Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Agora são ‘coisas’ do dinheiro…na Igreja

 

Os custos do altar da celebração papal para as jornadas mundiais da juventude – Lisboa 2023 (JMJ 2023) ofuscam ou distraem dos problemas do governo… e até as greves dos professores passaram para plano secundário com a ‘comunicação social’ – bem instruída e numa nítida agenda preconcebida – foca-se numa das facetas mais atraentes para distrair do essencial: as ‘coisas’ do dinheiro, onde a Igreja tem, muitas vezes, dificuldades em lidar e quem a combate encontra – à saciedade, no passado e na atualidade – matéria para se entreter.

Depois dos casos de ‘abusos’ entre os membros do clero e que tanto jeito deu para encetar a cruzada contra as JMJ, agora emergiu um novo foco e com muitos tentáculos para crescer, entreter e ganhar foros de gastar os menos de duzentos dias para o acontecimento: o dinheiro e a forma como a Igreja católica lida com ele é capaz de fazer ainda mais estragos do que as questiúnculas de matéria sexual…

1. Seria uma espécie de distração de menos boa consciência não se interrogar sobre as invetivas quase miserabilistas que surgiram para reclamar dos custos do ‘altar papal’ das JMJ. Tantos que se julgam bons em fazerem contas, puxaram o assunto, logo numa época em que as pessoas estão a passar por dificuldades económico-financeiras. Embora o assunto – dos gastos e da cobertura do acontecimento – seja mais da área política, não faltaram as vozes mais proletárias – até no seio da Igreja – numa visão à maneira de Judas, quando reclamava do perfume usado para com Jesus em vésperas da sua paixão… era (é) um desperdício! Seja qual for a entidade coordenadora do projeto para as obras no terreno para as JMJ 2023, acredito que quererá fazer o melhor para receber a visita – embora breve, mas significativa – do Papa, seja aquele que está na cátedra de Pedro ou quem o represente. Por isso, os gastos/custos não serão desperdício mas investimento nacional e local, pois, segundo dizem, terá outros aproveitamentos posteriores.

2. Já tivemos exemplos de momentos recentes em que os projetos ao tempo contestados se tornaram obras emblemáticas quase do regime – centro cultural de Belém, Expo/98, ponte Vasco da Gama… e até estádios do ‘euro 2004’ – aproveitados pelos detratores para as suas iniciativas. Quem conhecer minimamente a mentalidade dos portugueses não ficará admirado desta onda de indignação, na medida em que tal atitude costuma ser a forma de se posicionar para com temas, áreas e assuntos que podem mobilizar o ‘coletivo’, desde que não seja de quem não se revê nas obras efetuadas. A psicologia de ‘velho do restelo’ está muito aferrada em tantos dos nossos coetâneos.

3. Questões de princípio podem ser colocadas sobre esta matéria – a dos gastos com o ‘palco’ (altar, envolventes e áreas de apoio técnico) onde vai ser celebrada a missa papal das JMJ. Não se podia reduzir isso a uma coisa mais simplista e de recurso? Porque tinham de pretender fazer uma ‘obra’ que perdurasse para depois do evento? Aqueles escombros à porta da capital não podiam continuar a deixar à vista a nossa pobreza mais do que material? Por que quiseram fazer algo que pode ajudar a combater a má-formação ecológica reinante? Como se pode compreender que gastem menos em idêntica obra do que as anteriores JMJ no Panamá (foram dez milhões de dólares) ou em Madrid, em 2011 (foram vinte milhões)?

4. Fique claro, pelo menos para mim: esta campanha empolada contra os gastos das JMJ faz parte de um programa de forças que já nem se escondem. Algumas têm órgãos de comunicação social – mesmo só no digital – dando extensão àquilo que já fizeram por ocasião dos casos de ‘abusos sexuais’ do clero. Não sejamos inocentes: o objetivo é o mesmo – sob a capa de uma certa transparência – a deles – usarão todos os meios, métodos e formas para tentarem puxar para a insignificância o alcance das JMJ 2023.

Nesta, como em tantas outras situações, gosto de recordar essa sábia intervenção de Gamaliel – o mestre de Saulo ainda judeu – quando disse aos membros do sinédrio, por ocasião da prisão dos apóstolos: tende cuidado porque se esta obra é de Deus, podereis estar lutar contra Deus…

Ora, nitidamente, pelos frutos apresentados, as JMJ são obra de Deus no nosso tempo.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Despudoradamente

Cada vez mais vemos que as pessoas perderam o pudor de se exporem nas mais diversas situações, tanto ao nível pessoal como social, em aspetos residuais como em condições mais alargadas, sobre assuntos do foro familiar como quanto à sua história mais íntima… tudo aparece, sem grau de classificação nas ditas redes sociais, mais do que, em tempos idos, nas conversas de ocasião ou em tertúlias de revelação.

Dizia-se no passado que se corava de vergonha, agora tem-se vergonha de corar. Talvez se tenha mesmo perdido a noção de pudor e de quanto isso significa na vida de uma pessoa.

1. ‘Pudor’ é descrito como sentimento de vergonha, constrangimento, embaraço, pejo. Pode ainda ‘pudor’ ter relação com sentimento de recato, castidade, pudicícia, pundonor, pureza. Em certos aspetos ‘pudor’ pode ainda referir-se a timidez, inocência ou até constrangimento em falar sobre aspetos de educação de âmbito sexual e em situações de comportamento…

2. Atendendo a estes aspetos tão diversificados de ‘pudor’ poderemos colocar algumas questões sobre este despudor que temos vindo a ver crescer, criando quase alguma banalização sobre as pessoas e quanto aos respeito para consigo mesmas e para com os outros. Qual foi a causa mais razoável para que tantas pessoas tenham mudado o seu comportamento de reservadas para quase-tudo mostrarem? Haveria necessidade – como dizia um humorista televisivo – de fazer sair da penumbra tanta coisa que bem estava se de lá não tivesse saído? Porque precisarão tantas pessoas de mostram o que de vergonhoso era preferível encobrir? Não andaremos a reboque de certas tendências que banalizam as pessoas, quando as fazem passar por momentos de que se irão arrepender-se mais cedo do que tarde? Quem tudo (ou quase) mostra da sua vida – atual ou anterior – terá respeito pela sua dignidade mínima?

