Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 30 de março de 2020

…E se, de repente, tudo se torna incerto


Há pouco mais de um mês – recordemos, por exemplo, o dia 29 de fevereiro, em ano bissexto – tudo era sucesso, boa disposição e liberdade. Se alguém ousasse dizer que tudo isso estava em perigo, como que lhe perguntaríamos o que é que teria estado a beber ou por onde tinha andado a snifar o quê. Se bem que de Itália vinham maus ventos e de Espanha começavam a soprar piores presságios…com isso a que ainda chamavam ‘coronavírus’, mas a sua designação mais catastrófica de «covid-19» não tinha sido tão assumida…

Ao nível religioso/católico estávamos a começar a quaresma, sem grande apreço pela ‘quarta-feira de cinzas’, onde – tendo em conta a realidade onde vivo há quase dez anos, a Moita – um grupo de jovens do ISCTE estava a realizar a segunda semana/ano da ‘missão país’…e uma boa parte dos ‘praticantes’ ainda não se tinha dado conta da nova realidade litúrgica e espiritual…as missas, sobretudo as de sábado, tinham pouca afluência e nem intenções pelos mortos surgiam…talvez fosse ainda resultado do rescaldo do carnaval.

Em Portugal, notícias dos canais de economia referiam que as contas públicas registavam um excedente de 1,27 mil milhões de euros; outros salientavam que a economia portuguesa tinha crescido 2,0%, em 2019, uma décima acima do estimado pelo governo… As ruas, particularmente, da capital, tinham muitos turistas, embora algumas empresas, sobretudo multinacionais, começassem a condicionar as deslocações dos seus colaboradores…no horizonte eram desaconselhadas viagens para o extremo Oriente, com a China em maior ressalva. As pessoas viviam sem preocupações, gastando e projetando férias, dentro ou fora do país, com os restaurantes a merecerem a preferência a comer em casa, nalguns casos havia filas em espera… 

… Decorrido um mês: estamos em estado de emergência; muitas empresas – até da economia social – estão a lançar mão do mecanismo de ‘lay-off’, as escolas – desde as creches até às universidades – estão fechadas, agora de férias da Páscoa, mas já há duas semanas por prevenção do ‘covid-19’; os restaurantes, cafés e atividades similares foram compulsivamente fechados, os empregados suspensos de funções e alguns até já despedidos; as ruas estão desertas, enquanto as estradas e autoestradas começam a ficar sob vigilância das polícias; os aeroportos, depois de dias em azáfama, começam a ficar sem pessoas; as forças de saúde estão prestes a colapsar, tal a afluência aos postos de atendimento, consulta e tratamento; os lares de idosos – a designação de ‘estrutura residencial para idosos’ começa a ser eufemística – estão na mira das autoridades, tanto de saúde como de segurança; as igrejas/locais de culto religioso estão fechadas e os serviços de sacramentos com a presença de assembleia suspensos, com a exceção das transmissões via internet, televisão ou pelas (ditas) redes sociais…dois momentos marcaram os crentes católicos, na última semana, o ‘ato de consagração ao Sagrado Coração de Jesus e Imaculado Coração de Maria’, em Fátima, na tarde de 25 de março (por sinal nove meses antes do Natal) e a ‘bênção urbi et orbe’ do Papa Francisco, no Vaticano, a 27 de março, numa intervenção místico-profética; a política e os políticos hibernaram e ninguém quer destoar do protagonismo do governo, que vai gerindo conforme lhe convém e gerando na medida em que lança dinheiro para calar as massas, enquanto estas se emudecem de medo, de ansiedade e de possível concordância…serão semanas e meses entre o hospital e o cemitério, onde as derradeiras despedidas não têm espaço nem a mínima oportunidade… 

…E depois de tudo isto?

Dizem que nada será como antes. Outros creem que não passa de um susto, estando em suspensão o que antes vivíamos. Uma silenciosa maioria acha que voltaremos à estaca da crise de 2008, onde foi despejado dinheiro para fazer acreditar que (quase) tudo se reduz à economia. Esta talvez revele o posicionamento de uma boa parte de pessoas que chafurdam no consumismo, no materialismo e no mero hedonismo.

Para quem seja crente – veja-se a leviandade com que certos fazedores de notícias e rostos da situação saem do armário da sua descrença com aparente serenidade, mas tolhidos de medo no rosto – Deus está a falar, talvez demasiado baixo ou será muito alto? Não aconteça que a supressão dos atos de culto com assembleia acomodem os praticantes ao resguardo do sofá. Já sentimos a necessidade de comungar Jesus-eucaristia? Como vamos sair desta crise com a fé mais reforçada? Rezemos uns pelos outros e todos pelo mundo…      

 

António Sílvio Couto

sábado, 28 de março de 2020

Com medo natural… tenho confiança sobrenatural


Perdurará na minha memória a simbologia do Papa Francisco, na tarde de 27 de março (6.ª feira, duas semanas antes da grande sexta-feira santa): um homem só, percorreu a praça de São Pedro, no Vaticano, qual ‘bode expiatório’ (cf. Lv 16,1-23) desta Humanidade sofredora, diante de um Deus misericordioso e atento, embora, por muitos, ignorado, abandonado e desprezado. As suas palavras e gestos, o seu rosto macerado e triste, o seu silêncio contemplativo, creio que deixou a todos os crentes – muito para além do âmbito católico – uma mensagem, que deve ser descodifica.  

* Vimos um Papa, já ancião, caminhando cambaleante sobre o lajedo gasto daquela centenária praça. Ali onde tantas vezes houve multidões, via-se, agora, um homem só. É verdade que somos parte de um grande conjunto de situações, mas, na hora extrema, estaremos a sós connosco mesmos e com Deus. Cristo Jesus é o ‘cordeiro pascal’, enquanto o Papa consubstancia a figura do ‘bode expiatório’, muito para além do ‘servo de Iave’, que há de ressoar nas leituras da próxima Semana santa.  

* O texto escutado e meditado colocou-nos perante a tribulação dos discípulos, na frágil barca, no contexto do lago de Tiberíades (cf. Mc 4,35-41): Jesus, o mestre dorme e tem de ser acordado para que se evite o colapso de todos. Interpretando o fenómeno da tempestade – a da narrativa evangélica e esta que estamos ainda a viver – o Papa refere: «A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de «empacotar» e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela abençoada pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos
». 

* Por diversas vezes o Papa Francisco repetiu – qual refrão da nossa condição terrena – ‘porque tendes medo ou estais medrosos?’ Explicando algumas das razões de tantos desses medos e apontando soluções:

- Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa... Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente.
- Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão. Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros.
- Quantos pais, mães e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras.
- Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. 

* O sinal profético do Papa Francisco faz-nos olhar para o Alto – como ele fez diante da imagem de um crucifixo milagroso levado da igreja de São Marcelo al Corso e do ícone de Maria ‘Salus populi romani’, venerado na Basílica de Santa Maria Maior – numa atenção aos sinais divinos, pela leitura dos mistérios humanos. À semelhança de Jesus, diante do túmulo do seu amigo Lázaro, também nós choramos os que partem, alguns deles precocemente, mas olhamos para o testemunho dos nossos guias na fé, porque mais velhos e experimentados na vida, e confiamos que Deus nos há de fazer passar desta tribulação…na paz.  

