Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Sinais de neo-tribalização

 


Começam a ser preocupantes os sinais de neo-tribalização na nossa sociedade. Num tempo em que se vão digladiando forças antagónicas, torna-se essencial perceber certos fenómenos que estão a ganhar foros de representatividade preocupante.

Detetamos como expressões desta neo-tribalização: os partidos políticos, com as diversas ideologias, símbolos ou lutas; as agremiações desportivas, com as várias colorações, conquistas e tropelias; as associações (ditas) culturais, onde se conglomeram tendências, pretensões ou lóbis; questões fraturantes com incidência ético-social, onde fervilham problemas de poucos em ordem a envolver (teoricamente) muitos…

1. Antes de mais ‘tribo’ é um agrupamento humano unido pela língua, costumes, instituições e tradições. Se fizermos um escalonamento da evolução das pessoas, no sentido mais restrito, até à organização coletiva/comunitária poderemos encontrar o percurso seguinte: pessoa (indivíduo), família, tribo, nação, estado, país ou confederação de países… Deste modo a noção de tribo estará colocada no elo evolutivo entre a ‘família’ – onde as pessoas vivem de forma estável, com vínculos e relacionamento – e a ‘nação’ – onde várias famílias se ligam de forma a defenderem-se, organizadamente e com interesses comuns… Quem conhecer a cultura bíblica poderá encontrar, na designação do ‘povo de Israel’, a composição das ‘doze tribos’, oriundas de uma mesma família e que se foi compondo até irem formando um povo, uma nação, mesmo quando esteve num país estrangeiro…até chegar à sua terra, isto em cumprimento da promessa de Deus a Abraão: terás uma descendência e uma terra onde te estabelecerás.

2. Li há anos atrás que a União Europeia – ao tempo designada de CEE (comunidade económica europeia) – estava entre duas grandes forças em tensão: entre a capacidade de vínculo de todos os país e os particularismos nacionalistas, nalguns dos países conglomerados na agora dita União Europeia (UE). Olhemos o exemplo português, dado que somos uma nação-país com estabilidade em vários aspetos, desde as fronteiras, passando pela língua, a não-existência de conflitos explícitos entre regiões e mesmo numa expressão religiosa maioritária católica e respeitadora de outras expressões religiosas… ao longo de quase nove séculos, enquanto outros países nem sempre tiveram tal condão.

3. Por que será que vemos emergirem sinais de tribalismo em tantas das manifestações da nossa sociedade? Estaremos a involuir culturalmente, dado que estaremos a recuar no processo de afirmação coletivo/comunitário? Aquilo que unia – o ligâmen mais profundo entre todos – estará a desfazer-se ou haverá interesses individuais que se querem impor ao geral? Certas formas de afirmação individuais pretendem ser mais fortes do que o bem comum de todos e para todos?

4. Na intercomunhão entre todos poderemos constatar que uma pessoa pode pertencer a várias ‘tribos’ ao mesmo tempo, isto é, ser de um partido político (fação maioritária ou não), associar-se nalgum clube desportivo ou ser militante de alguma associação…enquanto uma outra pessoa pode ser de outro partido e simpatizar com o mesmo clube ou estar noutra associação diversa da de outros/as…Digamos que a nova tribalização não tem exclusividade nem vincula tanto quanto parece. Numa espécie de autoavaliação valerá a pena, cada um de nós, examinar a quantas ‘tribos’ pertence, umas de forma explícita e outras de modo simpatizante ou ainda tendencial… Se repararmos bem, nalguns casos parece não haver total coerência!

5. Será verdadeiramente honesto dizer: ‘não temos problemas internos’, ao falar de um partido político? Isso não revelará alguma miopia intelectual à mistura com tiques de ditadura, quando se está no poder? Por que será que as mais pequenas divergências em certos clubes desportivos, se tornam casos nacionais e se gasta tanto tempo a debater não soluções mas arrufos de vencidos? Por que leva tanto a aprender que certas discussões éticas de problemas fraturantes só servem desviar a atenção dos problemas sérios?
«Vi uma multidão de todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7,9)…

António Sílvio Couto

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Interpretações descontextualizadas...

 


A ‘silly season’ (estação ridícula, na tradução literal) deste ano está a revestir uma versão algo religiosa: a partir da 2.ª leitura da missa do XXI domingo do tempo comum (Ano B) uns tantos/umas tantas quiseram trazer para a liça uma discussão algo sem nexo, tanto pelo conteúdo quanto pelo significado: o pretenso papel da mulher, sobretudo na Igreja…católica.

Citamos excertos do texto da ‘tal’ polémica: «Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se devem submeter em tudo aos maridos. Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela… Assim devem os maridos amar as suas mulheres, como os seus corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo» (Ef 5, 21-28).

 1. Desde logo se pode colocar uma questão: há três anos atrás (2018) foi lido este texto nas missas. As televisões também transmitiram. Mas ninguém reagiu – pelo menos com este alarido – às mesmas palavras. Estaríamos mais absorvidos pelos eflúvios estivais e isso passou-nos ao lado? Será que agora há mais gente a ver as missas televisionadas? As sensibilidades estarão mais acutilantes e o espírito crítico mais atento? As reações havidas foram de pessoas bem-intencionadas ou de picuinhas com má-língua e pior escrita?Algumas das reações roçaram, de facto, a malcriadez humana e deixaram cair as máscaras de ignorância, senão religiosa, ao menos intelectual…

2. Ainda antes da ‘reação’ da Conferência Episcopal Portuguesa, foi-se ouvindo que os textos – bíblicos e não só – precisam de ser enquadrados/contextualizados segundo uma certa hermenêutica e, no caso da Bíblia, atendendo a uma exegese apropriada. Com efeito, São Paulo fala e escreve num contexto específico, tendo em conta o quadro jurídico-social da família, aqui em duas vertentes especiais: a mútua atenção – dito de submissão – e o cuidado entre os esposos. Mas, para alguns, as palavras usadas estariam desadequadas aos ‘critérios’ dos nossos dias e à luz das pretensões de grupos mais redutivos.

Eis um excerto da nota da CEP de 24 de agosto: «então porque não se muda o texto, para que não se deem interpretações incorretas? A pergunta tem a sua razão de ser, mas é claro para a Igreja e para quem quiser interpretar textos e tradições com origem noutras culturas e noutros tempos: os textos não se mudam, mas educam-se os leitores a entendê-los e a atualizá-los. Por exemplo, não se mudam os versos épicos de Camões, porque não correspondem à mentalidade atual e até, em alguns casos, podem causar escândalo. Isso seria cair na arbitrariedade e na ditadura das modas e na imposição da cultura única. É por isso que se estuda Camões nas escolas, para que todos tenham acesso à beleza dos seus versos, dentro dos condicionalismos da sua época».

 3. Diz-se em jeito de enquadramento – ou será de desculpa? – de certas declarações (orais ou escritas) mais ou menos fundamentalistas: foi a coincidência com o que se está a passar no Afeganistão que exacerbou certas posições. Veja-se como os talibans tratam as mulheres. Repare-se nalguma da linguagem dos escritos paulinos lidos. Atente-se a um envolvimento social, político e ideológico propício para atiçar contra a Igreja católica. Olhe-se com mais atenção para todo o processo de afirmação da mulher na (dita) sociedade ocidental, onde quase sempre se tenta fazer imitar a mulher o desempenho dos homens… e isso parece ser razão de evolução das mentalidades…

À guisa de anedótico: já só falta varrer da possibilidade de apresentação dos homens – na cultura ocidental e europeia em particular – o uso da barba, pela simples razão de que os talibans ostentam tal artefacto por motivações religiosas e culturais! Pessoalmente já fui vítima de especial revista, em aeroportos no estrangeiro, por usar barba e, atendendo ao contexto sociopolítico, se me poder assemelhar com tais indesejáveis.

 4. De uma discussão sobre este tema veio-me uma sugestão – mais na linha intelectual e teórica do que como proposta teológica ou eclesiológica…urgente. Por que não refletimos já sobre as incidências do sacerdócio no feminino? Por que teremos de ter só como quadro de comparação o desempenho masculino do sacerdócio na Igreja católica? Não haverá, de entre as várias facetas do ministério sacerdotal, algum aspeto que seria mais benéfico e talvez apropriado à sensibilidade feminina? Não será um erro grave continuar a querer fazer coincidir as posições teóricas com as possibilidades e/ou potencialidades humanas, psicológicas ou afetivas?

Seria algo salutar refletir sobre as questões sem as discutir em defesa ou ataque de nada nem de ninguém. Nem sempre é isso que temos visto nesta questão do sacerdócio no feminino…

Já agora: que dizer de certas formas de música – fado em particular – que ainda hoje estão vedadas às mulheres, na sua cantoria? E dizem-se do meio intelectual… Não se andará a acusar outros para que se não vejam erros idênticos?           

 

António Sílvio Couto

Charlatão, digo eu!

 


De há uns tempos a esta parte é recorrente ouvirmos um certo tipo de jornalismo usar a construção de que importa contar uma boa história – talvez se devesse usar antes o outro termo ‘estória’ – por forma a falar de coisas da vida, que prendam as pessoas e as faça serem envolvidas pelas situações dos outros…

Se esta tendência tem vindo a ganhar forma e corpo num certo jornalismo escrito e narrativo, tanto vai sendo servido e sorvido em programas televisivos, que nos apresentam – sobretudo em figurinos das tardes – também estórias, que têm tanto de sério quanto de mirabolante, à mistura com heróis saídos do nada e guindados a um certo estrelato…ao menos enquanto duram as ilusões, seja do contador, seja dos proponentes…

É neste quadro quase simbólico que leio, entendo e interpreto o caso de um rapaz que se apresentou muito próximo do Papa Francisco, autoconsiderando-se confidente do mesmo, num ‘tu-cá-tu-lá’ quase arrogante, senão for mesmo confrangedor. Quem conduzia a narrativa deixou-se enlevar pelos feitos apresentados, mais parecendo uma avozinha ao pé da lareira do que uma pessoa com formação jornalística minimamente credível.

Quem conhece a personalidade dos charlatães sabe que laboram em efabulações contínuas, criando personagens, onde a sua figura emerge como um interlocutor bem-falante e sobrevoando sobre os pobres mortais, que o devem admirar e até bajular. Já vi – e de alguma forma vivi por arrastamento – casos destes que se faziam passar por professores universitários, usando o estratagema de lhe ser comunicado por telefone a colocação fictícia… Isto pode durar algum tempo – semanas ou meses – e na duração, o dito como que se torna um alguém importante, mas vazio…com medo de ser descoberto.

- Na estória em apreço, que envolve o Papa Francisco, percebe-se que há lacunas e incongruências. Ao ser perguntado ao entrevistado se o Papa usar a internet, aquele respondeu que só lê jornais e ele até seria a sua fonte de informação para o referido Papa…contando-lhe o que se passa no mundo e influenciando tomadas de posição papais… Teve o bom senso de não especificar nenhuma. Ora, o Papa Francisco escreve todos os dias no twitter. Fá-lo numa lousa antiga e outros passam a limpo as ideias? Que sentido tem dizer de um Papa tão versado nas coisas da tecnologia, referir que não usa as ferramentas da internet?

- Dirá alguém que foram exibidas imensas fotografias onde se vê aquele que eu apelido de charlatão e o Papa. Mas isso será confirmação de que tais momentos aconteceram? Como bons manuseadores da manipulação, os charlatães são peritos na arte do photoshop, isto é, da montagem (limpeza e edição) onde quase sempre colocam quem lhes interessa ou retiram quem não os beneficia. Se tivéssemos acesso a tais fotos poderíamos conferir a montagem, sem grande dificuldade, pois há quase sempre lacunas, falhas e erros.  

- Outra tendência dos charlatães é a de incluírem situações, episódios, circunstâncias só favoráveis, escondendo ardilosamente nomes (de pessoas ou de instituições), de datas ou de lugares que podem desconstruir a estória congeminada. Por vezes, conseguem conquistar cúmplices para o que desejam…No caso em apreço um tanto tenuemente poderemos sentir a alusão aos pais… Não foi dito nome da congregação onde ingressou e nada foi referido das universidades onde estudou… Lapso ou esquecimento propositado?

- Uma outra faceta dos charlatães é tomarem um ar muito sério e grave, por forma a que a estória que estão a querer vender – será mais impingir – pareça capaz de convencer… Não era (é) essa a figura do dito?

- Numa palavra: o canal de televisão, que anda à procura da verdade no polígrafo, não estará a precisar de ir ele mesmo à avaliação dos seus programas de entretenimento? 

 

= Daquilo que vi, refleti e acabo de escrever, ouso propor que seja feita queixa – por alguém responsável da Igreja católica (Santa Sé, nunciatura ou qualquer crente – deste charlatão, que está a usar o Papa Francisco para se promover. Não precisamos de quem venha trazer mais confusão à Igreja.

Espero e estimo não estar a faltar à caridade, mas esta só é boa e benéfica, se for servida com verdade.

 

António Sílvio Couto

domingo, 22 de agosto de 2021

Simbolizados no espinheiro-rei

 


Lemos nas Sagradas Escrituras a seguinte passagem:

«Isto foi comunicado a Jotam. «Ouvi-me, senhores de Siquém, e que Deus vos oiça! As árvores puseram-se a caminho para ungirem um rei para si próprias.
Disseram, então, à oliveira: 'Reina sobre nós.' Disse-lhes a oliveira: 'Irei eu renunciar ao meu óleo, com que se honram os deuses e os homens, para me agitar por cima das árvores?'
As árvores disseram, depois, à figueira: 'Vem tu, então, reinar sobre nós.' Disse-lhes a figueira: 'Irei eu renunciar à minha doçura e aos meus bons frutos, para me agitar sobre as árvores?'
Disseram, então, as árvores à videira: 'Vem tu reinar sobre nós.' Disse-lhes a videira: 'Irei eu renunciar ao meu mosto, que alegra os deuses e os homens, para me agitar sobre as árvores?'
Então, todas as árvores disseram ao espinheiro: 'Vem tu, reina tu sobre nós.' Disse o espinheiro às árvores: 'Se é de boa mente que me ungis rei sobre vós, vinde, abrigai-vos à minha sombra; mas, se não é assim, sairá do espinheiro um fogo que há-de devorar os cedros do Líbano!'
» (Jz 9,7-15).

