Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Significado de Maria Madalena


 Lemos no evangelho segundo São Lucas:

«Em seguida, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens» (Lc 8,1-3).

 

No desempenho da missão de Jesus, São Lucas chama a atenção para a companhia dos Apóstolos e a presença de algumas mulheres. Os Doze serão chamados a ter parte na responsabilidade da missão, a partir de 9,1-2, de cujo desenvolvimento os Atos dos Apóstolos, apresentados várias etapas (At 8,14; 11,26; 13,2-3). A presença de mulheres discípulas em torno de Jesus é um facto excecional no ambiente palestinense (Mt 27,55; Mc 15,40-41; Jo 4,27).

Maria chamada Madalena aparecerá junto à cruz (cf. Mt 27,56), na sepultura de Jesus (cf. Mt 27, 61), junto do túmulo aberto (cf. Lc 24,10) e será a primeira a ver Jesus ressuscitado e a anunciá-lo (Jo 20,11-18.17-18).

A ideia de ter sido possuída por sete demónios representa, no mundo judaico, o poder total da ação de Satanás sobre a pessoa (8,27.30; 11,26) (138).

Além de figura querida, nos primeiros tempos do cristianismo, ela funciona ainda como alguém simbólico para os discípulos e para a Igreja.

Na oração de ‘Angelus’ de 22 de julho de 2012, o Papa Bento XVI apresenta-nos uma interpretação daquele texto e tenta ajudar-nos a discernir o significado de Maria Madalena, no contexto de discípula de Jesus.

«Entre as «ovelhas perdidas» que Jesus salvou encontra-se também uma mulher de nome Maria, originária da aldeia de Magdala, no Lago da Galileia, e por isso chamada Madalena. (...). Diz o Evangelista Lucas que dela Jesus fez sair sete demónios (cf. Lc 8, 2), ou seja, salvou-a de um servilismo total ao maligno. Em que consiste esta cura profunda que Deus realiza através de Jesus? Consiste numa paz verdadeira, completa, fruto da reconciliação da pessoa em si mesma e em todas as suas relações: com Deus, com os outros, com o mundo. Com efeito, o maligno procura corromper sempre a obra de Deus, semeando divisão no coração humano, entre corpo e alma, entre o homem e Deus, nas relações interpessoais, sociais, internacionais, e também entre o homem e a criação. O maligno semeia guerra; Deus cria paz».

 

= Mais do que afirmações ou conjeturas sobre Maria Madalena deixamos breves questões, que pretendem ser mais do que referências a problemas secundários, que, por vezes, ocupam as tarefas de alguma comunicação social.

– Os ‘sete demónios’, que se refere terem sidos expulsos de Maria Madalena, simbolizam o quê? A libertação de que foi abençoada não a levaria a ser grata para com Jesus o resto da sua vida?

– O destaque que lhe é dado no grupo das seguidoras de Jesus não fará dela uma discípula de referência na igreja apostólica?

– Haverá algum nexo de relação entre a pecadora arrependida (anónima) na casa do fariseu (cf. Lc 7,36-50), com a unção de Betânia (cf. Jo 12,1-3; Mt 26, 6-13; Mc 14,3-9), como prefiguração da paixão, morte e ressurreição de Jesus, com Maria Madalena?

– O protagonismo de Maria Madalena nas narrativas da ressurreição (cf. Mc 16,1; Jo 20,1-18) não deixam perceber a importância que ela tinha no quadro dos discípulos? Não haverá algum equívoco sobre a importância das mulheres como testemunhas da ressurreição de Jesus? A quem interessa ampliá-lo?

– A recente iniciativa do Papa Francisco – com data de 3 de junho de 2016 – de declarar a celebração litúrgica de 22 de julho, festa de Maria Madalena como ‘apostola dos apóstolos’, contribuirá para uma melhor compreensão do seu lugar na Igreja católica e, particularmente, da função da mulher na mesma Igreja?

Que Santa Maria Madalena nos ajude a sermos minimamente discípulos de Jesus como ela foi…

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

...É a democracia a funcionar

 


Como já não era habitual, a noite de ontem (dia 26 de setembro) trouxe-me à memória outros momentos de eleições: estar preso até altas horas para ver os resultados, sobretudo aqueles onde se esperava surpresas – e houve, felizmente, várias – e mudanças.

Vivo, desde há mais uma década, num concelho onde foi sacudido o espetro de ditadura de quase um século – quarenta e oito anos do regime anterior e quase outro tanto sob o governo do mesmo partido – numa acomodação, que fez cair, assim parece, de podre... e de forma inesperada!
Destas eleições autárquicas depreendo várias lições:
– As sondagens são, inegavelmente, uma artimanha manipuladora de quem se quer perpetuar no posto, pois, com habilidade se faz crer que a vitória está garantida, mas não se apercebem do ridículo em que, tantas vezes, laboram. É tempo de acabar com esta subtileza manipuladora e antidemocrática!

– Mais uma vez a abstenção ultrapassou a fasquia de cinquenta por cento de faltosos. Se os cadernos eleitorais estão elaborados com os residentes em cada localidade, então estarão preparados para fazer cumprir a obrigação de votar... Certas forças políticas são avessas ao voto obrigatório...até ao tempo em que necessitarem de terem legitimidade para exercerem o poder. Não basta ter direitos, é preciso ser digno deles, assumindo que, quem nos governa, possa não ser só alvo das críticas, mas da avaliação de quem se pronuncia, votando.

– Dá a impressão que a qualidade dos concorrentes parece favorecer a desmotivação de quem é eleitor. Talvez seja verdade, na maior parte dos casos. A pulverização de forças apresentadas a votação manifesta, por seu turno, algo mais do que a pretensão em mostrar-se...embora se perceba que nem todos estão interessados em exporem-se. Também aqui o serviço aos outros esteja a enfermar dessa doença, hoje, muito comum: o egoísmo...mesmo de grupo.

– Manifesta-se como anquilosado o processo do tal ‘dia de reflexão’, pois mudaram tanto as formas de propaganda, que será quase infantil exigir que não se fale de tendência de votação no dia anterior (quase sempre um sábado) vazio de notícias e de coisas que poderiam ser mais do que para entreter. O material de campanha mudou, porque temos de continuar a fazer-de-conta que estamos em reflexão? O exemplo destes dias veio da Alemanha, onde houve eleições bem mais importantes do que as do nosso ‘quintal’ e lá esse dia de reflexão não existe, verificando-se uma participação eleitoral de três em cada quatro votantes...

– A alternância na governação – seja ao nível nacional, seja ao nível local – pode e deve ser algo de normal. O contrário, isto é, a perpetuação de uma força no poder, é que poderá ser questionável. Ninguém é tão bom que não possa cometer erros e melhorar nem ninguém é tão pouco prestável que tenha de mendigar que as suas ideias tenham o mínimo de qualidade. No espetro da nossa ‘democracia’, de quando em vez, surgem uns iluminados para os quais só é democrata quem pensar como eles ou só parecem ter direito a serem aceitávis os que lhes são afins. Certos epítetos – como populista, conservador, progessista ou democrata – denunciam que alguns têm um funil demasiado apertado para estarem em sociedade. Talvez sejam bons na bolha em que se movem, mas sentem-se a estrangular quando têm de enfrentar quem discorda deles... Será isto democracia ou ditadura encapotada? Será conviver com a diferença ou manipulação dos diferentes?

