos valores e critérios do Evangelho.

3. Num tempo que se reclama tanto de liberdade em todas as áreas da intervenção humana vemos crescer uma espécie de ostracização de quem possa, minimamente, afirmar-se cristão, tanto pelas palavras como pelos gestos, atitudes ou comportamento. Efetivamente a campanha anti-crucifixos por volta do ano 2010, no contexto europeu, era algo que preanunciava um ambiente a desenvolver-se cultural e civicamente. Temos de andar mais atentos àquilo que acontece numa parte deste dito Planeta, pois com facilidade se difundirá a tendência noutros locais…

4. Como bem caraterizou o Papa João Paulo II, por ocasião do jubileu do ano 2000, a perseguição aos cristãos é hoje mais do que nunca intensa, organizada e, sobretudo, silenciosa, mas efetiva. Os milhões de mártires que o século vinte fabricou – muito mais do que as perseguições no início do cristianismo – é disso um exemplo claro e palpável. Como nos referem as Sagradas Escrituras devemos ser prudentes como as serpentes e simples como as pombas, não ao contrário. Precisamos de estar vigilantes para as artimanhas com que nos tentam enredar, obrigando-nos a sermos tolerantes para com os outros, mas quase nunca o são para com os cristãos: estes estão sob a mira da obrigação e não dos direitos mínimos e iguais.

5. A terminar coloco uma espécie de provocação ao inconsciente de cada um de nós: quando algo de menos bom, de contrário ao que espero ou de negativo me acontece, qual é a interjeição que me sai da boca? Seja qual for, revela muito de mim mesmo, mais do que gostaria que mostra-se…



António Sílvio Couto

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Enterro da paróquia?


– Quero comunicar-vos que, logo à tarde, na habitual missa das 18 horas, vou celebrar uma “missa de corpo presente”, a que se seguirá o “enterro” desta paróquia.

E continuou com a celebração da missa, como se o que acabara de dizer fosse a coisa mais natural do mundo.

Algumas das presentes não perceberam logo à primeira, e perguntaram a quem estava mais próximo o que é que o padre tinha dito. Mas como nenhuma das presentes percebera bem o “anúncio” que tinha sido feito, umas delas, mais afoita, no final da missa, foi ter com o padre à sacristia e perguntou-lhe o que é que ele quis dizer com aquelas palavras.

O padre só respondeu: venham e verão!

Rapidamente a notícia do “enterro da paróquia” chegou aos ouvidos de todos os habitantes, de tal modo que, ainda as seis horas da tarde vinham longe, já a igreja estava apinhada de gente batizada ou não, de crentes e de não crentes, de católicos, de agnósticos e de ateus, num número tal que transbordava para o adro.

Chegada a hora marcada chegou à porta da igreja o cangalheiro da vila, no seu veículo, transportando uma urna fechada.

– Não se importam de dar aqui uma ajudinha. Preciso de quatro homens fortes.

Sem que houvesse necessidade de repetir, pois a curiosidade era imensa, e não havia tempo a perder para que se fizesse o “enterro da paróquia”…

Após a celebração da missa de “corpo presente” e, no final, dirigiu-se a todos os que ali estavam, dizendo:

– Antes de mais quero agradecer a presença de todos neste momento em que vamos proceder ao “enterro da paróquia”. Mas, antes de levarmos o caixão até ao cemitério, quero convidar-vos a todos, sem exceção, para, individualmente, vos despedirdes da falecida. Façam uma fila ao centro e aproximem-se da urna, calmamente.

O padre abriu o ataúde e… quando o primeiro lá chegou, deu um grito e um salto enorme, afastando-se rapidamente do caixão, benzendo-se repetidamente. E o mesmo aconteceu com todos os outros.

Qual teria sido a razão de tal comportamento?

O padre tinha colocado dentro da urna um enorme espelho, de tal modo que, quando alguém olhava lá para dentro, o que via era a sua própria imagem refletida no espelho.

Isto é uma pequena estória…inventada, mas que pode e deve fazer-nos refletir mais do que tentarmos arranjar desculpas ou acusações para com outros.

