De muitas e variadas formas se tem procurado interpretar o significado mais profundo do esvaziamento das igrejas (templos e comunidades), particularmente neste tempo de pandemia… antes, durante e depois. Há estudos e inquietações – o recente livro de Tomás Halík, ‘O tempo das igrejas vazias’ é um expoente – à mistura com conjeturas e insinuações. Dependendo da perspetiva de análise poderemos encontrar leituras, propostas e até catalogações nas respostas que nos possam convir, deixando a ideia de que teremos uma solução sem enfrentarmos o verdadeiro problema.
De que
adianta tentar encontrar culpados no esvaziamento da cristandade? Não fazemos todos
parte do problema? Por que acusar, se estamos também na linha de mira dos
acusadores? Os mais velhos serão mais culpados? E os mais novos não
contribuíram para o seu desânimo? Certas teses inflamadas serão exequíveis ou
somente servem para cocegar os cotovelos em estudo? Escorraçadas as pessoas
ainda haverá rituais?
Recordo
dois episódios. Um padre novo chegou a uma igreja e viu uma pedra no meio do
templo. Logo a quis retirar, pois destoava da dignidade do espaço sagrado ao
que antecessor o aconselhou a perguntar primeiro as razões para o facto ainda
acontecer e não a iniciar a sua remoção… Haveria causas!
Dizia-me
um padre em terras de emigração que encontrou uma ‘missão’ com muita gente,
embora ainda algo tradicional, até nos cânticos. O antecessor esteve lá duas
décadas, nunca aprendeu a língua, mas conseguiu que as pessoas não se
afastassem…foi aguentando a fé.
Ora,
nesta proximidade ao celebração do mistério pascal da paixão-morte-ressurreição
do Senhor, veio-me à lembrança sugerir alguns passos nesta caminhada de
passarmos da contínua aferição do ’eu’ ao ‘nós’ e na descoberta do ‘nós’ no
‘eu’.
1. Silêncio – antes de mais precisamos de
fazer silêncio dentro e fora, pois a voz de Deus é de subtil comunicação nesta
chinfrineira de sons, desafios ou superficialidades. Ter a coragem de se deixar
confrontar nessa subtileza de mergulharmos no rio de água viva que nos percorre
intensamente;
2. Escuta – desta nascerá a capacidade de
perceber para onde vamos ou como não demos continuar, discernindo as múltiplas
vozes e seduções. Mais do que falar é urgente saber ouvir, num exercício
contínuo crescente e nunca acabado;
3. Tempo com qualidade – quando não queremos
enfrentar-nos, engenhosamente, arranjamos desculpas e a falta de tempo é a mais
recorrente. Ora, precisamos de ter tempo para nós mesmos, para Deus e para os
outros, sem distrações nem falsas comunicações. A pressa é tantas vezes inimiga
da qualidade e mesmo da eficiência;
4. Prioridade às pessoas – numa época de velocidade, onde
os ‘gostos’ ou postes facebokianos contam mais do que as amizades de partilha,
corremos o risco de nos iludirmos com as conquistas na nossa habilidade e não
no amadurecimento sereno pelo estudo e na reflexão com as pessoas concretas e
simples. Seremos capazes de desligar totalmente do telemóvel para estarmos só
com as pessoas e para elas?
5. Querer aprender – pelo confronto sadio e sereno,
pela partilha despretensiosa e humilde, pela sábia humildade de nada ensinar e
com todos aprender, poderemos criar uma abertura à diferença, sabendo cada um
quem é e respeitando o outro na sua identidade. Quando alguns pararam no tempo
e acusam a Igreja de estar parada, teremos a coragem de convidar a virem ver
como estamos, sem esconder o que somos?
6. Caminhar com os outros – agora que nos coartaram a
possibilidade de termos gestos de afeição, torna-se ainda mais necessário saber
ler no olhar e caminhar sem medo com os outros, mesmo os mascarados. Já não há
mais distinção entre católicos e outros cristãos, mas entre crentes e
descrentes, ateus ou indiferentes.
7. Falar com sinceridade – o pior que nos podia acontecer
era descremos da palavra alheia, desconfiando uns dos outros ou acusando-nos
mutuamente. Todos precisamos de crescer na obediência à Palavra de Deus, para
que haja verdadeira conversão… de vida e para a vida.
Pior do
que constatar as igrejas vazias será percebermos o vazio da Igreja. De facto, a
Igreja somos nós, tenhamos ou não a possibilidade de nos reunirmos
presencialmente. Não deixemos que o vazio nos invada nem nos tornemos
testemunhas de um Cristo sem rosto nem voz. Hoje somos a Sua presença,
amando-nos e respeitando-nos, sem acusações nem lamúrias. O vazio não é de Deus…
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário