Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Beijo maldito

 


A Espanha tinha acabado de sagrar-se campeã mundial de futebol feminino – 20 de agosto, na Austrália – quando o presidente da real federação de futebol festava com a jogadora que marcou o golo vencedor… Pareciam festejos normais, quando o dito senhor beijou a jogadora na boca… Daí para cá parece que tudo – literalmente tudo – roda em volta deste episódio com as mais complexas interpretações nos vários campos de atividade, desde o desportivo ao político, passando pelo social (local ou quase-mundial)…Só visto que contado parece ridículo e efabulação de sally season.

* Múltiplas instâncias entram na refrega, desde as nacionais – está-se a viver uma crise política e faz jeito este fait-divers – passando pelas europeias – os mais altos responsáveis vieram a terreno clamar castigo exemplar – e mundiais – o tema chegou às de nível da ONU, com tiradas políticas semelhantes às maiores atrocidades humanitárias.

* Embora dito em quase nota de rodapé, a intromissão política do governo espanhol na esfera desportiva pode valer a exclusão dos clubes e das seleções daquele país das competições internacionais… Isto era quando as coisas eram normais, mas este assunto tem tudo menos normalidade, por isso, poderá escapar ao dito castigo…

* Aquilo que se viu nos festejos pela conquista do mundial de futebol feminino teve alguma coisa de diferente que se não veja aquando dos jogos mais normais? Por que é que os beijos e abraços destes jogos não estão abrangidos pelo mesmo rigor (moralista e sexista) com que se tem analisado este episódio? Com tantos protestos feministas não soa a conluio entre lóbis ainda não totalmente descortinados?

* Voltando à situação da Espanha política – à procura de governo há mais de um mês, depois das eleições – percebe-se que o visado nas críticas – o presidente demitido e processado da RFEF – deve reportar-se a alguma das fações partidárias, pois o afã colocado não é normal ou o combate tão tenaz esconde algo mais do que um deslize de comportamento em público. Repare-se na colagem – de certos partidos e ideologias – do lado de cá da fronteira aos protestos e exigências para com os nossos dirigentes…

* Desgraçada sociedade e podre cultura que se entretêm a discutir um beijo que nunca devia ter existido em vez de analisar as situações em que se cultiva a banalização dos gestos de ternura e carinho quando deslocados do seu lugar e da sua correta expressão.

* Estamos num tempo ávido de escândalos e, quanto mais pareça atingir os adversários, melhor. Por isso, urge criar condições para haja uma educação para a responsabilidade, tanto pessoal como coletiva/comunitária. Precisamos de cuidar de que os cumprimentos entre as pessoas não sejam banalizados ou tornados de risco, como vivemos por ocasião do tempo de pandemia: aí conseguimos ser moderados e atentos. Não será avisado deixar cair a guarda, pois os vírus andam por cá.

* Em jeito de quase jocoso – foi com um beijo que Judas atraiçoou Jesus. Não haverá por aí muitos beijos que não passam de traição ou, pelo menos, de falta de respeito? Equilíbrio a quanto obrigas!



António Sílvio Couto

terça-feira, 29 de agosto de 2023

O poder das chaves

 

«Jesus confiou a Pedro uma autoridade específica: «Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus» (Mt 16, 19). O «poder das chaves» designa a autoridade para governar a Casa de Deus, que é a Igreja. Jesus, o «bom Pastor» (Jo 10, 11), confirmou este cargo depois da sua ressurreição: «Apascenta as minhas ovelhas» (Jo 21, 15-17). O poder de «ligar e desligar» significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos Apóstolos e particularmente pelo de Pedro, o único a quem confiou explicitamente as chaves do Reino» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 553).

- Estamos perante um texto de fundamental importância para nós Igreja católica, não para justificar a autoridade/poder na Igreja, mas para explicar esta mesma autoridade como serviço e como ligação contínua entre Jesus, através de Pedro e nós, hoje, em comunhão de Igreja.

- Vejamos os textos onde se alicerça esta reflexão e que nos serve de tema nos domingos vigésimo primeiro (cf. Mt 16,13-20) e no vigésimo segundo (cf. Mt 16, 21-28) do Ano litúrgico A... portanto este ano.

