Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Greta’s pintadeiras à portuguesa

 

Depois das campanhas da adolescente sueca Greta Thunberg, nos anos anteriores à pandemia – com maior impacto e repercussão nos anos de 2018 e 2019 – eis que emergem de repente ‘manifestações’ de uns ditos ecologistas borrifadores a pintalgarem pessoas e casas como protesto e em defesa dos seus ideais. Da surpresa à incredulidade, vimos surgirem estes novos ‘protestantes’, que não sabem formular as suas razões e/ou sentem-se mais propensos para borrar do que para limpar…

1. As manifestações pelo clima das ‘sextas-feiras para o futuro’ de Greta foram enchameando vários países, numa espécie de despertar populista para o combate à pegada do carbono na natureza com as consequências a curto e médio prazo nas pessoas. Num acolhimento sem precedentes das ideias de uma adolescente (nasceu em 2003), Greta discursou na conferência das Nações Unidas sobre a mudança climática, em setembro de 2018. Depois desse momento aconteceram manifestações estudantis todas as semanas em vários e dispersos lugares do mundo. Numa forma de dar o exemplo, Greta deslocou-se para a conferência da ONU sobre o clima de 2019, num veleiro… A onda Greta Tunberg foi sustida pela pandemia de ‘covid-19’… e pouco ou nada se fala dela e das reivindicações mais ou menos acertadas ou irritantes.

2. Eis que, em parcos dias, poucos – parece que são mais poucas as participantes – ativistas climáticas interromperam um seminário onde estava o ministro da tutela do ambiente e usaram também tinta para cobrirem paredes de um edifício duma associação empresarial. Se atendermos à conjuntura sociopolítica – inflação, aumento do custo de vida, salários baixos e carência na habitação – estes protestos poderão ter outros desenvolvimentos? Certos movimentos sociais de protesto poderão ter aqui algum rastilho para se desenvolverem? A estratégia de serem estes protestos visualizados na comunicação social – por vezes em direto – como será enfrentada e resolvida a curto e a médio prazo? Poderemos pressupor uma maior radicalização dos ativistas (ditos) de defesa do clima? Estas nítidas falta de educação – pelo não-respeito de quem pensa de forma diferente – não se voltarão contra tais ativistas?

3. Efetivamente estamos numa encruzilhada histórica e única: sofremos já as consequências de más opções de uns sobre a maioria, na medida em que os abusos de uns tantos quanto à mãe-natureza são pagos por todos, nas mais diversas vivências. Por isso, certas manifestações de ativistas pela defesa do clima como que soam a perda de tempo, embora lhes dê algum protagonismo na brevidade das notícias e na volatilidade das contestações. Num tempo de globalização, certos gestos e ações de contestadores da normalidade soam a operação de palhaço no grande circo de uma vida feita com pormenores e tecida por mentalidades ao sabor dos gostos da maioria… facilmente manipulável.

4. Na panóplia de situações onde a liberdade individual se sobrepõe à dimensão comunitária podemos enquadrar e, de alguma forma desculpa, certos gestos e atitudes de jovens eivados de uma certa defesa da natureza, mas suficientemente incongruentes, pois para se deslocarem para os seus protestos usam os meios movidos a combustíveis que eles desejam minimamente salvaguardar… Até as tintas que usam nos protestos continuam eivados de tónicas suscetíveis de repreensão.

5. Será precisa uma nova pandemia para colocar fim aos trejeitos mais assanhados da ecologia ao desbarato? Quando aprenderemos as lições?



António Sílvio Couto



 

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Engodos sobre a habitação

 


Nos tempos mais recentes o tema da habitação tornou-se o assunto mais recorrente da política no nosso país. Lançado para a discussão pelas forças do governo, tem andado a cumprir o ritual legislativo entre os competidores – de poder ou de influência – mais ou menos interessados em fazer da questão um problema, que, assim parece, dá jeito para distrair de outras temáticas mais subtis, elaboradas nos gabinetes e atiradas para a comunicação social quando convém…

1. Embora não haja coragem para dizer com clareza nota-se uma certa subjacência de que o Estado tem obrigação de arranjar casa para todos, deste modo se ofuscam as iniciativas de índole privada e quem queira fazer participar na solução deste tema social de frágil discussão. Esta forma de ‘nacionalização’ da habitação tornaria o Estado/governo o grande senhorio de uns inquilinos exigentes e maus-pagadores. Como o assunto precisa de intervenientes intermédios, as autarquias iriam assumindo as tarefas de solucionarem aquilo que antes de um direito constitucional (artigo n.º 65) é uma faculdade humana e um dever ético/moral. De muitas e variadas formas o assunto tem andado a ser evitado, na medida em que enfrentá-lo será uma espécie de vespeiro, que, uma vez chuçado, não sabemos quais os resultados da operação.

2. Dá a impressão que o tema da habitação foi colocado a partir de referências nitidamente envenenadas, tendo como parâmetros os centros das cidade de Lisboa e do Porto e daí foram feitos os cálculos dos custos por metro quadrado e abrangendo ainda as verbas a desembolsar para a construção e recuperação…noutras zonas o país. Com que velocidade vimos subirem rendas e vendas, em andares ou prédios, numa vertigem tal que os mais frágeis ficaram para trás e perderam a possibilidade de ter casa em qualquer parte do país. À mistura apareceram os abutres das imobiliárias a fazerem valer os seus dotes mercantilistas…Estamos atualmente numa selva onde os mais ricos trucidam os mais pobres e poucos ou quase ninguém os defende.