 

António Sílvio Couto

Da trela à treta…e vice-versa


De entre as exceções à condição de emergência, em que estamos a viver, sobressai a possibilidade de levar a passear o cãozinho (ou canzarrão) à rua. Essa poderá ser uma razão ou até uma desculpa para infringir o dever de recolhimento para muitas pessoas e uma boa parte de insatisfeitos com aquilo que se está a vivenciar.

Que dizer, então, da confluência de arejamento, quando duas ou três ‘vizinhas’ (ou vizinhos) se encontram à esquina da rua e, colocando os ‘lulus’ (de estima, de companhia ou de substituição) à distância de segurança (pelo menos dois metros), se colocam na conversa – a tal treta – sustida pela trela dos seus argumentos para saírem de casa? Será esta mais uma das habilidades, à portuguesa, para tornear as regras e fazer-de-conta que está tudo normal? Quantas vezes e por quanto tempo se pode usufruir (usar ou abusar) deste regime de exceção por dia? Não andaremos a explorar os animais com os ‘nossos’ descuidos e subterfúgios de ocasião? 

= De facto, haverá um tempo antes do coronavírus ‘covid-19’ e um tempo posterior. Nada será igual na mentalidade, no comportamento, na forma de entender e de viver e mesmo nas atitudes com que vemos, entendemos e nos relacionamos uns com os outros, connosco mesmos e talvez até com Deus.

Vejamos, com a luz que temos agora e capacidade de discernimento mínima, quais as implicações de tudo isto e daquilo que ainda pode vir.

* Que mentalidade? Dava a impressão que andávamos (quase) todos numa vivência superficial – parecendo flutuar sem referências – vivendo num festim de abundância para as coisas materiais ou mesmo materialistas. Com que facilidade se trocaram os templos religiosos pelos lugares de consumo e de consumismo. Veja-se o corrupio de veraneio em maré da Páscoa. Uma boa parte dos nossos contemporâneos satisfaz-se mais com aquilo que alimenta o corpo, esquecendo-se dos valores psicológicos/emocionais, espirituais e transcendentes. Só numa rutura ou crise isso se manifesta pela ausência…

* Que ética/moral? Bastou um sopro ameaçador, vindo do extremo Oriente, e quase tudo colapsou. Que temos a mudar? Onde está o nosso centro de vida? A discussão sobre a eutanásia não terá sido mais um fait-divers de gente oca, vazia e apodrecida? Com a tal lógica do descartável ainda se compreende o esforço de salvar vidas – sobretudo dos mais velhos e dos (ditos) incapacitados – com que vemos os agentes da saúde a arriscarem? Aqueles que defendiam que a eutanásia era a resposta para tantos dos seus – não dos nossos! – problemas, não os temos visto a sair da sua lura comodista e anarco-trotskista… Os humanos dá a impressão que os incomodam, fazendo-os, antes, reféns de ideias agora denunciadas, subvertidas e baralhadas. Efetivamente a ética/moral que serviam não passa, afinal, da parca volumetria da sua prosápia e oportunismo.

* Que relacionamento? Parecendo um novo tempo, estamos a viver uma nova idade, onde teremos de aprender a saber estar e de nos fazermos presentes uns aos outros de forma mais sincera, atenta e moderada. Nos tempos mais recentes veio crescendo algum excesso de exposição das pessoas da sua vida privada, com a irremediável intromissão na vida alheia. As conversas de alcoviteira passaram da soleira da porta ou dos bancos do café para as (ditas) ‘redes sociais’, gerando-se alguma promiscuidade entre o que seria de falar e tanta outra coisa que entrava no espaço do resguardar. Repare-se na incongruência no número de ‘amigos’ faceboquianos e aqueles que o possam ser de verdade. Foi custoso fazer compreender a tantos dos nossos concidadãos o dever de reserva neste tempo de ‘emergência’. Tornou-se lastimável ver os esforços de tantos agentes de saúde serem deitados a perder com as passeatas à beira-mar em certos dias de sol… Vamos continuar como se nada tenha de mudar? Ao menos por medo, mudemos as formas de relacionamento social…

* Que religião? Perdurará na minha memória a simbologia do Papa Francisco, na tarde de 27 de março (6.ª feira, duas semanas antes da grande sexta-feira santa): um homem só, percorreu a praça de São Pedro, no Vaticano, qual ‘bode expiatório’ (cf. Lv 16,1-23) desta Humanidade sofredora, diante de um Deus misericordioso e atento, embora, por muitos, ignorado, abandonado e desprezado. As suas palavras e gestos, o seu rosto macerado e triste, o seu silêncio contemplativo, deixou a todos os crentes uma mensagem. Será que já a entendemos? Ajudemo-nos a discernir os sinais dos tempos, nesta hora de graça e da esperança!

  

António Sílvio Couto

quinta-feira, 26 de março de 2020

‘Ato de consagração’ ao Coração de Jesus


Por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa, no passado dia 25 (quarta-feira), foi renovada a consagração de Portugal ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria.

A partir do santuário de Fátima, o Cardeal António Marto, bispo daquela diocese e vice-presidente da CEP expressou – nalguns momentos de forma emocionada – os grandes sentimentos que percorrem as nossas almas.

Também o episcopado de Espanha se uniu a esta iniciativa dos bispos de Portugal… e com eles mais de vinte outros episcopados espalhados pelos cinco continentes.

 

Coração de Jesus Cristo, médico das almas,
Filho amado e rosto da misericórdia do Pai,
a Igreja peregrina sobre a terra,
em Portugal e Espanha, nações que tuas são,
olha para o teu lado aberto, sua fonte de salvação, e suplica:
— nesta singular hora de sofrimento,
assiste a tua Igreja,
inspira os governantes das nações,
ouve os pobres e os aflitos,
exalta os humildes e os oprimidos,
cura os doentes e os pecadores,
levanta os abatidos e os desanimados,
liberta os cativos e os prisioneiros
e livra-nos da pandemia que nos atinge.