Confesso que há situações que bem preferia nunca conhecer – sobretudo pela forma algo abjeta como se deram a conhecer – até para que tais pessoas não possam ainda tornar-se mais vulgares pelo chafurdar numa lama que dificilmente será retirada, tal a peçonha com que a ela se apegaram…

3. Se bem que o conceito de ‘pudor’ possa ter apenso alguma conotação ético-moral, creio que será útil recorda o que o Catecismo da Igreja Católica refere sobre o assunto.

* O pudor preserva a intimidade da pessoa. Designa a recusa de mostrar o que deve ficar oculto. Ordena-se à castidade e comprova-lhe a delicadeza. Orienta os olhares e as atitudes em conformidade com a dignidade das pessoas e com a união que existe entre elas (n.º 2521).
* O pudor protege o mistério da pessoa e do seu amor. Convida à paciência e à moderação na relação amorosa (...) O pudor é modéstia. Inspira a escolha do vestuário, mantém o silêncio ou o recato onde se adivinha o perigo duma curiosidade malsã. O pudor é discrição (n.º 2522).
* Existe um pudor dos sentimentos, tal como existe um pudor corporal. Ele protesta, por exemplo, contra as explorações exibicionistas do corpo humano em certa publicidade(...) O pudor inspira um modo de viver que permite resistir às solicitações da moda e à pressão das ideologias dominantes (n.º 2523).
* As formas de que o pudor se reveste variam de cultura para cultura. No entanto, ele continua a ser, em toda a parte, o pressentimento duma dignidade espiritual própria do homem (n.º 2524).
* A pureza cristã exige uma purificação do ambiente social. Exige dos meios de comunicação social uma informação preocupada com o respeito e o recato. A pureza de coração liberta do erotismo difuso e afasta dos espectáulos que favorecem a curiosidade mórbida e a ilusão (n.º 2525).

4. A dignidade da pessoa humana não tem preço, pois o seu altíssimo valor precisa de ser cuidado. Ora, este despudoramento sociocultural não nos conduz a nada de bom. Cristãmente temos uma proposta…Assim a conheçamos, vivamos e proponhamos com verdade na vida…



António Sílvio Couto

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Responder (só) ao que nos perguntam

 

Creio que é (ou pode ser) um bom princípio de conduta pessoal e social, podendo com issso evitarmos muitos dissabores sem sempre percetíveis: só devemos responder àquilo que nos perguntam, sem nos adiantarmos em dizer mais do que aquilo que é inquirido, mesmo que possamos saber, conhecer ou abranger as questões suscitadas. Será um ato de inteligência não dizer nada para além do perguntado, pois este tem um âmbito que deve ser claro, simples e preciso.

1. Nos tempos mais recentes afloraram à discussão pública questões sobre o ‘hino nacional’, uns porque não o entendem, outros porque o consideram bastante bélico e outros ainda porque quiseram trazer para a liça algo que nunca foi questionado, até pela configuração histórica do mesmo bem como pelas circunstâncias que assim o plasmaram como resumo de vida e de sentimentos coletivos... Alguém questionou o tal cantor-afro-português sobre o conteúdo do nosso hino nacional? Por que quis entrar numa luta pouco refletida e – ao que parece – mal resolvida? Não haverá nas palavras do nosso hino algo mais do que palavras bélicas no sentido conotativo? As ‘armas’ e o ‘marchar contra os canhões’ precisará de ser material ou será antes figurativo, emocional e denotativo? Se bem que tenha sido o futebol a trazer para a maior divulgação o ‘hino nacional’ – sob a influência de um estrangeiro – este não poderá ser ofendido por quem se quer promover com discordâncias mal amanhadas e insuficientemente justicadas...

2. De entre os vários exemplos de que não se deve responder senão àquilo que nos perguntam é a figura do atual presidente da república (PR), na medida em que por pouco ou por quase nada está falar de tudo como se fosse um especialista sobre todas as matérias. Nalgumas situações tem mais complicado do que facilitado, tem mais lançado achas para a fogueira do que acalmado o fogo, tem mais criado barulho sobre os assuntos do que tem ajudado a refletir serenamente sobre as soluções. Não será que quem fala tanto correrá o risco de menos acertar? Não poderá acontecer que, de tanto se pronunciar, correrá o risco de já poucos atenderem àquilo que é dito, mesmo que possa ser importante? Certas posturas do atual PR soam a tiques de funções anteriomente ocupadas...

3. Por seu turno, alguma da contestação social aos problemas da educação, às questões da saúde e mesmo ao tema da justiça tem servido para confundir os mais incautos, pois emergem questiúnculas que só servem para distrair do que é essencial. Também nestas matérias temos visto posições de certos dirigentes que mais parecem temas da sua agenda pessoal do que do interesse da classe e, pior, com prejuízo para as populações. Dá a impressão que alguns dos que deviam ser responsáveis na arte da contestação se comportam como a ‘mónica’ – uma série de desenhos animados de meados do século passado – que dizia: agora que eu sabia as respostas todas, trocaram-me as perguntas. Com efeito, as formas de trazer para a vida pública os problemas de algumas classes profissionais – atendemos às três supra citadas – estão eivadas de desconexão com a realidade e, sobretudo, com o cativar, de forma deficiente, de quem não tem diretamente a ver com o assunto. As greves dos professores têm tanto de justo quanto de inoportuno na forma, pois as famílias são quem paga a fatura dos protestos e estes tornam-se menos acertivos... nos resultados. A variação do atendimento na saúde faz com que os atingidos se coloquem contra os que protestam...com alguma razão. Na área da justiça certas anomalias dos serviços fazem com que se desacredite naquela que deveria ser, por si mesma, justa...

