Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Quando ‘família’ serve para tudo e diz quase nada

 


Eis que, de repente, começamos a ouvir os politicos a referirem-se à ‘família’ como sujeito das suas propostas à mistura com adjetivos das suas sugestões, umas mais sérias do que as outras, algumas algo medíocres na execução e tantas execráveis nas consequências.

Embora seja um termo recorrente, a ‘família’ pode se entendida como cada um quiser e usada para satisfazer os objetivos (subtis e não-declarados) a almejar...

1. Sendo usado em diversas circunstâncias o termo ‘família’ pode ser entendido conforme cada um achar mais conveniente. Deste modo seria de grande utilidade e do mais eficaz entendimento que este termo ‘família’ fosse explicado naquilo que tem, convém ou serve. Mais do que do contexto, ‘família’ precisa de ser explicada no enquadramento.

Roça quase o anacronismo – e porque não dizê-lo a manipulação – o (ab)uso da palavra ‘família’, tais foram as malfeitorias contra a mesma introduzidas nas leis, nas regras e nos comportamentos sociais... e a forma explícita ou implícita, à luz do dia ou no submundo ideológico... e tudo de forma transversal.

De um conceito socioculutral de família – com ascendentes, descendentes e colaterais – foi-se afunilando a compreensão de família até quase se reduzir a uma visão burguesa de pai-mãe-filhos, camuflada, em certos casos, com os animais de estimação e/ou feitos elementos integrantes da família... possivelmente excluindo os potenciais/putéticos filhos.

[ainda na manhã, deste domingo de outono, assisti a uma das cenas mais bizarras de significação – um casal (homem e mulher) com menos de trinta anos limpava afanosamente um cão de razoável porte que fora banhar-se no rio e que precisava de ser enxugado da atividade feita]. Teriam tal dedicação para com um filho/a? Seriam tão solícitos e carinhosos? Tal desvelo é de fachada ou de convicção?]

Não deixa de ser preocupante a onda de rejeição da maternidade/paternidade de pessoas em tempo de contribuirem para a regeneração do tecido humano e demográfico. O inverno sem filhos da velha Europa tem algo bem mais profundo do que as dificuldades económicas, a prossecução do bem-estar ou mesmo o medo quanto ao futuro. Foi-se alicerçando mais um modelo de felicidade onde a fertilidade quase foi excluída – até pelo adiamento dos filhos – e o culto do (pretenso) suessso profissional. Tudo terá uma fatura de alto custo!

2. Pela minha parte – mais cultural até do que religiosamente – sigo a designação judeo-cristã de família: «A família é a célula originária da vida social. É ela a sociedade natural em que o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e a vida de relações no seio da família constituem os fundamentos da liberdade, da segurança, da fraternidade no seio da sociedade. A família é a comunidade em que, desde a infância, se podem aprender os valores morais, começar a honrar a Deus e a fazer bom uso da liberdade. A vida da família é iniciação à vida em sociedade» – Catecismo da Igreja Católica, 2207.

Sigo realçando alguns elementos desta definição-descritiva de família em conceito católico:

* célula originária da vida social – na família tudo tem fundamento e fora dela corremos o risco de ‘inventar’ outras manifestações que quase poderão parecer aberrações.

* sociedade natural em que um homem e uma mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida – podem surgir outras propostas, mas não respondem naturalmente ao dom da vida de outrem... Custa tanto compreender esta posição? Não haverá má fé ao acalentar de certas posições contrárias a esta da Igreja?

* comunidade onde se podem aprender os valores morais – é nesta expressão humana que os valores éticos são ensinados, pois mais com a vida do que com as palavras, estas devem servir para explicar aqueles.

* honrar a Deus – a melhor escola da fé é a família, aprendendo com as pequenas coisas e para os grandes momentos. De facto, Deus não se impinge, faz-se sorver desde o leite materno.

* fazer bom uso da liberdade, isto é, educando para a responsabilidade desde a mais tenra idade.

* vida em sociedade – quando a família falha tudo se esboroa em catadupa e possível tempestade.



António Silvio Couto

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Do ‘Halloween’ ao ‘pão-por-Deus’



Com a aproximação ao final do mês de outubro vemos surgirem sinais do ‘halloween’ ou dia das bruxas. Nitidamente esta pretensa manifestação cultural não faz parte da nossa vivência cristã-católica, antes é uma importação do norte da Europa – países anglofonos – recauchutada nas Américas e exportada, pela sociedade de consumo, para o mundo ocidental.

Fique claro que, na Europa do sul, de inflência mais católica, temos hábito do ‘pão-por-Deus’ bem menos aterrador e talvez mais fraterno...

1. Origem do halloween. Acredita-se que a maioria das tradições de ‘halloween’ tenham tido origem nos antigos festivais celtas chamados ‘samhaim’, que marcavam a passagem de ano e a chegada do inverno. A cerimónia assinalava o fim do verão e início dos dias escuros do inverno. Os celtas acreditavam que nessa época os espíritos visitavam este mundo e, para afastá-los, acendiam fogueiras, lanternas e tochas.

A maioria dos símbolos característicos do ‘halloween’ têm origem nos primórdios da tradição, enquanto outros foram agregados com o tempo. Entre os principais estão: as cores laranja e preto. Ao ‘halloween’ são associadas estas cores pois o festival do ‘samhaim’ era comemorado no início do outono, quando as folhas se tornam laranja e os dias são mais escuros.
O recurso a máscaras e fantasias ajudavam, na celebração de ‘shamhaim’, a enganar os espíritos, que não reconheciam os humanos e continuavam vagando pelo mundo sem incomodar. Os festivais de ‘samhaim’ envolviam ainda o uso de fogueiras.

2. Cristianização. Nesta como noutras festas de índole religiosa não-cristã, a Igreja católica tentou, já nos séculos VII e VIII, ‘batizar’ primeiro o panteão romano, tornando-o um templo cristão e depois dedicando a capela de ‘Todos os santos’, na Basílica de São Pedro, em Roma, no dia 1 de novembro… Mais tarde, século IX, esta festa de Todos os Santos foi estendida a toda a Igreja.

Atendendo à conexão entre a veneração de Todos os Santos, com os resquícios do culto dos mortos na cultura celta, entretanto cristianizada, vemos que a comemoração dos Fiéis Defuntos se tornou fácil de conjugar: num dia celebrámos os Santos e no dia seguinte os que já morreram ‘marcados com o sinal da fé e dormem agora o sono da paz’, como se reza no cânone romano da missa.

3. Razões do culto hodierno do ‘halloween’. Parece que uma promoção cada vez mais acentuada do consumismo aliado a um outro, o do afastamento de Deus e da prática religiosa tem vindo a ser substituído, desde as escolas até às instâncias sociais, essa promoção de desfiles, de festas ou mesmo de programas televisivos de ‘halloween’. Vemos de tudo, desde o mais sensato e comedido até ao mais extravagante ou exotérico. Esta espécie de carnaval de outono faz como que emergir sinais de perigosos de uma psicologia social e de grupo com configurações neopagãs. Quantos fantasmas saem dos armários e pululam nas ruas de aldeias, vilas e cidades… nas escolas e nos locais de diversão, em espaços dedicados a crianças ou aos mais velhos…Literalmente: anda por aí muito diabo à solta ou pelo menos não-domesticado e sem peias. Mesmo que rejeitando a morte, há quem a cultive inconsciente e recorrentemente.
 