– Duas breves notas dos dias que antecederam as eleições cá por estas bandas: houve um tentativa de aliciar os mais velhos – residentes em lares – para irem votar. Seria isto uma espécie de desespero de quem sentia que ia perder? Nalguns casos foram distribuídos subsídios a rodos, como que pretendendo deixar a tesouraria vazia, dando a entender que pairava a sensação de derradeiras decisões. Será isto legítimo e sério?


António Sílvio Couto

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Para uma cultura do silêncio e para a escuta




Não será que muito do barulho e da falta de silêncio dos nossos dias é obra do espírito do mal, em nós e à nossa volta? Não será que muitas das convulsões sociais, familiares e pessoais do nosso tempo são resultado de nos termos deixado ‘apanhar’ pelas forças do mal? Não andaremos mais a prestar culto ao mal do que a saborear o silêncio de Deus em nós e à nossa volta? Por que será que ainda não descobrimos as artimanhas do mal, que nos sacode para a agitação e não nos conduz à escuta e ao silêncio?
 
Diz-se com propriedade: o bem não faz barulho e o barulho não faz bem; mas o mal gera barulho, confusão e agressividade. Efetivamente precisamos de tentar encontrar quais as causas de nos andarmos a distrair com tanto barulho, que, de várias formas, está a deixar marcas nas pessoas, tornando-as, além de irascíveis umas para as outras, também desequilibradas consigo mesmas.
 
«O silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras densas de conteúdo. No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento, compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do outro, discernimos como exprimir-nos. Calando, permite-se à outra pessoa que fale e se exprima a si mesma, e permite-nos a nós não ficarmos presos, por falta da adequada confrontação, às nossas palavras e ideias. Deste modo abre-se um espaço de escuta recíproca e torna-se possível uma relação humana mais plena. É no silêncio, por exemplo, que se identificam os momentos mais autênticos da comunicação entre aqueles que se amam: o gesto, a expressão do rosto, o corpo enquanto sinais que manifestam a pessoa. No silêncio, falam a alegria, as preocupações, o sofrimento, que encontram, precisamente nele, uma forma particularmente intensa de expressão. Por isso, do silêncio, deriva uma comunicação ainda mais exigente, que faz apelo à sensibilidade e àquela capacidade de escuta que frequentemente revela a medida e a natureza dos laços. Quando as mensagens e a informação são abundantes, torna-se essencial o silêncio para discernir o que é importante daquilo que é inútil ou acessório. Uma reflexão profunda ajuda-nos a descobrir a relação existente entre acontecimentos que, à primeira vista, pareciam não ter ligação entre si, a avaliar e analisar as mensagens; e isto faz com que se possam compartilhar opiniões ponderadas e pertinentes, gerando um conhecimento comum autêntico. Por isso é necessário criar um ambiente propício, quase uma espécie de «ecossistema» capaz de equilibrar silêncio, palavra, imagens e sons».
 
Esta solene declaração do Papa emérito Bento XVI, na ‘Mensagem para o 46.º dia mundial das comunicações sociais (20 de maio de 2012), coloca-nos ‘guias’ de interpretação, de discernimento e de conduta para com o silêncio, essencial para que haja diálogo e por conseguinte cultura de escuta de todos e para com todos. Quantas vezes, sem o necessário silêncio, poderemos estar a ‘bavarder’, isto é, a tagarelar sem nexo nem conteúdo, dizendo de nós e impedindo os outros de serem escutados.
 
* O silêncio é comunicação. Sim, estar em silêncio é muito mais do que estar calado…poderá ser densidade de conteúdos, mesmo sem pronunciamento de palavras.
 
* Abrir um espaço de escuta recíproca. Quem se cala, deixa o outro falar e diz de si o que, sem o nosso silêncio, poderia ser obstaculizado. Não andará, por aí, muita gente emburrada por falta de oportunidade em ser escutada…com respeito e sinceridade?
 
* Do silêncio deriva uma comunicação mais exigente. Mais do que imposto o silêncio deve ser uma escolha das pessoas que livremente se aceitam como interlocutores em diálogo. Tudo o resto seria monólogo tolerado e comunicação unívoca e sem sentido…

= Como poderemos, então, contribuir para uma ‘cultura de escuta’?
Nas palavras do Papa Francisco, proferidas no ‘Angelus’ de 5 de setembro passado, lemos: «Todos nós temos ouvidos, mas muitas vezes não conseguimos ouvir. Porquê? Irmãos e irmãs, existe de facto uma surdez interior, e hoje podemos pedir a Jesus para lhe tocar e curar. E essa surdez interior é pior do que a física, pois é a surdez do coração. Na nossa pressa, com mil coisas para dizer e fazer, não encontramos tempo para parar e ouvir aqueles que falam connosco. Corremos o risco de nos tornarmos impermeáveis a tudo e a não dar lugar àqueles que precisam de ser ouvidos: penso nas crianças, nos jovens, nos idosos, muitos que não precisam tanto de palavras e sermões, mas de ser ouvidos. Perguntemo-nos: como vai a minha escuta? Será que me sensibilizo com a vida das pessoas, que sei como ter tempo para ouvir os que me rodeiam? (...) O renascimento de um diálogo muitas vezes não vem das palavras, mas do silêncio, sem insistências, do recomeçar pacientemente a ouvir a outra pessoa, de ouvir as suas lutas, o que tem dentro. A cura do coração começa com a escuta. Ouvir. E isto cura o coração».
 
Precisamos de ser curados da surdez interior (a do coração), de encontrar tempo para escutar quem fala connosco, de nos sensibilizarmos aos outros, de ouvir com atenção quem se cruza connosco, numa vocação de escuta, onde mais do que tudo, deixamos que o nosso coração seja curado por Deus num recomeçar paciente, pelo silêncio atento, sincero e permanente...

António Sílvio Couto

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Autarcas: figuras, figurinhas, figurões…

 


Pela décima terceira vez vamos votar para os órgãos autárquicos. Desde 1976 que, regularmente, de quatro em quatro anos, elegemos os órgãos de governação em maior proximidade: presidente de câmara municipal, assembleia municipal e presidente de junta de freguesia. Por serem pessoas, normalmente, mais conhecidas ou conhecedoras do meio, isso faz com que haja maior participação na votação, isto é, vã diminuindo a taxa de abstenção…bem abaixo dos cinquenta por cento: a mais reduzida foi em 1979 (26,2%) e a mais alta em 2013 (47,4%).