4. Saber perguntar é uma arte, mas ser capaz de responder com precisão e competência é ainda maior na sua habilidade e habilitação. Ora, como nos faltam pessoas que saibam o que dizem e que digam (sempre e só) o que sabem, na correta proporção de saberem-se servidoras da verdade. Com efeito, é esta e só esta que deve conduzir quem pergunta e quem responde com a mesma serenidade de saber que as respostas dadas conferem credibilidade, honestidade e lealdade a todos...



António Silvio Couto

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

… Principalmente para os que mais precisarem!


Decorreu, de 16 a 19 deste mês, em Albufeira, um tempo de formação do clero das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal. Sob o tema: ‘Igreja sinodal, numa Igreja atenta aos sinais dos tempos’ cerca de setenta participantes (padres, diáconos e alguns seminaristas) escutaram comunicações de palestrantes vindos de Roma – ligados ao Sínodo dos Bispos – e alguns especialistas nacionais em Bíblia, em assuntos ligados aos jovens e à pastoral das vocações.

Dada uma razoável quebra de participantes – tempos houve que esteve o dobro dos deste ano – quis colher os dados dos padres daquelas dioceses e o número de presenças: Algarve tem 65 padres em exercício, estiveram 17; Beja tem 60 padres e participaram 17; Évora tem 60 padres, estiveram 20; Setúbal tem 70 padres, participaram 15…

É sobre esta faceta de algum desinteresse, de uma certa desmotivação, de um tanto abandono da formação (obrigatória) permanente… podendo escrutinar as razões, explicar as causas e talvez tentar encontrar as consequências.

1. O tema da sinodalidade percorreu boa parte dos primeiros dias. O cardeal Mario Grech falou-nos de sinodalidade e comunhão; sinodalidade e participação; uma Igreja sinodal é missionária. Como secretário-geral do Sínodo dos Bispos, o cardeal Mario Grech trouxe-nos linhas essenciais desta nova e importante reflexão atual da Igreja católica. Palavras como: escuta, testemunho, diálogo, comunhão, participação, reconciliação, caminho, plural… surgiram para nos ilustrar a proposta e vivência da sinodalidade, enquanto um novo desafio à Igreja católica em qualquer parte do mundo onde se encontre,

O Sínodo dos Bispos apresenta um processo: preparatória, celebrativa e atuante, pretendendo impregnar a Igreja no melhor conhecimento da verdade. Em jeito de aviso o cardeal Grech considerou que ‘a Igreja não é uma elite de padres, consagrados, bispos, mas que todos formam o santo fiel Povo de Deus. Esquecer isto implica vários riscos e distorções na nossa própria
experiência, tanto pessoal como comunitário, do ministério que a Igreja nos confiou’. Com efeito, uma Igreja sinodal é uma Igreja de escuta. ‘A sinodalidade expressa ser o tema de toda a Igreja e de todos na Igreja. Os crentes são ‘sinodoi’, companheiros na viagem, chamados a serem sujeitos ativos como participantes no único sacerdócio de Cristo e destinatários dos vários carismas conferidos pelo Espírito Santo para o bem comum’.

2. Por seu turno, o Padre Rossano Sala ajudou a refletir sobre os temas – jovens evangelizadores. Repto da JMJ 2023; os jovens e a Igreja. Que Igreja queremos/devemos ser? Como secretário especial do Sínodo para os jovens e especialista salesiano em temas de juventude, o P. Rossano colocou questões aos participantes. A abrir a sua primeira comunicação caraterizou os jovens hodiernos: ‘os jovens são sentinelas e sismógrafos do nosso tempo: sentinelas porque nos antecipam em muitas coisas e sismógrafos porque têm uma grande sensibilidade para as mudanças que ocorrem’. Grande parte das duas comunicações deste especialista em temas da juventude andou em volta das JMJ 2023, tendo considerado que as ‘JMJ são o centro do caminho sinodal’. Duas expressões podem resumir esta relação entre estes acontecimentos eclesiais: reconhecer e chave vocacional... em experiências de Igreja, de peregrinação, missionária e de fraternidade universal.

3. Embora tenha havido outras palestras, envolvendo agora figuras de âmbito nacional sobre a sinodalidade, a questão dos jovens bem como da pastoral vocacional, ouso deixar nesta partilha algo que explica a razão deste escrito. Se nos ativermos à expressão ‘os que mais precisarem’ – expressão de uma jaculatória de Fátima – considero que os que foram a esta ação de formação do clero das quatro dioceses do sul reconhecem que precisam de aprender, mas os faltosos – contumazes e significativos – não precisarão mais? Será fugindo de aprender com humildade que se mudará algo na Igreja? A culpa não é só dos outros! Caminhemos juntos como Igreja.



António Sílvio Couto




segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

E as famílias, senhores professores?

 


Há dias, numa visita de cortesia com outra pessoa, a uma região onde houve um grande incêndio no pretérito verão, o interlocutor dizia: as chamas puseram a descoberto muitas coisas de arqueologia que a vegetação encobria...agora temos mais material para trabalhar... Isso mesmo me ocorreu por ocasião da greve de professores, que está cumulativamente a acontecer: foi posta a descoberto uma faceta nem sempre atendia ou corretamente olhada: as famílias são, para além dos alunos, fortemente atingidas por esta greve, com efeitos nem sempre fáceis de tornear. De facto, os filhos ficarem sem aulas obriga os pais (ou encarregados de educação) a encontrar solução para haver quem os cuide e nem todos têm respaldo familiar para tal...