Estamos em campanha eleitoral para os órgãos autárquicos – câmaras municipais, assembleias municipais e assembleias de freguesia… em finais de setembro.

Desde já fique claro sobre quanto vou tentar colocar por escrito: quando era ignorante, sentia-me mais feliz do que agora que vou conhecendo situações, casos, circunstâncias e demais vicissitudes decorrentes da condição humana. Qualquer coincidência com comportamentos vistos pode parecer simples coincidência com o texto bíblico. Com efeito, quantas segundas e outras subsequentes escolhas foram feitas até que aparecessem os candidatos assumidos, atirados ou possíveis.  

1. Caciquismo – para quantos consideravam que o regime anterior vivia na base do caciquismo, que dizer de autarquias que vivem sob a mesma preponderância político-social? Com efeito, há municípios que vivem quase há um século em ditadura – 48 anos de fascismo e 47 de partido único a mandar, na dita democracia – trinta e um casos, desde 1976: 11 do PSD; 11 do PS; 9 da CDU… foram sempre do mesmo voto. A que se deverá esta fidelização do eleitorado? Estabilidade ou acomodação, inoperância ou manipulação, coerência ou falta de alternativa? Se dissermos que, em muitas destas autarquias, o município é o principal empregador, estará dada a resposta ou manifesta que a ignorância também é um fator de convencimento e coação?

2. Independentes – essa nova nomenclatura, algo camuflada, para designar uns tantos que, na sua sede de protagonismo, foram esbordando dos partidos ou por pretensões, nem sempre claras, se consideravam com alguma importância a seus próprios olhos… Alguns ainda mais ou menos bem-intencionados foram levando de boa mente a pretensão em que se votava na pessoa e não naquilo que ela tinha por suporte. Certos ‘independentes’ mais parecem cobardes do que heróis; mais podem ser vistos como trânsfugas do que dinamizadores de algo novo; mais dão a impressão de que querem estar na crista da onda do que a sorverem as agruras da derrota… Numa palavra: não acredito minimamente em ‘independentes’!

3. Servir sem se servir. Na gestão dos poderzinhos dos caciques ou na tolerância dos independentes fica-nos quase sempre a mesma questão: estarão a servir o povo, que os elegeu ou a servirem-se do posto para se promoverem? De facto, esses postos de ‘governo’ autárquico não podem ser considerados correia de transferência de dinheiros para os apaniguados nem poderão tais lugares serem oportunidades de pagamento de favores à mistura com novas benesses…agora e no futuro. 

4. Questões que se podem/devem colocar: quem está nos lugares de decisão autárquica serão os melhores, os mais competentes ou mesmo os mais indicados? As escolhas dos partidos ou os escolhidos independentes saberão resolver os problemas ou precisam de ajuda, estando a enfeitar? As forças em disputa jogam para ganhar a sua terra ou servem para angariar adeptos para o partido-chefe? Com tantos conluios já denunciados como ainda não aprenderam a sacudir a ligação com o futebol, a construção civil ou mesmo os bombeiros? Não haverá , por isso, interesses subterrâneos que não deixam as autarquias serem mais livres, sem peias nem compromissos suspeitos?

No texto bíblico supra citado foi o menos bem preparado que aceitou a escolha…de chefia. Não seria isso que acontece, tantas vezes, nas propostas de eleições autárquicas? Assim será difícil de fazer mais ou melhor!

 

António Sílvio Couto

sábado, 21 de agosto de 2021

Para uma visão cristã nos acidentes


 Será que Deus está nos acidentes que nos acontecem? Os acidentes são resultado do quê: falha humana, erro ou descuido? Deus permite ou somos nós que provocamos os acidentes? Haverá uma forma cristã de interpretar os acidentes – de viação, de trabalho, domésticos – assumindo cada um as suas responsabilidades? Estas e outras possíveis perguntas poderão ajudar-nos a fazer uma leitura cristã de quanto nos acontece, mesmo quando isso é (ou pode ser) perturbador, dramático ou traumatizante…
 
1.Definição’ descritiva de ‘acidente’Um acidente é um evento inesperado e/ou indesejável, que causa danos pessoais, materiais (patrimoniais) ou financeiros e que ocorre de modo não intencional... Os acidentes podem revestir a forma de colisão ou queda, lesão ou ingestão de veneno... 
Se os resultados dessas negligências eram previsíveis e não tenham sido tomadas as respetivas precauções, quem tal causou pode ser responsabilizado por eventuais consequências.

2. Atendendo aos vários campos de ocorrência, os acidentes deixam marcas nos intervenientes, nas famílias e, mesmo, na sociedade em geral. Vejamos alguns espaços/campos/situações de ocorrência de acidentes:
- na última década registaram-se, em Portugal, cerca de sete mil mortos em acidentes rodoviários… ao nível europeu os números são algo elevados: faleceram nas estradas europeias quase vinte e duas mil pessoas, o equivalente a sessenta vítimas por dia e 1,09 milhões de feridos, dos quais 179 mil com gravidade…
- os acidentes de trabalho ocorridos em 2019, no nosso país, totalizaram quase duzentas mil situações, com mais de uma centena de óbitos… Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) há mais de 337 milhões de acidentes no trabalho, cada ano, resultando com as doenças profissionais mais de 2,3 milhões de mortos por ano…
 
3. Que respostas podemos encontrar no âmbito católico?
Sobretudo tendo em conta a intervenção dos movimentos católicos ligados ao mundo do trabalho podemos encontrar propostas de simples e ousadas, à mistura com outras algo ideologizadas (por exemplo as procedentes da pastoral operária), tendo em conta quem intervém e quais os alvos que pretende atingir. Desde logo a celebração do dia mundial em memória das vítimas de acidentes do trabalho’, a 28 de abril de cada ano. Embora não seja de iniciativa da estrutura da Igreja católica, ela participa na comemoração do ’dia mundial em memória das vítimas das estradas’, que ocorre no terceiro domingo de novembro de cada ano e no qual se pretende lembrar os que partiram, apoiar os que sofrem e agir para impedir mais desastres.
Se atendermos à nossa condição de fragilidade – continua, crescente e em maturação ao longo da nossa vida – poderemos perceber e enquadrar ainda melhor o mistério da Encarnação do Verbo, que é a expressão básica e suprema da nossa condição humana… e todos os acidentes da vida serão vistos com olhos novos, centrados em Jesus e amados, por antecipação para connosco.
 
4. Cada cristão é investido em ser presença de Jesus cuidando das mazelas dos seus irmãos, estando atento as traumas dos acidentes, sendo a terapia da compaixão, suportando quantos d’Ele precisam através de nós… Hoje continuamos a ser o seu cuidado ativo: pelo cuidado das mazelas deixadas pelos acidentes, entre as perdas de vidas e os perdões não-dados, passando pela escuta e o silêncio sem lições escusadas; pela atenção aos traumas prolongados no tempo e na história recontada, vezes sem-conta; pela terapia da compaixão, onde a vítima recosta a sua vivência, sem tempo para lições nunca aprendidas…
Os acidentes podem ser oportunidades de conversão ou de revolta, onde o Deus de Jesus se pode (e deve) fazer o novo samaritano, sem outro interesse que não seja a pessoa ferida no corpo, na alma ou até no espírito… Se o vivemos, demos disso testemunho!
 