 1. Certamente que a melhor propaganda para as eleições – e as de incidência autárquica ainda mais – são os candidatos/as, pois da sua capacidade dependerá a vontade de escolher, sempre o mais adequado ao posto. Por isso, a figura do candidato condiciona a abstenção ou a real participação. Com a proliferação de propostas temos visto decresce a qualidade dos candidatos. Pior ainda quando são criados óbices aos concorrentes, como o limite de mandatos ou mesmo a menor escolha nas agremiações participantes – sejam os partidos, as associações ou mesmo os tais (ditos) independentes…

 2. Com facilidade e como que por recurso vemos emergirem figurinhas dispensáveis, mas, à falta de melhor, temos o que temos e, sobretudo, o que merecemos. Em certos locais podemos perceber serem tomados de assalto os postos de mando, não se conseguindo distinguir o que faz correr uns e silenciar outros ou preterir alguns e promover certos… Quando se julgava ter sido ultrapassado o complexo de caciquismo, vemo-lo campear em tantas das decisões e das candidaturas.

 3. Lá bem no fundo ou talvez visto do alto, conseguimos captar a presença de figurões, muitos deles acoberto do posto que ocupam – os chefes partidários ou os senhores do dinheiro – ou sobrevoando como aves de rapina em busca de incautos de protagonismo. Os delfins ou os candidatos a sucessores perfilam-se na hora de reclamar vitória, enquanto os derrotados fogem de cena para não serem chamuscados pelos impropérios dos vencedores.

 4. Agastados pelas promessas não-cumpridas já poucos se afoitam na hora da propaganda, a não ser que o caldeirão do governo central suporte as tricas de conveniência. Naquilo que alguns consideram precipitadamente final da pandemia, a conquista de votos andou cara e escassa, mostrando a pouca adesão às iniciativas uma defesa do povo à mistura com a insuficiente clareza de ideias… Tiques de outras épocas – comícios, arruadas, propaganda e comezainas – foram postos de lado, criando a sensação de que até esse folclore está em saldo…

 5. Sondagens e estudos de opinião tentam conquistar indecisos ou correm o risco torná-los ainda mais fora de circulação, pois quando à má qualidade da mensagem se alia uma péssima comunicação, o assunto redunda em sem-interesse. Repare-se na confusão de cores dos partidos e dos respetivos candidatos: as cores dominantes foram substituídas por uma mistura incaraterística que nem sequer nos fala da ideologia. Mesmo à distância já não conseguimos dizer quem vem e tão pouco somos tentados a mudar de passeio para não ser indelicado ao recursar os papéis.  

 6. Uma ressalva gostaria de colocar: desengane-se quem julga que vota ‘na pessoa’ e não num partido ou numa ideologia, pois estes dois ingredientes são os que veremos atendidos na hora da contagem dos votos, pois não será aquele que vestiu (ou enfiou) a camisola da lista onde esteve que fará o balanço final na hora da verdade…Não há independentes a sério nem tão sérios como se julgam… eles querem algum proveito, senão agora, ao menos no futuro.

Figuras, figurinhas e figurões temos para todos os gostos e feitios!

 

António Sílvio Couto      

 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

‘Apostolado do mar’... na Moita

 



‘Os marítimos vão p’ró mar
sempre cheios de confiança
e nunca deixam de rezar.
Têm fé que hão de voltar
porque Vós sois sua esp’rança’.


Esta segunda estrofe do hino a Nossa Senhora da Boa Viagem como que pode ilustrar o momento de iniciação do ‘Apostolado do mar’ na Moita.
No passado domingo, dia 19 de setembro, naquilo que seria o último dia da ‘semana da festa’ da Moita, se as coisas decorressem de forma normal, teve lugar um momento celebrativo do grupo paroquial do ‘Apostolado do mar’, no parque das canoas’, no Gaio, Moita.
Mais do que alguns convidados e de presenças de ocasião, foi importante a expressão de fé católica que pode e deve envolver. Sob a proteção de São Pedro Gonçalves Telmo – ‘São Telmo’ – reuniram-se algumas dezenas de pessoas para testemunharem o momento solene de apresentação deste novo grupo paroquial com caraterísticas muito específicas e também de novidade dentro do ‘Apostolado do mar’.
Vamos tentar responder a algumas questões que se nos podem colocar: que significado tem um grupo do ‘Apostolado do mar’ numa localidade ligada mais ao rio? Quem são os destinatários do ‘Apostolado do mar’? Qual a razão de ter um santo protetor? Como organizar um grupo deste teor, no presente e para o futuro?


* Uma fé com sabor a sal
Esta expressão ouvimo-la várias vezes, quando contatamos pessoas ligadas ao mar e à sua expressão em fé católica. Com efeito, há e deve haver uma forma de viver e de exprimir a fé católica a partir do lugar onde se vive: se à beira-mar (ou rio), se no alto de serrra, se no campo ou mesmo na cidade ou na aldeia... Isto passa não só pela decoração do espaço, mas também pela atitude celebrativa...em comunhão católica, onde o essencial é tido em conta e a sua forma de o manifestar pode variar. Isto tem a ver tanto com as pessoas em geral como também com os padres: será totalmente diferente ser ‘de sequeiro’ (fora do espaço marítimo) ou com sensibilidade às vertentes da água... Por vezes nota-se alguma confusão até na forma de colocar quem serve as paróquias ou comunidades!
Ora, estando a Moita situada no espaço de proximidade ao rio Tejo, será muito útil não perder essa referência à dimensão marítima. Isso mesmo está subentendido na estrofe do hino a Nossa Senhora da Boa Viagem, supra citado. Urge, por isso, redescobrir a relação com o rio e não só por haver outros interesses em marcha, mas para que algo identitário possa ser assimilado por quem aqui vive e, sobretudo, por quem aqui celebra a sua fé.
No âmbito da Igreja católica existe um trabalho de atenção às especificidades culturais – humanas e geográficas – de quem vive, trabalha, sente e cuida do mar. Isto chama-se: ‘Apostolado do mar’, uma obra católica de alcance mundial em que se procura levar a mensagem do Evangelho a todas as pessoas e em todos os espaços.

* Destinatários do ‘Apostolado do mar’
Por este tempo estão a ser revistos os estatutos do ‘Apostolado do mar’, em Portugal. Embora se pareça caminhar para designar este serviço pastoral da Igreja com a expressão ‘Stella maris’ – era um setor específico de apoio em terra às pessoas essencialmente ligadas à marinha mercante – podemos e devemos elencar quem são os destinatários desta ação da Igreja católica:
- as pessoas e organizações ligadas ao mar (ou ainda aos rios), seja ao nível profissional (marinha mercante ou pesca) bem como às atividades lúdicas e de lazer e ainda as agremiações de defesa e conservação do mar e dos rios;
- deve atender-se também às famílias destes setores;
- outro tanto se deve considerar para com as atividades com implicações culturais e religiosas de índole marítima e fluvial.
Uma breve referência, por exemplo à diocese de Setúbal: serão menos de meia dúzia as paróquias que não tenham relação direta com a água, tanto do mar como dos rios Tejo e Sado...

* São Pedro Gonçalves Telmo: patrono do grupo da Moita
Não deixa de ser um tanto específico que o grupo paroquial do ‘Apostolado do mar’ na Moita tenha aparecido com um santo protetor. Além de ser um grupo com ligação ao rio, não é costume surgir sob o patrocínio de um santo. Aqui, desde a primeira hora, surgiu São Telmo, naquilo que ele tem de particular na defesa dos navegantes e como alguém a quem podem socorrer-se os ‘marítimos’ do Gaio, pois foi a seção de vela do ‘Clube naval do Gaio’ quem mais se empenhou na prossecução deste trabalho do ‘Apostolado do mar’ agora emergente.