1) Da questão sobre a identidade (de Jesus) e resposta sobre a missão (de Pedro)
Jesus questiona os discípulos sobre quem diziam que era o ‘Filho do Homem’. Esta figura anunciada em Dn 7,13-14 é colocada em contraste com o Messias, mais esperado pelo povo de Israel como libertador espiritual e com implicações sócio-políticas. As ressonâncias/respostas dos discípulos dão a entender que já tinham percebido que o ‘filho do homem’ já se tinha vindo em João Batista, Elias, Jeremias e nalgum dos profetas.
À pergunta de Jesus - ‘e vós quem dizeis que eu sou?’ responde Simão Pedro - ‘Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo’. Deste modo se associam dois títulos messiânicos de Jesus e já não só na linha espiritual do ‘filho do homem’, mas na abrangência de ‘ungido, cristo’ que contém ‘Messias’, sendo explicitando que é o ‘Filho de Deus vivo’. Afirma-se, assim, a divindade de Jesus.
Por seu turno, o evangelista São Mateus apresenta-nos a resposta de Jesus, numa leitura de alta qualificação para com Simão, ele foi inspirado por Deus para proferir aquela confissão solene da identidade de Jesus: ‘também Eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja’. Deste modo Simão passa a ser Pedro, pedra, fundamento... realçando o lugar de importância de Simão Pedro na responsabilidade dos doze. Como atributos da ‘chefia’ da Igreja Pedro tem a tarefa do ‘poder das chaves’, essas com que se abre ou fecha, liga ou desliga... entre a terra e o Céu e mesmo no exercício desse poder no contexto terreno. Encontramos, assim, a primazia de jurisdição. «No colégio dos Doze, Simão Pedro ocupa o primeiro lugar. Jesus confiou-lhe uma missão única. (...) Cristo, «pedra viva», garante à sua Igreja, edificada sobre Pedro, a vitória sobre os poderes da morte. Pedro, graças à fé que confessou, permanecerá o rochedo inabalável da Igreja. Terá a missão de defender esta fé para que nunca desfaleça e de nela confirmar os seus irmãos» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 552).

2) Do anúncio da Paixão ao escândalo de Pedro
Depois desta passagem encontramos no Evangelho de São Mateus o primeiro anúncio da Paixão de Jesus, criando um sério contraste com a passagem anterior, pois se, no trecho que vimos Pedro é exaltado por Jesus, em Mt 16, 21-23 Pedro é declarado maldito, como uma presença de Satanás, inimigo de Jesus. Com efeito, em breves palavras Jesus apresenta o processo da sua paixão-morte-ressurreição: ‘tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos-sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar’.
Ora, Pedro, que anteriormente fora investido entre os seus irmãos como o chefe dos doze, toma Jesus à parte e começou a repreendê-lo, tentando dissuadi-lo deste processo, que Pedro não era capaz de compreender... na sua lógica humana. Então, Jesus, à semelhança de outros momentos de tentação, diz a Pedro: ‘afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens’. Neste momento Pedro passou a ser uma pedra de escândalo também para os seus irmãos.
Como poderemos compreender esta mudança entre ser ‘bendito’ e tornar-se ‘maldito’? Poderá isto ser uma resposta à dificuldade em entender os mistérios de Deus, quando usamos critérios mundanos? Será esta oscilação perante as dificuldades um aceno de discernimento para as debilidades dos cristãos e seus responsáveis em Igreja? à luz desta passagem não andaremos, muitas vezes, a apresnetar um Cristo glorioso que não passou pela cruz?
De facto, a passagem seguinte (Mt 16, 24-28) é a explicitação do caminho de seguimento (discipulado) de Jesus: ‘quem quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me’.



António Sílvio Couto

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Os gatos da noite

 


Por diversas vezes, sobretudo em noites de insónia, me tenho entretido a observar uns três ou quatro gatos – pelo aspeto parecem vadios – a deambular pela rua na área onde moro. Os felinos ora andam em busca de comida, ora se divertem uns com os outros como se jogassem algo que só eles conhecem… de vez em quando também entram em guerrilhas e a parte mais fraca tenta escapar-se da luta.

1. Passar das lições dos animais para o âmbito dos humanos não parece ser difícil, embora possa tornar-se algo delicado, pois estes conseguem ultrapassar em requintes de malvadez o que nos gatos pode envolver um pouco de jocoso. Com efeito, olhemos, desde logo, para a atração da noite com que os humanos trocam as ocupações do dia: particularmente as gerações mais novas fazem dessa alternativa qualquer coisa de sedutor, mesmo que possam vir a pagar, sobretudo na saúde, as consequências de tais opções. Não está em causa julgar, mas tão simplesmente ler agora o que já foi feito no passado…

2. Há dias foi noticiado que, só num fim-de-semana, foram detidas mais de quinhentas pessoas por prevaricações diversas. Claro, que não foi só de noite, mas esta teve um forte contributo para os distúrbios, com diversas infrações ou mesmo anomalias… até de conduta em relação às coisas da estrada. Sem dramatismos, mas com verdade poderemos perceber que a noite nem sempre é boa conselheira, antes se pode tornar-se foco de coisas menos claras – já por sua natureza por ser o escuro da noite – e, sobretudo, de ações atribuladas…

3. Da sabedoria popular colhemos a expressão: ‘de noite todos os gatos são pardos’! Isto é, parecem ter todos a mesma cor, logo nivelando-se pelas razões mais simples e talvez menos boas. É neste aspeto que podemos e devemos investir a nossa reflexão: quanta coisa acontece acoberta pela sombra da noite, esta pode esconder maus intuitos e piores execuções; esta pode criar condições para que se desenvolvam projetos fora da boa convivência social; esta pode desencadear iniciativas de possível delinquência…Numa palavra: a noite, de per si, não é boa nem má, mas, pela ausência da luz, reveste a potencialidade de algo tendencial de mal…