Coração de Jesus Cristo, médico das almas,
elevado no alto da Cruz e tocado pelos dedos do discípulo no íntimo do cenáculo,
a Igreja peregrina sobre a terra,
em Portugal e Espanha, nações que tuas são,
contempla-Te como imagem do abraço do Pai à humanidade,
esse abraço que, no Espírito do Amor, queremos dar uns aos outros
segundo o teu mandato no lava-pés, e suplica:
— nesta singular hora de sofrimento,
ampara as crianças, os anciãos e os mais vulneráveis,
conforta os médicos, os enfermeiros, os profissionais de saúde e os voluntários cuidadores,
fortalece as famílias e reforça-nos na cidadania e na solidariedade,
sê a luz dos moribundos,
acolhe no teu reino os defuntos,
afasta de nós todo o mal
e livra-nos da pandemia que nos atinge

Coração de Jesus Cristo, médico das almas e Filho da Virgem Santa Maria,
pelo Coração de tua Mãe,
a quem se entrega a Igreja peregrina sobre a terra,
em Portugal e Espanha, nações que, desde há séculos, suas são,
e em tantos outros países,
aceita a consagração da tua Igreja.
Ao consagrar-se ao teu Sagrado Coração,
entrega-se a Igreja à guarda do Coração Imaculado de Maria,
configurado pela luz da tua Páscoa e aqui revelado a três crianças
como refúgio e caminho que ao teu coração conduz.
Seja a Virgem Santa Maria, a Senhora do Rosário de Fátima,
a Saúde dos Enfermos e o Refúgio dos Teus discípulos gerados junto à Cruz do teu amor.
Seja o Imaculado Coração de Maria, a quem nos entregamos, connosco a dizer:
— nesta singular hora de sofrimento,
acolhe os que perecem,
dá alento aos que a Ti se consagram
e renova o universo e a humanidade.
Ámen.



Fátima, 25 de março de 2020

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 24 de março de 2020

Na expetativa da consagração ao Coração de Jesus


Por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa, no próximo dia 25 (quarta-feira), será renovada a consagração de Portugal ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria.

Será às 18.30 horas, a partir do santuário de Fátima, pelo Cardeal António Marto, bispo daquela diocese e vice-presidente da CEP.

Entretanto, também o episcopado de Espanha se uniu a esta iniciativa dos bispos de Portugal e participarão na consagração ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria.

Segundo o comunicado da comissão permanente da CEP ,“todas as Dioceses estarão unidas na oração do Rosário pelas intenções de todo o mundo e em particular de Portugal, nesta situação dramática que estamos a passar devido ao coronavírus Covid-19”. Esta consagração será feita na linha daquela que foi realizada a 20 de outubro de 2019, efetuada também em Fátima pelo cardeal  D. Manuel Clemente e com a presença de trinta e sete bispos, por ocasião do encerramento do ‘ano missionário’ e assinalando também os 175 anos do Apostolado da Oração no nosso país.
A primeira consagração de Portugal ao Imaculado Coração de Maria aconteceu no dia 13 de maio de 1931, oito meses depois do reconhecimento oficial das aparições pelo bispo de Leira, no final da primeira peregrinação nacional do Episcopado português a Fátima.
Mais tarde, em outubro de 1942, ano em que se celebrava o 25.º aniversário das aparições, através de uma radio-mensagem, o Papa Pio XII consagra o mundo ao Imaculado Coração de Maria. 

= Qual poderá ser o significado desta consagração – tanto de Portugal como de Espanha – ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria? Será isto uma invocação de Deus (só) nas horas de aflição? Nesta encruzilhada de questões, como poderemos incluir e comprometer Deus? Estaremos a vincular social e politicamente o país – no caso até os dois países – num tempo de acentuado laicismo agnóstico?

Que esperamos desta consagração? Estaremos capazes mais de dar do que pretendemos receber de Jesus e de Maria? Estará este momento a reavivar uma fé escondida ou fará encobrir o pouco que ainda resta? Já descobrimos neste puzzle de emoções algo que nos chame à conversão ou limitamo-nos a adaptar-nos à conveniência? Até onde irá a disponibilidade pessoal, familiar, social e eclesial de questionarmos o que somos à luz daquilo que vivemos? 

= Na oração proferida em 20 de outubro de 2019 dizia-se:

Coração de Jesus,

Verbo eterno feito carne,

por Ti, contigo e em Ti

a Igreja em Portugal compromete-se

a escutar a voz do teu Espírito que sopra onde quer e fala de formas sempre novas,

a conservar a humildade de coração,

a reconhecer as maravilhas que Deus realiza hoje no nosso mundo,

a converter-se em cada dia às exigências das bem-aventuranças,

a oferecer-se sem medida pela realização plena de cada homem e mulher do nosso tempo,

a empenhar-se pela justiça, pela paz e pelo cuidado integral da criação,

a ser Igreja em saída e missão de proximidade nas periferias do mundo,

a ser semente de esperança comprometida com a vida que nos rodeia   

Nota-se nesta parte final da oração, passados menos de cinco meses, há algo de uma razoável mudança das ‘condições do nosso tempo’, pois hoje temos de estar em casa com medo do ‘covida-19’ e nessa época estávamos dispostos (?!) a ‘ser Igreja em saída’… ‘As maravilhas’ são agora condicionantes que ‘Deus realiza no nosso tempo’. De facto, entre a data de outubro de 2019 a março de 2020 muita coisa mudou e continuará a mudar… Deixemos que Deus nos fale e ajudemo-nos a entendê-lo.

 

António Sílvio Couto

domingo, 22 de março de 2020

Numa guerra sem quartel, quais são as munições?


Passado um certo susto inicial, a pandemia de ‘covid-19’ está ser levada mais a sério por parte das pessoas, desde dirigentes (nacionais e internacionais) até à população em geral, sem esquecer os mais diretos intervenientes que são os agentes da saúde e dos doentes (atuais ou futuros).

Vários termos têm sido usados para se referirem a esta pandemia, nas causas e, sobretudo, nas consequências: suspeitos, infetados, internados (em estado crítico ou vigiados no domicílio), confirmados (ou a aguardar resultados), casos recuperados e situações de falecimento…

Não será possível apresentar de forma objetiva quais serão os números exatos de qualquer um dos itens referidos, pois entre a recolha e a leitura haverá um desfasamento irremediável. Perante esta progressiva dificuldade em conseguir unir as pontas de um complexo sistema de perplexidade, tudo quanto possa ser dito andará sempre atrasado em relação aos factos e à sua interpretação.

É verdade que no espaço de poucos dias – a primeira vítima infetada, em Portugal, está datada de 2 de março – temos estado a ser assolados com dados verdadeiramente vertiginosos na subida. Comparativamente com outros países – particularmente com Itália e Espanha – vamos crescendo numa proporção menos acentuada, mas poderemos aumentar de forma repentina e talvez não-controlável…dentro de um mês.  

= Mesmo com algum atraso – mais na forma do que no tempo – os nossos governantes foram deixando sair a conta-gotas as medidas que consideravam mais adequadas, numa estratégia de comunicação que valerá a pena identificar, descrever e até desmontar. Por mais de uma vez foram apontadas soluções, mas o modo de ser feito só tinha concretização no dia seguinte ou depois deste…assim a máquina de comunicação poderia ir aferindo das reações dos papagaios nas diversas televisões (*) ou em espaços de discussão entretanto criados e desenvolvidos… Dava a impressão que, para cada medida, estaria em avaliação mais do que uma solução, dependendo da reação que se fosse (ou vai) gerando, para, desta forma, ir gerindo a prossecução de novas e mais (ousadas) medidas. Não será isto uma espécie de tática de populismo: primeiro atira-se para o ar, tenta-se ver como reagem e depois é só passar a escrito ou tirar da gaveta uma das propostas já (ardilosamente) pensadas… 

= Por diversas vezes os comunicadores – são até mais elas – vão fazendo o seu relato, mais do que uma vez ao dia, trazendo à colação dados um tanto dispersos, mas apresentados como se fossem a versão oficial do tema. A frase: ‘vamos aprendendo cada dia’ tem sido repetida. As lições de outros países têm aparecido como os melhores mestres no tratamento do assunto, na forma de o enfrentar e até de o comunicar.
Os refrães – televisivos e outros – foram-se espalhando pelos vários países numa articulação de aprendizagem que a todos beneficia. Não tem sido abordada a questão tanto quanto deveria, mas muito daquilo que estamos a viver seria quase que impossível de ver, de tratar e de combater fora do quadro da União Europeia, na ligação da maior parte dos países do velho continente. A circulação de pessoas e de informação não tem sido só maléfica, pois se a primeira talvez tenha ajudado a difundir-se a epidemia, a segunda tem sido muito salutar para perceber o problema, cuidar das etapas e mesmo antecipar comportamentos pessoais e sociais… de contaminação, de risco ou de disseminação. 