3. Neste sentido a teia de interesses como que colidem à vista de todos: num ápice percebemos que os sacrifícios para honrar os compromissos em pagar a prestação do débito à banca ou ao senhorio foram encolhendo na economia das pessoas e das famílias. Tudo isto se agravou com a subida – crescente, anónima e atroz – da inflação…Em poucos meses as obrigações quadruplicaram, gerando asfixia económico-financeira de uma larga faixa da população.

4. Os defensores da casa-estatal logo trouxeram para a praça pública – na discussão, nas manifestações e nas tomadas de posição – a exigência de que o Estado intervenha e quase compre os mais fragilizados, com benesses, através de enganos e com truques que precisam de ser desmontados. As mais recentes três medidas do governo em função do apoio às questões relativas com a casa são: reduzir e estabilizar as prestações durante os próximos dois anos; reforçar a bonificação dos juros; prolongar a suspensão da comissão de reembolso antecipado. Estas medidas abrangem os próximos dois anos, mas depois voltarão com toda a exigência que até agora tinham…Estamos no intervalo para entreter.

5. Não será isto enganar os incautos, levando-os a meter a cabeça na areia agora, mas as despesas serão pagas, talvez até com agravamento…à época? São estes truques que tentam ganhar votos, mas que poderão levar as pessoas e as famílias a entrarem em maior insolvência. Não será esta mais uma habilidade do consumismo sem atender, minimamente, à poupança? Não era, agora, o tempo de dizer a verdade e de fazer com que sejam enfrentados os problemas, em vez de os adiar com soluções enganosas e mal-intencionadas? Será defeito (político) ou feitio (ideológico) este de tentar ludibriar as pessoas com soluções mal explicadas ou com meias-verdades a roçar a mentira?

Como já vimos isto noutras governanças da mesma cor, os resultados são de adivinhar… muito maus!


António Sílvio Couto

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

… Por amor à seleção

Os criativos publicitários tentam sugerir temas e cunhar slogans que podem ser algo de difícil compreensão e, sobretudo, se isso não ser passível de aceitação, tanto da forma quanto no conteúdo. Um desses spots publicitários quis unir o vínculo à seleção de futebol masculina ao próximo campeonato europeu, que vai decorrer, na Alemanha, no verão do próximo ano. Diz a proposta de mensagem: ‘faz amor por amor à seleção’… e são induzidas intenções de que um casal (homem e mulher) executem o pretendido, por modo a que o nascimento se dê nessa época…

1. Partindo da interrogação de uma mãe/sogra: ‘quando me dão um netinho’, é traçado um plano a ser executado para que à data do campeonato (junho – julho) de 2024. Embora seja uma publicidade de uma operadora de comunicações, este assunto lança um tema bem grave na sociedade europeia em geral e na portuguesa em particular. Segundo uma interpretação deste spot publicitário juntam-se duas vertentes de um conhecido problema nacional: a aduzida paixão pela seleção de futebol masculina em especial e a reconhecida necessidade de rejuvenescer a população portuguesa. De permeio dá-se o incentivo a assistir ao ‘euro 2024’ de licença de maternidade/paternidade e a possibilidade de fazer algo pelo futuro do país…

2. Diante desta espécie de ousadia podemos colocar algumas questões de índole cultural, económica, social e até moral/ética. Aceitando sem pejo que a falta de natalidade é um problema muito para além do ‘inverno demográfico’ da Europa – Portugal está entre os dez países europeus onde o problema é mais grave – centrando-se na sobrevivência da nossa identidade e na fratura da não-prossecução do nível de qualidade de vida pretendido e conseguido. Será desta forma um tanto brejeira que iremos solucionar um engulho tão grave do nosso país? Não haverá aqui um quê de submissão dos interesses sociais à ditadura do futebol? Será este um critério de conduta ou um empecilho a vermos as coisas da vida para além dos interesses mesquinhos desta ditadura social crescente? Quantos filhos surgirão com este apelativo?

3. Efetivamente é preciso encontrar as razões, mais do que as desculpas, para a acentuada quebra de natalidade na cultura ocidental. De facto, perdemos, em grande parte pelo vazio de valores éticos/morais, a noção de família e com ela o acolhimento à vida. Em muitos casos encontramos casais fechados ao dom de dar nova vida, em nítido contraste com o aconchegar os (ditos) animais de estimação, que, na maior parte das vezes, constituem substitutos dos filhos que poderiam e deveriam ter. Por outro lado, vive-se, hoje, mais na ânsia da realização pessoal (profissional ou social) do que na aposta à vida em tempo de idade mais baixo… só um tanto tarde (quase na barreira dos quarenta anos). Como que se troca o pretenso certo pelo não-risco. Estamos, deste modo, colocados entre as escolhas mais materiais do que as opções onde a vida dada seja retribuída pelos filhos gerados com amor e ternura.