4. Num tempo em que se nota a exaltação da imagem, torna-se acutilante não ter nada a esconder. Isso mesmo podemos ler nas Sagradas Escrituras, numa passagem entre Jesus e Nicodemos, por sinal numa conversa tida de noite: «de facto, quem pratica o mal odeia a Luz e não se aproxima da Luz para que as suas ações não sejam desmascaradas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da Luz, de modo a tornar-se claro que os seus atos são feitos segundo Deus» (Jo 3, 20-21). Talvez seja aqui que deveríamos investir: a luz faz brilhar a verdade, enquanto a noite encobre, muitas vezes, a mentira. Com efeito, a imagem que se pretende dar aos outros pode estar desfocada da verdadeira imagem que temos de nós mesmos e esta poderá nem sempre ser a verdadeira, pois podemos fazer de nós mesmos uma imagem que não corresponde à verdade de si mesmo…

5. Ouvi dizer que os gatos captam as boas ou más energias daqueles que se aproximam, podendo eles aproximarem-se ou afastarem-se conforme são positivas ou negativas, respetivamente. Será isto verdade ou tem algo a ver com a possibilidade de simpatia ou de rejeição quanto aos felinos? Não haverá – mais do que possamos julgar – uma sintonia entre os seres, muito para além dos humanos?

6. Se soubermos aproveitar tudo que vivemos para refletir deixaremos de ser tão superficiais ou banais e – por que não – inconsequentes com tantas coisas que nos acontecem e não são por acaso! À luz do pensamento de Santo Agostinho de Hipona poderemos suspirar – criaste-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Habitação: mais de somenos?

 

O tema da ‘habitação’ tornou-se, nos tempos mais recentes, num assunto fulcral da nossa vida coletiva: cada um a seu modo fala da questão, embora pareça, usando a linguagem das vindimas: mais parra do que uva! Isto é, temos vindo a assistir à radicalização quase-ideológica do assunto, por vezes, mais escondendo do que querendo apresentar soluções que não sejam para um passado pouco abonatório da seriedade dos intervenientes…

1. Recordo que, há não muito tempo, uns dos itens de apresentação de uma pessoa a outros constava do seguinte: quem é (nome), morada (local de habitação) e o que faz (profissão). Se atendermos a que a categoria profissional tem vindo a mudar em conformidade com as possibilidades mais do que atendendo às habilitações, fica-nos o questionamento sobre a definição das influências na pessoa do lugar onde mora habitualmente… É quase inconcebível considerar que uma pessoa nasceu, cresceu e morreu sempre na mesma casa. A mudança de habitação é, hoje, algo vulgar, senão mesmo necessário…No entanto, deveremos falar sempre de uma habitação digna e dignificadora das pessoas que nela moram…

2. Será que o Estado deve arranjar – quase como obrigação moral abstrata e universal – casa para todos? Não será demasiado estatizante uma visão em que o senhorio seja – quase exclusivamente – o Estado-patrão? Como conciliar iniciativa privada e intervenção governamental neste tema da habitação? Serão tão inconciliáveis, habitação social e habitação própria? Não haverá uma certa diabolização, neste como noutros setores, entre a ação estatal e a iniciativa privada? Não seria mais avisado encontrar linhas de conciliação do que andarmos nesta dialética nefasta e inconsequente? Certas reações do governo às críticas – tanto do PR como das oposições – quanto às suas propostas não deixam a nu alguns tiques de totalitarismo à antiga?

3. Desde março deste ano que o governo tem desenvolvido – com pompa e várias circunstâncias – legislação para o setor da habitação. No passado mês de julho foi aprovado o diploma no parlamento. Por estes dias o Presidente vetou o pretendido. Eis as razões apresentadas: «nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas - públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral».

Apesar de um amplo consenso nas observações, o partido que suporta o governo promete re-aprovar o texto, sem rebuscos nem emendas…Quando a razão não tem força, é usada a força sem razão! Na hora própria se dará o julgamento… Estando perante um assunto de capital importância não seria de bom senso procurar mais unanimidade, despojando de conotação ideológica um tema essencial para o conjunto da população?

4. O que diz o magistério da Igreja católica sobre a habitação, como direito fundamental e, por que não, fundacional da pessoa e da sociedade? Escreve o Papa Francisco: «A falta duma habitação digna ou adequada leva muitas vezes a adiar a formalização duma relação. É preciso lembrar que «a família tem direito a uma habitação condigna, apropriada para a vida familiar e proporcional ao número dos seus membros, num ambiente fisicamente sadio que proporcione os serviços básicos para a vida da família e da comunidade». Uma família e uma casa são duas realidades que se reclamam mutuamente. Este exemplo mostra que devemos insistir nos direitos da família, e não apenas nos direitos individuais. A família é um bem de que a sociedade não pode prescindir, mas precisa de ser protegida. (…) As famílias têm, entre outros direitos, o de «poder contar com uma adequada política familiar por parte das autoridades públicas no campo jurídico, económico, social e fiscal» (Exortação apostólica pós-sinodal ‘Amoris laetitia’ sobre o amor na família, nº 44).