1. Qualquer greve - por mui digna que se pretenda ou correta que se deseje - atinge terceiros, deixando um rasto de prejuízo direto, indireto ou subsequente. Quantas pessoas são (ou podem ser) vítimas de uma greve? Quantos transtornos são deixados, mesmo que isso seja minimamente acautelado? Quantas vezes os efeitos das reivindicações não produzem as consequências pretendidas? Quantas vezes a visão corporativa ofusca o bem comum? Em quantos casos as malfeitorias de uma greve conduzem à perda de razão dos seus autores?
No caso em apreço: um professor pode fazer greve a uma aula, sendo-lhe descontado no vencimento, mas pode atingir os alunos em todo o dia, sobretudo se for às primeiras horas. Atendendo ao impacto que a ausência de um professor pode gerar numa escola, isso torna-se num efeito em catadupa, deixando marcas por mais tempo do que só uma hora ou mesmo de um breve dia…

2. Quanto à matéria de mais esta greve de professores não tenho conhecimento capaz. No entanto, será que isto capta mais pessoas para querem exercer esta profissão? Com efeito, as reivindicações até podem ser justas, honestas e necessárias. Será preciso entender todas as partes envolvidas e, parece-me, que desta vez se abriu uma brecha de ‘sem-razão’ na forma de greve, até mais do que de conteúdo. Atendendo à importância deste setor do ensino no tecido social do nosso país, temos vindo a assistir a uma certa desacreditação e o prolongamento dos problemas não ajuda em nada a conquistar para as razões de fundo de quantos lutam pelos seus direitos...

3. A luta pela (dita) ‘escola pública’ está a perder com todos estes acontecimentos e os que fazem este mesmo serviço de ensinar no setor privado ou cooperativo serão dos mais beneficiados com tudo isto, tanto direta como indiretamente. Se colocarmos em análise o tema em apreço neste texto – a família – poderemos considerar que mais esta greve fará com que muitos estudantes engrossem o ensino não-público, mesmo pela garantia de que não tenha tantas anomalias como a que vemos acontecer. Quem organiza este tipo de greves deveria atender mais às causas e não se deixar ficar nas meras consequências.

4. Sem pretender entrar num campo que poderia ser considerado acintoso, pergunto: os professores têm cuidado da matéria prima para exercerem a sua profissão, isto é, têm gerado filhos para depois ensinarem? Não teremos andado antes a promover uma certa quebra da natalidade e agora não conseguem ter o mínimo para encherem as salas de aula? Com tanta promoção de fatores contra a natalidade não teremos arranjado mais problemas do que esses que pretendiam solucionar na raiz? Não será que os professores ao não terem atendido suficientemente à questão da família em mais esta greve, deixam perceber que a sua família se desmoronou e nem conta como deveria?

5. Numa palavra: a escola ensina, mas a família é quem educa. Ora o que temos visto é que o ensino parece estar um descalabro, não queiram, por isso, fazer da família um pântano ainda maior e mais profundo…



António Sílvio Couto

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

36 questões do crivo...governamental...para o futuro

 

O governo aprovou as regras pelas quais vai querer recrutar quem aceite exercer tarefas de ministro ou de secretário de estado. Atendendo ao padrão apresentado ainda haverá quem queira estar no poder ou fazer parte da corte de tal patrão? Depois dos casos recém-vividos far-se-á a exorcização de tantos demónios de incompetência? As trancas colocadas à porta serão o suficiente para atrair ‘servidores’ do Estado em matéria de governo? Abrangendo os cônjuges e familiares bem como os sócios, em matérias sensíveis, haverá quem queira ser associado ao executante do poder? Embora se diga secreto – e conhecidas estas esmiúçadas questões – será isso respeitador da dignidade de quem aceita integrar um elenco governamental? Com esta malha algo apertada, ainda haverá nos partidos políticos – muitas vezes a funcionarem mais em bolha – quem ultrapa-se as etapas de seleção? E se estes critérios forem alargados ao funcionalismo público sobrevirá alguém para exercer os poderes em necessidade?

1. Vejamos algumas expressões contidas nestas regras. Por diversas vezes se coloca como parâmetro de avaliação temporal ‘os últimos três anos’: doze vezes aparece tal referência. Será que foi a pandemia (2020-2022) que veio estragar a qualidade dos servidores políticos? A fasquia deste tempo inclui o próprio avaliado e os familiares, numa espécie de ‘perseguição’ a tudo que possa mexer com incompatibilidades. Sobre estas são enumeradas algumas: de natureza profissional, social, financeiro e até de associativismo.

2. A teia aperta quando se questiona sobre a proximidade entre o recrutado e os familiares, sobretudo na linha do acesso a subsídios ou incentivos fiscais mesmo se procedentes da União Europeia. A questão põe-se até naquilo que poderá ser o exercício de algum membro do agregado familiar ‘no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposto’.

3. Torna-se algo pidesco ao inquirir se o candidato ‘tem rendimentos de origem estrangeira?’ (n.º 21); se ‘é titular de património e/ou contas bancárias sediadas no estrangeiro?’ (n.º 22) ou ainda se ‘tem a situação fiscal regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?’ (n.º 23). Mas estas questões não constavam já na declaração de rendimentos que os políticos têm de apresentar no parlamento?