= Nesta guerra os quarteis têm sido os hospitais, fazendo do pessoal de saúde os combatentes quase a atingirem a exaustão. Em muitos casos foi-se gerando a mentalidade de que cada cidadão tem de ser vigia de si mesmo e dos outros, sustendo a difusão do vírus e cuidando de que não seja por negligência que outros sejam afetados. Dá a impressão de que custou a entender este mecanismo, dado que estávamos demasiado fechados aos outros, mas com o passar dos dias foi crescendo a convicção de que algo tinha de mudar e está a ser diferente. As munições desta batalha estão na consciência e no bom senso de todos, sabendo que de cada um depende a vitória de uma imensa multidão…ao final desta guerra.

Certas medidas profiláticas têm sido contundentes, desde o fechar dos templos até ao recolhimento em casa, mas será que isto é temporário ou vai-nos ensinar a estar uns com os outros? O medo não ajuda em nada! 

(*) Num dos canais de televisão, quando era apresentado um quadro da evolução progressiva da pandemia, um locutor questionou que, no dia 19 (quinta-feira), tinha havido uma quebra no crescimento da doença. Ele esqueceu-se que, nessa data, era o dia de São José… talvez ele tenha velado um pouco por nós.    

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 18 de março de 2020

Estará a cumprir-se a ‘profecia de Nostradamus’?


«No ano dos gémeos, surgirá uma rainha, vinda do Oriente e espalhará a sua praga, vinda dos seres da noite, na terra das sete colinas, transformando em pó, os homens do crepúsculo para culminar na sombra da ruína».
Parece que é isto o que diz a ‘profecia de Nostradamus’ de 1555.
Explicando...numa tentativa mais de acomodação do que de interpretação:
- ‘ano dos gémeos’: 2020;
- ‘rainha vinda do Oriente’: coroa/corona, vinda da China;
- ‘espalhará sua praga’: vírus;
- ‘vinda dos seres da noite’: morcegos...apontados como a origem inicialm,mas ainda não descartada;
- ‘na terra das sete colinas’: Roma;
- ‘transformando em pó’: morte;
- ‘os homens do crepúsculo’: mais velhos
- ‘para culminar na sombra da ruína’: confusão geral na economia.  

Em tudo isto e no resto (outros factos e suposições) o que pode haver de acertado ou de mentira? Andar a colar rótulos a coisas do passado – nalguns casos com fundamentação algo duvidosa – será sério, correto e sensato? As leituras das profecias de Nostradamus serão algo mais do que patranha exotérica? Poderemos, enquanto cristãos/católicos, dar assentimento a coisas nem sempre fiáveis ou credíveis?

Logo que chegou ao espaço europeu o coronavírus ‘covid-19’ houve quem quisesse descobrir num livro do início da década de oitenta – ‘os olhos da escuridão’ – uma revisão daquilo que estamos a viver quarenta anos depois: uma arma biológica com o nome da cidade de Wuhan – local de onde se desencadeou todo o processo – e que fez milhares de vítimas, cujo nome do cientista coincide com o de um médico que tem publicado estudos sobre o coronavírus… 

= Quando tudo parecia em serenidade, sorvendo uma espécie de paz podre, eis que surgem sinais evidentes de que algo vai mal no reino da nossa existência morna e anódina. Para quantos não viveram qualquer tipo de guerra – sobretudo os que têm menos de 65 anos – tudo parecia adquirido sem esforço nem grande sacrifício. Muitos dos mais novos não foram tidos nem achados para aquilo que lhes foi dado de mão-beijada e talvez menosprezada… pois o fervor revolucionário de antanho foi ensopado com grelos de cultivo intensivo. As prateleiras cheias de tudo e daquilo que não foi solicitado foi acomodando tantos dos funcionários de categoria básica e sem grandes reivindicações.

Isto, de repente, ter de se submeter às condicionantes de alguma disciplina soa a revanchismo de outras épocas e à limitação dos direitos, liberdades e garantias. Tocaram-nos na saúde e ficamos em pânico, pois o próprio e os outros podemos tornar-nos inimigos de nós mesmos e dos demais. Cresce a desconfiança sobre tudo e para com todos. Nada nem ninguém deixará de estar sujeito a poder ser um potencial transmissor de doença. Isto que era tácito passará em breve a ser explícito, tornando-nos objeto de controlo e de repressão, se preciso for. 

= Se há quem olhe para as palavras da profecia de Nostradamus como alvo de ironia, há quem as considere como mais um aviso à nossa bazófia cultural. Com razoável facilidade criamos monstros e desfazemo-nos de mitos, mas com insuficiente rapidez sabemos ler os sinais daquilo que nos faz ter medo à mistura com o que não conseguimos compreender devido à manifesta incapacidade de inteligência e de humildade. Dá a impressão que somos mais capazes de barulhar e menos de mergulhar no verdadeiro sentido das coisas e dos acontecimentos…atuais, passados e futuros.

A leitura de acontecimentos como este da pandemia do coronavírus ‘covid-19’ só será possível quando nos colocarmos de joelhos, não numa mera submissão acrítica, mas procurando discernir o que Deus nos quer dizer com tudo isto! À boa maneira de Pascal: se queres compreender põe-te de joelhos!      

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 16 de março de 2020

Comunhão espiritual…em estado de alerta


Com as medidas higiene-sanitárias em curso em razão do coronavírus ‘covid-19’ temos de reaprender vários aspetos da nossa vida privada e em público, que considerávamos insuspeitamente adquiridos. Temos de saber estar uns com os outros, defendendo-nos e sendo defendidos. Temos de colocar a nossa vida em maior intercomunhão, pois de cada um de nós depende a segurança dos outros e deles está cifrado o que podemos dar e receber.

A suspensão dos atos religiosos – entre os quais a missa – com a presença de pessoas – não é de público, como alguns dão a entender, mas da assembleia de irmãos, que por se quererem bem, até aceitam alguns sacrifícios de não participarem na comunidade presencial.

De entre as temáticas que podem ser úteis abordar vamos explicar o que é a ‘comunhão espiritual’, qual o seu significado e como participar nela…em maré de crise, embora no tempo da Quaresma.