Aprendamos a pensar e a viver sem teias nem peias, mas segundo os valores humanistas do Evangelho!



António Sílvio Couto

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Peregrinos em fuga…depois das JMJ?

 


Duas semanas após as Jornadas Mundiais da Juventude, decorridas em Portugal, alguns (não se sabe o número exato) dos jovens, que entraram no nosso país e no designado ‘espaço Schengen’, com vistos turísticos, podem usufruir de certas regalias e, porque não, dar azo a outras tantas tropelias…

Ao que parece centenas desses jovens que vieram para as JMJ ainda não terão regressado aos países de origem, não se sabendo ainda se continuam por cá ou se aproveitaram as possibilidades que lhes ofereciam os vistos para divergirem para outras paragens…

1. As autoridades de segurança estão apreensivas sobre a localização destes jovens, que, tendo vindo às JMJ, não se sabe do seu paradeiro: podem estar no nosso país, mas também podem ter saído por essa Europa fora em busca de melhores condições de vida. A avaliar pelas possibilidades que lhes confere o visto obtido, poderão renovar a prorrogação de permanência no espaço Schengen…e irem em busca de emprego, emigrando ou saírem para outros países.

2. Diante destas hipóteses aventadas poder-se-á considerar que as JMJ foram tão-somente um alibi para chegarem à Europa em busca de melhores condições de vida? Os organizadores das JMJ (e as autoridades civis) poderão ser considerados cúmplices de algo que não conseguiram prever? A conjugação de fatores não terá servido de aliciante para que alguns jovens desfavorecidos de África ou da América Latina tenham pensado no seu futuro após as JMJ, em Lisboa?

3. Desde há algumas décadas a Europa tornou-se uma espécie de fascínio de povos-em-vias de desenvolvimento, muitos deles atraídos por um certo sucesso económico – mais virtual do que real – onde os mais aventureiros têm vindo à procura de algo que, embora seduza, nem sempre responde ao essencial. De muitas e variadas formas o ‘mare nostrum’ (mar Mediterrâneo) – de referência cultural e de sucesso noutras épocas – tem-se tornado o cemitério de tanta gente, sob o olhar cínico de muitos europeus. Não fosse a ação atenta, voluntária e audaz de algumas associações (muitas delas sob a tutela da Igreja católica) e teriam sido ainda mais graves as consequências diretas e indiretas. Por isso, vozes inquietas quanto aos resultados da ‘fuga’ de jovens participantes nas JMJ soam como que a hipocrisia, senão mesmo a mentira disfarçada de legalismo…

4. Nós, portugueses, somos de todos os povos europeus aqueles que mais têm de ter o coração aberto à hospitalidade, na medida em que os nossos conterrâneos também foram por esse mundo além em busca de melhores condições de vida para si mesmos e para os vindouros. Os mais de dois milhões de emigrantes lusos espalhados pelos quatro-cantos-da-terra são bem o exemplo da nossa vocação de partida. Se a isso juntarmos cerca de um milhão recebido em território nacional poderemos inferir que a marca da procura/acolhimento está-nos no sangue desde os tempos mais remotos…

5. Nesta época de acentuada (e quase agressiva) mobilidade de pessoas (individuais ou coletivas) e de bens como que temos de estar em contínua aferição aos desafios daquilo que nos traz quem chega à mistura com um diálogo cultural onde cada sabe quem é e vive em abertura àqueles que chegam ou partem. Nesta dinâmica relacional todos temos muito a aprender uns com os outros, sem sobrancerias, mas numa vivência de partilha, de comunhão e de fraternidade.

6. Mais do que ficarmos no refrão de ‘todos, todos, todos’ será preciso que aprendamos a situar-nos no tudo, que é referencial, Deus. Será nele e por ele que o diálogo de culturas, de gerações ou mesmo de expressões religiosas ganha novo e mais intenso sentido: nada fica fora dele e todos podem ser incluídos nele. Quando se corta esta linha de vivência andaremos a tentar enganar com maior ou menor artimanha…até à descoberta dos mais incautos!



António Sílvio Couto

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Como explicitar (possíveis) subliminares do Papa…nas JMJ

 

Ao longo dos breves, mas significativos, dias da presença do Papa Francisco, em Portugal, para as JMJ – de 2 a 6 de agosto – houve intervenções com conteúdo a exigir reflexão sobre o dito e tanto outro quase-subliminar. Ora, ‘subliminar’, em comunicação, tem um conceito que devemos, desde já, esclarecer. ‘Mensagem subliminar’ é um conteúdo dissimulado, uma mensagem visual ou auditiva imperceptível aos sentidos humanos. São mensagens implícitas que têm algum objetivo predefinido e são normalmente usadas como uma forma subtil de incentivar algum tipo de comportamento, seja a compra de algum produto ou uma atitude no âmbito da ética e moral. Em muitos casos, este tipo de mensagem é uma imagem escondida num vídeo e é imperceptível para a pessoa. Muitas vezes, esses conteúdos podem estar inseridos em apenas um frame do vídeo. Várias marcas já foram indicadas como utilizadoras de mensagens subliminares na sua estratégia de marketing.