4. Recuperar o ‘pão-por-Deus’. Na cultura católica de maior expressão no sul da Europa tem sido comum, já desde a Idade Média, que as pessoas deem esmolas de sufrágio pelos defuntos. Em muito casos – recordo do meu tempo de criança – os mais pobres das terras aproveitarem esses momentos para permitirem às famílias dos falecidos mais recentes a possibilidade de lhes darem alguma esmola em género ou em dinheiro…pelo sufrágio das almas do que partiram.


Se atendermos à forma como os mais novos se aproximam – no contexto de Halloween – dizendo: ‘doce ou travessura’, pedidos de porta em porta… isso deixa campo de inserção para o ‘pão-por-Deus’, vivido e partilhado nalgumas regiões do nosso país. Pode parecer infantil, mas comporta algo mais do que uma brincadeira de ocasião.





António Sílvio Couto



segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Pobres sempre os teremos?

 


Os dados estão aí: já há pessoas a roubar, nos supermercados, para comer. Por seu turno, as entidades vendedoras começaram a colocar chips nalguns produtos para detetar aquela anomalia…

Segundo dados confiáveis um em cada quatro portugueses (cerca de 27% da população) é considerado ‘pobre’, isto é, vive com 554 euros por mês.

Porque a questão tem algo de complexo valerá a pena registar dados, encontrar razões e, sobretudo, perspetivar soluções.

1. Nos tempos mais recentes este tema da pobreza e do empobrecimento ganhou outra dimensão porque agora vimos de já ter tido, enquanto em tempos mais recuados não tínhamos ainda conseguido meios nem condições, que perdemos em razão de nos ter vindo a faltar capacidade e recursos económicos. Em grande parte a população foi aliciada para o consumo e com isso era (é) preciso ter para gastar. Quando não tínhamos usufruído de bens, produtos e serviços não havia termo de comparação. Feita a experiência encolheram os recursos, muitos deles efémeros e transitórios, mas vivenciados… pela abundância.

2. À mistura com a deslocação da população para o litoral fomos perdendo a capacidade de contrabalançar a falta de meios primários com essa (dita) economia de subsistência que estava disponível, se trabalhado o campo. Mas boa parte da população deixou de saber lidar com a agricultura e passou a viver de empregos em base de operariado e sem ligação à terra, enquanto tinha à mão toda espécie de produtos nas vendas em grandes ou médias superfícies comerciais… tudo era barato e rápido, sem custo de trabalho feito… Ora, nada disto é saudosismo de alguma ruralidade, mas antes possível explicação de um empobrecimento crescente e numa fatia populacional que não conhece sequer de onde possa vir os produtos que consome… Repare-se ainda nos campos dados ao monturo, onde há cerca de três ou quatro décadas eram cultivados produtos de qualidade e que alimentavam as famílias e ainda com a correspondente capacidade de venda dos mesmos para cidades envolventes…Era assim na Moita!

3. A pobreza urbana, entretanto manifestada, começou a trazer-nos problemas, por vezes adiados por subsídios – muitos deles criando antes dependentes e/ou preguiçosos profissionais – com os quais os ‘políticos’ têm tentado captar votos e, nalguns casos, manipulando esses pobres. Efetivamente retirem os ‘pobres’ da linguagem, dos discursos ou das propostas de muitos políticos e ficarão sem tema de conversa.

As mais recentes iniciativas governamentais de ajuda em razão do aumento do custo de vida são um perfeito exemplo de exploração dos mais vulneráveis da sociedade, pois dão com uma mão e arrebanham com as duas o que dizem querer dar. Para que servem essas prebendas senão para tentar ludibriar os incautos, usar os desfavorecidos e tratarem-nos a todos como mentecaptos e imbecis? Por que não explicam as causas, preparando as pessoas para as consequências? Por que não assumem que não sabem fazer com justiça o que nos querem enganar com esmolas?

4. «Pobres sempre os tendes convosco, mas a mim não me tendes sempre» (Jo 12,8; Mt 26, 11). Esta frase de Jesus nos evangelhos contém algo de inquietante, não tanto pela distinção entre a Sua presença e a dos pobres, mas pela continuidade dos pobres, mesmo onde Ele é anunciado, conhecido e celebrado. Com efeito, se a mensagem de Jesus fosse levada a sério teria de haver menos pobres, pois senti-los-íamos como irmãos e faríamos tudo para que não houvesse injustiça de uns terem muito e outros passarem necessidade. Repare-se na identificação de Jesus com os pobres no texto do juízo final: o que fizestes (ou não) a um dos meus irmãos mais pequeninos a Mim o fizestes (cf. Mt 25, 40). Não podemos é fazer-de-conta de que os pobres têm de estar em subalternidade social nem económica para lhes darmos por esmola o que merecem por justiça.

Uma nova pobreza emerge em circunstâncias de pessoas que, não sabendo conduzir a sua vida segundo os meios que têm, se acham no direito abusivo de viverem de expedientes e de espertezas de baixa ética/moral. Quanta pobreza é mais do que meramente material…



António Sílvio Couto

domingo, 23 de outubro de 2022

Ataques à Igreja – ‘round’ número?

É isso mesmo – em linguagem de combate de boxe – estamos, enquanto Igreja católica sobretudo na sua expressão hierárquica, em assaltos bem organizados e progresivamente tecidos. Precisamos de parar e de consciencializar a etapa em que nos encontramos ou em que nos colocam, pois não irão desistir até que possamos ser vencidos por KO! Nota-se com razoável racionalidade que muita gente – este abstrato onde se escondem por detrás de ideologias, simpatias parrtidárias ou lóbis – não consegue perceber que a Igreja é mais do que uma agremiação humana: ela foi fundada e é suportada pela força de Deus! Não tenho qualquer dúvida...

1. Um dos rounds mais turbulentos tem sido esse dos ‘abusos sexuais de menores’. Com que habilidade se foi fazendo crer que os abusos eram ‘da Igreja’ e não ‘na Igreja’, pretendendo como que confundir o erros das pessoas com a natureza da própria Igreja. Com que destreza se mistura o erro do pecado com os erros (falhas ou mesmo ações de menos boa moral ou até do foro da criminalidade) do pecador, pretendendo fazer deste uma espécie de modelo e não uma exceção. Pena seja que os mentores, os denunciadores, os executores ou até os julgadores se considerem acima de toda e qualquer suspeita, quando não passam de algo feito da mesma matéria e que, mais depressa do que julgam, poderão sentir o cumprir do adágio: ‘virar-se o feitiço contra o feiticeiro’!