António Sílvio Couto
 

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Descendentes de quem?


 Conta-se, numa espécie de anedótico, que um neto questionou o avô: dizem que nós, portugueses, demos novos mundos ao mundo, que fomos por esse mar fora à descoberta de outros povos… mas agora estamos neste canto da Europa como dos mais pobres…

À questão algo incómoda, o avô respondeu: é verdade, neto, muitos foram por esse mar afora e descobriram coisas, trouxeram riquezas e outros até fizeram fortuna… mas nós somos do que ficámos…

Desde já valerá a pena inquirir de que lado estivemos: dos que foram ou dos que ficaram?  

 1. Temos mais de dois milhões de portugueses emigrados, isto é, 20% da população total … São pessoas com baixas ou muito baixas qualificações… A maioria dos emigrantes está em França (cerca de 600 mil), Suíça (cerca de 200 mil) e com mais de cem mil: EUA, Canadá, Brasil, Espanha, Alemanha e Reino Unido… As diferentes vagas de emigrantes foram deixando a nu a má qualidade do nosso país. Depois da grande vaga das décadas de 60 e 70 do século passado fomos sendo confrontados com etapas de procura de tanta gente – muita dela procedente das regiões rurais do norte e do centro do país – que ousou procurar condições de vida melhores, muitos deles fixados na obsessão do trabalho, sem horários que não fossem para ganhar dinheiro, muito dinheiro com sangue, suor, lágrimas e em condições degradantes… Quem não se envergonha ao ver retratados os bidonvilles dos arredores de Paris? Quem não sente tristeza – como fui testemunha em Zurique – de famílias jovens coartadas das suas raízes e adiando ter filhos, antes de ter meios para os sustentar?

 2. Foram milhões e milhões, as verbas enviadas do estrangeiro para suportar a débil economia do país. Associando a saudade à exploração da vaidade, muitos dos nossos emigrantes foram sendo ludibriados até por bancos insolventes ou falidos. Lá exploraram o cabelo, aqui tiraram-lhes o pelo…Foram estrangeiros em pátria alheia e, por cá, indesejados em solo ingrato… Alguns contribuíram para esta situação de bipolaridade pessoal e social: muitos fecharam-se nas suas associações (pretensamente) culturais, numa primeira geração abjurando quase a língua de acolhimento; tantos outros até fintaram a Igreja para depois virem festejar coisa que lá nunca celebraram… Foi como que uma fé a gosto para enfeitar em agosto… Nalgumas situações até a Igreja católica andou a reboque dos casos e nem sempre soube integrar lá fora, quando por aqui pretende ir corrigindo erros do passado…

 3. Outro fenómeno sacudiu o nosso país, em finais da década de 90 do século findo. Hoje temos milhares de imigrantes que nos ’invadiram’ em busca de melhores condições de vida. Mais de 700 mil, da Ásia e da África ocidental, sem esquecer os países de língua oficial portuguesa e Europa…trabalham, normalmente, como mão-de-obra na agricultura, na hotelaria e na construção…Em certas condições os imigrantes vem fazer tarefas que os portugueses já não querem, mas que os ‘nossos’, quando emigrados, desempenharam.

 4. Há circunstâncias de mobilidade humana, que marcam os tempos atuais. Hoje será difícil encontrar alguém que nasceu, viveu e fez toda a sua vida no mesmo lugar. Isto desconstruiu algumas das certezas de antanho e condiciona a nossa forma de pensar, de agir e mesmo de ser. Tudo se relativiza e, certos bairrismos, além de anquilosados, são bacocos e de má cultura. Há, no entanto, princípios que devem ser ainda cultivados: a relação com a terra – esse torrão onde nascemos e adquirimos identidade – e tudo quanto possa valorizar o compromisso em trabalhar pelo desenvolvimento dos ‘nossos’ espaços de referência.

 5. A mensagem cristã, embora de teor universalista, não pode deixar de participar na construção e na mudança dos ambientes – como dizem certos grupos cristãos. Se cada pessoa é (ou pode ser) alvo da mensagem evangélica, então teremos de saber também denunciar quando se aproveitam do nosso trabalho, no âmbito social, para menosprezar o que os crentes fazem e os arrecadadores de impostos manipulam para favorecer os ‘seus’ apaniguados. Seremos descendentes de quem: dos agiotas ou dos patriotas?    

 

António Sílvio Couto

sábado, 14 de agosto de 2021

Gratidão – virtude humana e/ou dom divino

 


«Com licença», «obrigado», «desculpa». Estas palavras realmente abrem o caminho para viver bem na família, para viver em paz. Trata-se de palavras simples, mas não tão fáceis de pôr em prática!

(...) Em geral, para nós elas são as palavras da «boa educação» – Papa Francisco

 

Que dizer da ingratidão, se até Jesus ficou ofendido, admirado e interrogativo, quando dos dez leprosos curados, só um lhe foi agradecer…e era um ‘samaritano-estrangeiro’?

Antes de mais a gratidão é (ou deve ser) uma virtude humana, isto é, cultivada, manifestada e testemunhada na vida social e mesmo cultural.
Tempos houve em que as pessoas usavam com simplicidade e leveza a expressão: ’muito obrigado’ para exprimirem para com outrem algum reconhecimento por um favor recebido, palavra dada ou atenção colhida. Embora a educação não tenha sido suspensa, vemos que, hoje, as pessoas se consideram mais reivindicativas e com direitos adquiridos, obnubilando essa linguagem da gratidão humana e até para com Deus.
O Papa Francisco tem vindo a reintroduzir na nossa linguagem de vida cristã o uso de três palavras que ele reputa de importantes – com licença, obrigado, desculpa. Através destas palavras/expressões podemos e devemos ser educados uns para os outros, pela sensibilidade que temos para com Deus…
 
* Vejamos algumas incidências desta faceta importante da nossa vida humana e cristã que é a gratidão ou a ação de graças, pois se formos portadores de gratidão, o mundo poderá tornar-se um espaço mais humano, com mais equilíbrio e melhor equidade entre as pessoas e todos poderemos confiar mais uns nos outros…
«Como na oração de petição, qualquer acontecimento e qualquer necessidade podem transformar-se em oferenda de ação de graças. As cartas de São Paulo muitas vezes começam e acabam por uma ação de graças, e nelas o Senhor Jesus está sempre presente: «Dai graças em todas as circunstâncias, pois é esta a vontade de Deus, em Cristo Jesus, a vosso respeito» (1 Ts 518); «perseverai na oração; sede, por meio dela, vigilantes em ações de graças» (Cl 4, 2) (Catecismo da Igreja Católica, 2638).
 
* Eis os elementos contidos na ‘oração de ação de graças’: temos algo a agradecer, que nos foi dado – talvez nem o merecêssemos – e que nos coloca em referência a outrem, isto é, não é de todo só mérito nosso, embora possa ter (e teve) a nossa/minha participação; porque me sinto agradecido exprimo-o de forma 
‘Dar graças’ é reconhecer-se pequeno perante Alguém, que nos concede dons e graças, benefícios e bênçãos, podendo voltar para Ele o nosso olhar em atitude de gratidão, agradecendo e abrindo-se a novas graças. Numa das suas intervenções o Papa Francisco considerou que o mundo está dividido em dois tipos de pessoas: os que não-agradecem e os que o fazem…isto é, os que reconhecem Deus e os outros como presença d’Ele e outros mais autossuficientes e ingratos para com Deus e mesmo para com os outros.
 