1. Mas será que o Papa usou este método nas comunicações que fez, nas JMJ? Nas homilias e nos discursos de Francisco estará algo subentendido? Será que subliminar se identifica com subentendido? Certas frases – numa comunicação ao estilo de pregador latino-americano – querem dizer algo que precisamos de descodificar? Alguns dos chavões usados com os jovens poderão estar abrangidos pela linguagem subliminar mais básica ou subentendida?

2. Estas questões não pretendem minimamente desvalorizar o que o Papa tão belamente disse, mas antes precisaremos de ir mais a fundo para não ficarmos em emoções simplistas ou sob a influência de interpretações de quem quer que ele diga o que não referiu nem para não nos quedarmos na espuma da boa impressão…

3. De entre as diversas mensagens que mais ecoaram dentro e fora do espaço da Igreja católica foi essa que o Papa Francisco proferiu no momento de acolhimento no Parque Eduardo VII, designado de ‘colina do encontro’ em que salientou que na Igreja todos, todos, todos têm lugar e espaço. Fê-lo naquela forma de pregação da América-Latina de fazer com que os ouvintes repetissem essas mesmas palavras, até na língua de cada um.

Esse refrão de ‘todos-todos-todos’ quer dizer o quê? Quem são os que podiam estar fora e assim são integrados na massa, que deverá ser comunitária e não mero coletivo? Nesses ‘todos-todos-todos’ estarão incluídos os que se auto-excluiram em razão da doutrina ou da moral da Igreja católica? Ao vermos tantos interessados em quererem fazer parte desta ‘totalidade’, não estaremos a forçar quem só se incluirá se lhe fizerem a vontade nos particularismos de que se reclamam? Com este chavão de ‘todos-todos-todos’, o Papa quis fazer comunhão ou estendeu a mão a rebeldes que sempre o serão, desde que não os aceitem como eles se desejam, isto é, como meros diferentes e não como irmanados na mesma fé e ética judaico-cristã? Talvez aqui se possa aduzir esse trocadilho: ou vives como pensas ou passas a pensar como vives!

4. Outra imagem com carga simbólica foi trazia à colação nacional, por Francisco, a figuração da ‘capelinha das aparições’, em Fátima: um espaço que não tem portas… devendo a Igreja católica tornar-se assim no seu viver. Este estar de portas abertas para receber todos já o conhecíamos, mas dito desta forma e num contexto tão abrangente foi para alguns crentes e outros menos tal algo que fez regozijar uns ditos agnósticos e quase-ateus. Esta espécie de unanimismo quase se torna preocupante, pois, na linguagem do Evangelho, se adverte para que tenhamos cuidado quando todos disserem bem de nós!

5. Esperamos que as JMJ tenham sido um bom propósito para a Igreja católica em Portugal, mesmo que haja alguns ressabiados com a remexida que veio trazer. De boa parte dos políticos só é preciso que não estorvem e já farão bom serviço, daqueles que ficaram incomodados esperamos tenham o mínimo de compreensão de todos quantos têm sofrido o seu desprezo. A Igreja é de fundação divina: as portas do inferno não a vencerão!



António Sílvio Couto

sábado, 12 de agosto de 2023

‘Porsche’ ousou censurar ‘Cristo-Rei’?

 

Decorria a semana das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), em Lisboa, quando a marca automóvel ‘porsche’, num spot publicitário – de dois minutos e vinte e nove segundos, aos 43 segundos – aparece a ponte sobre o Tejo e o monumento a Cristo-Rei só no pedestal, isto é, sem a estátua alusiva… Três dias depois – ainda decorriam as JMJ – e a falha foi corrigida, colocando Cristo-Rei no pedestal e com a ponte a figurar também…

1. Vamos às (possíveis) ‘razões’ de uma e de outra das posições. A pretensão da publicidade daquela marca de carros dizem era para fazer a diferença daquilo que aconteceu há sessenta anos. Recordemos, então, as datas relativas ao monumento a Cristo-Rei, inaugurado a 17 de maio de 1959 e a ponte (rebatizada mais tarde) de 25 de abril foi inaugurada a 6 de agosto de 1966…Se atendermos à comparação veremos que o monumento tem sessenta e quatro anos e a ponte cinquenta e sete, isto é, sete breves anos de diferença, mas significativos de acontecimentos sociais, políticos e mundiais, como a edificação do ‘muro de Berlim’, em agosto de 1961 ou o início da ‘guerra colonial’, em março também de 1961… à mistura com o Concílio Vaticano II ou o movimento hippy, sem esquecermos o surgimento daquilo a que, hoje, designamos de União Europeia por contraste com o bloco comunista de Leste…