4. Não fossem as recorrentes vagas de imigrantes que têm chegado à Europa e a Portugal em particular e seria ainda mais gravoso o estado da substituição das gerações no contexto económico-laboral, social-segurança/direitos e psicológico. Por seu turno, a diversidade de imigrantes traz questões de âmbito ético-religioso, pois muitos deles são provenientes de países e nações de expressão religiosa nem sempre consentânea com a cultura judaico-cristã. Desde logo encontramos a temática da geração dos filhos e a respetiva educação, que em grande parte lhes queremos impor, embora isso deve-se ser alvo de diálogo. Embora nós, portugueses, sejamos quase peritos em criar miscigenação desde o tempo das descobertas, parece emergir algo que pode criar preconceitos e fazer surgir fenómenos de racismo e de xenofobia.

5. Aquela publicidade ao ‘euro 2024’, onde se faz apelo à procriação interesseira de criancinhas, além de enganosa, é substancialmente perversa, pois confunde amor com outras façanhas de âmbito explorador da boa-fé dos cidadãos, gostem ou não de futebol. Assim estaremos a continuar uma farsa de mau gosto e de pior execução!



António Sílvio Couto

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Calçar os sapatos de outro…

 

Diz uma expressão popular: ‘calçar os sapatos do outro para ver onde o calo aperta’! Há quem considere esta expressão contendo uma referência à empatia manifestada para com alguém, tanto ao perto como ao longe. No entanto, poderemos considerar ainda a expressão em apreço como uma tentativa de imitar um alguém, de boa reputação e elevada proporção, dando-lhe o sentido de querer como que seguir os passos do anterior e o subsequente limitar-se a deixar correr para o que haverá de ser benéfico ao imitador.

1. Em muitos campos de atividade vemos como uns tantos se aproveitam de outros, mesmo que a réplica possa ser de inferior qualidade. Tentar aferir-se àquilo que já foi feito pode ser de razoável, dando protagonismo àquele que é imitado, sobretudo nas virtudes e bons desempenhos. Mal vai uma sociedade ou uma cultura se não consegue apresentar aos mais novos exemplos e testemunhos que os motivem a serem melhores cidadãos e até sinceros cristãos. Essa é a função das biografias dos santos e santas, que, tendo vivido no seu sentido tempo e em lugares concretos, nos servem de motivação para a nossa vida. Com efeito, nós, cristãos-católicos, temos heróis e santos que podem ser apresentados como fidedignos seguidores do Evangelho e de Jesus.

2. As coisas complicam-se na abordagem ao tema, quando vemos tantos a dizerem-se discípulos de Jesus, mas a atropelarem os valores do Evangelho, quando, por má qualidade da sua vivência da fé em Cristo, tentam promoverem-se à custa de quem procura ser sério, sereno e sensato, mas o que mostram é, antes, oportunismo e má reputação. Neste sentido ‘calçar os sapatos de outro’ poderá parecer uma forma de se aproveitar do bom desempenho de outro, mas vinculando-se naquilo que se poderá considerar aproveitamento dessa figura ou de se colar àquilo que lhe pode trazer benefícios não merecidos. Quando alguém aduz que pretende seguir as pisadas de outro pela simples razão que isso lhe poderá parecer caminho facilitado, será algo reprovável, seja qual for o campo de ação ou o espaço de atividade…

3. Outra vertente de interpretação da expressão ‘calçar os sapatos’ de alguém implicaria adequar os pés ao calçado, isto é, não dar a impressão de que parece haver um desejo de caminhar com aquilo que não foi escolhido à medida do caminhante. Isso se perceberá mais cedo do que tarde, pois quando ocorre algum erro na medida do sapato o melhor é trocá-lo mais que andar a gastar o que não está adequado. Dizem os entendidos que não usar um calçado correto poderá provocar calos… tanto físicos como psicológicos!

4. Li, há dias, uma frase atribuída a um jovem santo em que salientava que todos nascemos originais, mas há quem morra como mera fotocópia… Aí está o desafio a que aquilo que calcemos um sapato que esteja à medida do nosso pé, sem recorrer a outras artimanhas de querer caminhar com os sapatos de outro e não do próprio. Deste modo se compreenderá que podemos seguir pistas de caminhada de outros, mas temos de fazer a nossa caminhada no adequado caminho…pessoal e personalizado!

5. Numa visão algo otimista da expressão ‘calçar os sapatos de outro’, sobretudo daquele que sofre e tem dificuldades, poderá passar por assumir a capacidade de se fazer companheiro – na origem etimológica do termo: o que come do mesmo pão – calçando (assumindo) as dores desse outro. Seria, numa visão mais sinodal ainda, fazer caminho, levando dos outros aquilo que lhes dói ou faz atrasar na caminhada… Agora que anda tanta gente a correr – quase se tornou moda social e cultural – precisamos de alentar o caminhar alheio pelo nosso caminhar fraterno e solidário.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Engarrafamento automóvel e custo dos combustíveis

Por mera coincidência: no mesmo dia em que o gasóleo atingiu o custo mais elevado dos últimos tempos, vi diversos engarrafamentos automóveis em estradas e autoestradas à chegada a uma cidade deste país…por sinal congestionada nos seus acessos e não havia qualquer acidente… Na minha ténue interrogação senti que as reclamações de uns não se repercutem no comportamento de outros, bem como aquilo que se diz não tem efeitos visíveis nas vivências (teórico-práticas) de tantos outros…