Para quem tenha um mínimo de conhecimento destas coisas de organização e de dinamização da Igreja católica saberá que a paróquia. Diz o Catecismo da Igreja católica: «A paróquia é uma certa comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, cuja cura pastoral, sob a autoridade do bispo diocesano, está confiada ao pároco, como a seu pastor próprio». É o lugar onde todos os fiéis podem reunir-se para a celebração dominical da Eucaristia. A paróquia inicia o povo cristão na expressão ordinária da vida litúrgica e reúne-o nesta celebração; ensina a doutrina salvífica de Cristo; e pratica a caridade do Senhor em obras boas e fraternas» (n.º 2179).

Ora, perante esta espécie de definição descritiva podemos encontrar alguns elementos essenciais para que uma determinada porção do povo de Deus seja considerada uma paróquia:

– uma comunidade de fiéis de forma estável como Igreja particular, sob a autoridade do bispo diocesano, cuja cura pastoral está confiada ao pároco, como pastor próprio;

– é um lugar onde todos os fiéis se reúnem para a celebração da eucaristia, sobretudo dominical, onde se ensina a doutrina da salvação de Cristo e onde se praticam as obras de caridade.

Mais do que um espaço de serviços religiosos, a paróquia é, por natureza, um lugar onde todos se sintam irmãos, construtores de tudo quanto possa ajudar a serem participantes e não meramente assistentes. Com a mobilidade dos nossos dias, ser paróquia traz desafios superiores a viverem num determinado espaço geográfico. Embora haja clareza de ideias, precisamos de nos questionarmos aprendendo a ler os sinais dos tempos e não só repetir o que já deu frutos no passado, mas que precisam de ser aferidos aos tempos atuais…



António Sílvio Couto

sábado, 13 de janeiro de 2024

Entre o ‘Dallas’ e o ‘big brother’

 



Numa leitura algo exagerada e, possivelmente, extremada, poderemos ver as nossas condições política em geral e a ação governativa em particular colocadas entre estes dois programas televisivos de épocas diferentes e com intérpretes diversificados: a série ‘Dallas’ dos anos setenta a noventa do século passado e o reality show ‘big brother’ já deste século.

Vejamos um pouco os enredos de cada um dos programas para perscrutarmos as razões de os colocarmos em confronto com a nossa situação político-social... cultural.

* Na série ‘Dallas’, exibida por um canal americano desde 2 de abril de 1978 a 3 de maio de 1991, encontramos a história de uma família texana alicerçada na fortuna e nas deambulações do negócio do petróleo... Aí se destaca um tal JR como o esperto vilão da família e dos negócios, sempre num registo de ganhador pela manha... ao longo de quase quatrocentos episódios. Por estes dias está a ser reposto em memória num canal português.

* Por seu turno, o reality show - dito das coisas da vida real - ‘big brother’ teve a sua primeira edição a 3 de setembro de 2000 e já teve mais de uma dezena de temporadas, com figuras anónimas, com alguns ditos ‘famosos’e com versões a tentar arrastar o (pseudo) interesse do público numa tentativa de conquistar publicidade para o canal detentor do exclusivo no nosso país.
Aqui vimos emergirem do anonimato figuras que se deslumbraram com a fama e rapidamente cairam no ridículo senão mesmo na lama de onde tinham saído.
Mesmo que assumindo nomes diferentes - secret story, casa dos segredos, duplo impacto, desafio final - notou-se uma espécie de exploração das debilidades dos ‘personagens’ deixando a nu falhas de personalidade, de caráter, de menos boa consciência...até moral.

= Diante destes dois exemplos televisivos, que inegavelmente influenciaram a vida pública, podemos e devemos colocar questões e nelas intentar perceber que tempo é este em que vivemos, que sociedade é esta em que estamos e, sobretudo, que futuro nos reserva esta mescla de subtilezas culturais em condição caleidoscópica.