2. Certamente que não é inocente nem desarticulado que, no mesmo dia, na comunicação social, surjam listas de bispos da nossa Conferência Episcopal, rotulando-os ora de conservadores ou de progressistas, ora sendo influenciados por alguma das lojas (grande oriente lusitano e grande loja regular) maçonaria… e, pior, seria esta quem alinhava a rotulagem anterior.

De facto, é bem visível, nestes tempos, essa frase na Sagrada Escritura: ‘ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho serão dispersas’ (Zc 1,7, citado em Mt 26, 31). Será ainda mais pernicioso que se faça divisão, por simpatias humanas e influências mundanas, entre os membros do episcopado… incluindo alguns já retirados do exercício da função de bispo residencial…

3. Há algo que me intriga em muitos dos aspetos tornados públicos e lançados para a fogueira da ‘opinião pública’ – esse mais recente atavio da nova inquisição em curso – e no trucidar do julgamento e condenação sem os réus saberem de que são acusados nem serem capazes de se defenderem. Quem passa algumas informações para o público? Quem são esses ‘teólogos’ anónimos que estão sempre de serviço para afundar a Igreja? A sua qualidade teológica mede-se por esta fora do contexto da Igreja? De hereges têm muito pouco e de cismáticos só quando lhes convém! Por que razão alguns jornalistas católicos – ao menos de nome e uns certos até clérigos – nunca se assumem como fazendo parte da Igreja? Não será que, nalgumas situações, até usam informações privilegiadas ou quase confidenciais e com isso fazem furos noticiosos e/ou os fornecem a apaniguados?

Tenho pena – muita e sem compaixão – que um dia sejam descobertos, denunciados e proscritos senão da fé ao menos da profissão. Como se dizia dos romanos, quando conseguiram neutralizar Viriato, aliciando alguns lusitanos: Roma não paga a traidores! E são tantos encapotados…

4. Quase como uma desagradável constatação: não temos ouvido referência explícita à necessidade de rezarmos – pessoal, familiar e comunitariamente – por estes problemas que afligem a Igreja católica, em particular em Portugal. Precisamos de fazer força ao Céu para que, antes de tudo, reconheçamos os nossos pecados e deles nos convertamos. Está na hora de cultivarmos mais aquilo que nos une dos que enfatizarmos detalhes que nos separam. Em tantas circunstâncias ser-nos-á útil e recomendável vermos nos outros os nossos encriptados defeitos.

Qual será o próximo round do combate contra a Igreja… ou será na Igreja?



António Silvio Couto

sábado, 22 de outubro de 2022

Lições da ‘nova’ crise

 

O século XXI, com pouco mais de duas dezenas de anos, já nos trouxe vários momentos, disso a que convencionaram chamar de ‘crise’: 2003 - recessão económica no nosso país; 2007-2008 - financeira (do subprime); 2010-2014 - da dívida pública na zona euro com forte repercussão em Portugal, que levou à intervenção de entidades estrangeiras para salvaguardar a nossa economia pública e privada; 2020-2021- consequências da pandemia; 2022 - guerra na Ucrânia e a inflação galopante...

É sobre esta última que vamos tecer algumas considerações, embora parcelares, pois ainda estamos a vivê-la e, sabe-se lá, em que etapa.

1. Apesar de vários indícios dr que algo vai mal e poderá agravar-se ainda mais, há pessoas que continuam a viver (e a gastar) como se isso não as atingisse nem fosse nada com elas, embora se vejam a passar por dificuldades crescentes, mas dá a impressão de que não assumidas. Com efeito, vemos os supermercados apinhados de pessoas e a comprarem, aparentemente, bens que não são essenciais. Continuamos a constatar que os restaurantes não têm mãos a medir, apesar do agravamento dos preços das refeições. Vemos que as estradas estão cheias de carros de alta cilindrada e em grande velocidade, não se notando que os combustíveis aumentam todas as semanas. O que leva toda esta gente a disfarçar que ‘está tudo bem’, nesse estafado estribilho que nada diz, embora pareça querer enganar? Segundo consta, quando temos pessoas que começam a roubar para comer, não haverá nada a modificar?

2. É de uma atroz cumplicidade observar os mentores políticos – sobretudo os que ocupam as cadeiras do poder, central ou autárquico – a deitar dinheiro sobre os problemas, como se isso fosse a solução para a falta de consciência daquilo que virá verificar-se a curto prazo, pois as soluções de fundo vão sendo adiadas e torneadas com benesses conjunturais e não com decisões estruturais. Por que se há de continuar a incentivar o consumo e não a poupança? Por que se excita o povo com regalias, quando terão de as pagar com juros muitos altos e já fora do controle? Até onde irá a ilusão, sem disso acordarmos sem ser de um pesadelo?

3. Não aprendemos a lição de que não falar a verdade já, tornar-se-á foco de mentira no futuro. Iludir os problemas com placebos de má memória fez-nos chamar a ajuda externa e pagar juros de que ainda não nos livrámos…totalmente. Insistir nos mesmos erros com soluções que só adiam o confronto com a certeza de que não somos ricos, embora o pudéssemos ser se trabalhássemos com critério e boa organização. Veja-se com são introduzidos fait-divers recorrentes para entreter os papalvos: a semana de trabalho de quatro dias (não se diz com quantas horas semanais); a taxa de desemprego (mas faltam trabalhadores nalguns setores fulcrais); a preferência pelo subsídio em vez de trabalhar e – o pior de todos – isso de continuarmos a produzir ‘riqueza’ porque somos um país de turismo...



4. Urge, por isso, encetar novos caminhos para que as ‘crises’ anteriores nos possam dar lições e que apreendidas possamos enfrentar mais esta crise com capacidade de quem aprendeu com o passado para saber conduzir-se no presente e no futuro:

– Dado que as pessoas não sabem conduzir a sua vida em conformidade com as suas reais possibilidades, não será avisado que a publicidade empurre para gastar sem olhar a fins;

– A comunicação social precisa de investir na educação para a poupança, ensinando a não desperdiçar recursos ou mesmo bens de alimentação, ajudando através de pistas simples e eficazes no dia-a-dia;

– Por vezes se tem dado o peixe sem ensinar a manusear a cana, é preciso dar o peixe para ter força de aprender a lançar a cana, isto é, a sobreviver sem andar sempre à custa de pouco ou nada fazer por si;

– Não podemos permitir que as pessoas desistam delas mesmas, correndo o risco de se desdignificarem, desleixarem ou desistirem, tentando, por isso, alimentam a esperança de cada crise, por mais tenebrosa que possa parecer, tem a sua saída… Vamos ajudar-nos a sair desta crise de cabeça levantada e com dignidade!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Manipulador obsessivo

 

É algo imprescindível. Todos lhe obedecem e prestam culto. Ninguém sai de casa (ou está em casa ou noutro lugar qualquer) sem a sua inquestionável presença. Faz parte da indumentária de todos, desde os mais ricos até aos mais pobres. Ele contém tudo a nosso respeito e faz de cada um de nós, uns manipulados a seu-bel-prazer. Estas e outras considerações ou mesmo atributos são dados ao telemóvel, esse instrumento do dia-a-dia, no hora-a-hora…que tem tanto de útil como de perigoso.