* Espaço de evangelização
Este grupo paroquial do ‘Apostolado do mar’ na Moita deverá ser um trabalho de presença da Igreja àqueles que vivem, sentem e participação nas atividades humanas, culturais, profissionais ou lúdicas do lugar onde está sediado. Independentemente de ser concretizada uma sugestão de ser colocada a imagem de São Telmo no moinho do Gaio, deverão ser desenvolvidas ações de formação na fé, na dimensão cultural e mesmo promovendo atividades que façam cuidar mais e melhor do rio e das suas margens. Em breve o grupo deverá reunir para calendarizar tais iniciativas.
Desde a primeira hora a implementação deste grupo do ‘Apostolado do mar’ teve e tem o apoio do diretor nacional.



António Sílvio Couto

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Síndrome de ‘capitalista’…

 Embora com meses de fermentação o assunto veio mais à luz do dia em plena campanha eleitoral para as eleições autárquicas: a proposta de transferência do Tribunal Constitucional (TC) de Lisboa para Coimbra.

As posições partidárias são de natureza política ou mesmo tática daquilo que mais convenha. Agora a posição da maioria dos juízes do dito TC – dos treze que se pronunciaram, dez votam contra – roçam algo bem mais preocupante. Veja-se os termos, em janeiro passado, com que foi argumentado: “A transferência seletiva da sede de um órgão de soberania, baseada em qualquer critério que não seja o da natureza e dignidade constitucional das funções que desempenha, não poderia deixar de constituir um grave desprestígio”.  

Não se denota nesta posição corporativa algum complexo de haver um território de primeira e o resto ser de outra classificação menos abonatória? Não perpassa neste posicionamento uma visão de superioridade da ‘capital’ sobre a ‘província’?  Não serão, na sua maioria, os juízes procedentes dessa tal ‘província’ desprestigiante? Por que terão, então, pejo de saírem da capital com mais dignidade do que outras cidades?

 1. ‘Portugal é Lisboa e o resto é paisagem’. Esta frase parece que é atribuída a Eça de Queirós, denuncia uma visão de um tempo e de uma época, mas que parece ainda preencher a cabeça e as palavras de muitos daqueles que, a partir de Lisboa, continuam a mandar ‘bitaites’ e a fomentar um razoável centralismo bacoco, antiquado e sem nexo. Quando surgem hipóteses de mudanças lemos e vemos argumentos tão vazios e ignóbeis de pessoas que deviam pensar naquilo que dizem, fazem ou usam como diferença…

 2. Uma certa macrocefalia de pendor ‘capitalista’ percorre o comportamento de tantos dos políticos, seja qual for o partido ou mesmo a tendência ideológica. Uma longa lista de serviços, de entidades públicas e mesmo de empresas encontram-se sediadas na capital, tornando o resto do país uma paisagem cinzenta, sem capacidade de gerir fundos ou mesmo de reivindicar melhores condições. Diante destas observações poderemos questionar: que faz uma pretensa ministra da ‘coesão territorial’, se o resto da paisagem é preterido nas decisões? Para que serve ter no elenco governativo – no atual como noutros – um ‘ministro da agricultura’, se as gentes rurais não têm voz, senão for nas ruas da capital a protestar contra os preços ridículos que pagam aos que trabalham a terra? A economia é só urbana, não tem expressão fora da capital?

 3. Noutros países, como na Alemanha, na Suíça ou na Rússia, os serviços idênticos ao do TC e de outros órgãos de soberania funcionam fora da capital do país. Por razões históricas isso é aceitável e continua com bom proveito das cidades onde tais serviços estão instalados.

Ainda recentemente (2017) se gerou, no nosso país, uma larga discussão sobre a possibilidade de transferir os serviços do ‘infarmed’ de Lisboa para o Porto… Muita parra e nenhum sumo, pois a questão além de precipitada não passava de uma espécie de ‘fait-divers’, que se inseria na compensação por o Porto ter perdido na candidatura à ‘agência europeia do medicamento’, que saiu da Inglaterra e foi para a Holanda… ao tempo. Boa parte dos funcionários do ‘infarmed’ rejeitaram a mudança…e mais uma vez um serviço continuou jocosamente na capital.

 
4. Ainda antes de ser tomada a decisão mais definitiva sobre a possibilidade do TC mudar de Lisboa para Coimbra logo apareceram os obstáculos dos cerca de cem funcionários adstritos o serviço. Mais uma vez a sedimentação dos funcionários coarta a mobilização e nem a dita lei da mobilidade de 2017 consegue ultrapassar os óbices mais de mente do que de gestão daquilo que importa ao país no seu todo.

Coimbra, cidade que tantas ínclitas figuras do direito tem dado, não foi atraente para uns senhores – são oito homens e cinco senhoras – sediados na capital se deixassem seduzir pela ‘lusa Atenas’ do choupal e do Mondego. A cidade sentiu nisso uma espécie de insulto e, pior, considerou que tal atitude contribuiu para o desprestígio do TC.  

Os tiques da ‘velha senhora’ – epíteto com que rotularam o regime anterior ao 25 A – ainda tem muitos servidores e sequazes. Até quando?

 

António Sílvio Couto    

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

‘Faltei’ à 2.ª dose de vacinação

 


O caso conta-se em poucas palavras: na 6.ª feira, dia 10, comecei a receber uma sms com a indicação de ir-me-ia ser enviada uma mensagem de convocação para segunda dose da vacina anti-covid-19. De facto, no sábado, dia 11, às três e três da manhã, chegou a tal mensagem, convocando-me para ir, na 2. ª feira, dia 13, ao local de vacinação, às 10.50 horas... no domingo, dia 12, às 21.22 horas, voltei a receber a mensagem para a receção da 2.ª dose de vacina... recomendando que não me esquecesse.

Tudo isto teria sido normal e de boa diligência não tivesse eu já rececionado a tal segunda dose no dia 22 de junho, às 9.55 horas, no mesmo local e não tivesse também o ‘certificado de vancinação’ impresso em meados de julho...até para poder circular durante uns breves dias de férias fora do espaço de residência habitual.

Entretanto, nesta semana que está em curso circulou a informação – emitida pela task force encarregada do processo – de que 90 mil utentes não compareceram à segunda dose de vacinação contra a covid-19. Efetivamente se os casos faltosos forem como o meu, talvez tenham outra impressão dos dados recolhidos e mesmo da total eficiência dos serviços. No afã de querer vacinar o maior número possível de pessoas – já ter-se-ão atingidos 8.273.795 com a segunda dose – dá a impressão que algo começa a tornar-se exagerado...

 = Do aliviar da máscara aos impropérios negacionistas

Por estes dias foram dadas indicações de alívio quanto ao uso da máscara nos espaços públicos. No entanto, manda o bom senso que não se corram riscos nem se possa hipotecar o conquistado com leviandades de uns tantos. Embora a sugestão tenham sido feita, boa parte da população continua a conviver de máscara colocada e mantendo-se a obrigação nos espaços interiores. Como dizem alguns mais observadores, por entre sarcasmo e anedótico: a máscara favorece muita gente, evitando-se ainda caras nem sempre tão prazenteiras como se acham...