- Certas figuras da vida política não se parecerão mais com o JR do que julgam? Os meandros da condução política aguentarão por muito mais tempo quem use da esperteza para vingar os seus intentos? À semelhança do JR da série não se descobrirá, mais depressa do que se julga, tanto daquilo que reluz enquanto reina? Não haverá algo de maquiavélico em tanto do poder em prática do que se percebe? Pelos indícios em jogo não se entendeu ainda que certas visões maniqueistas - ideológicas e do passado - já não têm incidência entre os eleitores e votantes?

- A avaliar pelas diversas edições do ‘big brother’ - com concorrentes às centenas, dizem - nota-se que ainda há muitas pessoas a quererem sair do anonimato para a visibilidade trucidante. Com efeito, há pessoas que não olham a meios para terem uns míseros segundos de fama. O custo é demasiado alto e os efeitos tornam-se excessivamente profundos. Enquanto houver quem não tenha pejo de se expor, mesmo à irrisão de todos, estes programas continuarão a entreter...na pela como na vida real!

- Numa palavra: falta bom senso e isso não se vende nem está em promoção.
Dispensamos tantos ‘JR’s’ de serviço e ansiamos que haja mais quem se resguarde na sua vulgaridade...



António Sílvio Couto

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Números de morte...em tempo de gripe

 

Depois dos números dramáticos de mortos, há cerca de dois anos, pelo covid-19, eis que, por estes dias dias (duas semanas apenas), os dados estão aí: em média, na última semana, morreram, por dia, 470 pessoas em Portugal... isto é, com mais de cem óbitos acima do que era esperado...tudo isto parece ser resultado do surto gripal emergente e da fraca adesão à vacinação.

Segundo responsáveis da área da saúde ficou abaixo do desejável a participação na vacinação antigripal, quedando-se, nas pessoas acima do 60 anos, apenas em 62%.

1. Mais uma vez assistimos ao ‘espetáculo’ quase degradante de filas de ambulâncias à porta dos principais hospitais, com horas intermináveis de espera para atendimento, agravando-se tudo isso com o aumento de infeções respiratórias, as condições meteorológicas (frio e chuva), aliadas à descompensação dos prestadores de serviços de saúde, médicos e enfermeiros. Diante destes dados pouco ou nada se modificou: quem governa parece assobiar para o lado, como se não tenha a ver (antes e durante) com o panorama; quem deve propor modificações amedronta-se com a possibilidade de que o que diga lhe seja cobrado a curto prazo (caso possa ganhar as eleições); os que cuidam da nossa saúde não são bem tratados nem pagos... e quem sofre é o mexilhão...

2. Continua-se a clamar pelo SNS como se fosse o placebo que resolve todos os problemas sem deles haver uma cura que resulte...efetivamente. Embora se diga ‘tendencialmente gratuito e universal’, este SNS está falido por razões ideológicas de uma certa esquerda ressabiada e em luta contra quem não faz coro com as suas pretensões: o setor social e os privados não são os que fazem o SNS estar sem nexo, este advém dos conluios de certas forças mais apostadas em tornar tudo e todos ‘coisa do Estado’ do que em resolver-se o que é importante, independemente de quem o faça mais e melhor: com a saúde não se brinca e muitos dos promotores da ditadura exclusiva do SNS continuam mais a servir os seus interesses estatais do que a cuidar das pessoas que precisam de assistência.

3. Agora que caminhamos para fazer escolhas, votando nas próximas eleições, é preciso que se saiba quem quer mesmo o bem das populações, tanto do litoral como do interior. Agora que estamos - ao que parece e nos vendem acriticamente - em tempos de ‘vacas gordas’ com dinheiro a rodos para deitar sobre os problemas, mas sem os solucionar de verdade, importa que se saiba o que cada partido quer para este setor tão frágil e inflacionado da saúde. Pelo silêncio quase cobarde em que temos andado, continuaremos a não saber o que nos espera de verdadeiramente.
Breves questões: por que são as análises clínicas gratuitas? No futuro isso terá possibilidade de continuar? Por que quase aboliram as taxas nos (ainda) centros de saúde? Até quando poderá a economia do país suportar tais benesses? Certos direitos adquiridos foram-no a que título e com que capacidade de continuação?