4. Ao elencar outras questões este ‘inquérito’ como que pode entrar em conflito com os outros documentos que são obrigatórios para quem exerce tarefas de contato com o público, como é, por exemplo, o registo criminal. No entanto, ainda se quer saber: ‘Alguma vez foi condenado por qualquer infração penal ou contraordenacional? (n.º 29) ou ainda se ‘alguma vez a pessoa coletiva, cujos corpos sociais integra ou integrou, foi condenada por qualquer infração penal ou contraordenacional?’ (n.º 30). Quase terminar a longa inquirição pergunta-se ainda: ‘Tem conhecimento de que seja objeto de investigação criminal qualquer situação em que, direta ou indiretamente, tenha estado envolvido?’ (n.º 33). Alguém será tão distraído que não terá isso sob o mínimo controlo?

5. De todas as questões há uma que parece algo bizarra: ‘Está insolvente?’ (n.º 34). Mas isto é coisa que se ouse perguntar? O candidato aceitará ir para a governação do país se não soube cuidar da sua casa?
De facto, isto mais parece algo de entreter e que poderá servir para boas rábulas em programas de humor populista... mais ou menos sério.



6. Depois de tantos erros no passado recente, será que isto resolverá o futuro? Independentemente da aceitação que possa recolher junto dos candidatos do partido no poder, somos tentados a concluir: algo vai muito mal no reino de cá. Se isto é com maioria absoluta o que seria sem ela!



António Sílvio Couto



Apêndice

As 36 perguntas

1. Exerce atualmente atividades profissionais, e/ou integra corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas?
2. Integrou, nos últimos três anos, corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas?
3. Presta, ou desenvolveu nos últimos três anos, atividade de qualquer natureza, com ou sem carácter remunerado ou de permanência, suscetível de gerar conflitos de interesses, reais, aparentes ou meramente potenciais com o cargo a que é proposta/o?
4. Detém, ou deteve nos últimos três anos, por si, ou conjuntamente com um membro do seu agregado familiar, capital, ou participação em capital, em sociedades ou empresas?
5. Detém, ou deteve nos últimos três anos, por si, ou conjuntamente com um membro do seu agregado familiar, capital, ou participação em capital, em sociedades ou empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
6. Algum membro do seu agregado familiar, detém capital, ou participação em capital, em sociedades ou empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
7. Detém, ou deteve, nos últimos três anos, por si, ou conjuntamente com um membro do seu agregado familiar, alguma empresa, ou participação em alguma empresa, que tenha celebrado contratos públicos com entidades abrangidas pelo Código dos Contratos Públicos e que vão ser diretamente tuteladas pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
8. Algum membro do seu agregado familiar, detém alguma empresa, ou participação em alguma empresa, que tenha celebrado contratos públicos com entidades abrangidas pelo Código dos Contratos Públicos e que vão ser diretamente tuteladas pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
9. Exerce, ou exerceu nos últimos três anos, funções de gestão em sociedades e/ou em empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
10. Algum membro do seu agregado familiar, exerce(m) funções de gestão em sociedades e/ou e empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
11. Exerce, ou exerceu nos últimos três anos, atividades públicas ou privadas no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
12. Algum membro do seu agregado familiar, exerce(m) atividades públicas ou privadas no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
13. Exerceu, nos últimos três anos, funções em entidades públicas ou em que o Estado tenha posição relevante?
14. Nos últimos três anos foi beneficiário de qualquer tipo de incentivo financeiro ou incentivo fiscal, de natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia?
15. Algum membro do seu agregado familiar exerce, ou exerceu, nos últimos três anos, funções em entidades públicas ou em que o Estado tenha posição relevante?
16. Algum membro do seu agregado familiar foi, nos últimos três anos, beneficiário de qualquer tipo de incentivo financeiro ou fiscal, de natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia?
17. Alguma empresa detida por si, ou conjuntamente com algum membro do seu agregado familiar, ou em que exerce cargos sociais, foi beneficiária de qualquer tipo de incentivo financeiro ou incentivo fiscal, de natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia?
18. Alguma empresa detida por algum membro do seu agregado familiar, ou em que estes exerçam cargos sociais, foi beneficiária de qualquer tipo de incentivo financeiro ou incentivo fiscal, de natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia?
19. Atenta a função para que foi convidada/o, existe qualquer situação particular de conflito de interesses e/ou impedimento que recomende a avocação, pelo Primeiro-Ministro, de alguma das competências inerentes à função do cargo que irá ocupar, e respetiva delegação em outro membro do Governo?
20. Rendimentos de origem nacional (sim ou não): rendimento do trabalho dependente; rendimento do trabalho independente; rendimentos comerciais e industriais; rendimentos agrícolas; rendimentos de capitais; rendimentos prediais; mais-valias; pensões; outros rendimentos
21. Tem rendimentos de origem estrangeira?
22. É titular de património e/ou contas bancárias sediadas no estrangeiro?
23. Tem a situação fiscal regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?
24. A sociedade ou empresa detida, por si, ou conjuntamente com algum membro do seu agregado familiar, ou em que detém capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerça cargo social, tem a situação fiscal regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?
25. A sociedade ou empresa detida por algum membro do seu agregado familiar, ou em que estes detenham capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerçam cargo social, tem a situação fiscal regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?
26. Tem a situação contributiva regularizada junto da Segurança Social (SS)?
27. A sociedade ou empresa detida, por si, ou conjuntamente com algum membro do seu agregado familiar, ou em que detém capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerça cargo social, tem a situação contributiva regularizada junto da Segurança Social (SS)?
28. A sociedade ou empresa detida por algum membro do seu agregado familiar, ou em que estes detenham capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerçam cargo social, tem a situação fiscal regularizada junto da Segurança Social (SS)?
29. Alguma vez foi condenado por qualquer infração penal ou contraordenacional?
30. Alguma vez a pessoa coletiva, cujos corpos sociais integra ou integrou, foi condenada por qualquer infração penal ou contraordenacional?
31. Alguma vez a sociedade e/ou empresa de que é gestor, ou cujo capital é detido por si, ou em que detém participação em capital, conjuntamente com algum membro do seu agregado familiar, foi condenada por qualquer infração penal ou contraordenacional?
32. Tem qualquer tipo de processo judicial, contraordenacional ou disciplinar pendente em que esteja direta ou indiretamente (envolvendo algum dos membros do seu agregado familiar) envolvida/o?
33. Tem conhecimento de que seja objeto de investigação criminal qualquer situação em que, direta ou indiretamente, tenha estado envolvido?
34. Está insolvente?
35. Alguma empresa na qual deteve capital social e/ou foi administrador nos últimos três anos está insolvente?
36. Tem conhecimento de qualquer outro facto não identificado em cima e que seja suscetível de afetar as condições isenção, imparcialidade e probidade para o exercício do cargo para que está proposto, ainda que ocorrido há mais de três anos?