«Nem todos os fieis presentes na Missa estão em condições de receber a Eucaristia durante a Missa, mas todos são capazes de viver o que é chamado de “comunhão espiritual”, no sentido de um ato de adoração, unindo-se com o movimento de doação que está sendo celebrado na Missa. A esse respeito, Santa Teresa d’ Ávila escreveu: “Quando você não receber a comunhão e não assistir à Missa, você pode fazer uma comunhão espiritual, que é uma prática muito benéfica; por ela, o amor de Deus será marcado de forma impressionante em ti”. Nós estamos todos, de alguma forma, unidos pelo Espírito Santo. Aqueles incapazes de receber a comunhão podem declarar, nos seus corações, o desejo sincero de recebê-la e unirem-se a si mesmo e seus sofrimentos, naquele momento, com o sacrifício de Jesus Cristo. Nos últimos anos, o convite é constantemente feito àqueles que não podem receber a comunhão sacramental - por exemplo, as crianças antes de sua Primeira Comunhão e adultos que não são católicos - para receberem uma “bênção” no momento da Comunhão» - Pontifício Comité para os congressos eucarísticos internacionais, ‘A eucaristia: comunhão com Cristo e entre nós’, n.º 121.
Embora nesta citação estejam vários aspetos de incidência naquilo que costumamos designar de ‘comunhão’ eucarística, vamos centrar-nos mais especificamente na ‘comunhão espiritual’.
A ‘comunhão espiritual’ consiste num desejo ardente de receber Jesus sacramentalmente e num amoroso encontro, como se fosse recebido realmente. Esta devoção é um meio eficaz para chegar à perfeição e ao mesmo tempo é uma devoção fácíl, porque pode ser praticada todos os dias, por todos, e quantas vezes se quiser, sem ser visto ou observado por pessoa alguma. Podemos e devemos praticar a ‘comunhão espiritual’ com frequência, na oração mental, na visita ao Santíssimo Sacramento e na presença na Missa à hora da comunhão do sacerdote…sobretudo para quem estiver, pelas razões eclesiais conhecidas e aceites, impedido de receber a comunhão no pão eucarístico. 

= Agora que a maior parte dos fiéis está a viver esta provação da privação da comunhão sacramental, tanto no contexto da eucaristia celebrada, como fora dela, talvez ser-nos-á útil para a nossa formação e caminhada espiritual sermos melhor esclarecidos desta possibilidade que a nossa fé católica nos dá.

Apresentamos uma sugestão para a vivência da ‘comunhão espiritual’:

- Faz, primeiramente, um ato de fé, crendo firmemente que na Eucaristia está o corpo, o sangue, a alma e a divindade de Jesus Cristo, tão vivo como está no céu;
- Faz também um ato de amor, unido ao arrependimento dos teus pecados;
- Faz um ato de desejo, convidando Jesus Cristo a entrar na tua condição espiritual, alma e espírito;
- Dá graças ao Senhor por tudo quanto tens recebido de graça e de bênção na tua vida...antes, agora e no futuro.
- Permanece em silêncio contemplativo, unindo-te a todos os santos e anjos no Céu, especialmente a Nossa Senhora...

Eis uma sugestão. Poderemos voltar ao tema, se tal for útil e se justificar.

 

António Sílvio Couto

domingo, 15 de março de 2020

Onde está Deus nesta crise…do ‘covid-19’?


Tal como noutros momentos/acontecimentos mais difíceis da história da Humanidade, assim agora se pode/deve perguntar: onde está Deus? O que é que Ele nos está a querer dizer? Que sinais encontramos de que Ele está em tudo isto? Qual o contributo humano para esta situação generalizada de crise? Será isto resultado de uma tendência crescente de homem/mulher hodiernos terem posto Deus fora da sua existência? Não andaremos a viver, cada vez mais, segundo o princípio ‘como se Deus não existisse’? 

- Partindo do pressuposto de que nada acontece fora de Deus, temos de questionar-nos uns aos outros sobre tudo isto que está a acontecer… desde o que conseguimos enxergar até àquilo mais profundo que não temos capacidade de o verificar. Efetivamente, em menos de três meses – as primeiras notícias em Whuan, na China, datam de finais de 2019 – generalizou-se esta pandemia… cujos números de infetados, de colocados em vigilância (quarentena ou outro modelo) e até de falecidos estão em contínua desatualização… Tudo isto, num ápice mergulhou-nos nesse tal ambiente a roçar o tétrico e quase incontrolável, tanto pelas autoridades, quanto pelas pessoas mais ou menos conscientes daquilo que está em causa: a saúde pública e talvez a sobrevivência privada. 

- Perante as medidas tomadas para tentar controlar a epidemia pelo ‘covid-19’ poderemos ficar descansados? Haverá proporção entre um certo cuidado coletivo e algum desleixo pessoal? Já teremos todos interiorizado que podemos ser mais difusores do vírus do que recetadores do mesmo?

Há sinais evidentes de que o egoísmo é hoje a melhor forma de expressão religiosa, mesmos daqueles e para aqueles que se julgam cristãos. Com que facilidade se resguardam as pessoas, quando lhes parece estar em causa o seu interesse mais recôndito. Nalguns casos podemos perceber que, em matéria de direitos, andamos ainda muito longe da assunção completa dos deveres.

Um tanto à força as pessoas vão-se recolhendo em casa, atenuando os focos de difusão da doença. Tem estado a ser necessário recorrer â ameaça – e coimas e até prisão – para que as ruas fiquem libertas de pessoas, isto já para não falar das praias para onde convergiram, recentemente, os alunos dispensados das escolas, tanto médias como do ensino superior. Em certas circunstâncias as autarquias fecharam os parques de estacionamento próximos das praias para condicionarem os utentes… Isto parece uma brincadeira de gente pequena interpretada por ‘gente’ grande…sem qualidade cívica.

Soa um tanto a algo pidesco a indicação de não-permitir que mais de cinco pessoas possam estar juntas, na medida em que isso pode ser considerado um perigo para a propagação do vírus… No entanto, para aferirmos do estado de inconsciência coletiva a que termos chegado podemos ainda aduzir o açambarcamento de provisões a partir dos espaços de venda. Ainda não foi bem explicado o esgotamento em concreto do papel higiénico, dado que podemos encontrar outros recursos para substituir a sua função. 