4. Dizem os entendidos na matéria que o cenário de mortalidade excessiva já se verificou noutros anos, como 2012, 2015, 2017 e 2019. Assim sendo teremos de continuar a ver cair tanta gente que podia e devia ser mantida com vida e saúde?
Votos de saúde com direitos e concomitantes deveres.



António Sílvio Couto

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Truculências neste país de papelão

Não sei se é da idade – dos outros ou minha – mas noto, ultimamente, que certas atitudes parecem-me truculência algo excessiva, tanto pelas palavras, quanto pelos comportamentos: declarações azedas, intervenções excessivas, comentários despropositados, correrias de quem precisa de aparecer... eis alguns exemplos contagiantes deste clima pouco salutar, antes confrangedor... Este país de papelão começa a dar indícios de se vir a desmoronar a médio prazo, tais são os sinais indisfarçáveis associados à má-qualidade dos intervenientes: cada vez mais vale ainda menos... até cairmos nesse atoleiro sem regresso.

1. Quando vemos e ouvimos transpirar agressividade de atuais e anteriores governantes parece que o tom belicista de outras paragens assentou arrais nas hostes dos ‘nossos’ partidos, nos diversas agremiações desportivas, nos espaços da comunicação social (escrita, falada e televisionada), nas conversas das pessoas, que facilmente descambam para discussões e ataques desmedidos: nada nem ninguém se respeita nem se faz respeitar. Quem tenha tido algum tempo para espreitar as atividades políticas - isto é, dos partidos - dos último dias terá ficado com a sensação de que há muita gente a precisar de ser notada, como se daí dependesse o sustento pessoal e familiar a curto prazo. Com efeito, muita gente quando lhe cheira ao poder sai da toca ávida de conquistar protagonismo. Eis o nível dos que pretendem servir. Não será isto, antes, servir-se?

2. Mais um forte sinal deste clima de truculência são os ataques de uns para com os outros. A avaliar pelo ensaio dos dias mais recentes, vamos viver dois meses – estamos a sessenta dias de irmos a eleições – de muito mau ambiente. Haver clareza de projetos não implica que tenha de se verificar um combate de tal forma atroz que a reconciliação posterior se possa tornar quase impossível. Para bem de todos precisamos de saber ao que se propõem fazer, pois a confusão, para além de má conselheira, torna-se muitas vezes foco de oportunismo, de clientelismo e até de mau serviço àqueles a quem se dirige a mensagem.

3. Nalguns dos intervenientes – deveriam ser dignos intérpretes – nota-se a fogosidade da idade. Dos dirigentes máximos dos seis partidos mais votados, quatro deles nasceram depois do 25 de abril de 1974 e os outros dois estão na barreira dos cinquenta anos. Apesar de quase todos terem boa formação inteletual no seu setor de atividade, carecem da experiência de vida e, sobretudo, da ponderação do antes para o depois. Mesmo que componham as suas equipas de trabalho com pessoas com mais experiências faltar-lhes-á a vivência que só a vida traz e ensina. Também neste capítulo um pouco de humildade será de introduzir a contento para que não se venha a verificar a humilhação por falta de bom senso. Este não se vende: ou se tem ou se espera vir a conseguir!

4. Embora na componente eclesial se incentive a participação dos jovens – este ciclo da vida não pode estender-se em excesso – não será desprezível que os responsáveis tenham maturidade suficiente para serem condutores de pessoas ao seu cuidado. A exposição (mediática, pública, nas redes sociais ou noutras formas) em excesso de alguém como que pode denunciar algo que não abona em favor da maturidade necessária. Também aqui o aforisma – o barulho não faz bem nem o bem faz barulho – tem lugar e poderia ser um critério de discernimento de todos e para todos. E nem a expressão introduzida pelo Papa Francisco - ‘todos, todos, todos’ - nos pode distrair do essencial, antes cuidando que haja silêncio e ponderação nas palavras, nos gestos, nas atitudes tão nas simples como nas mais complexas.

5. Nitidamente se nota que nos faltam dirigentes com capacidade e formação de liderança, pois esta é mais do que a soma dos votos amealados nas contendas internas ou por confronto com outros em disputa. Na Europa e no nosso país percebe-se a falta de qualidade em quem a dirige e nos guia...