* A atitude de gratidão/ação de graças dizemo-lo em relação a Deus e de uma forma mais exponencial na eucaristia – o termo grego original diz mesmo: ‘ação de graças’. No diálogo no início do prefácio da missa temos esta forma de entendimento: ‘demos graças ao senhor nosso Deus’ – ‘é nosso dever, é nossa salvação’…prosseguindo o presidente da assembleia – ‘é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação, dar-vos graças sempre e em toda a parte por Jesus Cristo, vosso amado Filho’ (prefácio à oração eucarística II). Dir-se-á que aqui se traça, na linha programática de Santo Inácio de Loyola: ‘para a maior glória de Deus’… tudo e sempre! 
 
* A ‘ação de graças’ faz-nos, com efeito, humildes de pé, sabendo quem somos e reconhecendo a Quem devemos o que recebemos e o dom maior é sempre o da vida. Quantas dívidas de gratidão acumulamos ao longo da nossa existência. Quantos sinais que nos escapam para sabermos convenientemente agradecer. Quantas vezes seríamos mas gratos para com os outros se fizéssemos equivaler para com eles as reclamações de gratidão que lhes cobramos…
  

António Sílvio Couto

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Padres ricos ou pobres padres?

 


Foi tema de reportagem num canal televisivo: um padre recém-ordenado recebeu como prenda das (três) paróquias, onde estivera a fazer estágio, um carro no valor de vinte e três mil euros…

Se tivesse sido um professor, um médico ou um engenheiro o beneficiado com um carro idêntico teria tido ‘honras’ de cobertura televisiva? Não terão sido vendidos por esses dias veículos ainda mais caros, mas não houve parangonas de notícia… A quem interessava trazer para a liça este ‘escândalo’: a alguém discordante da prenda ou a outrem mais fundamentalista e contestatário daquele ‘sinal exterior de riqueza’ de um padre?

Porque sabemos – este plural não é encobrimento sobre a opinião no singular – que os padres estão sob escrutínio de bem e de mal-intencionados, quero fazer uma reflexão por escrito sobre assuntos algo melindrosos…

 1. Desde logo será útil, benéfico e oportuno refletir sobre o ditado popular: ‘bem prega frei Tomás, segui o que ele diz e não aquilo que faz’! Com efeito, esta observação coloca-nos diante da exigência de coerência entre o que se diz – no caso ‘bem prega’ – e o que faz, isto é, a vida que apresenta. As pessoas são – e bem – exigentes para com quem quer apresentar valores, sobretudo, se forem no campo do evangelho. Com facilidade cobram as incoerências, mas, com toda a certeza, não se reveem nas suas mesmas incongruências.

 2. Usando a asserção do Papa Francisco – ‘os padres são como os aviões, só se fala deles quando caem’. De facto, a busca por episódios de escândalo são mais noticiados do que a vivência normal do ministério. Ora, os pretensos ‘escândalos’, normalmente, percorrem os campos do sexo e do dinheiro…um e outro parecem fazer a delícia dos espetadores, dando a entender que os casos trazidos à luz do dia podem configurar algo que denuncia as prevaricações de todos, quando vividas só por um…e ainda na forma presumível, mas que que se torna afirmativa, quando não passará de uma mera suspeita.

 3. Por estes dias celebrou-se a festa litúrgica de um santo mártir que teve, por incumbência dos perseguidores, no século III, de apresentar ao imperador os tesouros da Igreja de Roma, dado que constava que eram de grande valor. O diácono – estava adstrito ao seu ministério a administração dos bens da Igreja – apareceu, três dias depois, com os pobres da Igreja romana, dizendo: ‘eis os nossos tesouros, que nunca diminuem e podem ser encontrados em toda a parte’. Esta espécie de ironia valeu-lhe ser queimado vivo…

 4. Parece ser de grande e atroz incompreensão para muitos setores da nossa vida social e cultural a capacidade de entender os conselhos evangélicos – pobreza, obediência e castidade – que têm norteado milhões de homens e de mulheres desde há vinte e um séculos. «Os conselhos evangélicos são, na sua multiplicidade, propostos a todos os discípulos de Cristo» (Catecismo da Igreja Católica, 915). Isto é tanto mais difícil quanto as propostas do mundo – isso a que o evangelho chama de opositor a Deus em muitas das circunstâncias – são, exatamente, o contrário: riqueza, poder e luxúria… onde cada um se faz dono e senhor de si mesmo, fazendo, tantas vezes, os outros seus súbditos e quase-escravos.  

 5. Contava-me um bispo, em serviço num país africano de expressão portuguesa, que, um dia, um rapaz se aproximou dele e lhe perguntou: bispo, já alguma vez pecou contra a luxúria? Não, que eu saiba – respondeu o prelado. Mas, querendo explicar a que se referia, ao aplicar a palavra ‘luxúria’, o pequeno diocesano ripostou: o bispo tem um jeep novo e pensei que tinha pecado contra a luxúria… Aqui se compreende que confundiu um possível luxo, do jeep novo, com a luxúria, como sensualidade e concupiscência…

 6. Recordo-me ainda de uma observação de um velho padre – eu teria uns trinta anos e ele já caminhava nos oitenta – que me observou com perspicácia: ‘sabes, eles não conseguem dominar-se e pensam que nós somos como eles’… Refleti, nessa ocasião, sobre as incidências que ocorriam quanto ao possível apego ao dinheiro que lhe era atribuído, muito mais do que qualquer outro dos conselhos evangélicos supracitados.

 7. Deixo, em jeito, de questionamento de toda a Igreja católica, algumas perguntas, mas podem também ser para outros: temos sabido selecionar, para a vida de sacerdócio ministerial, quem procure viver, de verdade, os conselhos evangélicos? Certos sinais de possível riqueza serão compatíveis com o testemunho mínimo de vida? Teremos sido capazes de viver mais afirmação da dimensão cultural do que na roupagem do cultual? Certos aspetos de valorização são de exterioridade ou mobilizam a real opção de vida? Padres ricos ou pobres, de quê? Ser pobre (ou rico) de quê, como e com que sentido?

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Mesa da refeição – que significado em família?