O telemóvel está presente, em Portugal, desde 1973… em 2021 havia mais de 14 milhões de aparelhos…

1. Haverá alguma razão sociocultural para explicar a democratização do uso do telemóvel? Por que se fez tão vulgar vermos este instrumento de comunicação nas mãos de todos, sem olhar a meios nem a condições sociais? Não andaremos todos alienados com os bons frutos do telemóvel, se não advertirmos de tantos dos malefícios pessoais, familiares ou culturais? Não seremos mais manipulados do que utentes civilizados por esta geringonça tão atrativa e fascinante? Já cuidamos do que pode haver de menos bom no uso – dir-se-ia abuso – do telemóvel em tantos lugares, circunstâncias, tarefas e atividades?

2. Não está em causa lutar – mínima ou afanosamente – contra o telemóvel, mas antes consciencializarmo-nos para os perigos deste instrumento de comunicação social, que, se mal manuseado, poderá converter-se numa autêntica bomba no nosso bolso. Parece consensual que o telemóvel contribuiu para o isolamento das pessoas umas das outras. Não é nada difícil chegar a um lugar qualquer e ver dezenas de pessoas de nariz enfiado no aparelho, a dedilhar nos seus interesses sem olhar a ninguém… Com que normalidade vemos pessoas a andar na rua, literalmente distraídas com o aparelho e correndo o risco de caírem ou de se estatelarem contra uma árvore ou algum obstáculo, pois não o percebem, tal é a fixação naquilo em que vão ocupadas…ao telemóvel.

3. Fomos, apesar de tudo, aprendendo a saber estar com os outros, pelo uso do telemóvel: boa parte das pessoas já não impõe aos demais os barulhos dos toques do aparelho; grande parte das pessoas coloca fora de audição o aparelho para não incomodar os outros; até as músicas introduzidas para anunciar o toque foram sendo mais civilizadas e atentas aos gostos alheios. Mesmo com o risco das multas ainda vemos muitos condutores a falarem ao telemóvel, se bem que os veículos, em boa parte, já tenham sistemas introduzidos de mãos-livres. No entanto, não deixa de ser bizarro ver/ouvir pessoas a falarem sem a presença próxima de outrem.

4. De todas as possibilidades que o telemóvel contém aquela que mais atrofia a minha parca compreensão é essa de querer fazer do simples aparelho tudo e o resto que dele se possa explorar. Dá a impressão de haver um exagero de funções, sobretudo, se aquelas que lhe acrescentarmos podem fazer perigar a qualidade das mesmas. Tudo se pode tornar ainda mais agravado se houver algum problema com o aparelho – é uma máquina e pode ter as suas falhas e avarias – correndo-se o risco de deitar – quase literalmente – tudo a perder…

5. Dada a dependência psicológica, emocional, laboral ou social do telemóvel talvez fosse bom irmos fazendo alguma desintoxicação sobre o mesmo, deixando-o fora do nosso alcance por alguns minutos, horas e (quem ousaria?) dias. Não será bom para o nosso equilíbrio mental e afetivo estar tão aferrado a um aparelho, que, em vez de nos ser útil, nos faça viver em excesso de companhia.

A psicose de ‘sempre contactável’ pode não ter tão benéfica como julgamos, pois deixaremos de ser livres até para vivermos o necessário silêncio interior e exterior. Seria como sermos escravos de algo que veio para nos servir e, agora, nós vivemos na dependência disso que nos escraviza, condiciona ou manipula…sem nos darmos conta!

Aliás, não haverá novos ‘pecados’ pelo uso e/ou abuso do telemóvel? Este faz-me livre, a sério?



António Sílvio Couto

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Caminhada pela vida

 


Na tarde do dia 22 deste mês realiza-se em vários pontos do nosso país – Aveiro, Braga, Coimbra, Évora, Funchal, Guarda, Lisboa, Porto, Santarém e Viseu – a apelidada: ‘caminhada pela vida’. Embora a horas diferentes o sentido da iniciativa é o mesmo: a defesa do valor da vida (desde a conceção até à morte natural) e a dignidade da família.

Embora a ‘caminhada pela vida’ seja convocada sem rótulo religioso ou ideológico, ela ‘vive sobretudo do empenho dos católicos, dispostos a publicamente testemunhar a beleza do dom da Vida que só se encontra em Cristo Jesus’, lê-se numa comunicação sobre o assunto.

1. Decorridos tantos séculos de pretensa civilização por que será necessário vir para a rua afirmar um valor, que é inquestionável? Não será que a civilização – no sentido etimológico do termo: viver na cidade, sair do estado de barbárie – inverteu o seu percurso, fazendo recorrer aos valores inumanos, desumanos ou mesmo bárbaros? Quando se consagrou na legislação a possibilidade de recorrer à não-vida – antes de nascer: aborto; antecipando a morte: eutanásia – não se entrou numa espiral irreversível contra tudo, contra todos e mesmo contra Deus? Não será que os critérios que levaram a promover esta iniciativa são como que um grito de revolta e de denúncia de que algo vai (muito) mal no reino da Humanidade ainda não-morta?

2. Tentando perceber qual a razão e o significado da ‘caminhada pela vida’ podemos ler: A ‘Caminhada pela vida’ é a expressão pública de um povo que deseja testemunhar que toda a vida tem dignidade. Nascida no contexto dos referendos ao aborto, desde 2012, a ‘Caminhada pela Vida’ realiza-se anualmente. São milhares de pessoas, de todas a idades, que todos os anos saem à rua em defesa da Vida desde o momento da conceção à morte natural.

Atendendo ao impacto desta iniciativa na vida social e política, foi da ‘Caminhada pela Vida’ que nasceu o projeto Europeu “One of Us”, a iniciativa legislativa de cidadãos “Pelo Direito a Nascer” e a petição “Toda a Vida tem Dignidade”…

3. Feita esta abordagem geral tentemos perscrutar algo mais profundo neste combate que, por vezes, parece inglório: ser pela vida e lutar contra os sinais de morte, difusamente celebrados na nossa cultura, mesmo sem disso nos darmos conta. Efetivamente a quem interessa promover mais a morte – antes de nascer ou abreviando a sua chegada – senão a quem não descobriu que o dom da vida é o mais inviolável e o fundamental de todos? De que me serve a liberdade, se não estou vivo? Ou para que serve o direito à reivindicação se, entretanto, me tirarem – sem minha autorização e de forma consciente – a vida, mesmo que adoentada ou sob o espetro do sofrimento?