Um resquício da população pretende negar que haja covid-19 e nem os milhões de mortos em todo o mundo – e quase dezoito mil no nosso país – consegue demover tais intentos nuns tantos/as apostados em querem ser ora negligentes, ora parvos, ora inconsequentes, pois se estiverem doentes – infetados ou internados – podem tornar-se um perigo para a saúde pública e o bem estar alheio... dado que o respeito por si mesmos denunciam não cultivarem minimamente.

Deu algum alarme as ofensas publicitadas contra um órgão de soberania. Já outros mais exagerados nos protestos tinham chamado a atenção. Mas o que mais custa aceitar é que estas pessoas se acham no direito de serem perigos públicos só pela simples razão de que a sua ‘liberdade’ individual perturba o bem comum... Esta ditadura da insenatez não merece respeito nem pode continuar a ser propagandeada de forma impune.

 

= Já será tempo de colher lições desta pandemia?

Decorridos quase dois anos de pandemia do ‘covid-19’ fomos reapredendo a viver, a conviver e a sobreviver. Tudo mudou. Quase tudo se tornou tema de apreensão. Na maioria dos casos parecia que a própria sombra ampliava a desconfiança, o medo e a suspeita interiores e exteriores.

- Quem não sentiu a vulnerabilidade da vida? Quem não sentiu, ao ver tantos a morrerem de repente, que a nossa vida sempre está por um fio, basta um pequeno sopro e finamo-nos? Quem não se apercebeu que somos, sem disso nos darmos conta, um perigo à solta uns para os outros?  

- As nossas relações humanas são suscetíveis de serem modificadas. A convivência social tem novas regras, até pelo excesso dos tempos anteriores. Espaços e oportunidades de convivialidade têm de ser diferentes. Dá a impressão que foi semeada a desconfiança e que nos tornamos mais retraídos uns para com os outros.  

- Pelo que se tem visto neste destapar das condicionantes gerais, estamos a correr riscos que podem fazer retroceder todo o processo de desconfinamento. Paira no ar a suspeita, a dúvida e ainda bastante medo!

- Não podemos continuar a viver com esta espada de Dâmocles coletiva...sobre a cabeça. Cuidado!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Ataques do mal aos mais fragilizados

 


Ao tentarmos interpretar o que acontece no nosso tempo será ousado considerar que podemos ver (ou não) sinais da presença do mal em tantos dos comportamentos das pessoas, dos grupos, das instituições ou mesmo dos governos? Não será que a violência, a guerra, o ódio e a morte ao desbarato serão sinais do mal, mais ou menos organizado? Essa espécie de vulgarização da pornografia – com milhões de sites na internet e não só – nos nossos dias, não será uma manifestação demoníaca quase tolerada, aceite e incentivada? Certas tendências de desprezo pela vida – antes do nascimento (aborto) e até à morte provocada (eutanásia) – serão indícios do mal, tornado visível e com sequazes servidores? Quando os responsáveis políticos se prestam para aprovar leis contra a vida e como que em incentivo à morte não estarão a serem servidores do mal? Até que ponto o silêncio e a votação dos cristãos em partidos e agremiações que difundem o mal podem ser considerados pecado? Não será que certas tolerâncias e cumplicidades denunciam que nem sempre renegamos o mal como devíamos?


«Se é verdade que a vida humana em cada uma das suas fases é digna do máximo respeito, em certos aspetos ainda o é mais quando está marcada pela velhice e pela doença. A velhice constitui a última etapa da nossa peregrinação terrena, que tem fases distintas, cada uma com as suas luzes e sombras. Perguntamos: ainda tem sentido a existência de um ser humano que se encontra em condições bastante precárias, porque é idoso e doente? Por que motivo, quando o desafio da doença se torna dramático, continuar a defender a vida, não aceitando ao contrário a eutanásia como uma libertação? É possível viver a doença como uma experiência humana que deve ser assumida com paciência e coragem?» (126).
Esta citação do Papa Bento XVI tem quase década e meia de distância e coloca-nos uma questão que tem vindo a ganhar maior consistência na discussão pública: a eutanásia e o cuidado aos mais idosos da nossa sociedade. Com efeito, que dizer de uma sociedade política – como a portuguesa (15 de março de 2021) – que, no auge da pandemia de covid-19, aprovou, à socapa, uma nova lei de despenalização da ‘morte medicamente assistida’? Que consideração merecem tais ‘políticos’ que não sabem distinguir entre oportunidade e conveniência das suas propostas e interesses ideológicos? Numa sociedade cultural e geneticamente envelhecida não estaremos a cavar a nossa sepultura, em regime da vala-comum, sem identidade nem verificação dos sepultados?
Tentemos encontrar respostas às questões que nos são colocadas, não com soluções ideológico-religiosas, como tantas vezes pretendem dizer os defensores do aborto e da eutanásia, mas com propostas humanistas sérias, serenas e sensatas, como é próprio da doutrina cristã-católica. Com efeito, humanismo cristão alicerça-se nos valores e critérios do Evangelho, onde a pessoa vale na sua ‘ecologia integral’, como nos tem dito o Papa Francisco. Repare-se na luta insidiosa com que certas forças e meios de comunicação social – em fevereiro deste ano em pandemia – quiseram distorcer e/ou condicionar a voz da Igreja, quando alguns bispos se insurgiram contra a despenalização da eutanásia, como que querendo dizer que só quem é a favor pode ter voz ou tomar posição. Não é uma questão de ‘moda’ ou de oportunidade ser pela vida, mas esta sempre será a forma mais simples de Deus se manifestar e de Lhe prestarmos culto e louvor.
* Da mentalidade eficientista à inviolabilidade da vida
Tal como dizia o Papa Bento XVI, em 2007, ‘a mentalidade eficientista de hoje tende com frequência a marginalizar estes nossos irmãos e irmãs sofredores, como se fossem apenas um "peso" e "um problema" para a sociedade’. Cada pessoa parece que só vale em maré de produção, podendo tornar-se um peso social e familiar, quando perde essa componente de visão economicista. O mesmo se diga das mais variadas situações em que os mais frágeis como que perdem valor e quase hipotecam a sua dignidade, se não forem parte do processo materialista – capitalista, liberal, marxista ou comunista – da pessoa e da sua utilidade.
Com que destreza se argumenta que a pessoa pode até desprezar a própria vida se for – a seu olhar e na visão dos outros – menos válida ou talvez condicionadora da liberdade alheia. Os documentos da Igreja – em especial da Conferência Episcopal Portuguesa – sempre acentuam a inviolabilidade da vida humana em qualquer etapa da sua manifestação.