1. O agravamento dos preços dos combustíveis (gasolina, gasóleo ou gás) tem vindo a oscilar de forma cíclica e quase sempre em crescendo. Se tivermos por parâmetro o tempo após a pandemia (maio de 2022), o quadro de mudanças deixa-nos uma visão significativamente agravada para quem tenha de usar os tais combustíveis fósseis como recurso para a deslocação. Com efeito, o uso destes meios de produção de energia têm custos ainda mais agravados pelos impostos lançados por quem decide: mais de metade dos custos finais ao consumidor são de alcavalas que beneficiam os decisores político-económicos. Estes impostos indiretos constituem uma fonte de receita de enorme gestão – pior ainda – com a galopante inflação…

2. Por outro lado, o crescimento dos veículos em circulação contínua imparável e nem os referidos aumentos dos fatores de gasto condicionaram a contenção das vendas, bem pelo contrário… A melhoria da qualidade dos veículos trouxe uma explosão de vendas e, consequentemente, de chapa em circulação. Quando se pensaria que o preço dos combustíveis poderia arrefecer o consumo, este cresceu de uma forma impressionante. As vias de comunicação melhoraram e encheram-se de material circulante, tornando autoestradas de três e quatro faixas contínuos parques de estacionamento em deslocação… lenta e atribulada.

3. Cada vez que aumentam os preços dos combustíveis vemos pessoas a reclamarem de forma enérgica, mas parece que tais desabafos são para que os outros recuem, não os reclamantes. Deste modo se poderá compreender que as estradas e ruas das vilas e cidades estejam pejadas de veículos, embora se tornem insuficientes os espaços para acomodar tantos carros e carrões… Há situações de famílias em que são mais os veículos do que as pessoas à mistura das viagens em que não se vê mais do que um ocupante por meio de deslocação…

4. As ténues e incipientes reclamações de alguns contra o uso de combustíveis fósseis para que seja produzida outra forma de energia para os meios de transporte mais parece uma brincadeira de crianças-em-faz-de-conta do que algo sério e com repercussão no futuro. Por estes dias ocorre uma iniciativa bizarra do ‘dia sem carros’. Certos clichés usados fazem mais sorrir do que levam a refletir: bicicletas ou patins resolvem o problema da deslocação das populações para os empregos, muitos deles a quilómetros da morada habitual? Mais do que parecer uma alteração ao sistema de transporte não deveriam incentivar-se novas formas de saber estar nas cidades e aldeias pejadas de obstáculos à população, sobretudo mais velha ou um tanto dependente na locomoção?

5. Quando se pensava que ter carro significava ‘qualidade de vida’ como que isso é posto em causa pela exigência de salvaguardar o futuro do Planeta. Para além das questões poluentes dos veículos e da exploração dos recursos da natureza, urge ter em conta que cada um não pode comportar-se como ‘senhor’ dos recursos, mas tem de cuidar da ‘casa comum’ numa ecologia integral, nas palavras e ideias do Papa Francisco, que, brevemente, nos facultará uma segunda parte da encíclica ‘Laudato sí’.

«A ecologia integral é inseparável da noção de bem comum, princípio este que desempenha um papel central e unificador na ética social. (…). O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral» (Francisco, Carta encíclica sobre o cuidado da casa comum, ‘Laudato sí’, n. os 156-157).



António Sílvio Couto

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Quem festeja e quem é incomodado

 


Terminados mais de dez dias de festança, a Moita volta à normalidade. Os milhares de forasteiros vieram à procura dos seus interesses. Ocuparam os espaços, obrigaram a reconfigurar os dos residentes, fizeram barulho até alta horas da noite e muito lixo, sacudiram alguma da pacatez, possivelmente criaram riqueza, mas sobretudo incomodaram sem olhar a meios… Uns dizem que é cultura, outros quedam-se pela (dita) tradição e outros talvez aproveitem (se têm possibilidade e tempo) para sair da imensa e atribulada confusão…

1. Sem qualquer pretensão de fulanizar o assunto considero que esta matéria das ‘festas populares’ revelam muito daquilo que somos e do que damos a conhecer sem tal ser desejado. O povo – essa entidade anónima que aprecia ‘pão e jogos’ – precisa de aliviar as agruras da vida, dando largas as suas motivações de festejar. Por vezes dá-se-lhe mais do que aquilo que pede, pois com isso se pode alienar mais uns tempos e regozijar por outros momentos…sem pensar naquilo que tenta esconder. As festas podem ser rituais (religiosas ou sociais) ou cíclicas, umas configuram uma vivência geral e outras vinculam mais os que as sentem como as ‘suas’ festas. Sobretudo estas têm uma valorização acrescida se tentam serem diferentes no contexto geográfico onde se inserem. Cada qual (pessoa ou entidade) acha-se, por algum tempo, centro do resto da história… As festas são necessárias, mas precisam de outra tonalidade menos brejeira…

2. Em muitas circunstâncias quem esteja em festa absolutiza as suas referências e ofusca quem não está no mesmo cumprimento de onda. Assim podem aparecer os ‘lesados da festa’, isto é, aqueles a quem ninguém pediu autorização para os eventos, mas que têm de os aturar mesmo que contrariados. São os que têm de aprender a estar com o barulho – literalmente – noite e dia; os que veem os lugares de estacionamento ocupado com barracas – sem tirar o conceito mais primário – de comes-e-bebes, sorvendo os odores por longos dias; são os que, ainda que contrariados na forma, aguentam com o conteúdo das festas.