António Sílvio Couto

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

‘Professor’: palavra-do-ano de 2023

 

Da lista dos dez vocábulos concorrentes à palavra do ano de 2023, ‘professor’ recolheu quase metade (48%) da votação dos cerca de noventa mil que se pronunciaram. Seguiu-se, na escolha, de forma decrescente: médico (9,9%), inteligência artificial (9,8%), inflação (7,9%) e habitação (6,7%). As outras cinco palavras que constavam na lista ficaram por esta ordem: conflito, jornada, clima, demissão e navegadoras. Eu votei, em meados de novembro, em ‘habitação’...

Quando foi divulgada a lista das palavras candidatas a justificação para incluir ‘professor’ tinha a ver com as centenas de protestos que esta classe profissional ocasionara em todo o país, bem como as tentativas de valorização da profissão.
De referir que esta iniciativa da escolha da ‘palavra do ano’ tem a responsabilidade da Porto Editora e acontece desde há quinze anos. Vejamos, em jeito retrospetivo, a lista das palavras vencedoras e poderemos perceber o ambiente social, económico e até cultural de cada tempo...passado. ‘Guerra’ foi a palavra escolhida no ano passado; vacina (2021), saudade (2020) violência doméstica (2019), enfermeiro (2018), incêndios (2017), geringonça (2016), refugiado (2015), corrupção (2014), bombeiro (2013), entroikado (2012), austeridade (2011), vuvuzela (2010) e esmiuçar (2009).

1. Se atendermos ao possível significado sócio-cultural da escolha de ‘professor’ como a mais representativa do momento, de entre as palavras sugeridas à votação, podemos e devemos refletir sobre as implicações a curto e a médio prazo de ser esta expressão profissional a mais votada. Com efeito, ‘ser professor’ tem vindo a tornar-se em algo de controversa visão, de suspeita continuação e, sobretudo, de importante reflexão sobre o futuro da qualidade de ensino no nosso país. De facto, é cada vez menor o número de pessoas que opta profissionalmente por esta função de ensinar, dizem teoricamente que de educar, as gerações mais novas. O que contribuiu para termos chegado a este estado de coisas? Não teremos andado a negligenciar esta tão essencial dimensão social do ensino-aprendizagem? Muito para além da menos boa remuneração dos docentes não teremos esvaziado a capacidade educativa? Quem estará pelos ajustes de ser desautorizado dentro e fora das salas de aula? Não teremos feito do aluno alguém com mais direitos em confronto só com deveres da parte dos professores? Por seu turno, a forma algo arruaceira como se manifestaram os professores não ajudou a cair-se no respeito a que se deviam prestar dentro e fora da escola? Com que autoridade irão corrigir os alunos menos respeitosos, se os professores se nivelaram pela malcriadez mais básica?

2. Os professores foram, são e serão alguém de importância fundacional da estruturação de um país, seja qual for a sua dimensão. Se estiver doente esta vertente talvez entremos em colapso a muito curto espaço. É preciso que, quem entra na dimensão da educação das massas populares - para usar uma expressão de outras épocas e latitudes - o faça por vocação, isto é, por gosto de ensinar e não como mera profissão mais ou menos limpa de resíduos. Dir-se-ia que é preciso ter carisma para ser professor, pois mais do que comunicar conteúdos, o professor ensina pelo que é, pelo modo como se apresenta e, nalguns casos, funciona quase como substituto/a dos pais em matéria identitária. Por isso, o descuido com que vimos certos educadores não abona nada quanto ao futuro. Desgraçadamente um certo (mau) espírito de classe deixou-nos preocupações sérias no tecido social do nosso país.

3. Mais uma vez e num setor agravado, podemos perceber que a estatização do ensino não beneficiou quem nele participa. A (dita) escola pública caiu muito para baixo e nota-se que as pessoas querem quem ensine e não quem faça (somente) da reivindicação a escola da vida. As pretensas ‘gerações vindouras’ merecem ter futuro e por este andar da caminhada cairemos no abismo... Este pilar social não pode capitular por meros cêntimos de protesto, mas todos têm de dar sinais de que nem tudo está bem nas aprendizagens. Será que temos quem saiba ensinar e não meramente reproduzir conhecimentos? Queremos alunos ou desejamos estudantes?