Desde logo podemos e devemos questionar o lugar e a importância que tem a mesa – em especial – da refeição na nossa casa, seja no contexto de família ou mesmo de incidência mais singular. Mais do que um objeto material, a mesa é um espaço de vida ou de falta dela… Reparemos na pressa com que tantos dos nossos coevos não a usam como experiência de vida, de partilha e/ou de refeição! Talvez devamos ainda refletir sobre a vulgarização da ‘mesa de restaurante’, que nem sempre envolve a tenacidade da vida em partilha, em sintonia ou mesmo em gosto que se saboreia pelo comer (ou comida) familiar. Não andaremos a subverter a mesa da refeição com o recurso de comermos fora, no restaurante? Não estaremos a perder a identidade pessoal e familiar com o excesso de irmos comer ao restaurante? Não correremos o risco de ficarmos desestruturados culturalmente ao substituirmos a mesa de família por outras formas de convívio que são menos afetivas e de presença aos outros?
Talvez valha a pena fazermos uma análise ao significado da refeição à mesa naquilo que faz e constrói a família, hoje:

1. Diz-me com quem comes e aquilo que comes, que dir-te-ei quem és. Sempre esta frase terá mais sentido quando mais agora que as pessoas parecem não ter tempo para estar à mesa, seja para saborear a comida feita sem pressa, seja para vivenciar a partilha com os comensais. ‘Companheiro’ significa ‘comer do mesmo pão’ (cum pannis). Hoje perdemos a paciência para cozinhar – o micro-ondas tornou-se um dos símbolos da superficialidade da nossa vida – e até para saborearmos a alimentação. Aqui, como noutros campos da vida, a pressa é inimiga da eficiência. Que dizer da ‘presidência’ da mesa da refeição de sua excelência a sacrossanta televisão? Ou como obviar à moda, cada vez mais habitual, do telemóvel omnipresente e tantas vezes obstaculizador da conversa entre todos? Estar com os outros não basta só de corpo presente…

2. Parafraseando um pensamento que vi escrito no guarda-vento de uma igreja – ‘família que reza unida permanece unida’ – assim: família que come unida, permanecerá unida! Mais do que deglutir os alimentos é importante comungá-los com os outros que connosco vivem. Com efeito, ter tempo para tomar as refeições em família, além de ser mais uma forma equilibrada de alimentação, é uma forma salutar de vida pessoal e familiar…agora e para o futuro.

3. Se, na cultura judaica, a casa era um lugar teológico por excelência, a mesa era-o por muito maior incidência, pois era aí que se celebrava o ‘shabbat’ semanal, com as orações, gestos e sinais próprios de quem aprendia e ensinava a história do Povo de Deus à mesa da refeição em família. Nos textos bíblicos vemos por diversas vezes a mesa como um lugar privilegiado da presença de uns aos outros e mesmo da revelação de Jesus. Depois do chamamento de Levi (Mateus), Jesus reúne-se numa refeição na casa dele com outros publicanos (cf. Mt 9, 9-13). Numa refeição em casa de um fariseu, Jesus é abordado por uma pecadora pública (cf. Lc 7,37). Por excelência a narrativa do lava-pés (cf. Jo 13,1-20) acontece quando Jesus se encontrava à mesa… na ceia pascal… o momento de exemplificar a mensagem é bem mais forte do que as lições teóricas.

4. A mesa como lugar da experiência humana (na diversidade das pessoas, dos tempos e das vivências) e da partilha da refeição, em consonância divina (onde Deus é visto e não meramente imposto) tem de ser mais do que um etéreo propósito. Há sugestões que podem emergir da vivência familiar da eucaristia dominical, fazendo da mesa da refeição familiar um prolongamento dessa outra onde Jesus se tornou pão eucarístico para todos, isto é, comunitariamente, mas que se traduzirá na incidência de cada casa, de cada família: a mesa da família cristã torna-se a expressão do altar em família.
Outro aspeto, cuidado desde sempre na vivência do cristianismo e quase como prolongamento da vivência judaica, é a bênção da mesa. Encontramos já nas ‘Constituições apostólicas’ (século IV) uma proposta – que por ser tão simples e incisiva – transcrevemos…até como sugestão de ‘oração da mesa, bênção para a refeição’: ‘És bendito, Senhor, que me alimentas desde a minha juventude, e dás o alimento a toda a criatura; enche os nossos corações de felicidade e de alegria, para que, tendo sempre e em tudo quanto nos é necessário, usemos do que sobre todas as boas obras, em Cristo Jesus, nosso Senhor, por quem a Ti glória, honra e poder, pelos séculos dos séculos. Amen’.

5. Confesso que me custa um tanto perceber, mesmo através dos filmes, que, por ocasião da apresentação de uma refeição, sejam os cristãos de índole mais protestante a orarem antes das refeições. Os católicos também podem e devem ser gratos ao Deus que os alimenta…Desde tenra idade necessitamos de aprender e de viver esta dinâmica da mesa em nossa casa.
Como seria vivamente recomendável incluir, na oração da mesa, o ‘Pai-nosso’, sobretudo tendo em conta essa petição em que solicitamos ao Pai que nos dê o ‘pão nosso de cada dia’…


António Sílvio Couto

sábado, 7 de agosto de 2021

Família: santuário da vida

 


João Paulo II chamou à família de “santuário da vida”. Ora ‘santuário’ quer dizer que é um‘lugar sagrado’. É na família que a vida humana surge como de uma nascente sagrada, é cultivada e formada. É missão sagrada da família, guardar, revelar e comunicar ao mundo o amor e a vida.

Já no Concílio Vaticano II se tinha cunhado uma outra expressão para definir a família: ‘a Igreja doméstica’ (1), onde Deus reside, é reconhecido, amado, adorado e servido, ensinando ainda que: ‘a salvação da pessoa e da sociedade humana estão intimamente ligadas à condição feliz da comunidade conjugal e familiar’ (2). Desta forma a família, na qual convivem as várias gerações, que se ajudam mutuamente em adquirir maior sabedoria e em harmonizar os direitos pessoais com outras exigências sociais, constitui o fundamento da sociedade.
Na ‘Carta às Famílias’ (1994), João Paulo II considera que ‘antes de criar o homem, o Criador como que reentra em si mesmo para procurar o modelo e a inspiração no mistério do seu ser’. Todos os seres criados, exceto o homem, já nascem dotados de tudo o que precisam para se tornarem completos na sua natureza. Connosco, humanos. é diferente, pois Deus nos quis semelhantes a Ele e construtores do nosso próprio futuro. É o que Deus disse ao casal-premigénio: “Crescei e multiplicai-vos e dominai a terra”. (Gn 1,28).

Na visão bíblica, homem e mulher são chamados a, em comum, continuar a ação criadora de Deus, e a construção mútua de ambos. Só ao casal humano dá a inteligência para ver, a liberdade para escolher, a vontade para perseverar e a consciência para ouvir continuamente a Sua voz. Esta é a alta dignidade que Deus confere à criatura feita à sua imagem e semelhança. Para corresponder a esta grandeza dada pelo Criador, o homem deve viver a sua liberdade com responsabilidade. Pecar será sempre abusar da liberdade que Deus nos deu; isto é, vivê-la sem responsabilidade e sem verdade. ‘Ponho diante de ti a vida e a morte, a benção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade, amando o Senhor teu Deus, obedecendo a sua voz e permanecendo unido a ele’ (Dt 30,19-20).
Ao falar da família no plano de Deus, o Catecismo da Igreja Católica, diz que ela é ‘vestígio e imagem da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Sua atividade procriadora e educadora é o reflexo da obra criadora do Pai’ (Catecismo da Igreja Católica, 2205). Essas palavras indicam que a família -- constituída e construida na base de um relacionamento estável entre um homem e uma mulher -- é, na terra, a marca -- ‘vestígio e imagem’ - do próprio Deus, que, através dela, continua a sua obra criadora.
Efetiva e afetivamente a família é ‘a célula originária da vida social... É a sociedade natural na qual o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida...a família é a comunidade na qual, desde a infância, se podem assimilar os valores morais, em que se pode começar a honrar a Deus e a usar correta mente da liberdade. A vida em família é iniciação para a vida em sociedade’.
Neste sentido, a família é o eixo da humanidade, é a sua pedra angular. O futuro da sociedade e da Igreja passam inexoravelmente por ela. É ali que os filhos e os pais devem ser felizes. Quem não experimentou o amor no seio de um lar -- equilibrado, feliz e harmonioso - poderá ter dificuldade em conhecê-lo fora dele ou pior, terá maior dificuldade ainda em quer e viver isso como projeto de vida para a sua vida. Com efeito, ‘a importância da família na vida e no bem-estar da sociedade implica uma responsabilidade particular desta no apoio e fortalecimento do matrimónio e da família. A autoridade civil deve considerar como seu grave dever «reconhecer e proteger a verdadeira natureza do matrimónio e da família, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade doméstica
(3). Com tantos ataques à família assim construida, na base do relacionamento entre um homem e uma mulher, não teremos de considerar que tais fomentadores desses temas fraturantes quanto à família, afinal, não reproduzem mais do que a má ou deficiente experiência de vida familiar...