* A vida nunca se referenda
Mesmo que dando um certo trejeito democrático alguns setores da nossa sociedade, incluindo prelados, lançaram para a via pública a possibilidade de ser feito um referendo sobre a tal despenalização da eutanásia, secundando um outro erro cometido em 1998 e em 2007 sobre o tema do aborto. Já nessas ocasiões se cometeram atrocidades extremistas, ajudando mais a confundir do que a esclarecer.
Se o princípio de ‘a vida não se referenda’, é válido – e é-o inquestionavelmente – então deveremos lutar mais por ele do que, mesmo sob condição de pseudo vitória da parte defensora da vida, aceitarmos que tal consultar popular se realize.
Precisamos, antes de tudo, de vivermos e de nos comportarmos como defensores da vida e lutadores da sua dignidade por todos os meios, onde, desde a habitação até à saúde, passando pela educação e a segurança, esses valores estejam defendidos para todos e não só para uns tantos beneficiados.



António Sílvio Couto

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Respigos da procissão a N.ª S.ª da Boa Viagem

 


No passado domingo, dia 12, a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem percorreu, em autocaravana, as ruas da vila da Moita. Esta foi a forma encontrada, pelo segundo ano consecutivo, de tornar presente e visível a fé católica em dia de grande importância para as designadas ‘festas da Moita’.

Devido ainda aos condicionamentos higiene-sanitários que estamos a viver, esta forma de fazer a procissão pelas ruas da Moita permitiu que muitos outros – para além dos habituais frequentadores das procissões – pudessem exprimir a sua fé através do culto a Nossa Senhora, mesmo pelos locais visitados, através desta procissão-caravana e que, durante duas horas e cerca de vinte quilómetros de distância, extrapolaram o percurso habitualmente fixado…


Muitas pessoas – uma boa parte cumprindo as regras em vigor – vieram para as ruas ou através da presença nas varandas e janelas, saudando Nossa Senhora da Boa Viagem, cuja imagem foi transportada numa viatura dos bombeiros locais. Durante esta forma de procissão foram percetíveis algumas formas de fé contida, através de expressões próximas de oração, senão em palavras, ao menos em sentimentos e gestos… como flores e outros adereços festivos.

No cumprimento de um ritual costumeiro foi feita a bênção das embarcações no cais, ao som dos foguetes, tão apreciados pelas gentes locais. Nessa ocasião teve intervenção a banda filarmónica da Moita, que executou o hino a Nossa Senhora da Boa Viagem. Também ao longo da procissão autocaravana houve cânticos marianos adequados, a partir de um veículo que integrava a procissão.


De referir que, de 30 de agosto a 7 de setembro, decorreu a novena preparatória – ‘a Nossa Senhora da Boa Viagem e com São José’ – da festa de Nossa Senhora, celebrada liturgicamente no dia oito, natividade de Nossa Senhora. De 13 a 19 deste mês é dado continuidade ao tempo festivo através de momentos litúrgicos de oração na igreja matriz.

 Respigando…impressões – colhendo lições

 Ocupando um lugar privilegiado após a passagem da imagem na procissão fui percebendo como muitas pessoas se relacionam com o divino, simbolizado no andor de Nossa Senhora da Boa Viagem.

- Desde logo se capta algo de maternal-filial, num diálogo sem palavras, mas com sentimentos vivos e vivenciais, sinceros e mais profundos do que circunstanciais. 

- Numa leitura algo simples se podia constatar que, do caminho um tanto alcatroado por possível ideologia do ‘sem o religioso’, emergiam flores ténues de sensibilidade ao espiritual e mesmo ao tendencial cristão.

- De tantos rostos macerados pelo sofrimento e pela dor podíamos intuir que havia súplica e agradecimento, pequena confidencia ou mesmo desejo de não disfarçar o que ia na alma.


- Flores, muitas flores salpicaram o caminho por onde passava a imagem. Numa rua houve mesmo um pequeno, mas simbólico, tapete de flores, como que dando a entender do contentamento pela visita da Senhora e Mãe… onde o estandarte disponibilizado (há anos) se percebia com regularidade.

- Também se notava muita indiferença, senão mesmo oposição encapotada. Sabe lá por que razão: ignorância, insensibilidade ou mesmo resquício ideológico mais entranhado. Mesmo assim houve – tanto quanto era visível – respeito e tolerância, na maior parte dos casos com mais silêncio exterior do que noutros momentos.

Numa palavra: sem elogios desnecessários nem observações menos agradáveis, as gentes da Moita souberam honrar a sua padroeira e protetora. Com a vontade de melhorar, aqui registo as minhas impressões…     

 

António Sílvio Couto

 

 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Do cativeiro de estimação…à tentativa de promoção

 

Tem-se vindo a desenvolver uma certa mentalidade sobre os ‘animais de estimação’. Este epiteto pode servir para múltiplas designações, desde que alguém considere que aquele ‘seu’ animal é de estimação. Gatos, cães (de várias raças, tamanhos ou configurações), aves ou outros mais exóticos… foi-se criando uma panóplia de ‘animais de estimação’, onde cada um estima o que quer ou dedica-se a quem lhe convier.
Sussurrava-se à boca-pequena que, numa das eleições gerais mais recentes, algumas ‘velhinhas’ com animais estimados foram na cantiga de certas formações partidárias que se diziam defensoras dos ‘animais’ e lhes davam (abstratamente) garantia de que os seus ‘animais de companhia’ estariam salvaguardados por tais ideias e a salvo por esses outros ideais…Será que esta leitura/visão explica a forma inusitada de certas votações? Não se estará a laborar no engano, enquanto os incautos não descobrirem as patranhas?
1. Animais servem ou são usados?
De entre tantos casos de ‘animais de estimação’ como que se deve questionar a quem vale a companhia: aos ditos ou aos ‘donos? Dá a impressão que, pelas condições de habitação de tantas pessoas, muitos dos animais estão em cativeiro, confinados aos espaços exíguos das casas e sem o mínimo de liberdade para serem aquilo que querem que eles sejam e de que precisam…
Nalgumas circunstâncias os animais de estimação/companhia parecem tornar-se alvo supletivo de afeição, criando laços tais que o seu desaparecimento se assemelha ao de um luto humano. É habitual ver para com os animais manifestações de carinho que quase nos leva a suspeitar se não andará nada descontrolado em matéria de prioridades e/ou de equilíbrio emocional…nos humanos.
2. Os animais serão promoção de quem ou para quê?
Certamente que todos temos visto pessoas a passearem-se com grandes ou emblemáticos caninos, uns que se destacam pelo porte, outros que mais parecem bonecos de enfeite e outros ainda que dão conta de quem os conduz. Em certos casos como que seríamos tentados a concluir: diz-me o cão que tens (mostras ou exibes), que eu te direi quem tu és!
A trela dourada pela qual são conduzidos faz dos animais – e dos cães em particular – algo que nos leva a laborar nalguma contradição: dizem que gostam deles, mas aprisionam-nos, retirando-lhes a liberdade de serem o que são; querem-lhes tanto, mas fazem deles objetos de bel-prazer; parecem seus defensores, mas comportam-se como donos escravizadores; tentam humanizá-los, conferindo-lhes quase estatuto de personalização, mas não passam de manipuladores abjetos…
É verdade os animais têm sentimentos. Porque poderão ser usados por personalidades algo deficientes, senão na forma, ao menos no conteúdo?