4. É verdade que essas manifestações pela vida não conseguem atrair a atenção dos abutres da comunicação, pois lhes interessa mais a morte e seus sequazes do que a vida e a sua dignificação. E, se derem alguma importância a alguns factos (quase sempre infantilizados e depreciativos), sempre irão escarafunchar algo de ideológico, com marcas de cristianismo e, por que não, homofóbico, racista e de ultradireita (agora rotulado de populismo extremista)… Desgraçadamente a comunicação social em geral e a portuguesa em particular está mais ao serviço da não-vida do que da promoção do verdadeiro sentido da vida, seja qual for a sua instância de manifestação. Efetivamente uma certa esquerda estatal e totalizante entretém-se a fazer piadas – aplaudidas pelos mesmos contratados para o ato em locais diversos – com aquilo que possa destoar dos seus critérios, valores e acontecimentos de opção pela não-vida… A imposição de um modelo tão igual não cheira a ditadura de género e a um género de ditadura cultural do menor denominador comum?

5. Recordando o quinto mandamento da Lei de Deus: ‘não matar nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo’.



António Sílvio Couto

sábado, 15 de outubro de 2022

Onde e como fica o ‘sigilo de confissão’?

As mais recentes invetivas, que envolvem questões de Igreja (católica) como que nos colocam uma inquietação – e não é pela perda de ‘poder’ eclesiástico – pela configuração de algo essencial na vida dos católicos crentes e praticantes: não se estará a querer atingir o âmago do sacramento da penitência e reconciliação? Quem confiará em alguém que pode revelar o que escutou em contexto sacramental?

Porque não tenho visto ser abordado o problema pelo prisma mais fundo da espuma das coisas, ouso tentar refletir qualquer coisa sobre esta questão bem mais profunda do que as notícias de rodapé ou as parangonas de algum outro tablóide.

1. Efetivamente algumas das acusações vindas a público – sobre abusos de menores e não só – dizem ter ocorrido por ocasião da celebração daquele sacramento, recorrendo-se, em certas reportagens, à configuração do confessionário, para ilustrar o ‘antro’ de tais malfeitorias. É público e notório que se quis desacreditando a confisssão, servindo-se de recursos em programas de ‘faz-de-conta’, onde um dos enfeites era esse do ‘confessionário’, como espaço de desabafar, de intriga, de maledicência e, sobretudo, de querer fazer-se passar por melhor do que os outros, tentando com isso suplantá-los e vencê-los. Não vimos nisso um programa, no mínimo, insidioso senão mesmo maquiavélico? Não conseguimos perceber a astúcia de uns tantos contando com a estultícia de uns outros? Recorrermos a tais simbologias serve bem os intentos mais subtis e não-declarados explicitamente...mas que farão (ou já estão a fazer) o seu caminho contra a fé católica...

2. O que diz a doutrina da Igreja católica sobre a matéria de segredo de confissão e quais as consequências para o ministro desse sacramento? Mesmo que forma um tanto simplista, pergunto: haverá reciprocidade de segredo (sigilo) por parte dos penitentes?

«Dada a delicadeza e a grandeza deste ministério e o respeito devido às pessoas, a igreja declara que todo o sacerdote que ouve confissões está obrigado a guardar segredo absoluto sobre os pecados que os seus penitentes lhe confessaram, sob penas severíssimas. Tão pouco pode servir-se dos conhecimentos que a confissão lhe proporciona sobre a vida dos penitentes. Este segredo, que não admite exceções, é chamado «sigilo sacramental», porque aquilo que o penitente manifestou ao sacerdote fica «selado» pelo sacramento» – Catecismo da Igreja Católica, n.º 1467.
Sobre aquilo que no texto citado se dizem ‘penas severíssimas’ refere-se aquilo que diz o Código de Direito Canónico: «O confessor que violar diretamente o sigilo sacramental, incorre em excomunhão latae sententiae, reservada à Sé Apostólica; o que o violar apenas indiretamente seja punido segundo a gravidade do delito» (Cânone 1388 §1).

3. Algo de assaz complexo percorre os nossos dias e torna-se essencial não embarcarmos na singeleza de certas atitudes, por mui sinceras que possam parecer. Com efeito, tudo isto que tem estado a acontecer no âmbito da Igreja católica não é inocente nem se alinharam os astros para que viesse tudo isto – e mais que se verá em breve – a público. O problema tem sido alguma negligência no modo como os responsáveis têm embarcado na representação quase-teatral. Não podemos ainda tentar encobrir – termo quase flamegante de má impressão – que casos de pessoas desequilibradas (mesmo psicológica e emocionalmente) sempre houve e continuará a haver. O que por vezes espanta é o ar arrogante com que tantos se colocam a julgar os demais, sem olharem para si mesmos e seus pares. Certos psicólogos e psiquiatras (e afins) são bons a dar lições para os outros, mas não as colhem para eles. À semelhanpa de alguns eclesiásticos que parecem pregar uma motalidade não-praticade nas suas funções.

Dá a impressão que temos de colocar em ato aquilo que exigimos: reconhecer os seus erros parece ser mais benéfico do que tentar querer dar lições alheias! Os outros são, afnal, o nosso espelho mais sincero...



António Silvio Couto

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Símbolos de quê e para quê?

 


Os símbolos das JMJ 2023 andam na rua, percorrendo as várias dioceses do país (e não só) numa etapa de difusão, de convocação e de incentivo para esse grande acontecimento do verão de 2023, em Lisboa.

Dizem que a passagem dos símbolos – cruz e ícone de Nossa Senhora – das JMJ pelos vários locais tem sido o maior e o melhor ato de aferição dos jovens às jornadas e mesmo de incremento de sensibilização àquilo que dai se espera… desde a preparação, a vivência e as consequências.

Vamos tentar explicar os símbolos e qual o seu alcance sociocultural, bem explicitar as razões pelas quais os ditos símbolos exprimem a fé católica.

Recolhendo dados da página oficial da JMJ 2023, na internet, podemos ler:

1. Quais os símbolos e seu significado?

A Jornada Mundial da Juventude conta com dois símbolos que a acompanham e representam: a Cruz peregrina e o ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani. Nos meses que antecedem cada JMJ, os símbolos partem em peregrinação para serem anunciadores do Evangelho e acompanharem os jovens, de forma especial, nas realidades em que vivem.
* A Cruz peregrina
Com 3,8 metros de altura e cerca de trinta quilos de peso, a Cruz peregrina, construída a propósito do Ano Santo, em 1983, foi confiada por João Paulo II aos jovens no Domingo de Ramos do ano seguinte, para que fosse levada por todo o mundo. Desde aí, a Cruz peregrina, feita em madeira, iniciou uma peregrinação que já a levou aos cinco continentes e a quase 90 países. Tem sido encarada como um verdadeiro sinal de fé.
Foi transportada a pé, de barco e até por meios pouco comuns como trenós, gruas ou tratores. Passou pela selva, visitou igrejas, centros de detenção juvenis, prisões, escolas, universidades, hospitais, monumentos e centros comerciais. No percurso enfrentou muitos obstáculos: desde greves aéreas a dificuldades de transporte, como a impossibilidade de viajar por não caber em nenhum dos aviões disponíveis.