1. Cf. Concílio Vaticano II, Constituição dogmática ‘Lumen gentium’ sobre a Igreja, 11
2. Cf. Concílio Vaticano II, Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a Igreja no mundo atual , 47.
3. Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2210.

António Sílvio Couto

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Caranguejos, lacraus e minhocas…à portuguesa

 


Apesar dos diferentes habitats em que se desenrolam, estes três ‘bichos’ podem tipificar a nossa condição de portugueses: luta de caranguejos, ataques dos lacraus e sobrevivência das minhocas…servir-nos-ão para enquadrar a nossa conduta coletiva e, porque não, de teor mais individual.

Não pretendo dar lições a ninguém nem induzir seja quem for em erro, pois, estes três ‘sinais’ sociais da nossa condição de portugueses são muito mais comum no tecido humano, cultural, político e económico do que julgamos, misturando-se na mesma situação a versão caranguejo com a de lacrau e até a convulsão de minhoca se atravessa na ética – pretensamente republicana – de uns tantos…

 

1. Luta de caranguejos – Contaram-me este episódio algo bizarro: um indivíduo estava a apanhar caranguejos, quando um outro se aproximou e, vendo-o, a colocar os caranguejos num balde destapado, lhe perguntou: então, não tens receio que os caranguejos saiam do balde e que fiques sem nada? ‘Não’, retorquiu ou outro: ‘são caranguejos portugueses, quando virem uns a sair, puxam os outros para baixo para que não saiam’.

O júbilo com que vimos certas forças e meios de comunicação social a tratar algumas figuras a contas com a justiça, deu a entender que há gente que é incapaz de distinguir entre o sucesso alheio e a acusação de malfeitoria sobre todos os que não pactuam com a sua coloração ideológica. Nem todos os capitalistas são ladrões e corruptos, nem todos os empresários se comportam como outros patrões, nem todos os que dão emprego exploram os trabalhadores. Esta mentalidade de caranguejo com que certos políticos de ‘esquerda’ tratam os demais nunca fará do nosso país outra coisa que não seja um antro de preguiçosos pendurados no fazer o menos possível, ganhando o máximo que possam… Não era tempo de sacudir esta mentalidade dialético-marxista, que tantos prejuízos tem trazido ao mundo do trabalho, ontem como hoje?

 

2. Ataques do lacrau – diz a velha fábula que, um dia, um lacrau, querendo atravessar um rio, mas não tinha condições por não saber nadar. Por perto estava uma rã, essa sim com experiência de andar na água e de atravessar charcos e rios. O lacrau (escorpião) disse à rã se lhe fazia o favor de o transportar nas suas costas, ao que, avisada pelo conhecimento que tinha do comportamento fatídico do lacrau, ripostou em não aceitar o desafio. O lacrau insistiu: se eu te picar, morreremos ambos. Concordando com a proposta, a rã carregou o lacrau e, no meio do rio, sentiu uma picada, dizendo: por quê isto, se vamos morrer os dois. Ao que o lacrau respondeu: está na minha natureza…  

Quanta gente ingrata anda por aí! Quantos aferrolham nas costas dos que lhe fizeram favores! Quantos se servem dos outros para se promoverem sem olharem a meios para atingirem os seus fins! Quantos conjugam o verbo atraiçoar nos diversos tempos e formas, sem pejo nem vergonha. Agora que nos perfilamos para novas eleições autárquicas, começamos a perceber que uns tantos não merecem que lhes confiemos o voto, pois nos atraiçoaram em tempos recentes.    

 

3. Psicologia da minhoca – quem conhecer, minimamente, as minhocas saberá que vivem em lugares húmidos, lamacentos e que se deslocam ondulando o corpo sobre si mesmas, sem levantarem muito a cabeça, sobrevivendo enterradas, escavando galerias e canais no solo e procurando abrigo e alimento na terra.

Num tempo de gente sem coluna, chamar-lhe minhoca poderá ainda ofender as que o são e tentam sobreviver para não acabarem como isco de pesca. Não é de forma gratuita que se aplica o termo ‘minhoquice’ para caraterizar o não-assunto com que certas pessoas se entretêm. Sim, as minhoquices são tropelias de quem não tem vida própria e se ocupa da alheia…nas redes (ditas) sociais, nas conversas de café, nas intrigas de facebook ou mesmo nas suspeitas que lançam, alimentam e reproduzem.

É verdade: quem não sabe andar de pé, rasteja e faz-de-conta que os outros lhe ligam importância. Tantas minhocas povoam o nosso mundo, favorecendo e sendo aduladas por idênticos na sua insignificância.

 

= Dos caranguejos invejosos, dos lacraus venenosos e das minhocas peçonhentas, livrai-nos, Senhor.

 

António Sílvio Couto

Nesse socialismo de côdea…rapada

 


Por mais loas que pretendam tecer à nossa conjuntura politica, estamos sob a alçada de um regime que já deu frutos desastrosos noutras latitudes e pouco mais vinga do que na península ibérica. Seremos – espanhóis e portugueses – casos de estudo pela inverosimilhança entre tantas outras situações, sobretudo na Europa? Quando caírem da esfera do poder certas forças, que por cá vão reinando, isso será benéfico? Quem assim se sustenta no poder deve-o à sua qualidade ou à subtil habilidade? Este regime de côdea (rapada) serve a quem? Não haverá concorrentes que ficarão fora da luta pela sobrevivência…politica?

 1. Efervescente entre 2015 e 2019, o regime tropeçou com a pandemia. Aforrados com austeridade de alguns cobres foi uma espécie de fartar em reversões para pagar favores a quem suportou a nova forma de governar. Encontradas nos cofres umas pitadas de poupança foi um desabrido processo de contentar quem antes contestava: agora podiam estar à mesa, pois enquanto se reina nada se cuida. E assim se foram calando os protestos com dinheiro atirado para os problemas e não pela solução de fundo para os ditos.

 2. Tudo corria bem, quando, em finais de 2019, se começaram a ouvir zumbidos provenientes do Oriente: de lá vinha um vírus que rapidamente sacudiu as certezas, enclaustrou os passeantes, fechou lojas, restaurantes, diversões e tudo quanto pudesse mexer e/ou tornar-se transmissor da doença…a pandemia fez ruir o sonho de sucesso, de bem-estar e de qualidade de vida. Podem ainda querer disfarçar, mas a máscara não engana!