3. O privado não condicionará o público e vice-versa?
De forma habilidosa certos comentadores da vida alheia – tanto social como política ou mesmo amoral – quando lhes convém tentam distinguir a vida privada, seja de quem for, da dimensão pública – política, no sentido genuíno do termo, na vivência da ‘polis’, cidade – de ocasião. Na visão de tais mentores, em certas matérias aquilo que é considerado do foro privado nele deve continuar, noutras situações o privado emerge como condicionador da intervenção pública. Mas teremos de ser todos tão bipolares, que a bitola do juízo é feita pela simpatia ou animosidade para com os intervenientes? Por muito que tentem explicar que a dita ‘orientação sexual’ não interfere na conduta política porque será que algumas tendências são consideradas tão anódinas e não potencialmente subversivas?
4. Quando ser ou não pode influenciar…
Nesta corrente de amoralismo – qual sublimação coletiva da tal ‘ética republicana’ – nota-se uma onda de fundo de contestação da cultura judaico-cristã em questões que envolvem o relacionamento da pessoa humana consigo mesma e com os outros, sejam também humanos ou os animais e até a natureza. A subtileza dos assuntos perpassa lóbis da mais diversa configuração. A artimanha está em gastar tempo com inutilidades, fazendo-as parecerem assuntos fundamentais. O respeito pela pessoa humana não pode querer tornar assuntos com interesse, só porque estão em causa os meus interesses… Estes podem ser mesquinhos!

António Sílvio Couto

Na comunidade se manifesta a força de Deus

 


Com que facilidade tantos dos nossos contemporâneos foram-se afastando da vivência da missa de domingo, apresentando as mais díspares desculpas, mas enfraquecendo o corpo da Igreja-comunidade. Talvez tenhamos caído – por ocasião destes tempos de pandemia – no facilitismo do recurso às celebrações televisionadas, contribuindo para essa religião de pantufas, que se satisfaz mais com os seus ritos algo individualistas e pouco se compromete com os outros…que nem sempre escolhemos ou aceitamos como devíamos.
«A celebração da Missa é, por sua natureza, “comunitária”. Por isso têm grande importância os diálogos entre o celebrante e os fiéis reunidos, bem como as aclamações. Tais elementos não são apenas sinais externos de celebração coletiva, mas favorecem e realizam a estreita comunhão entre o sacerdote e o povo.
As aclamações e as respostas dos fiéis às saudações do sacerdote e às orações constituem aquele grau de participação ativa por parte da assembleia dos fiéis, que se exige em todas as formas de celebração da Missa, para que se exprima claramente e se estimule a ação de toda a comunidade» (IGMR 34).
Quais são alguns dos sinais desta dimensão comunitária da celebração da eucaristia? Há expressões ou gestos que nos podem fazer ‘acordar’ para esta dimensão comunitária e não individualista como, por vezes, nos parece sermos confrontados?

1. Em três momentos da celebração da eucaristia encontramos um diálogo muito típico que nos pode ajudar a consciencializar e a refletir, de forma simples e incisiva, sobre esta expressão comunitária da nossa fé celebrada. ‘O Senhor esteja convosco; Ele está no meio de nós’. Rezamos – seria de pouco significado impacto referir dizemos – no diálogo antes da proclamação do Evangelho; no início do prefácio; e antes da bênção final. Noutras línguas a tradução não regista esta mesma sequência, sobretudo, na resposta que é dada pela assembleia, pois a frase é composta por outros elementos: ‘O Senhor esteja convosco; E com o teu espírito’. Embora só em português se saliente aquilo que reportamos de expressão comunitária, não será displicente o sentido que, na nossa língua, se pode e deve refletir e aprofundar…como expressão comunitária sacudida nesses três momentos significativos da celebração.
- Antes do Evangelho – a Palavra de Deus que está a ser proclamada e vai ser atualizada para a assembleia precisa de ser despertada, até porque a atitude de se colocar em pé também significa isso: prontidão e escuta. - No diálogo do prefácio, coloca-nos em despertar para toda a liturgia eucarística que se lhe segue.
- No final, antes da bênção e do envio, dá-nos o sinal de partida para o anúncio da ‘missa para a missão’.

2. Apesar destes sinais de configuração comunitária ainda vemos tantos tiques de individualismo em muitos dos nossos ‘praticantes’. Certos ritos e rituais de ‘sacramentos sociais’ – batizados, casamentos, ‘festinhas de catequese’ e afins – enfermam desta doença dos particularismos que, na maior parte das vezes, se sobrepõem à dimensão comunitária. Até as missas por intenções mais específicas – tirando o risco de simonia quase latente nalgumas circunstâncias – ou o devocionismo em reconstrução não revelam nem favorecem a vivência comunitária necessária, urgente e aberta aos outros.
Quando tantos crentes não têm o suficiente para alimentar a sua fé com espírito comunitário vamos enfastiando outros com respostas dadas ‘à la carte’ ou seguindo um guião que nos tem lavado a todo este processo de descristianização crescente e de debandada da Igreja. Enquanto não formos capazes de fomentar, de alimentar ou de recriar o espírito comunitário das nossas celebrações corremos o risco de andar a colaborar em episódios de distração, mas cujos resultados serão desastrosos no futuro próximo.

3. Não haverá ruido a mais e silêncio a menos nas nossas celebrações? Não haverá espírito mundano a mais e Espírito de Deus em falta? Não andaremos a querer fazer das nossas celebrações – mesmo da missa – mais sessões de simpatia do que momentos de encontro com Deus?


António Sílvio Couto

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Que fome alimentamos?

 


Circula pelos meios digitais uma interpretação algo abusiva, senão mesmo eivada de neognosticismo, da passagem da multiplicação dos pães - texto que aparece nos quatro evangelhos e, dois deles, mais do que uma vez - onde se pretende realçar que o sinal da multiplicação dos pães (cinco) e dos peixes (dois) é mais resultado da partilha entre todos os que escutavam Jesus do que do poder do próprio Jesus sobre as forças débeis humanas e como manifestação do poder de Jesus sobre as coisas materiais. Segundo a interpretação mais clássica e comummente aceite e comentada, Jesus atende à forma daqueles que O escutam por compaixão e, embora se sirva daquilo que eles tinham, Ele abençoa, dá graças e manifesta o poder divino, mesmo quando colocamos à disposição de Deus as nossas frágeis forças e as nossas quase insignificantes capacidades, mas que Deus acolhe, aceita e multiplica...em favor dos outros.
Reparemos que Jesus, nas tentações no deserto (cf. Mt 4,2-3), recusa multiplicar o pão em seu favor, pois seria negar a sua missão de ‘salvação do povo do seus pecados’ - este o significado etimológico de ‘Jesus’ - mas fá-lo em favor dos outros e - diz o texto bíblico - que eram cinco mil homens, sem contar mulheres nem crianças...

* Nem só de pão vive o homem (cf. Mt 4,4). 

Esta resposta dada por Jesus ao tentador, no deserto, terá alguma consistência para a maioria dos nossos contemporâneos? Não será dramaticamente confrangedor ver que a maioria das pessoas quase só corre pelo pão que alimenta a dimensão físico-biológica da sua existência? Com que afã as pessoas gastam o seu tempo e as suas energias para satisfazerem as necessidades básicas do corpo material.