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Certas apatias…


Muitas vezes e de diversos modos tenho vivido ou sido confrontado com posições de pessoas cuja fachada (o rosto) se mostra numa atitude algo desconfortável e ao mesmo tempo reveladora de quem temos diante de nós. Na sabedoria popular se exprime aquilo que motiva esta reflexão-partilha: o mal e o bem ao rosto vem!

É isso que pretendemos analisar: quando alguém toma uma posição de uma pretensa indiferença, isso significa que aquilo que a envolve não a afeta ou toca…minimamente? Quando somos confrontados com certas apatias – no sentido etimológico do termo: ‘sem-sentimentos’ – em momentos de dor, de sofrimento ou de morte, isso será razão ou mais desculpa? Diante de certas apatias, não andará mais associado o disfarce (mesmo que inconsciente) do que a assunção das consequências?

1. É recorrente, em situações do falecimento de alguém e, sobretudo, nas celebrações religiosas, sermos confrontados com pessoas que quase dão a impressão de estarem amorfas perante tal vivência. Isso não é decorrente da interiorização da morte, mas dá a impressão de ser usada como que uma máscara de quem parece considerar-se acima de tais acontecimentos. Já vi pessoas com tal rosto aferrado que quase seria útil questionar se nos estão a fazer um favor, dado que foram eles que solicitaram o serviço… Estas apatias incluo-as na área das provocatórias mais ou menos visíveis…

2. Há, no entanto, outras apatias que entendo mais como reveladoras de alguma (ou será bastante?) ignorância. Novamente o cenário são os rituais funerários – mesmo assim com verniz cristão – onde se nota que alguns dos apáticos já se encontram numa fase ‘filosófica’ da quase negação de que, um dia, passarão pela etapa da morte. Quais esquifes alevantados assim alguns que assistem às rezas pelos mortos parecem estar numa outra instância em que pensam nunca estar. Não há maior engano nem pior posicionamento, pois mais breve do que expetável estão a ser velados com pior indiferença e apatia do que aquela que manifestam para com os defuntos…em ato.

3. Confesso que é preocupante a letargia moral – outros preferem dizer ética – e cultural em que estamos a laborar. De muitas e variadas formas se foi privatizando a morte e atirando-a para fora da visibilidade daquilo com que nos vamos entretendo quotidianamente. As pessoas saem de circulação – ou morrem quando dela são retiradas – com tal velocidade que dizer que somos frágeis e vulneráveis se torna quase um elogio, enquanto não esquecemos…totalmente. Hoje parece um tanto anacrónico alguém morrer em casa ou ao menos com a companhia de outra pessoa. Isto já para não falarmos do não-recurso aos momentos de oração cristã, por ocasião do falecimento.

4. Talvez devido à sensibilidade para com a memória dos nossos predecessores, sinto de forma mais pungente o esquecimento a que vejo tantos/as dos nossos praticantes ainda na fé a serem votados ao abandono e ao quase desprezo em sentimentos. É uma outra apatia que arrasta termos perdido a razão de onde vimos, quem somos e para onde vamos.Com efeito, se continuar em luto por excesso de tempo, não o viver minimamente poderá ser também revelador de algo ainda mais atroz…até pelo exemplo que deixa para os descendentes mais novos.

5. De todas as apatias a que mais me interroga é essa de tantos que, hoje, vivem como se Deus não existisse. Ora, se num passado de três ou quatro décadas, tal se verificava de forma residual, talvez aconteça já, no nosso país, que cerca de vinte a trinta por cento da população trata o assunto de forma ‘normal’. Embora se deixem conduzir por esta forma materialista de viver, nem por isso deixarão de ser julgados por esse Deus que evitam, que desprezam ou mesmo que negam. É essa apatia de ignorância, de faz-de-conta ou cultural que creio precisarmos de questionar, respeitando quem assim vive, mas também exigindo que nos respeitem se não estamos na sua onda...



António Sílvio Couto

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Confusão quase-absoluta

 


Cá na parte mais ocidental da Europa está em vigor crescente aquela informação, atribuída a um general romano, que daqui enviou à sede do império esta descrição: ‘há, na parte mais ocidental da Iberia, um povo muito estranho – não se governa nem se deixa governar’.

Esta estória quase-lendária regressa à nossa memória coletiva sempre que algo correr menos bem ou até mal, no desempenho do poder (nacional ou autárquico, civil ou religioso, social ou económico, público ou privado), numa explicação assaz conveniente para tentarmos interpretar as dificuldades em sermos cordatos e – porque não – corretos uns para com os outros, sobretudo se quem governa não é tanto da nossa simpatia ou coloração.