* O ícone de Nossa Senhora ‘Salus Populi Romani’
Desde 2003 que a cruz peregrina conta com a companhia do ícone de Nossa Senhora ‘Salus Populi Romani’, que retrata a Virgem Maria com o Menino nos braços. Este ícone foi introduzido ainda pelo Papa João Paulo II como símbolo da presença de Maria junto dos jovens. Com 1,20 metros de altura e 80 centímetros de largura, o ícone de Nossa Senhora ‘Salus Populi Romani’ está associado a uma das mais populares devoções marianas em Itália. É antiga a tradição de o levar em procissão pelas ruas de Roma, para afastar perigos e desgraças ou pôr fim a pestes.

2. Calendário da peregrinação (diocesana) dos símbolos

Entre novembro de 2021 e julho de 2023, os símbolos da JMJ vão peregrinar pelas 21 Dioceses de Portugal, anunciando assim o maior encontro de jovens do mundo que está agendado para o verão de 2023, em Lisboa. Com a presença de um mês em cada uma das dioceses, o itinerário previsto é:
Em 2021: novembro: Algarve; dezembro: Beja. Em 2022: janeiro: Évora; fevereiro: Portalegre- Castelo Branco: março: Guarda; abril: Viseu; maio: Funchal; junho: Angra; julho: Lamego; agosto: Bragança-Miranda; setembro: Vila Real: outubro: Porto; novembro: Setúbal; dezembro: diocese das Forças Armadas e Segurança. Em 2023: janeiro: Viana do Castelo; fevereiro: Braga; março: Aveiro; abril: Coimbra; maio: Leiria-Fátima; junho: Santarém; julho: Lisboa.
Antes da peregrinação pelas dioceses de Portugal, os símbolos da JMJ peregrinaram por Angola, Espanha, e Polónia.

3. Estes símbolos da JMJ 2023 podem e devem suscitar acolhimento, tanto material como espiritual, criando condições para que as jornadas sejam momentos de evangelização, de consciência de fé em Igreja e de compromisso de todos neste processo de presença dos cristãos no mundo, levando a Cruz e a intercessão da Maria, mãe e cuidadora dos jovens de todos os tempos e lugares…



António Sílvio Couto

terça-feira, 11 de outubro de 2022

‘Fazer catequese’… em tempos de convulsão

 


Por estes dias começa a retomar-se à normalidade, mesmo nas paróquias e nos serviços desenvolvidos. Depois de meses de interregno – acrescentados pela vaga de pandemia – retomam as atividades da (dita) catequese. Centramos a atenção neste setor específico das tarefas das paróquias e naquilo que pode (ou deve) ser reformulado, tendo em conta várias incidências psicológicas e espirituais, tanto das crianças/adolescentes, como daqueles/as que ‘ministram’ os conhecimentos/vivências, sem nunca esquecermos as famílias, nas suas mais díspares expressões ou acomodamentos…à mistura com feridas e novos desafios.

1. Não será que muito daquilo que andamos a fazer – numa imitação e em paralelo com a fase de escolarização – parece mais entretenimento do que comunicação de fé, de presença de Jesus e de expressividade de Igreja? Terá alguma utilidade o processo de catequização – onde os jovens devem ser também incluídos – sem a participação ativa da família de cada catequizando? Não andará a Igreja – paróquias e dioceses – a fazer de substituta de quantos deveriam serem os intervenientes e intérpretes da catequese? Atendendo à ineficácia dos resultados, não seria de estudar e de delinear, a curto e médio prazo, um novo método de catequese nas paróquias, por forma a serem mais envolvidas as famílias?

2. Perante estas e outras questões bem mais acutilantes, percorremos o ‘Diretório para a catequese’ (2020) quanto às orientações para com as paróquias e como estas devem viver o processo de catequização.

* «As paróquias, fundadas sobre os pilares da Palavra de Deus, dos sacramentos e da caridade, que por sua vez pressupõem uma rede de serviços, ministérios e carismas, oferecem «um exemplo claro de apostolado comunitário, porque congregam na unidade todas as diversidades humanas que aí se encontram e inseremanas na universalidade da Igreja» (AA 10). As paróquias manifestam o rosto do Povo de Deus que se abre a todos, sem preferência de pessoas. Elas são «o ambiente ordinário no qual se nasce e cresce na fé. Constituem, por isso, um espaço comunitário muito adequado para que o ministério da Palavra que nelas se realiza seja contemporaneamente ensinamento, educação e experiência vital» (n. º 299).

* «A relevância das paróquias não pode levar a ignorar as dificuldades de hoje, ditadas pela alteração dos espaços históricos, sociais e culturais em que nasceram» (n.º 300).

* «Hoje, as paróquias estão comprometidas em renovar as dinâmicas relacionais e em tornar as suas estruturas mais abertas e menos burocratizadas. Propondoase como comunidade de comunidades, devem ser para os movimentos e para os pequenos grupos um apoio e um ponto de referência para viver na comunhão a sua atividade evangelizadora» (n. º 301).

As paróquias mudaram, por isso, os meios de fazer catequese têm de ser modificados. Custa assim tanto!

3. Sobre a presença e participação das famílias no processo de catequização refere o mesmo ‘Diretório para a catequese’:

* «O futuro das pessoas, da comunidade humana e da comunidade eclesial depende em boa parte da família, célula fundamental da sociedade. Graças à família, a Igreja tornaase família de famílias e enriquecease com a vida destas igrejas domésticas» (n. º 226).

* «A família é um anúncio de fé enquanto lugar natural onde a fé pode ser vivida de maneira simples e espontânea» (n. º 227).

* «A família anuncia o Evangelho. Enquanto Igreja doméstica, alicerçada no sacramento do Matrimónio que tem também uma dimensão missionária, a família cristã participa na missão evangelizadora da Igreja e é, por isso, sujeito de catequese» (n. º 231).

* «Com zelo, respeito e solicitude pastoral, a Igreja quer acompanhar aqueles filhos que estão marcados por um amor ferido, que se encontram numa condição mais frágil, voltando a dar-lhes confiança e esperança»» (n. º 234).

Mesmo que mais trabalhoso do que as rotinas em que nos vimos entretendo, temos de fazer uma escolha que tenha futuro e possa retomar o essencial: a família é o melhor lastro para fazer, viver e celebrar a catequese.



António Sílvio Couto

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Chuçaram o vespeiro (versão atualizada da ‘caixa de pandora’)

 


Desde logo será útil explicar os termos usados, na medida em que cada uma das palavras contém significado conotativo. Assim: ‘chuçar’ significa o uso do chuço, isto é, um pau de ponta aguda em ferro; ‘vespeiro’ é um ninho de vespas, que são uns insetos idênticos às abelhas, mas que não produzem (quanto é percetível) nada de benéfico, antes prejudicam várias vertentes ligadas à apicultura.

A articulação entre ‘chuçar o vespeiro’ quer envolver a ação (consciente ou não) de mexer em algo – social, política ou religiosamente – que vai infetar e/ou afetar as relações que antes eram (ou pareciam) serenas, hamoniosas e concordes para se tornarem agressivas, multi-perigosas e potencialmente destabilizadoras...

Numa palavra: ‘chuçar no vespeiro’ é algo de que não sabemos as consequências, mesmo que pensássemos que conhecíamos as causas.