= Ao nível da vivência da fé – particularmente na expressão católica – vimos que foram desenvolvidos vários recursos para que os ‘praticantes’ continuem, ultrapassando as condicionantes exteriores. Sugestões de missas pela internet (facebook, websites, youtube), pela rádio ou recorrendo à televisão (aqui em âmbito nacional). Apesar das dificuldades temos de encontrar soluções para que a nossa fé não seja menos bem alimentada em tempo de Quaresma e em dia de domingo. Certamente já reparamos que esta crise se desencadeou num tempo considerado forte da preparação para a Páscoa. Os mais diversos meios tradicionais da Quaresma estão coartados, pelo menos na sua expressão comunitária presencial. Temos de ser inventivos para fazermos deste tempo, já propício ao recolhimento, uma nova etapa de nos recentramos no essencial, de facultarmos mais tempo para Deus e de maior atenção aos outros, atendendo à sua ausência física que não psicológica e espiritual. Talvez seja oportuno que, em família ou pessoalmente, tenhamos um horário pré-estabelecido de oração – onde se pode incluir o rosário, a liturgia das horas, a via-sacra ou a meditação dos textos litúrgicos de cada dia – bem como podemos assistir a alguma celebração eucarística através a internet/televisão. Será sempre de boa conduta reaprendermos a ‘comunhão espiritual’ fora da missa…    

 

António Sílvio Couto

sábado, 14 de março de 2020

Para uma interpretação da parábola de Lc 15,11-132


11 Jesus continuou: «Um homem tinha dois filhos. 12 O filho mais novo disse ao pai: "Pai, dá-me a parte da herança que me cabe". E o pai dividiu os bens entre eles. 13 Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E aí esbanjou tudo numa vida desenfreada. 14 Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve uma grande fome nessa região e ele começou a passar necessidade. 15 Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para os seus campos cuidar dos porcos. 16 O rapaz queria matar a fome com a vianda que os porcos comiam, mas nem isso lhe davam. 17 Então, caindo em si, disse: "Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui a morrer de fome... 18 Vou levantar-me, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; 19 já não mereço que me chamem teu filho. Trata-me como um dos teus empregados". 20 Então levantou-se e foi ter com o pai. Quando ainda estava longe, o pai avistou-o e teve compaixão. Correu ao seu encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos. 21 Então o filho disse: "Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço que me chamem teu filho". 22 Mas o pai disse aos empregados: "Depressa, trazei a melhor túnica para vestir o meu filho. E colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. 23 Pegai no novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. 24 Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado". E começaram a festa. 25 O filho mais velho estava no campo. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. 26 Então chamou um dos criados e perguntou o que estava a acontecer. 27 O criado respondeu: "É o teu irmão que voltou. E teu pai, porque o recuperou são e salvo, matou o novilho gordo". 28 Então, o irmão ficou com raiva e não queria entrar. O pai saiu e insistiu com ele. 29 Mas ele respondeu ao pai: "Eu trabalho para ti há tantos anos, nunca desobedeci a nenhuma ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com os meus amigos. 30 Quando chegou esse teu filho, que devorou os teus bens com prostitutas, matas o novilho gordo!" 31 Então o pai disse-lhe: "Filho, estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. 32 Mas era preciso festejar e alegra-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou a viver, estava morto e foi encontrado (Lc 15, 11-32).

 

Perigosa e indevidamente se tem apelidado esta parábola ‘do filho pródigo’, quando deveria ser, no mínimo dos ‘dois filhos’, mas por antonomásia do ‘Pai da misericórdia’, pois é Ele quem sofre e vai ao encontro de cada um dos filhos…rebeldes e pecadores à sua maneira, mesmo sem disso se terem apercebido.

De forma sucinta vejamos os intervenientes nesta parábola: filho mais novo, pai e filho mais velho. O pai funciona como o eixo de toda a história, na medida em que sem se aperceberem os dois filhos como que estavam perdidos, um há de reconhecê-lo, o outro com dificuldade parece aceitá-lo…não esqueçamos que cada dos filhos como que tipifica um ‘povo’ – o filho mais velho, os fariseus e doutores da lei, que murmuravam contra Jesus (cf. 15,2), julgando-O preconceituosamente, enquanto o filho mais novo simbolizava os cobradores de impostos e os pecadores que se aproximavam de Jesus (cf. 15,1) para O escutarem.

O texto divide-se em duas partes: vv. 11-24 e vv. 25-32…terminando cada uma delas com incisos relativos às atitudes do pai.

* Primeira parte (vv. 11-24): a rebeldia do filho mais novo

Depois de pedir a parte da herança que lhe tocava, o filho mais novo vai à sua vida… fazendo o que lhe apetece, gastando, longe da casa do pai sem tutela nem peias, a fortuna numa vida dissoluta. Parece que é livre porque faz o quer, num querer mal gerido e imaturo. Caiu na fossa, precisando de se submeter a algo que repugnava a qualquer judeu, tratar de porcos, um animal impuro (cf. Lv 11,7), mas nem o alimento deles lhe era concedido – vv.14-15. Ele que se pretendia livre, torna-se nitidamente escravo…até de si mesmo. Então ‘caiu em si’, recordando a casa do pai, com a abundância de pão que lhe faltava, a sorte dos empregados do pai e nasce nele o desejo de regressar, embora arquitetando um discurso não de mera desculpa mas de reconhecimento dos erros que cometeu – vv. 18-19 – alicerçado na expressão: ‘pai, pequei contra Deus e contra ti’. Eis a maior graça: reconhecer-se pecador e necessitado do perdão do pai. ‘Então, levantou-se e foi ter com o pai’. Não adianta reconhecer-se pecador nem criar discursos de boas intenções, é preciso partir de onde se está para viver algo de novo: aceitar-se como se é e esperar a misericórdia do Pai…

= Atitude do pai para com o filho mais novo (vv. 20b-24)

Entra, então, em cena o pai no trato com o filho mais novo. ‘Quando ainda estava longe, o pai avistou-o e teve compaixão. Correu ao seu encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos’ (v. 20). Mais do que a pressa em chegar do filho, o pai revela a expetativa em o ver regressar, antecipando sentimentos, emoções e, sobretudo, deixando extravasar a compaixão contida em todo o tempo em que ele esteve fora, mas não longe do coração. Efetivamente o pai encurta o caminho de regresso, deixando que o filho exprima alguns aspetos – ‘"Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço que me chamem teu filho’ – mas não todos, particularmente esse de ser equiparado aos empregados, não é que não o merecesse…

As atitudes do pai são desconcertantes para quem veja isto numa lógica humana. Os gestos são de festa: beijos, túnica nova (vestido da graça), anel no dedo e sandálias nos pés, isto é, recupera a dignidade de homem livre porque perdoado, reintegrado na família e aceite no convívio do qual se excluíra por rebeldia e alguma imaturidade. E a festa teve início com abundância de comida, um banquete…pela alegria do regresso do filho ‘são e salvo’.

 

* Segunda parte (vv. 25-32): a animosidade do filho mais velho

Regressado do campo – lugar de trabalho e talvez de alienação do tempo – o filho mais velho é surpreendido pela festa na casa do pai. Algo de estranho se passaria e ele vai inquirir – ‘Então chamou um dos criados e perguntou o que estava a acontecer’ (v. 26) – dando a entender que a casa estava de luto pela ausência do irmão, mas ele ter-se-ia habituado a esse ambiente…sem música nem danças, irritando-se com isso. Informado pelo empregado – talvez o mesmo que ajudou o irmão regressado a ser revestido dos sinais de festa – sente-se incomodado, negando-se a entrar e a participar na festa do regresso do irmão. Uma vida de trabalho sem reconhecimento do patrão/pai. Sim, o pai para ele mais parece um patrão de quem ele era bom empregado. Podemos perceber que o filho mais velho estava azedo, rezingão e denotaria alguma tristeza de vida…num coração ferido, insensível e julgador, como eram os fariseus e doutores da Lei.