3. Os promotores das festas deviam tê-las ao pé de casa e não engendrarem complicações para onde as querem fazer. Deviam, por breves momentos que fossem, terem de confrontar-se com os atropelos ao sossego na sua própria casa. Os que executam as festas podiam considerar a possibilidade de fazerem o programa das festas sob as condicionantes de virem a esvaziar-se os estabelecimentos comerciais – cafés e não – para não terem de confrontar-se com má-criação e faltas de respeito… Quantos dias serão precisos para aferir à normalidade a vida dos incomodados pelos dias das festas? Quem compensa as noites de insónias devidas aos barulhos de grupos mal avinhados? As consequências levam dias a recuperar…

4. Breves questões de teor sociológico podem ser colocadas perante certas atitudes e comportamentos da maioria dos que participam nas festas. A ver pela forma contínua e quase ávida de andarem sempre a comer, poder-se-á questionar: muita fome anda escondida no resto do ano? A avaliar pelo consumo de bebidas alcoólicas algo se passa de preocupante na saúde de tanta gente, com particular preocupação para o setor mais novo da nossa sociedade: a beber desta forma desregulada pagaremos todos a médio prazo a fatura na saúde pública… doenças já debeladas voltarão em força.

5. Embora parecendo uma nota de rodapé considero que a vertente religiosa – que dá cobertura à maior parte das festas populares – não se percebe, para além da irrelevância que lhe é dada, mas também pela menos boa participação dos que à dimensão religiosa se rotulam. Os festejos são em honra dos santos ou de Nossa Senhora, mas o proveito é dos que a eles menos ligam ou se sentem comprometidos. Não andaremos a usar os santos ou Nossa Senhora para que possamos fazer o que nos dá na real-gana?

Coerência e verdade ‘noblesse oblige’!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Radares e acidentes/mortes nas estradas

 

Só em dois dias (sábado e domingo, 9 e 10 de setembro) morreram nove pessoas nas estradas – em vários pontos – de Portugal. A ver pelas imagens alguns desses sinistros foram complexos e mesmo de gravidade extrema. Manobras perigosas, ultrapassagens pela direita, excessos de velocidade e falta de sistemas de segurança (cintos e não só) e desrespeito pelas regras (código) da estrada foram algumas das causas desta mortandade nas vias de comunicação rodoviárias. Entretanto, foram espalhados pelas vias mais perigosas radares de controlo à velocidade – não instantâneo, mas segundo o método de cálculo do tempo médio gasto entre dois pontos assinalados por radar – tendo, só no primeiro dia de funcionamento, registado mais de seis mil infrações…

1. A mortalidade nas estradas, em Portugal, sempre foi elevada com números escandalosos e a roçar quase uma espécie de guerra civil sem armas. Em 2022 houve mais de 130 mil acidentes rodoviários, com 474 mortos e mais de quarenta mil feridos daí decorrentes. Algo de muito grave se passa na nossa mentalidade e, particularmente, no comportamento de condutores e peões, tanto nas estradas como nas ruas. De referir que o número de atropelamentos tem vindo a aumentar de forma progressiva e quase assustadora, bem como têm crescido os acidentes com motas…

2. Do ponto de vista da fiscalização os dados são também de grande destaque. De entre as principais cláusulas eis alguns dos itens: controlo (de excesso) de velocidade, manobras perigosas em ultrapassagens, condução sob efeito do álcool e substâncias psicotrópicas, com ou sem cinto de segurança, aferindo da habilitação para conduzir (com ou sem carta), bem como a documentação necessária do veículo para circular na via pública… uso do telemóvel ao volante. Campanhas como a taxa ou tolerância zero promovidas pelas entidades responsáveis pela segurança rodoviária tentam atenuar a frieza dos números de vítimas de quem anda na estrada, mesmo que se não tenha em conta tantos dos erros e transgressões de condutores e de peões… Mesmo assim os números poderiam ser muito mais trágicos e irrecuperáveis…

3. Em abril de 2006, a Conferência Episcopal Portuguesa apresentou aquilo que designou de ‘sete pecados sociais’, colocando o tema da condução na estrada entre os visados como pecados. Dizia o texto: «a irresponsabilidade na estrada, com as consequências dramáticas de mortes e feridos, que são atentado ao direito à vida, à integridade física e psicológica, ao bem-estar dos cidadãos e à solidariedade». Efetivamente este problema exige formação ética/moral, pois da atitude menos correta de um, todos poderão ser prejudicados de forma irreversível.

Quantas vezes os acidentes que ocorrem são uma pequena parte dos erros de tantos dos utilizadores das estradas. Quantas vezes quase parece milagre que não haja mais acidentes, tal a negligente forma como muitos andam nas estradas e nas ruas. Quantos se julgam ‘bons condutores’ e não passam de disfarçados, se estiver a fiscalização!

4. Quem nunca cometeu uma infração – por muito pequena que tenha sido – mesmo que não tenha tido consequências funestas? Quem não terá incumprido alguma das regras da estrada, mesmo que não tenha sido visto pelo policiamento? Quem não terá de dar graças a Deus por ter escapado de algum acidente, por mais possivelmente insignificante que possa parecer?