2. Mesmo que de forma mais ou menos atenta poderemos considerar que aquele anúncio da ‘prosche’ pretendia atrair a atenção de quem se deixa fascinar por carros, só que não seria necessário provocar com limpeza de imagens como se fazia em certos regimes ditatoriais…quando não interessava certa figura era retirada do boneco. Foi isso que tentou, de forma notoriamente deficiente, fazer alguém que não conseguiu esconder não só a má arte como a artimanha antirreligiosa primária, pois se pretendia limpar não deixava o pedestal, tirava tudo…

3. Soube-se que a fabricação comemorativa do sexagésimo aniversário do veículo produzido em 1963 vai ter somente este número de unidades ao custo, em Portugal, de trezentos e setenta e dois mil euros cada um… Não será esta uma exaltação escusada de um certo capitalismo em regime de exclusão do resto da população? Não representará uma ofensa tal custo e com pretendentes reduzidos? Quais os critérios (valores) de quem se olha e vê os outros pela perspetiva do económico e no sentido materialista?

4. Há setores da nossa sociedade para os quais os outros não contam, podendo esquecer-se de que essa ofensa aos outros não está só no desprezo que manifestam para com eles, mas também na forma provocatória como tentam exibir-se e às coisas (casas, carros, adereços de moda, locais que frequentam) nas quais colocam a sua confiança e mesmo poder. Quase sem nos darmos conta somos levados e embarcar nesta onda de pretensa riqueza, onde boa parte da população não tem lugar nem cabe ostensivamente. Quando se poderia pensar que caminhávamos para uma justiça social, vemos emergirem sinais preocupantes de crescente desigualdade: os pobres não têm espaço e a pouca voz que poderão acrescentar quedar-se-á pela revolta, a reivindicação ou o protesto…ou, desgraçadamente uma certa resignação.

5. Dizia um padre da Igreja (S. Basílio): as riquezas que tens a mais não te pertencem são dos pobres a quem a deves retribuir. Se pensarmos bem: de que adianta querer ostentar mais do que os outros se todos haveremos de deixar tudo neste mundo, não levaremos nada. Como refere, por diversas vezes, o Papa Francisco: a mortalha não em bolsos! O cristianismo é muito mais do que um projeto social, é, antes de tudo, um anúncio da pessoa de Jesus, que nos irmana com todos e faz com que os outros sejam nossos companheiros – na etimologia de ‘comer do mesmo pão’ – de caminhada neste tempo que passamos por esta terra. Mal vai a nossa sociedade se só vir o cristianismo como algo que faz aos outros ações de benemerência sem neles ver o Cristo chagado e pobre, doente e necessitado, precisando cada um de nós dos outros para que se faça relação e não competição ou concorrência. Porsche, não obrigado!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

TODOS ao molho e fé em Deus?

Decorridos estes dias – quase uma semana – sobre a realização das ‘jornadas mundiais da juventude’ (JMJ), acontecidas em Portugal – primeiro nas dioceses e depois na concentração em Lisboa – emergem pistas de reflexão-interpelação-questionamento para crentes e não crentes (alguns de longa data, outros de conveniência e tantos outros acobardados pelas circunstâncias pessoais, sociais e grupais), num desfile de posições que alembram a tentativa de quase desculpa sobre tudo ter acontecido sem escândalos, sem atropelos e, sobretudo, em tempo democrático.

É sobre ao substantivo ‘todos’ que vamos dedicar primigénia atenção, colocando-o em letras capitais (maiúsculas), por forma a que não seja um abstrato, mas um imperativo moral, social e até cultural.

1. Antes de prosseguirmos seja o que for sobre a matéria ou o possível âmbito de reflexão, tentemos explicar esta frase (quase idiomática): ‘todos ao molho e fé em Deus’. Desde logo aqui usámos ‘todos’, embora na linguagem popular surja ‘tudo’. Dado que queremos incidir sobre as palavras – assaz repetidas do Papa – referimos, ‘todos’. A expressão surge, então, num contexto em que a confusão é tal que o melhor é unirem-se todos – o molho, feixe de varas unidas num mesmo propósito – sem deixar que haja desunião de uns contra os outros. Nalguma linguagem futebolística esta expressão – ‘todos ao molho e fé em Deus’ – é tentar conseguir algo de positivo, mesmo que a estratégia traçada tenha quase-colapsado…

2. Mas será que o Papa Francisco quis lançar uma espécie de ‘salve-se quem puder’ ao apelar aos ‘todos, todos, todos’, isto é, sem deixar ninguém de fora? Será que este grito, proferido em Lisboa, foi um incentivo à inclusão de situações fraturantes sócio morais? Quando se diz ‘todos’ não se estará a exagerar na abrangência, mesmo daqueles que rejeitam serem participantes? Neste, como noutros capítulos da vida, não se deve responder a perguntas que não foram feitas, mas só àquelas que foram formuladas…

3. Que as mais diversas manifestações das JMJ foram alimento de uma fé que parecia adormecida, isso é inegável: milhares de jovens lançaram chispas de alegria sobre a sociedade quase narcotizada em que vamos vivendo. A força de entusiasmo envolveu o nosso país e mesmo a Igreja católica portuguesa. Algo de contagioso percorreu as ruas e espaços de Lisboa e arredores. Para além da cordialidade e a educação foi bom de ver a simpatia de todos. Por momentos o ar crispado de tantos portugueses foi sublimado pela força de jovens de outras paragens. Dir-se-ia que precisávamos de uma injeção de esperança, ao menos, uma vez por ano e sairíamos do derrotismo em que quase nos comprazemos, desgraçadamente.

4. Se a frase – ‘todos ao molho e fé em Deus’ – poderia, numa visão extremista, induzir-nos numa interpretação de algo desconexo e quase feito em tempo reduzido, isso deverá ser compreendido, pelo contrário, como algo a que devemos dedicar tempo num aprofundamento sistemático e consequente na vida. Essa ‘fé em Deus’ é mais do que uma emotividade circunstancial com que alguns mais superficiais podem ser tentados a ler as ações e vivências dos jovens das JMJ. Com efeito, muitos deles davam a entender, pelas atitudes e posturas, que já andam nestas coisas da fé há bastante tempo. Se assim não fosse deste modo não se compreenderiam as reações serenas em horas e horas de espera e mesmo de caminhada… De muitas e variadas formas fomos percebendo que os jovens das JMJ são mais do que o tal slogan: juventude do Papa… são, sobretudo, de Cristo!

5. Deste modo se compreenderá que TODOS ultrapassa os chavões populistas com que alguns desejaram dar conteúdo às palavras de Francisco. Esses TODOS não servem só para enquadrar franjas, onde alguns querem colher os resultados, mas não se comprometem nas causas; pretendem acirrar os antagonistas, mas não se comprometem na resolução dos problemas… Não fazem parte do todo porque só querem a sua parte!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Esta é a juventude do Papa

 


Este foi o refrão com que os milhares de jovens das JMJ brindaram, múltiplas vezes, o Papa Francisco, por estes dias, em Lisboa. Seja qual for a tentativa de encetar um resumo do tempo que o Papa esteve em Portugal será algo redutor, pois, se um acontecimento ou homilia de Francisco respondeu a certas expetativas, outros marcaram de forma diferente e, acima de tudo, o que foi dito, vivido e celebrado, embora do foro íntimo, teve expressão comunitária inegável.

Fiquemos pelos números (quantitativos) das peugadas para todos: 300 mil na missa de abertura; cerca de meio milhão no acolhimento ao Papa e mais de 800 mil na via-sacra…acontecimentos ocorridos no Parque Eduardo VII, batizado de ‘colina do encontro’; um milhão de pessoas, na vigília; mais de um milhão e meio, na missa final…os dois no parque Tejo, designado de ‘campo da graça’… Sem esquecer os que passaram pelas confissões – ‘cidade da alegria’; ou ainda vivências com menos gente, mas exprimindo a afeição e escuta ao Papa Francisco, como no centro cultural de Belém (autoridades e sociedade civil), na universidade católica ou no mosteiro dos Jerónimos (bispos, padres, religiosos e leigos dos movimentos)… e nos contactos mais singulares e pessoais.

1. Igreja para todos – sem portas. Estas duas ideias perpassaram pelas comunicações do Papa em dias e espaços diferentes, mas com marcas similares: desafios à Igreja em geral e à que vive e caminha em Portugal particularmente. Na deslocação breve e simbólica a Fátima, o Papa serviu-se da falta de portas da ‘capelinha das aparições’ para promover uma Igreja em igual atitude, de portas sempre abertas. Desculpando a observação: os rostos dos participantes nas JMJ e os que estavam no santuário mariano deixam muito a entender qual a Igreja que temos culturalmente. Já reparamos nisso?

2. Igreja jovem ou com juventude acumulada (mais velhos)? Basicamente os participantes – nacionais e estrangeiros – tinham de ter meios económicos para virem cá. Aos custos de inscrição (estadia, refeições, transportes e seguros), numa base de quase quatrocentos euros por pessoa, teremos de acrescentar as viagens, muitas delas em voos aéreos...por isso, a imensa multidão dos que participaram nas JMJ é uma espécie de favorecidos no contexto mundial e nacional. E nem mesmo a proposta do Papa de trazer para a luz do dia situações humanas e culturais de jovens quase-excluídos consegue disfarçar a situação excecional dos milhares que vieram a Lisboa para estas JMJ…

3. ‘Lisboa – cidade dos sonhos’ Este poderá ser um novo e elegante slogan publicitário sobre a capital do nosso país. De facto, nos primeiros dias de agosto de 2023, vimos uma cidade transformada em grande e simultânea vivência de alegria dos jovens, mas também um espaço de confraternização cultural. Por momentos as hostilidades político-partidárias – com as críticas aos custos e outros intentos subentendidos – foram esquecidas, silenciadas ou até ultrapassadas, tendo em conta a mensagem de Francisco. Muitos dos (pretensos) descrentes (ditos ateus ou simulados agnósticos) saíram de cena ou entraram na onda… enquanto alguns dirigentes hibernaram sob o sol tórrido da capital.