4. Já perdemos tempo em excesso: comecemos uma nova fase!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Ser levado a sério

 


Em vários campos da nossa vida – pessoal ou coletiva – estamos a sofrer de algo extremamente perigoso: não ser levado a sério, não só em razão das posições já assumidas como das desconfianças emitidas ou mesmo dos preconceitos mais ou menos disfarçados de posições de opinião. Por vezes isso é de tal forma capciosa e subtil que será preciso desmontar certas razões e, sobretudo, arranjos de grupo, de facção ou ideológicos.

1. Comecemos pela batalha eleitoral que se avizinha: há figuras que sem terem prestados provas de jeito, pelo contrário, como que emergem na linha da solução, quando foram recentemente causa de problemas. Como se diz de alguns: não têm curriculum, mas antes cadastro. Não deixa de ser sintomático que promotores na sombra, noutras épocas, saiam da penumbra para influenciarem os mais incautos e ludibriados na onda... Mais uma vez assistimos à técnica quase estafada: por muito repetir uma mentira querem que ela se torne na versão da verdade. Quem foi que se demitiu? Por que onde insistir numa solução esgotada e algo bafienta?

2. No mundo do desporto – antes era só no futebol, agora foi estendido a outras modalidades – vive-se a tensão de que os erros dos outros como que apagam os insucessos dos nossos apaniguados: ei-los a discutir horas a fio as jogadas não sancionadas pelos árbitros de fora do campo, mas que podem explicar que o ganhar moral pode ser um êxito maior do que o conseguido no campo. Com que mestria se inventam soluções que já foram pasto de derrotas...

3. No âmbito da economia – trabalho, empresas ou na rua – surgem soluções que na maior parte dos casos não passam de enganos alicerçados na média generalista. O caso do salário médio distrital não passa de uma efabulação para distraídos. Os dados divulgados, pela segurança social, sobre o ano de 2023 apresentam os números seguintes: 1.300 euros em média geral, com o seguinte escalonamento: Lisboa - 1.535 euros; Setúbal - 1.378 euros; Porto - 1.316 euros... Em Braga, Viana do Castelo, Aveiro e Leiria os salários médios variam entre os 1.100 e os 1.200 euros. Não será que, mais uma vez, as médias são enganosas e não serão para levar a sério? Pelo que se pode ver e aferir tudo isto soa a engano e quase a mentira.

4. Nos espaços com incidência religiosa – particularmente na vertente cristã – nota-se que muito daquilo que se vê ser noticiado não pode ser levado a sério ou a mentira seria o guião de muitas condutas. O recurso a certos chavões de conveniência, numa linguagem a roçar o populismo, parecem mais confundir os incautos do que ajudar os que querem viver no mínimo de seriedade moral/ética e com condições para resultar no futuro próximo. Não deixa de ser quase-manipulação a insistência em certos temas pouco abonatórios dos prevaricadores, mas não estão todos nessa categoria. Habilidosamente se confunde a nuvem com Janus ou a árvore com a floresta...

5. Na complexidade da comunicação social – onde os grupos detentores não chegam a meia dúzia – vivem-se tempos conturbados, dado que os fazedores da notícias estão agora sob a mira da (dita) opinião pública. Muitos estão a receber a paga da fatura com que andaram a vender patranhas sobre outros. Dá a impressão que o tosquiador foi, afinal, tosquiado. Desgraçadamente para alguns já vai ser tarde para aprenderem as lições que pretenderam impingir aos outros. Por muito que queiram vender o produto da isenção vemos que esta nunca foi tão mal servida como neste tempo das redes sociais. Também aqui a (pretensa) denúncia anónima para encher páginas ou fazer parangonas nos noticiários se voltou contra aqueles que usam tal estratagema…

6. Como se dizia na velha Roma a cair de podre: não basta à mulher de César que seja séria, é preciso que o pareça também!



António Sílvio Couto