Precisamos de reconfigurar a nossa aptidão de condutores e de recauchutar a nossa presença de peões… Cidadania precisa-se!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Do irritante ao irritadiço até à crispação

 

À boa maneira de um tempo de crise, vão-se inventando epítetos e cognomes aos nossos governantes, tanto do passado como do presente. Assim, a quem tenta vender patranhas como se fossem projetos de sucesso garantido, alcunharam-no de ‘otimista irritante’. A quem não se cala, mesmo que podendo exorbitar as funções para que foi eleito, autoapelidou-se de ‘otimista realista’. Noutras épocas chamaram a um governante ‘picareta falante’ pela forma de verbo fácil (verborreia) e de comunicação fluida…

1. Nos tempos que decorrem nota-se que as pessoas estão cada vez mais irritadiças e com pouca (ou quase nenhuma) paciência para com os outros. Vemo-lo nas filas de atendimento (público ou privado), nas estradas e ruas com o trânsito automóvel, nas circunstâncias normais ou nas extraordinárias, desde os acontecimentos desportivos até aos de índole religiosa ou mesmo em espaços de peregrinação… Numa palavra: as pessoas andam irritadas consigo mesmas e manifestam-no para com os outros.

2. Nota-se que é privilegiado mais o protesto do que a aceitação das contrariedades, com sinais que podem tender a crescer, se houver abaixamento do poder económico-financeiro, tanto das famílias como das pessoas. Aos grupos de protesto – numa certa visão reivindicativa quase assanhada e impertinente – parece que as pessoas têm agora a tendência a viver na contestação de tudo e a todos, por vezes sem respeito pela opinião ou pensamento alheios, mas numa linha ‘democrática’ de eu contra todos… Há processos complexos e situações que podem eclodir com consequências imprevisíveis.

3. Alguns dos focos de irritação percetíveis parecem corresponder mais às agendas político-partidárias do que às reais necessidades das populações. Por onde têm andado os políticos ‘profissionais’ para só agora perceberem que o tema da habitação subjaz a muitas das situações de mal-estar do grosso dos cidadãos? Quando optaram pelos (ditos) bairros sociais isso não foi criar novos problemas, sobretudo aos mais desfavorecidos, já de si fragilizados? Não juntar pessoas complicadas (social, económica ou culturalmente) nos mesmos espaços não seria previsível para não fomentar novos conflitos? Não será que certas soluções encontradas para alguns problemas se têm tornado focados de maiores conflitos?

4. Efetivamente somos, hoje, confrontados com uma crise quase insolúvel; falta capacidade de liderança e quem a execute de forma digna, atenta e correta. Dizemos isto em relação ao nosso âmbito autárquico, mas também na dimensão nacional e mesmo internacional, com a Europa à testa. Quem tenha um mínimo de memória recordará alguns dos grandes líderes, esses de estatura humana e cultural, que até ultrapassavam as fronteiras das suas agremiações ideológico-partidárias, homens e mulheres dos mais variados setores e campos de intervenção… ao nível europeu: figuras como Helmut Kohl, François Mitterrand, Jacques Delores, Margaret Thatcher, João Paulo II ou Mikhail Gorbachev; por cá: Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Adriano Moreira…e gerações subsequentes de outros dirigentes da segunda vaga da construção da União Europeia ou da ‘democracia’ portuguesa…

5. Vivemos numa época que se apresenta mais propensa às intrigas – palacianas e não só – e mal crenças, onde se tenta confundir o secundário com o essencial: hoje mais do que no passado recente vemos serem cilindrados os competentes pelos oportunistas, os bem-preparados pelos arrivistas sem estofo, os que podem construir pelos que mais não sabem ser senão detratores inconsequentes. Precisamos de reafirmar a consciência na boa-fé para com os outros, incentivando ao cultivo dos valores humanos mais básicos, como a honestidade, a lealdade e a verdade. A rebaldaria de uns quantos precisa de ser combatida com os princípios alicerçados nas Sagradas Escrituras: nelas e por elas saberemos encontrar quem possa tornar-se servo e ministro do bem-comum… que é muito mais do que o serviço público e estatal de tantas forças eivadas de crenças num deus sem rosto e sob a ética republicana anquilosada de outros tempos. Assim saberemos combater a ansiedade quanto ao futuro, a depressão para com o passado e o stress sobre o presente…



António Sílvio Couto

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Inquietantes sinais da ‘geração canguru’

 


Desde de alguns anos a esta parte se vem designando aqueles/as que vivem na casa dos pais muito para além dos vinte e tal anos – como era costume em décadas anteriores saírem – como ‘geração canguru’, isto é, que não deixaram a bolsa marsupial, num certo conforto sem compromissos nem incómodos…pessoalmente.

1. Segundo dados publicados por estes dias, ao nível europeu, e relativos ao ano de 2022, os jovens, em Portugal, saem de casa dos pais, em média, aos 27,9 anos, quando na União Europeia, essa media se situa nos 26,4 anos. Os países onde a saída da casa dos pais se situa acima dos trinta anos são: Croácia, Eslováquia, Grécia, Bulgária, Espanha, Malta e Itália. Por seu turno, os jovens de cujos países saem de casa dos pais abaixo dos vinte e três anos são: Finlândia. Suécia, Dinamarca e Estónia. Se atendermos aos sexos os homens saem, mesmo em Portugal, da casa dos pais mais tarde do que as mulheres: eles pelos 30,4 anos e elas pelos 29 anos…

2. Quais poderão ser as causas bem como as consequências desta mutação histórico-social? Atendendo às melhores condições de vida não seria previsível que as pessoas se quisessem autonomizar mais cedo? Este prolongamento na dependência familiar significa maturidade ou o seu contrário? Com tantos e melhores meios de vida por que se dá esta acomodação dos filhos na casa dos pais? Serão estes que os prendem e quase fazem prolongar a estadia na sua casa, como se fosse um refúgio e resguardo? Mesmo que trabalhando e vivendo na casa dos pais, os filhos comparticipam nas despesas da casa ou limitam-se a gastar sem cuidado pelo futuro?