Os episódios politico-partidários do último ano no nosso país e mais recentemente no mês findo são algo que nos deveria fazer refletir em ordem a discernirmos para onde vamos...assim.

1. Pelo que temos visto parece que se tem vindo a tornar ‘moda’: primeiro indica-se alguém para um posto no governo e só depois se vai aferir se aquela pessoa não tem nada que turve a sua personalidade ou condicione o seu desempenho. Nalgumas circunstâncias não está em causa a capacidade, preparação ou desempenho do visado/a, mas se ele/ela não soube fazer as coisas sem dar nas vistas, logo os abutres tentam descobrir modo de o/a destronar. Não bastaria um pouco mais de atenção para que se aprendesse de umas situações – e são várias – para as outras? Em onze meses deste vigésimo terceiro governo constitucional justifica-se tanta tropelia e confusão? Dado estarem a encolher os disponíveis (para postos de governação) ter-se-á de pescar sempre e só no aquário do partido ou nas falanjes dos apaniguados?

2. Infelizmente o papel escrutinador tem sido feito por certa comunicaçao social, que, numa forma bastante pidesca – dizem fazer jornalismo de investigação – cuida de vender papel impresso ou de atrair audiências, nem sempre respeitando a honorabilidade das pessoas e respetivas famílias. A destreza com que certos ‘factos’ aparecem plantados dá a impressão que se obedece a um processo tecido para conjugar o verbo ‘desgraçar’ com todas as pessoas, em todos os tempos, modos e feitios...

3. Dá a impressão que, em quase todos os casos veiculados, o fator dinheiro andou envolvido: recebido por indemnizações, por ganhos, por negócios, por gastos, por compadrios, por afinidades familiares... por... por dinheiro, muito e ainda mais! Dado que o vulgo anda entretido nos casos, casinhos ou casões, não temos estado tão atentos a que é o dinheiro que comanda a vida de tantos dos intervenientes, mesmo que não seja sempre dinheiro sujo.

4. Tenho para comigo que será cada vez mais difícil encontrar quem se disponibilize para expor a sua vida – pessoal, familiar, profissional, etc – às escarafunchices de tantos e de quase todos. Com efeito, para quem aceite estar nalgum lugar público, torna-se quase impossível ter privacidade e muito menos não estar sob a suspeita de quem quer que seja. Pior ainda se quem avalia – muitas das vezes manipulando as mais elementares regras – tenta que não se descubra algo sobre si. Estão, assim, criadas as condições para vivermos num estado de desconfiança, onde todos são maus (corruptos ou corruptores,) até prova em contrário. Se até o diretor nacional da polícia judiciária afirma peremptoriamente que ‘há muita corrupção’, quem serão os demais para não julgarem os outros por esta bitola desfavorável das pessoas e da sociedade?

5. Com um governo de maioria absoluta e que pretendia ser para mais de quatro anos, talvez fosse desejável que a confusão fosse menor ou pelo menos evitável, Será que ainda vamos a tempo de sermos um povo, uma nação e um país digno dos nossos antepassados pelas boas razões?



António Silvio Couto

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Humildade: de Pelé a Bento XVI

 


Com breves dias de distância, nos últimos momentos de 2022, faleceram duas figuras de significado global e de abrangência planetária: Edson Arantes do Nascimento – Pelé (29.12) e Joseph Aloisius Ratzinger – Bento XVI (31.12). De espaços culturais e geográficos diferentes, cada um a seu modo marcou o tempo e as dimensões de intervenção, por isso, os primeiros dias do novo ano ficaram ritmados por estas duas figuras tão díspares mas tão significativas…para todos.

Daquilo que se pode depreender de um e de outro há uma qualidade-virtude humana e espiritual que de ambos nos toca: a humildade – um na arte de jogar e de encantar enquanto jogador de futebol e outro na subtileza intelectual e de homem de Igreja, tanto na universidade como na condução dos seus irmãos na fé até à cátedra de Pedro em breves e incisivos oito anos…

1. Num tempo em que se exalta a presunção e o poder – das coisas materiais mais do que das de índole psicológica e moral – fica-nos uma certa estupefação para com Pelé e Bento XVI – deixamos cair os nomes próprios para assumirmos os nomes de função – pois eles brilharam num firmamento de estrelinhas cadentes e quase-decadentes. Nenhum deles se esqueceu de onde veio, mesmo que muito de baixo, socialmente, como Pelé, mas – tanto quanto se sabe – a importância nunca lhe subiu à cabeça nem a finura dos êxitos obnubilou seus projetos. Que dizer ainda de Bento XVI, uma das figuras mais marcantes da segunda metade do século vinte e do primeiro quartel do século vinte e um? No seu pouco mais de metro e meio de estatura corporal como era possível estar contida tanta sabedoria? Neste homem-de-Igreja de tanto poder foi percetível que vigorava alguém que servia Deus e seus irmãos…

2. Foi por entre os festejos da passagem-de-ano que ambos estiveram sobreterra. Esta palavra/expressão exprime o tempo que medeia entre a morte e o enterramento de uma pessoa… Pelé foi a sepultar no dia dois de janeiro, por entre manifestações populares de grande pesar e longo cortejo desde o lugar de velório – o estádio do seu clube de sempre, o Santos, no Brasil – e o cemitério por ele escolhido… durante horas milhares lhe prestaram veneração e milhões o recordaram…sobretudo os que têm mais de sessenta anos. Por seu turno, Bento XVI atraiu milhares e milhares em preito de homenagem ao homem de Deus, ao padre do Senhor e ao mestre da fé. Certamente muitos dos seus detratores ficaram confundidos com a aceitação popular. Quem não o compreendeu em vida, pior ficou na hora da morte. Quem o combateu em razão da sua firmeza ficou vencido na popularidade de encantamento de servidor de Deus e da Igreja.