 1. Nos tempos mais recentes temos assistidos a múltiplos momentos em que mexeram com o vespeiro e as vespas sairam desalvoradas, atacando tudo e todos, pois foram atingidas na sua rotina e, sobretudo, incomodadas no seu casulo de refúgio. Aquilo que parecia contido num veneno de arrolhamento, agora foi solto e fará estragos imprevisíveis. Com efeito, certas questões ocultadas ou esquecidas nos idos da memória sairam da sombra e os estragos – sociais, pessoais ou institucionais – serão de longa duração. Se bem que haja confusão de protagonismos, as vespas sairam para aferrolhar os incautos ou mesmo castigar os prevaricadores. Por enquanto as vespas ainda não assentaram, mas quando o fizerem torturarão quem as incomodou, de forma propositada ou por mera inépcia em conter os estragos mais imediatos.

 2. Noutras culturas e com diferentes mentalidades dir-se-á que foi aberta a ‘caixa de pandora’. Explicando o mito. Pandora foi a primeira mulher criada por Hefesto e Atena com o auxílio de todos os outros deuses, por ordem de Zeus. Cada um deles atribuiu-lhe um dom, recebendo a beleza, a graça, a destreza manual, a capacidade de persuadir e outras qualidades. Mas Hermes colocou no seu coração a mentira e a astúcia. Hefesto fê-la à imagem das deusas imortais, e Zeus destinou-a à punição da raça humana, à qual Prometeu tinha acabado de dar o fogo divino. Enviada à terra para se casar com Epimeteu, irmão de Prometeu, levava consigo uma caixa com a recomendação de que jamais fosse aberta.Ora ela, sem conter a curiosidade, abre-a e com isso libertou de seu interior todos os males até então desconhecidos pelos homens (doenças, guerra, mentira, ódio, etc.). Pandora tenta fechar a caixa, mantendo no seu interior apenas a esperança...mas não conseguiu mais!

3. Perante estes dois quadros de leitura da nossa realidade social, humana e cultural estamos colocados entre o vespeiro e a caixa de Pandora. Qual dos dois tipifica melhor o nosso enquadramento? Se a caixa dos males os fez espalhar pela face da Terra, as dispersadas do vespeiro atacam de forma incisiva e acutilante, sobretudo os que lhes estão mais próximos. Sobre os males desencadeados da ‘caixa de pandora’ fomos aprendendo a domesticá-los de uma forma mais ou menos civilizada, mas quanto aos efeitos de terem chuçado no vespeiro ainda não aprendemos corretamente a lidar com os casos – e são tantos – mais ou menos populares e veiculados pela comunicação social... ao serviço de intentos nem sempre claros nem explicitados.

 4. Costuma-se diz: a curiosidade matou o gato. Dá a impressão que o deslumbramento de certas figuras perante determinados casos de maior envolvência mediática – diga-se pelas piores razões – não fez bem a algumas pessoas, pois, em vez de serem recatadas no tratamento dos assuntos fazem deles tempos de antena que seriam bem escusados, se houvessse tento e discernimento. Já basta o mal feito, quanto mais termos de aturar a toda a hora e momento sempre as mesmas coisas, com os mesmos protagonistas e pelas mais nefastas razões. É tempo de deixar curar as feridas e não de estarmos sempre a escarafunchar nas mazelas.... 

 

António Silvio Couto

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Situação de três em um (primeira, última e única)


 Quem não terá já vivenciado alguma situação que se tornou paradigmaticamente um símbolo de três em um; isto é, foi a primeira, poderá ter sido a última e, porque não, a única. Quando tal acontece as razões não são as mais benéficas à mistura com as consequências que poderão ser nefastas…

Digamos que este panorama é pouco agradável, senão mesmo bastante inconveniente.

 1. Quais poderão ser as razões para avaliar um acontecimento, uma situação ou um episódio com aquela grelha de ‘três em um’? Que poderá contribuir para que algo seja analisado com aquela visão de ‘três em um’? Será essa análise avaliativa de ‘três em um’ um juízo sobre alguém ou quanto a algo que nos desagradou e, por isso, foi relegado para fora de oportunidade futura? Quando atinge o âmbito das pessoas ‘três em um’ não será mais marginalizador do que inclusivo?

 2. Estas questões poderão e deverão ser respondidas com factos e tendo em conta situações mesmo que desagradáveis há mais ou menos tempo.

Parece claro que quem usa aquela conclusão – ‘três em um’ – terá vivido uma razoável deceção quanto às expetativas que acalentava ou aquilo que lhe foi dado vivenciar ficou aquém daquilo que esperava, tanto mais que não desejará repetir a experiência. Não será que isso responde à pouca adesão posterior a um acontecimento (espetáculo, conferência ou iniciativa) que antes fora apresentado como de grande interesse, mas que, afinal, não passou de um fiasco ou insucesso?

 3. Num tempo assaz marcado pela exaltação do efémero, aquela atitude de ‘três em um’ poderá ser a resposta mais diplomática para rejeitarmos o que não presta, fazendo refletir àqueles que promovem a futilidade, a manipulação e mesmo o sem-sentido… Com efeito, já chega de termos de conviver com programas televisivos de tão baixa qualidade, mas que continuam a tentar impingir-nos em doses cada vez mais serôdias, descapacitadas e imbecis. Aquilo que antes nada valia, agora mete nojo e revela um país de mentecaptos em que nos tornámos… Uma vez foi para ver, duas para detestar, três e mais para rejeitar.

 4. Há casos em que a forma de atuar hipotética ou presumida não deixa estender as situações no tempo nem no espaço: falamos da limitação de mandatos e mesmo do tempo de duração (até três anos) disso mesmo. De facto, devemos ter mecanismos de autorregulação, segundo os estatutos e a forma de proceder. Mais do que uma habilidade deverá ser uma regra feita da experiência vivida e tendo em conta as situações anteriores.

 5. Precisamos, cada vez mais e melhor, de saber estar num tempo que valoriza a superficialidade para não cairmos nisso que podemos criticar, mas, alguma facilidade, corremos o risco de promover, facilitar ou mesmo de servir sem disso nos darmos conta. Talvez valha a pena colocar esta avaliação do ‘três em um’ como grelha das desistências de certos projetos, da ausência em certas iniciativas ou como aferição à desmobilização de propostas que caíram quase antes de terem sido postas em ato.

Que a exigência que colocamos para com os outros possa ser o critério de contínua valorização daquilo que pretendemos fazer por nós mesmos… Coerência a quanto obrigas, hoje como ontem e, sobretudo, amanhã!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Igreja sem-misericórdia?

 

Tinha acabado de ler a longa missiva que o senhor arcebispo de Braga enviou à paróquia de Joane, quando fui rezar as laudes, onde encontrei uma ‘leitura breve’, que dizia: «porque o juízo será sem misericórdia para quem não usou de misericórdia. Mas a misericórdia triunfa do juízo» (Tg 2,13).