3. Poderemos considerar que cada caso é um caso, mas com tantos a acontecerem em tão grande escala dá a impressão de que algo está mal, importa, por isso, encontrar em quem ou porquê. Os pais destes filhos, na sua maioria, começaram a assumir a vida cedo, pois tiveram de enfrentar as agruras de há cinquenta e quarenta anos atrás. Muitos deles comeram o ‘pão que o diabo amassou’ e mesmo assim beneficiando das condições dos seus antecessores (pais e avós), esses sim acrisolados pelos tempos da guerra mundial… com racionamentos e senhas para angariar comida! Passados todos estes anos fica-nos a sensação de que muitos dos atuais pais – mesmo que os filhos já tenham saído de casa – continuam a serem protetores em excesso, condicionando até a educação dos possíveis netos.

4. Para quem saiu de casa dos pais aos dez anos, tudo isto soa quase a surrealista, pois a vida faz-se crescendo em maturidade e sem excluir o sacrifício. Por algum tempo se levantaram vozes contra esta forma de educar: fazendo sair as crianças de junto dos pais para irem para o seminário, onde passavam em regime de internato os tempos de estudos, mas também de convívio com outros da mesma idade, em oração e acompanhamento no discernimento vocacional. Pela minha parte foram catorze anos (1969-1983) e, desse tempo, não tenho traumas nem menos boas recordações. Foi uma oportunidade de crescer na valorização humana, pelos estudos, na compreensão da vida, pela vivência de anos com outros companheiros, pela aprendizagem dos valores do Evangelho, na oração e na perceção daquilo que é a Igreja católica. Nem tudo foram rosas nem vitórias inquestionáveis, mas, creio, que tudo contribuiu para ser quem sou e para aceitar isso como caminhada cultural e espiritual.


5. Alguns setores mais fundamentalistas da nossa sociedade poderão considerar algo forçado aquilo que acabei de descrever, mas os mesmos não têm idêntica atitude, se o jovem (rapaz ou rapariga) sair de casa dos pais e for para uma academia de futebol ou de outros desporto ou mesmo de promoção em vista do dinheiro… Dá a impressão que este justifica todos os sacrifícios e dá cobertura à contradição quanto à objeção para algo que não se veja logo rentável…. E os da ‘geração canguru’ ficarão mal na fotografia, pois parece que se restringem a deixar passar o tempo, em breve estarão envelhecidos e quase incapazes de decidir seja o que for para a sua vidinha…



António Sílvio Couto

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Vestir – moda sem beleza?

 


Vestir e, sobretudo, vestir-se é muito mais do que enfiar uma farpela e sair para a rua. Vestir-se é assumir uma atitude de ser com os outros e, porque não, de saber estar no contexto da sociedade onde cada se insere. Se atendermos ao ditado – mostra-se como te vestes que direi quem tu és – tudo o resto implica uma espécie de identificação por aquilo que se veste, onde e quando…

1. A moda será, então, uma arte ou uma artimanha? O não vestir – que é diferente do despir de certas modas e tendências – revela o quê e, particularmente, quem? Não será que certas modas denunciam o estado de alma dos vestidos/despidos? As roupas e roupagens manifestam o estado económico de quem se veste e como se veste? Serão os (ditos) criadores de moda influenciadores sociais ou manipuladores das massas? E os (pretensos) críticos de moda não passarão de interessados em benesses quando se tiverem de vestir? Como entender, em matéria de modas, a frase de paulina: ‘tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente’ (1 Cor 6, 12; 10, 23)?

2. Estas e outras perguntas poder-se-ão colocar sobre este assunto, que tem tanto de social como de pessoal, tanto de relacionamento com os outros como de cada um consigo mesmo, tanto de passado como de atual, tanto de histórico como de implicações no futuro… Vamos tentar abordar – sem qualquer conotação moralista – este tema da ‘arte de bem vestir’, que bem pode ser um slogan, mas também um propósito que pode esbarrar em certos conceitos e preconceitos.

3. Três breves exemplos assaz divulgados nos tempos mais recentes: as calças rotas, o trajar de calções e os vestidos largos e compridos…

A moda das calças rotas ou rasgadas desde logo choca com um certo tempo de aprumo no vestir – tanto de homens como de senhoras – onde, por exemplo, as calças deveriam estar apresentáveis e, digamos, cuidadas. Há quem situe a moda das calças rotas/rasgadas com o protesto social do movimento punk da década de 70 do século passado. Deste modo poderemos considerar que aquilo que teve início como um protesto individual contra a imposição de padrões de gosto e de consumo coletivos, foi adotado, no século XXI, pela maioria dos consumidores como objeto de afirmação pessoal, quase de culto, especialmente entre os jovens, tornando-se uma espécie de contradição dos tempos em que vivemos…manipulados pela moda acriticamente.

O trajar de calções – muito divulgado neste quente verão – conseguiu colocar um traje nos lugares mais inadequados, quando deveria ser usado em lugares que julgávamos mais redutivos. Com efeito, certos corpos seriam mais dignos de serem escondidos do que mostrados nas suas misérias… Como o bom senso não se compra nem está em saldos, será preciso recorrer ao ridículo para corrigir tais modas?