 3. As ruas, antes pejadas de gente, tornaram-se desertos a perder de vista. Os investimentos para o turismo – alojamentos, viagens, espaços lúdicos – esfumaram-se como nevoeiro em época de veraneio. As esperanças de enriquecer sem muito trabalho repercutiram-se nos subsídios quase a bel-prazer. Continuam a rejeitar a crise, mas esta escondeu-se para vir a aparecer com mais ferocidade, muito em breve…Podem tentar eludir-nos por algum tempo, mas não nos conseguem enganar a todos, o tempo todo! 

 4. Temáticas relacionadas com a saúde emergiram como questões incontornáveis: higiene, limpeza, cuidados, febres, sintomas…vírus, covid-19, surto, grupo de risco, testes, triagem, vacinas… infetados, em confinamento, isolamento profilático, internamento, quarentena, assintomático, transmissão…estado de emergência, de calamidade… Desde março de 2020 que vimos a ter mais cuidado com tantas destas coisas, enquanto uns outros se aprimoram em defenderem a estatização da saúde, tanto pelos meios como pelos agentes. Desgraçadamente querem fazer acreditar que SNS só vale para ‘serviço nacional de saúde’, quando deveria ser significativo de ‘sistema nacional de saúde’, envolvendo coisas do público e também do privado.

 5. Deste modo podemos constatar que a côdea rapada do socialismo à portuguesa serve mais os interesses das fações reinantes do que os das populações em geral e dos mais necessitados em particular. Isso mesmo se pode verificar, por antecipação, com o tal ‘PRR’ – plano de recuperação e resiliência. Os milhões que estão a chegar não servirão mais os interesses estatais do que os das pessoas? As verbas distribuídas não cairão no saco dos do costume e menos naqueles – os privados com obra feita investimento com resultados – que fazem avançar o país com os seus impostos? Estas verbas não chegam na hora de fazer caciquismo para as eleições autárquicas? Os da cor do governo não serão mais beneficiados para apresentarem obra de promessa? Uns pozinhos de ideologia podem fazer toda a diferença, hoje como ontem!

 6. Fique claro: não acredito minimamente nas boas intenções – a côdea rapada do socialismo não é capaz de se recauchutar, pois os vícios estão demasiado entranhados nos comportamentos, tal como as benesses serão pagas com dinheiros subtilmente desviados… Foi assim no passado, dificilmente será diferente no presente! Está na hora de acordar, como aconteceu noutros países da Europa, que meteram verdadeiramente, o socialismo na gaveta para que não continuassem as tropelias conhecidas, promovidas e anunciadas…

Portugal merece muito melhor!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Para um ‘código de compaixão’

 


Num tempo em que as pessoas parecem ter esfriado nas suas relações humanas – os sinais de afeição tiveram de ser tolhidos pelo combate à difusão do vírus – como podemos e devemos manifestar uns para com os outros essa capacidade de compaixão? Como podemos chorar com quem chora, mesmo que não se tenha conseguido fazer o luto das perdas, no contexto de pandemia? Até onde irá a nossa sintomia cristã com os que choram, sejam quais forem as causas desse choro, lamento ou aflição?

Efetivamente é urgente sairmos do reduto do nosso conforto mais ou menos egoísta para sermos capazes de viver a compaixão – ‘cum-passione’: sofrer com…; ‘sun-patos’: simpatia – tornada ato de vida e não mera intenção vazia. Por entre tantos e tão diversificados casos de sofrimento, de dor e mesmo de angústia torna-se fundamental estar atento, aberto e lúcido para saber discernir o que é essencial sem o confundir com o mero urgente, pois este, por vezes, pode baralhar as prioridades com aquilo que realmente é importante.

À luz das diversas e intensas intervenções mais recentes dos Papas poderemos intentar propor um ‘código da compaixão’, ousando percorrer algumas das lacunas dos nossos tempos: Cuidamos uns dos outros, olhando para eles como Jesus, mostrando-o em sinais, pela presença mútua, acolhendo-os, integrando-os num xadrez de vida, que se torna capaz de anunciar e de oferecer Jesus a quem dele precisar:

Cuidar – urge promover a ‘cultura do cuidado’, onde vivamos em atenção aos outros, sobretudo nas suas debilidades, fraquezas e doenças:

Olhar – à semelhança de Jesus, que se fixava no sofrimento dos outros, devemos olhá-los sem indiferença nem sobranceria mas compassiva e misericordiosamente;

Mostrar com gestos, palavras e sinais que os outros são companheiros na vida e segundo as circunstâncias do tempo e do lugar; 

Presença – na linguagem da ‘oração dos dedos’ (1), podemos e devemos ser presença aos outros atentamente bem como a nós mesmos;

Acolher – mais do que uma mera simpatia – termo grego que é equivalente a compaixão, em latim – o acolhimento implica atenção e escuta do outro, desde o mais simples até ao mais alto nível cultural; 

Integrar – numa leitura atenta dos acontecimentos do mundo, torna-se essencial a integração da dimensão espiritual da pessoa humana, que passa pelo respeito de todos, mesmo dos diferentes;

Xadrez – por entre variegadas situações de vida – essa espécie de xadrez algo rebuscado – podemos encontrar a dimensão da verdade como dinâmica de diálogo cultural e mesmo civilizacional;

Anunciar – nessa compreensão de que a dimensão cristã se situa entre o ‘vinde’ e o ‘ide’, somos chamados a anunciar a presença de Jesus como Aquele que responde às questões essenciais da vida em condição terrena;

Oferecer – naquilo que pode e deve ser a proposta de Jesus àqueles que Ele coloca no nosso caminho, temos de saber oferecer-lhes um Cristo vivo e vivenciado, um Cristo alegre e compassivo, um Cristo de futuro e com esperança.

A nossa capacidade de compaixão tem Jesus por critério e medida: n’Ele, por Ele e com Ele seremos suas testemunhas, levando consolação como Ele o fez, entre outros, para com a viúva de Naim.

 

1. Oração dos dedos’ - atribuída ao Papa Francisco:

O polegar, «o dedo que te é mais próximo», faz-nos pensar e rezar por quem está mais próximo de nós, «as pessoas de quem nos recordamos mais facilmente», rezar por todos os nossos entes queridos «é uma doce obrigação».
O indicador recorda-nos de rezar por quem tem a função de dar indicações aos outros, isto é, «aqueles que ensinam, educam e tratam», categoria que compreende «mestres, professores, médicos e sacerdotes».
O médio, o dedo mais alto, lembra «os nossos governantes», as pessoas «que gerem o destino da nossa pátria e orientam a opinião pública… precisam da orientação de Deus».
O anelar «é o nosso dedo mais fraco, «recorda-nos de rezar pelos mais fracos, por quem tem desafios a enfrentar, pelos doentes» que têm necessidade da «tua oração de dia e de noite», bem como pelos esposos...é nele que é colocada a aliança de casamento.
Por fim, o mindinho, o dedo mais pequeno, «como pequenos nos devemos sentir diante de Deus e do próximo», convida a rezar por nós próprios: «Depois de teres rezado por todos os outros, poderás compreender melhor quais são as tuas necessidades, olhando-as na justa perspetiva».

 

António Sílvio Couto