Andei todo o dia a matutar no sentido deste texto e nas palavras algo obscuras – isto é, não-presentes – quanto ao réu do texto sobre o qual o metropolita bracarense exarou na sua mensagem. Porque me incomoda sobremaneira o silêncio de tantos responsáveis eclesiásticos, porque sinto que há um ambiente acusatório e justicialista, porque, sem esquecer as vítimas tenham o tempo que tiverem, não podemos matar – moral e psicologicamente – quem prevaricou.

Deixo esta partilha dorida, sincera e à espera de maior humanidade para com o pecador, seja ele quem for.

1. Aos que se colocaram no pedestal do juizo – os factos recentes demonstram-no facilmente – a roçar o irracional, digo, humildemente, estamos todos sob suspeita e quanto maior for o estattuto mais estará suscetível de ser acusado. Porque não sabemos quem nos possa interpretar mal e acusar; porque bastará alguém mal-intencionado para nos ‘lançar uma fama’ (calúnia, difamação); porque, como diz o povo na sua sabedoria empírica, que não devemos cuspir para o ar, pois nos poderá cair na cara; porque não é a ‘a’ ou a ‘b’ que querem atingir, mas à Igreja como instituição... cuidemos em sermos prudentes sobre quanto anda por aí espalhado!

2. Com que facilidade se deita a perder toda a história de uma pessoa – alguns com largos e longos anos de vida – pela simples razão que prevaricou há mais ou menos tempo, com maior ou menor incidência e escândalo, com implicações que devem ser julgadas pelos atos, mas não se deve matar a pessoa. Com efeito, certas possíveis figuras armadas de arrogância fazem com que se queira introduzir uma espécie de inquisição moralista, que atinge preferencialmente o âmbito da Igreja católica. Não seria mais honesto que a tal ‘comissão independente’ recolhesse as acusações de outros campos de atividade humana, como instituiçoes militares, de forças de segurança, de colégios não-religiosos, de internatos, etc? Por que a fixação naquilo que envolve quase só a Igreja?

3. Fique claro que não se pretende aligeirar as responsabilidades das más ações, mas tão-somente desejo lembrar que esses que prevaricaram continuam a ser pessoas, sofrem – digo por conhecimento partilhado – sem que os responsáveis eclesiais tenham a presença que seria desejável, mesmo que isso possa conspurcar a reputação de quem se aproxima... Dizer isto só em pensamento já seria grave, mas vê-lo na prática custa muito, mesmo para quem pouco possa ter a ver com o assunto.

4. Com todo e o devido respeito de algo em contrário, a Igreja precisa de ser misericórdia para todos os seus filhos e filhas, onde os considerados ‘prevaricadores’ são penitentes e necessitados de perdão humano e divino. Ora, quando já foram julgados e condenados – alguns passados meses ainda não tinham recebido qualquer notificação ou acusação – pela opinião (dita) pública, não será de ajudar essas pessoas a irem mais sinceramente ao encontro da misericórdia da mãe-Igreja? Esta não pode ser madrasta para com nenhuns dos fragilizados, nem as vítimas nem os acusados. Mais do que palavras azedas e condenatórias, mais do que juízos e acusações, mais do que vermos o que todos veem, precisamos de descortinar os homens e mulheres pecadores em conversão, que, afinal, somos todos nós.

5. Deus passa em nós e através de nós, servindo-se dos nossos dons e qualidades, dos nossos múltiplos defeitos e inúmeros pecados. Quem estiver sem pecado atire a primeira pedra, disse Jesus aos acusadores de mulher apanhada em adultério!



António Silvio Couto

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Quando ‘estar contra’ se torna favorável

 

Mais uma vez as eleições no Brasil revestem-se de algo a fazer refletir e não é pelos resultados ‘inesperados’, mas pela conjugação entre diversos componentes explicáveis: antes (pesquisas/sondagens), agora (resultados – Lula: 48 %; Bolsonaro: 43 %) e no futuro (próximo – a campanha; mais tarde – quem vencerá?).

Daquilo que se pode entender parece que, quando as forças estão contra, algo se adivinha de diferente, seja pelos votos expressos, seja pelas consequências sociais e políticas.

Não será que alguns votaram Bolsonaro porque não queriam Lula e que este já atingiu o máximo das preferências? Será, por isso, de incluir nas linhas de reflexão se estar contra não reverte em favor de quem será do mal-o-menos?

1. Dá a impressão que boa parte dos nossos jornaleiros (jornalista é mais isento e distante) – tanto lá como cá – estavam a ver nas eleições brasileiras como algo parecido com um jogo de futebol, onde as jogadas dos intervenientes eram aplaudidas não pelos golos marcados, mas pelo espetáculo oferecido… Em certos comentadeiros/as (comentador não usa tantos adjetivos nem se pronuncia só pelo gosto partidário) – tanto cá como por lá – via-se que estavam bastante mais interessados em ver sangue, senão real pelo menos nas palavras, do que em fazerem a interpretação dos dados já expressos. Por estas razões deixou-me algo apreensivo quanto às reações dos eleitores brasileiros votantes em Portugal: se eram do Lula porque não ficaram lá? Se eram do Bolsonaro como vão regressar, se o primeiro vencer?

2. As cores simbolicamente preferidas dos candidatos – Lula – vermelho; Bolsonaro – amarelo contêm linguagem ideológica, sensível e, nalguns casos, provocatória. Se quanto ao amarelo entendemos que está contido na bandeira do Brasil, o vermelho de Lula é, nitidamente, uma abordagem marxista das questões sociais e mesmo culturais. Pena é que tudo isto passe por entre os folclores de campanha e sob a alçada das manipulações ideológicas.

3. Acima de tudo o que considero preocupante são as inquietações de alguns setores da nossa sociedade (portuguesa) que, sem ter nada com o assunto, vibra e critica aquilo que os brasileiros – e outros, como os italianos ou os suecos – escolheram ou vão votar. Os espetadores de bancada – foi essa a referência supra feita à comparação com os jogos de futebol – por cá como que consideram a sua afinidade partidária para se vangloriarem pelos ‘seus’ ou por invetivarem os adversários. De facto, somos muito lerdos de capacidade de interpretar estes e outros episódios da vida nacional e internacional.

4. Em jeito de questionamento deixou algumas pistas que poderão ajudar-nos a sermos mais ponderados no pensar e no agir.

– As pesquisas (ou sondagens) não serão, hoje, a maior manipulação dos eleitores, sendo preciso votar ao contrário dos resultados para que apontam e para termos a verdade das escolhas?

– Não será preciso encontrar pessoas na comunicação social que sirvam a verdade e que não tentem intoxicar os que pretensamente informam?

– O futuro não nos dirá se esta forma de fazer política – marcada pelas ideologias marxistas, transversais e internacionalistas…saudosistas dos impérios soviéticos e afins – não tem os dias contados?

– Por que há tanto medo da fé cristã na política e de uma política com valores cristãos?

5. Se outros dizem o que pensam – será que pensam o que dizem? – não terei o direito de idêntica ousadia?

Numa palavra: nem Lula nem Bolsonaro… Felizmente não tenho de escolher (nem quero) nenhum deles!



António Sílvio Couto