4. Do voluntariado ao compromisso. Mais de vinte e cinco mil de t-shirt amarela – cor da bandeira papal – colocaram de pé um evento único e irrepetível: na sombra ou mais à vista, nas ruas de Lisboa ou nos espaços de acolhimento, deram corpo a um projeto que engrandece o país e faz revigorar a fé católica. Chegou o tempo do ‘depois’: queira Deus que se aprofunde o que, por agora, foi semeado com tanto esforço, dedicação e testemunho.

5. Os símbolos pelo rio acima…Na proposta do ‘stella maris de Moita’ e da marinha do Tejo, cerca de uma dezena de barcos típicos da zona ribeirinha (norte e sul) deram colorido marítimo às JMJ. Foram horas e reuniões com os responsáveis pela ‘safety and security’ para que tudo acontecesse com dignidade e bom ambiente. Para além da festa houve fé e responsabilidade. Vinte e cinco anos depois o rio teve visibilidade!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Leituras, impressões e expetativas das JMJ

A estupefação parece generalizada: milhares e milhares de jovens vindos de todas as partes do Planeta convergiram para Portugal, uns já na semana passada e tantos outros por estes dias. O que faz correr estes jovens? Quem os convocou? O que esperam? Será algo humano ou têm a marca do divino’ A quem servem? E muitas outras perguntas e questões se poderão colocar não só aos que chegam, mas também os que já cá estão…

1. Mais do que virem para ver e ouvir o Papa – que fascínio terá um velho quase nonagenário? – motiva-os a Pessoa e mensagem de Jesus e isso confunde os que não conseguem perceber o nível da fé na vida. Dada a surpresa, quem não tem a graça da fé, poderá menosprezar o entusiasmo de muitos destes jovens. Outros irão ao baú das más recordações trazendo à liça memórias de façanhas menos abonatórias da Igreja, seja qual for a instância ou o tempo que lhe dê respaldo para atacarem… Nota-se que o diabo está assanhado e estrebucha contra esta iniciativa das JMJ.

2. Como que por artes mágicas surgem declarações – entrevistas ou escritos, de ocasião passada ou mais recentes, de viva voz ou de arquivo – de figuras ligadas à Igreja católica – bispos ou outras personagens – que fervem de indignação ao dizerem mal da instituição que lhes deu espaço e tempo, umas vezes sob a forma de acusação, outras sob o manto da suspeita e noutros casos ainda tentando que não reparem nas chorudas reformas que auferem pelos postos em que a própria Igreja os colocou… Mais uma vez se pode perceber a complexidade das pessoas que puxam os assuntos que lhe convém para que não se vejam os escândalos – sobretudo em matéria de dinheiro – que ostentam ou escondem… Valia mais a pena estarem calados no seu canto e com seus gostos e adulações de prémio!

3. Não deixa de ser significativo e quase provocatório que apareçam a comentar as imagens das transmissões televisivas figuras que destilam pouca independência, senão mesmo nenhuma qualidade. Foi de ver, num canal privado, um tal ‘analista religioso’ a desmontar a homilia do patriarca de Lisboa, na missa de abertura das JMJ. Dizia o tal comentadeiro que a disposição dos padres na missa como que configurava um obstáculo aos jovens, colocados atrás na disposição do espaço. Sabendo da costela protestante do dito, seria como que colocar a raposa de vigia ao galinheiro até este ser assaltado. Com efeito, o tal senhor comentadeiro não conseguiu – como noutras ocasiões – despir-se dos seus preconceitos para com os católicos em geral e o patriarca em particular…Quando se quer que digam aquilo que nos dá jeito, torna-se difícil perceber a mensagem comunicada!

4. De forma despretensiosa deixo breves sugestões, que gostaria que o Papa Francisco nos deixasse através das várias intervenções que vai fazer:

* Uma ‘Igreja em saída’ não pode confundir-se com a mera saída da igreja. Saber estar no mundo sem prerrogativas de exceção, desde o clero até aos leigos, passando pelos religiosos/as. Precisamos de viver centrados em Cristo de forma sinodal.

* Uma ‘ecologia integral’ será mais do que bons conselhos para a sobrevivência do Planeta, mas trará uma visão de vida, abjurando a cultura de morte, que muitos (ditos) ecologistas não conseguem harmonizar.

* Numa ‘Igreja santa e pecadora’ todos têm lugar, mesmo os prevaricadores. Em matéria de escândalos de abusos (sexuais, de consciência, de poder) na Igreja, precisamos de viver a conversão contínua de todos.

* Num mundo cada vez mais consumista será preciso cuidar dos pobres, evangelizando os ricos, pois estes podem fazer diminuir aqueles pela consciência social dos seus bens, investindo em favor dos outros.

* Na medida em que o cristianismo se for convertendo cada vez mais em proposta cultural, seremos capazes de ajudar a recristianização onde o sermos minoria dá nova força e faz estar atento e humilde a todos.



5. Portugal vai ficar diferente depois destas JMJ!



António Sílvio Couto