Segundo algumas opiniões económicas as roupas femininas revelam a capacidade financeira dos utentes, podendo ajudar a ver o estado socioeconómico do país à mistura com as implicações nas pessoas. Assim os vestidos longos e largos recentemente introduzidos na moda refletem o melhor desempenho da nosso economia, apelidada de estar em crise? Se esta é real como interpretar este fenómeno da moda feminina?

4. Certamente todos conhecemos – embora nem sempre saibamos o seu real alcance – a expressão francesa – ‘noblesse oblige’ – que significa literalmente: a nobreza obriga (ou obrigação nobre), isto é, pelo facto de pertencer à nobreza (classe social dos tempos medievais) há um comportamento que lhe é correspondente… agora em sentido denotativo significará que, a uma determinada posição social, há um comportamento – desde o ser ao estar – que se deve ter ou que se espera que tenha a condizer com esse estatuto…

Se assim for, qual o caminho para onde vamos – de calças rotas/rasgadas, de calções (sob tamanhos diversos) ou de longos e largos vestidos? Saberemos vestir-nos a condizer para os lugares e as tarefas que temos?



António Sílvio Couto

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Não será manipulação das crianças?

 

Surgiu, nestes dias, uma publicação de um canal conotado com um certo clube desportivo, uma criança (identificada como tendo apenas onze anos) adepta dessa agremiação a proferir coisas de duvidosa educação: pela agressividade contra outros clubes, com apreciações de valor quanto a jogadores dos adversários e, sobretudo, a opinar sobre lances e jogadas de suspeita capacidade de julgamento…a não ser pela sórdida manipulação dos mais velhos. Ela enxameava grande azedume, sob o olhar de incentivo do entrevistador.

1. Se fosse apanhada a coser sapatos ou a tirar os alinhavos das roupas, diriam que era ‘trabalho infantil’, mas ao ser mostrada à porta de um estádio, antes de um jogo de futebol, e com tais preparos, isso é o quê? Pela cor das roupas se percebe que está bem instruída na arte-de-maldizer. Será desta forma que as crianças serão o futuro ou andaremos para trás na arte de conviver com a diferença? Não serão criadas, deste modo, condições de maior agravamento entre adeptos, com atitudes, gestos e palavras tão desvairadas e cheias de obstinação clubística? A quem interessa difundir tais mensagens e fascinar os mais novos com essas coberturas em público?

2. Como desporto o futebol pode ser criador de diálogo e de compreensão entre os povos e culturas, mas como competição o que temos visto e ouvido anda muito longe desse espírito humanista e conciliador. Pior ainda quando se acirram os ânimos de uns contra os outros, mesmo que por razões identitárias ou de necessidade de sobrevivência económica. Os milhões que povoam o complexo ‘mundo do futebol’ – e não ousamos entrar na rebaldaria dos números das arábias – deixam a crer que há muitas e diversas movimentações de interesses para além do jogo disputado, comentado ou discutido. Com efeito, depois do tempo dos ‘patos bravos’ – uns tantos que queriam ser importantes na sociedade à custa da exibição nas coisas do futebolês – parece que, agora, estamos na época da lavagem de dinheiro com subterfúgios – suportados por autarcas e políticos de segunda – quais marionetas de multinacionais e vendedores sonhos, que reverterão, brevemente, em pesadelos.

3. Acima de tudo há um setor que me deixa sempre preocupado, pois é o elo mais fraco da cadeia deste imbróglio em que se tem vindo a tornar o futebol: os adeptos, tanto os que são sócios como os ocasionais de ida ao estádio ou mesmo os que o são por simpatia e veem os jogos na televisão. De facto, são os adeptos que mantêm a chama da discussão, até porque os jogadores não passam de mercenários, indo para onde lhe pagam mais. Aliás a cobertura deste eufemismo de servirem quem melhor lhes paga, apelidam-na de ‘profissionalismo’… E vemos a trocas-e-baldrocas de jogadores de um para outro clube, vendidos a peso de ouro e com tempo de validade muito abaixo de qualquer outro trabalhador… ganham rios de dinheiro, fazem vida de ricos, gastam até falirem e depois caem, normalmente, na miséria tanto humana como cultural. Nota-se que boa parte dos jogadores de futebol não tem capacidade cultural de gerir as fortunas que lhe cabem em sorte, por isso, são usados por habilidosos – ditos empresários – na gestão do tempo em que irão servir de ‘palhaços’ no grande circo dos estádios…

5. O puzzle do mundo do futebol é complexo e cada vez mais enredado: dirigentes (locais ou supranacionais), treinadores (e equipas técnicas), assessorias e consultadorias, jogadores (nos mais diversos escalões e agora também sexos), sócios e simpatizantes… para além dos comentadores (nos diversos canais televisivos ou nas ditas redes sociais), os jornalistas e tantos outros/as que vivem à pala deste fenómeno, progressivamente mais económico do que desportivo.

6. Quando se esperava que as gerações mais novas seriam mais tolerantes para com os adversários parece que está a emergir uma nova vaga de adeptos radicalizada no seu clubismo, facciosismo e agressividade, tornando os outros inimigos a abater, não com a razão e a arte desportiva, mas pela força e mesmo a violência. Isto pode ser tudo, menos desporto…claramente!


António Sílvio Couto