= A atitude do pai para com o filho mais velho (vv. 28b-32)

Novamente é o pai quem dá o passo de ir ao encontro. ‘O pai saiu e insistiu com ele’ (v. 28b). Os argumentos do filho mais velho são os de uma espécie de fatura de quem andava a juntar as peças para, um dia, descarregá-las todas, disparando nas várias direções: para com o pai considera que há alguma injustiça na medida em que o que tem feito não é reconhecido devidamente, cumpridor sente-se coartado nas pretensões mais normais, até de fazer uma festa com os seus amigos…certinhos, segundo a Lei, mas frios como ele; quanto ao filho mais novo (irmão), a quem ele chama de ‘teu filho’, acusando-o de ser um dissoluto e esbanjador da fortuna… A esse fazes festa, comigo não me tratas corretamente, poderemos considerar das palavras do irmão mais velho. Por seu turno, procurando fazê-lo tomar parte na festa, os argumentos do pai, são mais simples: há comunhão de bens entre ele (pai) e o filho – cumpridor e mais ou menos fiel ao menos na letra da Lei – que não saiu de casa, mas sobretudo ele tem de aceitar o seu irmão que regressou ao seio da família para recomeçarem uma nova etapa…todos.

Nada sabemos da posterior reação do filho mais velho…O caminho foi percorrido por ambos os irmãos, onde cada um de nós se pode e deve rever atentamente…num encontro cada vez mais aprofundado com o Pai da misericórdia.

Quem não se revê nalguma das atitudes do filho mais novo, apelidado de pródigo, ou do filho mais velho?

 

António Sílvio Couto

 

 

quinta-feira, 12 de março de 2020

Reaprender a relacionar-se…em público


As mais recentes mudanças comportamentais – desenvolvidas em razão da já designada pandemia do coronavírus ‘covid-19’ – vieram trazer à luz do dia a necessidade de reaprendermos a relacionar-nos uns com os outros… desde as questões mais vulgares até às mais complexas e complicadas.

Gestos e atitudes considerados tão simples, naturais e socialmente aceitáveis têm de ser revistos, modificados e acertados para que não corramos riscos de contágio entre as pessoas e no contato com as coisas de maior utilização.

Às notícias algo alarmistas vemos aparecerem comportamentos, no mínimo, irresponsáveis, como esses de fecharem escolas e outros estabelecimentos de ensino, para que não haja contágio, e, na sua maioria, os mesmos intervenientes irem para a praia sem qualquer cuidado, que não seja divertirem-se sem controlo nem condicionamentos… percetíveis.

O problema parece configurar uma espécie de psicose coletiva, onde vemos surgirem diversos e esquisitos alaridos, sem que isso possa vir a criar uma mudança de atitude de todos e de cada um. Já noutros momentos apareceram uns mais fundamentalistas quanto as medidas mais restritivas possível, mas sem consequências significativas e, com os mesmos ingredientes, vermos outros tantos sem o cuidado imprescindível, como se estivessem imunes a todos os riscos, mas com atitudes a roçarem a irresponsabilidade. 

= Numa época marcada por algum egocentrismo e endeusamento do eu, este surto de coronavírus ‘covid-19’ lançou uma espécie de pânico sobre o modo como nos vínhamos a relacionar…sobretudo em matéria de saudação/cumprimentos. De facto, como que se têm vindo a vulgarizar os modos como maioria das pessoas vive em estado social, na medida em que os mais básicos cumprimentos e saudações se têm estado a revestir de sinais de afeição, quando isso nem sempre corresponde – será juízo ou preconceito? – à verdade, isto é, certas beijoquices, abraçamentos e apertos de mão, que deveriam significar afeição, mais não passam de jeitos rotineiros e sem conteúdo…até nas celebrações religiosas. Como que se vulgarizaram sinais algo exagerados, senão no conteúdo ao menos na forma, como referiu a responsável do setor da saúde pública portuguesa, no início desta irremediável confusão.

Por ocasião desta crise pandémica foram surgindo alternativas aos conhecidos modos de saudação. Um tanto esquisito apareceu o toque de cotovelo a cotovelo, outros introduziram o aceno com sorriso e, mais recentemente, o ‘wuhanshake’, isto é, o cumprimentar-se com os pés…batendo ao de leve uns nos outros.

De uma coisa parece que deveríamos colher a lição: não podemos difundir o contágio só porque nos dá mais conveniência., continuando a usar gestos, sinais e atitudes que podem ser adequadas ao bom senso coletivo. 

= Embora ainda longe do processo, que esta onda do coronavírus ‘covid-19’ nos tem feito atravessa, urge reeducar para a cidadania, pois se há algum foco de contaminação não podemos continuar a comportar-nos como se isso fosse só com os outros e não nos envolvesse a todos e a cada um.

Certos exageros ainda hão de envergonhar quem os patrocinou. Alguns dos fazedores do medo pagarão pelo praticado. Muitos dos irresponsáveis deveriam ser culpabilizados pelos erros, negligências e tropelias.

Estamos num mundo interdependente em tudo…até na asneira!    

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 10 de março de 2020

Mães solteiras…heroínas não-assumidas?


Mais de metade das crianças nascidas, em 2018, são filhas de mães solteiras: das cerca de 87 mil crianças que viram a luz, mais de 48 mil foram de mães solteiras.

Segundo dados recentes (2019) e oficiais (INE), as famílias monoparentais – na sua maioria assumidas por mulheres com filhos a cargo – ultrapassam, em Portugal, os 400 mil casos de constituição familiar (459.344), enquanto o tipo de agregado ‘casal sem filhos’ atinge mais de um milhão de situações (1.030.116) e o item ‘casal com filhos’ é de quase um milhão e meio de casos (1.401.622) … isto já para não ter em conta as pessoas que vivem sós: mais de novecentos mil (934.108).

É claro e notório que a configuração da família no nosso país – e em toda a Europa – está a mudar acentuadamente, percebendo-se que a instituição família é, hoje, alvo de todos e dos mais insidiosos ataques, não só na teoria como na prática, numa ação quase concertada, que faz estremecer de medo e de preocupação sobre o nosso futuro coletivo.

Percebe-se facilmente que a estruturação da sociedade não tem na devida conta a família, parecendo esta mais um inimigo do que um parceiro e/ou um elemento estruturante da própria sociedade. Desde a organização do tempo até à qualidade com que este é gerido, tudo parece correr apressado. Outros fatores se sobrepõem à família: o emprego/trabalho, a habitação (desde o custo das casas até ao arrendamento ou mesmo a sua dimensão), o dinheiro (a ganhar, a gastar e talvez sem poupar), uma certa vida social, numa palavra, como dizem alguns entendidos: é caro ser e ter família…sem viver na nostalgia nem na ansiedade. 