Se consultarmos a lista das entidades - públicas ou privadas, religiosas ou agnósticas, locais ou regionais, nacionais ou internacionais - que se esforçam por alimentar a dimensão corporal veremos uma longa e quase interminável relação. Quanta gente se entrega para que outras pessoas tenham o suficiente e digno para sobreviverem. A maior dos esforços são resultado - e bem - da constatação de que todos merecem o ter o mínimo para viver. Quantas horas gastas em proporcionar aos cidadãos - dizem que seja qual for a religião, a opção política ou a etnia - os meios de subsistência capazes. Com efeito, só há fome no mundo porque uns tantos - sem rosto nem moralidade - querem ter os outros presos pela boca, isto é, manifestam sobre eles poder, condicionando-lhes o acesso aos meios de alimentação. Esta luta continuará a fazer vítimas, enquanto os réus ficarem impunes quanto aos meios que usam para manipularem os outros e sentirmos um silêncio cúmplice de boa parte dos governos (ditos) democráticos... Como sói dizer-se: os pobres mantêm muitos na ribalta...

 
* Meios de afirmação consciencializada 

Talvez seja útil corrigir uma ‘estória’ que envolve fome e dar de comer, cana e pescar. Foi-se difundido a asserção de que mais importante do que dar o peixe, é importante ensinar a pescar… É aqui que entra a correção da lição a ministrar. Dizem que é preciso dar o peixe para que, ensinado a pescar, o usufrutuário da pesca, tenha força, saber e capacidade de, tendo aprendido a pescar, saiba sobreviver com os meios que lhe foram dados, potenciando-os e fazendo-os crescer…deixando de estar dependente dos subsídios que recebe.
É fundamental que atendamos às várias fomes do nosso tempo. Da fome material há dados: 820 milhões de pessoas são atingidas pela fome mensurável em quadros comparativos e que se repercute na procura por alimento. Mas seremos capazes de perceber tantas outras fomes: psicológicas, emocionais, espirituais e religiosas?
Mesmo que de forma mais ou menos incipiente temos procurado atenuar a fome corporal. Até sabemos quais são as causas que a provocam. No entanto, não temos tido o mesmo empenho em satisfazer a fome do divino. Alguns considerarão isso como algo desprezível ou quase-inútil. Outros envolverão tais preocupações em matérias (ditas) metafísicas e outros ainda, por razões ideológicas, preferem entreter o povo com ‘pão e jogos’, à boa maneira dos romanos em maré de afundamento moral e cívico…
Efetiva e afetivamente ‘nós’ gostamos e apreciamos aquilo de que temos conhecimento e nos dá prazer. Por desconhecimento dos ‘prazeres’ não-materiais, poderemos contentar-nos só com aqueles, depreciando os outros e vivendo numa vida não-completa.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Libertados do medo

 


O tema do medo, mesmo que capciosamente, percorre muitas das atitudes do nosso tempo, pois alguns dos fatores de relacionamento entre pessoas e estados estão alicerçados no clima de medo. São múltiplas e quase funestas as consequências do medo na nossa vida, desde as mais simples na dimensão física até às de relação emocional ou mesmo espiritual. Os tempos mais recentes da pandemia fez recrudescer sinais de medo nas pessoas e na sociedade, nas famílias ou nas empresas…quanto ao presente e muito mais relativamente ao futuro.

Não se sabe bem como nem porquê surgiu numa certa teologia (católica e também protestante) a contabilidade sobre uma expressão muito singular na Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento: diziam que havia, nos textos bíblicos, 365 vezes a expressão ‘não temais’, ou ‘não tenhais medo’… Ora, segundo dados – atendendo às edições da Bíblia católica ou protestantes – mais assertivos, os resultados serão outros, bem distintos, mas não menos importantes. 

Ora, segundo alguns estudiosos bíblicos, a palavra ‘temor’ (yare, em hebraico) aparece 305 vezes nos textos do Antigo e do Novo Testamento. Se a esta palavra acrescentarmos algumas com afinidade poder-se-á atingir a tal cifra relacionada com os dias do ano... numa visão de que haveria na Sagrada Escritura uma vez para cada dia algo a convidar ao não-temer ou ao não-ter medo...
O que encontramos com alguma certeza são expressões que convidam a ‘não ter medo’ (ou equivalentes) de Deus e do divino. Vejamos, sucintamente, a lista:  ‘não temas’: 58 vezes; ‘não temais’: 35 vezes; ‘não temereis’: seis vezes; ‘não temerás’: também em seis momentos; ‘não temerei’: em cinco oportunidades; ‘não temerá’: também em cinco situações; ‘não os temais’: quatro vezes; ‘não os temas’: em três casos; ‘não tenhais medo’: duas vezes; ‘não tenhas temor’: outras duas situações; ‘nada temas’: só uma vez... Por estas contas haverá 127 vezes em que a referência a ‘não ter medo’ ou expressões afins aparecem na Sagrada Escritura. Embora não seja o tão desejado número de uma vez para cada dia, é significativo que esta referência à libertação do medo -- para com Deus, para com os outros (pessoas, coisas ou mesmo forças da natureza) e até para consigo mesmo -- apareça tantas vezes nos textos sagrados.
Vejamos agora sugestões de libertação do medo nos diversos itens enunciados.
* Não ter medo em relação a Deus: por várias vezes se faz um desafio a não ter medo de Deus: “Deus é amor, e em Deus não há medo, receio, temor, antes o perfeito amor lança fora o temor. Deus é amor; e quem está em amor está em Deus, e Deus nele “ (1 Jo 4,16 ). A quem interessa apresentar um Deus de medo? Porque será que ainda se difunde um Deus que cria medo e atemoriza (ou aterroriza) as pessoas? Não será devido à falta da ‘experiência’ de um Deus-amor e do amor de Deus na vida pessoal?

* Sem medo dos outros: que vivemos numa sociedade alicerçada no medo parece não haver dúvida. Com mais facilidade se espalha o medo do que a confiança. Com alguma vulgaridade se noticia o medo do que aquilo que nos faz viver na serenidade, interior e exterior.  Não podemos ver nem viver como se os ‘outros’ fossem nossos adversários e muito menos inimigos. Só sobreviveremos, como sociedade, se a confiança for o nosso modo de ser e de estar... Urge exorcizar tantos dos medos que povoam os nossos comportamentos mais básicos. A quem interessa continuar neste clima de medo e de tristeza? A quem será benéfico tanto medo, por vezes, mais psicológico até do que físico? Precisamos de destrancar o nosso coração, tantas vezes desconfiado, medroso e frio...

* Não terei medo de mim mesmo? ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’ - diz-se em Lv 19,18. Mas a questão é essa: será que eu me amo a mim mesmo? Não será que, muitas vezes, gosto de mim – nessa subtil expressão de autoestima – mas não me amo, de verdade? Será que aceito a minha história como ela foi ou varro para debaixo do tapete da minha consciência coisas, factos e pessoas com os quais não me interessa confrontar? Saberei perdoar-me a mim mesmo, nos erros, falhas e pecados, que cometi? Não ter medo de si mesmo é conhecer-se – como se dizia no templo grego de Delfos – a si mesmo, com dons, qualidades, defeitos e lacunas de personalidade...

 António Sílvio Couto