3. Tentemos recolher as lições de vida, que tão inclitamente nos são ensinadas na hora da morte por estas veneráveis figuras, isto é, aprendamos a viver em humildade não só de conceitos como de gestos, sinais e com significado.

‘Humildade’ – e seus derivados – aparece mais de setenta vezes na Bíblia, desde o trato com Deus até à forma de conduta com os outros, mas sobretudo como vivência do próprio ser. Digamos, sem pretensão de exagero, que o humilde conquista Deus e faz bem aos outros, pois os edifica, ajuda e leva a encontrar Deus, que em Jesus Cristo se tornou humilde e nos faz entrar na sua escola: ‘aprendei de mim que sou manso e humilde de coração’ (Mt 11, 29). Por isso, não havia melhor data para morrerem Pelé e Bento XVI do que no rescaldo da vivência do Natal, data em que celebramos, por excelência, o mistério da humildade de Deus para connosco.

4. Num tempo em que parece viver-se na avidez da afirmação de tantos ‘egos’, estas duas figuras como que desmontam a prosápia de quem coloca a importância naquilo que tem e não naquilo que é de verdade. Por contraste para com quem corre pelos milhões e a adulação do seu ‘eu’, estas figuras chocam pela simplicidade e a forma humilde e sincera como nos provocam ao essencial. Num tempo em que se vive na fachada, importa deixa-se impressionar por quem é deste modo verdadeiro… Agora que correu o pano do palco podemos conhecer melhor os atores e a teia subtil das suas vidas!



António Sílvio Couto

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Trágico-cómico

 Aquilo a que assisti, televisivamente, na tarde do passado domingo, foi algo trágico-cómico. Não foi nenhum filme, mas episódios da vida real. Não foi resultado de um guião inventado, mas u
m mostrar da realidade política. Não foi mera invenção cinematográfica, mas cenas da vida real no realmente. Refiro-me às ‘cerimónias’ de tomada de posse do último presidente da república federativa do Brasil, de seu nome Luiz Inácio Lula da Silva.

Vinte anos depois da primeira vez que viveu idêntico momento, este teve algo de trágico nas palavras e nos gestos, nas feições e nos rostos, nos atores e nos acompanhantes. E por confluírem estes adjetivos para um momento só, pareceu-me revestir qualquer coisa de cómico, pois parecia forçado tudo aquilo e pior com as leituras dos comentadores nos diversos canais de transmissão, tanto nacionais como estrangeiros…

1. Eis o que vi – perdoem-me que mudei de lentes nos óculos há dias – como trágico naquelas longas horas televisivas. Diante de inúmeros apaniguados, o presidente eleito, agora empossado, desfiou largos adjetivos depreciativos contra quem derrotou, misturando dados de 2003 – a data da primeira eleição – com factos dos últimos quatro anos. Essa tática – com todo o respeito – costuma ser usada pelos mentores da distorção da filosofia da história, evidenciando os que lhes interessa e favorece e escondendo o que é de menosprezo para com os competidores. Só incautos menos avisados se deixam iludir ou até manipular… O trágico foi usado q. b. para dar a impressão de que o salvador voltou, mesmo que já não seja messias de nome…O que mais me gera confusão é a leitura concordante de todos contra tudo que não seja da cor do vencedor, dado que a escassa margem de vitória aconselharia a ser mais prudente e, de facto, deveria levar ao encetamento de sinais de diálogo com a outra metade que votou contra ele… Pisar no drama pode nem sempre resultar como tática de se impor!

2. Alguns dos sinais cómicos da tarde deste domingo – primeiro dia do novo ano – foram certos aspetos de folclore que temos visto noutras ‘cerimónias’ políticas, desportivas, sociais e mesmo religiosas. Com efeito, quem não esteja iniciado nesses rituais corre o risco de ficar indiferente, apático ou negligente a tudo isso que se vê com espanto, admiração e constrangimento.

Queiram desculpar-me mas o termo que me advém a tudo aquilo é o de uma espécie de ‘liturgia’, tal o exoterismo que envolve e faz com que uns tantos entendam e vivam e outros não compreendam e como que rejeitem, mesmo sem terem razões para tal… Na sua ignorância comportam-se como incréus para com os ‘atores’ das cenas desenvolvidas nos espaços de exibição. A fronteira entre o cómico e o ridículo é, por vezes, muito ténue e pode deste o refúgio para quem não se revê em tais atitudes quase de sobranceria.

3. O zénite da festa aconteceu quando um grupo de oito pessoas – tão diversificado quão aparentemente inocente – impôs a faixa presidencial ao já empossado presidente. Dado que o antecessor fugiu cobardemente daquele momento foi encontrado um simbolismo bem expressivo da configuração cultural, étnica, social e mesmo económica daquele país-continente na hora da sua afirmação ao mundo e ao nosso tempo. A arenga que se lhe seguiu foi mais do mesmo quanto ao passado, numa adjetivação utópica perante o futuro, que tem tanto de idílico, quanto de ressabiado para com os anos mais recentes…

Os comentadeiros/as cá deste lado do Atlântico pareciam mais esperançados do que os do lado de lá naquilo que poderão vir a ser os próximos quatro anos de governação. Algo parece mais ou menos certo: há gente que não teme iludir-se de tudo aquilo e mais uma vez capitular, como vimos entre 2003 e 2011…com despromoções à mistura vindas das mesmas fraturas.

4. Uma coisa aprendi na tarde do passado domingo, primeiro dia do ano: festa e luto podem andar de mãos dadas bem mais depressa do que seria desejável. Mal vai a nossa capacidade de autoavaliação se não o vivermos com humildade, sinceridade e compostura…



António Sílvio Couto