= Efetiva e afetivamente todos fazemos parte de uma família, que nos deu o ser, o estar e, sobretudo, o saber estar, sendo. E aqui entram muitos sinais que deveriam questionar a nossa sociedade, pois sabemos que uma pessoa destruturada familiarmente pode tornar-se um foco de conflitualidade ou mesmo destabilização em potência. Torna-se, de facto, preocupante que as pessoas tenham cada vez menos tempo umas para as outras e que as relações efetivo-emocionais sejam, de algum modo, menosprezadas, senão na teoria ao menos na prática. Com indisfarçável proposta se vem criando as condições para que as pessoas não tomem as refeições em comum, promovendo antes a sua toma fora de casa, com os gastos económicos – dados conhecidos dizem que os portugueses gastam 35 milhões diários nas refeições extrafamiliares – e a diluição dos laços afetivos, humanos e até gastronómicos familiares.        

É algo visível que as pessoas (homem e mulher) começaram a assumir laços com estabilidade – antes dizia-se pelo casamento (com ou sem vínculo de matrimónio) – cada vez mais tarde na idade. Em cinquenta anos passou-se, em média, dos vinte e cinco anos para os atuais trinta e três, fazendo-o sobretudo no registo civil; naquela data teriam, em média três filhos, agora quedam-se por um ou nenhum. A esta leitura deve acrescentar-se o facto de o recurso ao divórcio ter aumentado em mais de cinquenta por cento em meio século. Os homens são quem mais recompõem a sua vida familiar… casando-se. Desde 1995 que mais de trezentas mil crianças já tinham meios-irmãos, quando nasceram.

De referir ainda que, na última década, foram celebrados mais de quatro mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo e que, desde 2016, estes mesmos ‘pares’ podem adotar crianças e jovens.

Além de tudo isto é notório que um número crescente de pessoas, de qualquer dos sexos, nem vive em vínculo de estabilidade legal, quedando-se pelo estado ‘de facto’, embora usufruindo idênticos direitos, quando não quiseram abraçar os deveres… Serão sinais da volatilidade das coisas dos nossos dias?   

= Causas e consequências do relacionamento entre as pessoas continuam a ser vividos num quadro humano onde a lei precisa de não feita a gosto dos intervenientes, mas onde será preciso que as diversas partes saibam quem são e como se devem relacionar de forma adulta e amadurecida. Se a diminuição do número de casamentos se julgava ter acrescido a qualidade nem sempre isso se verifica, antes pelo contrário: a qualidade/maturidade parecem andar em proporção desencontrada em tantos dos episódios do dia-a-dia.

Como dizia alguém com saber e experiência: um bom casamento começa a ser preparado duas gerações antes de ele se vir a concretizar, isto é, nos netos se alicerça a fidelidade dos avós e vice-versa.   

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 5 de março de 2020

‘Missão país’: uma nova forma de evangelizar?


De 22 de fevereiro a 1 de março – semana do carnaval – decorreu, na Moita, mais um tempo de ‘Missão país’, onde cerca de sessenta jovens do ISCTE de Lisboa andaram a ‘missionar’ no espaço da paróquia da Moita.

Esta foi o segundo de três anos em que a ‘Missão país’ esteve na Moita. No ano passado tiveram como principal base Sarilhos Pequenos – uma das localidades da paróquia – e este ano centraram mais a sua atenção no tecido urbano da Moita, tendo, tanto este ano como já no ano passado, estado alguns (quase um terço) dos jovens também no bairro da Fonte da Prata, localizado na freguesia de Alhos Vedros.

Organizados em pequenos grupos, os jovens percorreram vários lugares e estiveram em diversos espaços em atitude de evangelização: lares de idosos (do centro paroquial e da santa casa da misericórdia), creche, jardim-de-infância e atividades de tempos livres, ‘Casa dos marcos’ de doenças raras, apoio no estudo, recuperação de casas e ainda no porta-a-porta.

A presença destes jovens da ‘Missão país’ destacava-se ainda por todos envergarem um tshirt cor de tijolo (com a ideia da construção e do barro, onde se tipifica a necessidade de ser moldado por Jesus), estando inscrita a frase-tema das missões deste ano: ‘desce depressa! Eu fico contigo’, tendo por base a passagem bíblica do Zaqueu (Lc 19,1-10).

Ao longo de uma semana foi interessante ver a interação entre estes jovens – uma boa parte veio para a Moita em missão pela primeira vez – e as pessoas que iam encontrando nos diferentes locais de missionação. A sua presença não passou desapercebida no momento da celebração da missa na igreja paroquial.

Como pontos significativos da semana de ‘Missão país’ deste ano podem ser referidos: o jantar com famílias, na quinta-feira à noite, onde dois ou três foram recebidos por famílias previamente inscritas, criando laços de proximidade e de partilha; a vivência da via-sacra, na sexta-feira, com o setor mais jovem da paróquia, onde se incluíram também os escuteiros; a apresentação do teatro, preparado por uma equipa ao longo de toda a semana, e no qual foram retratados pormenores da vivência deles e da sua interação com as populações.  

= Que há de diferente neste projeto da ‘Missão país’? Quem envolve e se deixa envolver? Haverá alguma espiritualidade subjacente a este projeto? Onde têm decorrido as ações de evangelização da ‘Missão país’? Que futuro pode ter a ‘Missão país’ na evangelização dos jovens?

Estas possíveis perguntas colocam-nos perante quem faz parte da ‘Missão país’. Desde logo o campo de recrutamento e de mobilização está nas faculdades das diferentes universidades e estabelecimentos de ensino superior em Portugal. Desde o seu início em 2003 foi crescendo a vontade de fazer do espaço de estudo uma oportunidade de evangelização, falando de Jesus em missão. Desde aquela data já se realizaram missões em 121 locais, atingindo mais de três mil estudantes universitários e com quase sessenta missões. Ao observarmos o mapa de Portugal podemos ver que a zona oeste da diocese de Lisboa e parte de Leiria são os campos de maior intervenção, mas também a região do Alentejo está em crescimento. Neste momento há sessenta missões em cinquenta faculdades diferentes, com particular incidência na zona sul (isto é, Lisboa e Évora) e com menor expressão nas regiões norte e centro do país, embora com expansão ao Algarve e Aveiro.

É digno de relevo que cada equipa (comunidade) de missionários leva sempre um pequeno quadro/ícone da ‘Mãe peregrina’ com a forma do Santuário de Schoenstatt, que serve de logotipo e de fundamentação da espiritualidade que conduz estes jovens missionários. Em todos os momentos do seu dia-a-dia os elementos da ‘Missão país’ está presente este pequeno quadro/ícone como que suportando as iniciativas e as atividades de todos e de cada um.

Os três anos de presença de cada ‘Missão país’ em cada localidade são significativos do crescendo de vivência: acolher, transformar e enviar. Isso se verifica em relação a quem é enviado e a quem recebe, deixando sempre a possibilidade de mais e melhor concretização disso que fez surgir e alimenta a ‘Missão país’. Uma palavra importante tem a equipa de jovens que coordena cada semana de missão, sempre acompanhada, ao menos, por um padre, qual ‘diretor espiritual’ dessa semana…

 

António Sílvio Couto