Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 31 de março de 2022

Menos missas e mais Missa!


 Ouvi, por estes dias esta observação, proferida por um prelado recém-empossado na sua diocese: o que precisamos – padres e leigos (e não bispos?) – é de menos missas e mais Missa.

Que significará este trocadilho? Haverá nele algo de desafio ou de acomodação? Será sinal de que estaremos a sacramentar sem evangelizar ou andaremos a desperdiçar missas com quem não a quer nem cuida? Será fácil implementar uma proposta deste teor que não seja redutiva da Igreja nem redutora das igrejas?

 1. Desgraçada ou salutarmente a pandemia veio peneirar muito farelo consumidor de sacramentos, alguns mais em versão social do que cristianizada. A pandemia também serviu para separar o que era por obrigação daquilo que se pode entender mais por devoção e/ou convicção. Houve casos que foram criando mais adeptos da religião de pantufas ou mesmo de sofá em roupa de andar por casa… Nitidamente fomos percebendo que a fé celebrada nem sempre estava esclarecida nem era fé anunciada…

 2. De vez em quando surgem vozes alertando contra o excesso de sacramentalismo sem evangelização, caindo-se quase sempre na prevenção de que poderá haver missas sem a devida preparação ou mesmo a necessária vivência. Recordo com tristeza a delapidar expressão de alguns antigos colegas do seminário – ‘forçados’ a irem à missa diária no tempo de estudos – que já tiveram missas para o resto da vida. Como se, tendo comido todos os dias, já se tivessem alimentado para o resto dos seus anos. Talvez se deva ter cuidado com ‘provocações’ de teor minimalista, pois poder-se-á extrapolar para outros campos e a argumentação capitula por insuficiente e algo fugaz.

 3. É com razoável confusão que ouço certas observações – mais em jeito de lições para os outros do que indicações de comportamento – quanto à duração do tempo de homilia. Recentemente o Papa Francisco alertou para o tempo máximo da dita: dez minutos. Citamos a exortação apostólica ‘Alegria do evangelho’ (n.º 138): «a homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração. É um género peculiar, já que se trata de uma pregação no quadro duma celebração litúrgica; por conseguinte, deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência ou uma lição. O pregador pode até ser capaz de manter vivo o interesse das pessoas por uma hora, mas assim a sua palavra torna-se mais importante que a celebração da fé. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo. Quando a pregação se realiza no contexto da Liturgia, incorpora-se como parte da oferenda que se entrega ao Pai e como mediação da graça que Cristo derrama na celebração. Este mesmo contexto exige que a pregação oriente a assembleia, e também o pregador, para uma comunhão com Cristo na Eucaristia, que transforme a vida. Isto requer que a palavra do pregador não ocupe um lugar excessivo, para que o Senhor brilhe mais que o ministro».

4. Atendendo à inquestionável falta de formação de boa parte dos nossos ‘praticantes’ da missa será conveniente acertar os tempos de homilia. Seria bem mais útil recorrer a celebrações da Palavra do que em andarmos a despachar missas a quem parece estar impreparado para a celebração da eucaristia. Porque será que as pessoas têm tempo e disponibilidade para duas horas de futebol, de cinema ou de almoço/jantar de festa e regateiam uma parca hora para a missa, ao domingo? Será falta de gosto ou de consciência da necessidade daquela? Se não entrarmos no mistério que celebramos corremos o risco de fazer de algo tão excelso e sublime uma espécie de ato social mais ou menos bem atamancado com adereços dispensáveis e com intérpretes nem sempre motivados e espiritualmente enraizados…

 5. Deixo um breve caso que me contaram há anos. Um monge espanhol tinha por hábito sair uns dias do mosteiro e visitar as igrejas na capital. Por vezes, após a celebração, aproximava-se do celebrante-presidente e perguntava-lhe: o senhor acredita naquilo que esteve a fazer? E nós: acreditarão ao verem-nos na missa?

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 28 de março de 2022

Maiorias: possibilidades e riscos

 

Vai tomar posse, por estes dias, o XXIII governo constitucional. Saído das eleições do final de janeiro passado, está fundado sobre uma maioria eleitoral, vertida em deputados e reduzindo as oposições a algo pouco mais que figurativo no espetro parlamentar, o que não quer dizer social ou reivindicativo.

Atendendo a momentos anteriores de ‘maioria absoluta’ – de um só partido ou de coligação – poderá ser útil reportar-nos a esses momentos, perscrutando o seu significado e como todas caíram apodrecidas, esvaziadas ou como foram vencidas…

 1. Em 45 anos de democracia, em Portugal, houve cinco maiorias absolutas nas eleições legislativas: duas da AD (PSD/CDS/PPM), em 1979 (128 deputados) e 1980 (134 deputados); duas dos sociais-democratas sozinhos, em 1987 (148 deputados)... nesta época o parlamento era composto por 250 deputados; depois passou a ter 230 deputados: PSD, em 1991 (135 deputados); e uma do PS, em 2005 (121 deputados)... A maioria  absoluta do PS, em 2022, tem 120 deputados.

Nas quinze eleições legislativas realizadas desde o 25 de Abril de 1974, contando com as primeiras, de 1975, para a Assembleia Constituinte, o PS foi sete vezes a força mais votada, o PSD cinco vezes e mais três em coligações pré-eleitorais...  

 2. Diante destes dados mais ou menos objetivos como que se deverá questionar: quais as razões de derrota das forças que tiveram essas maiorias? A alternância eleitoral revela que os derrotados – sobretudo depois de serem tão vencedores – foram incapazes de manterem aquilo que os fez ganhar? Haverá alguma linha comum que possa ajudar-nos a perceber as causas e de medir as consequências dos insucessos, após as vitórias (pretensamente) tão alienantes? Souberam aprender com as vitórias e a colherem os frutos das derrotas?

 3. Talvez valha, novamente, recorrer à história destes anos da (dita) democracia. Portugal já foi intervencionado três vezes pelo Fundo Monetário Internacional: em 1977, seguiu-se 1983 e por fim 2011.

A primeira intervenção, em 1977, aconteceu num período em que o país registava uma taxa de desemprego superior a sete por cento, os bens estavam racionados, a inflação era crescente chegando a alcançar os 20 por cento, havia forte conflitualidade política e o escudo estava desvalorizado.
A segunda intervenção, em 1983, dá-se durante o período do chamado bloco central, um Governo de aliança entre PS e PSD, liderado por Mário Soares. Foi quase um Governo de emergência nacional, criado por se considerar que seria a melhor forma de combater a grave situação económica do país…ainda for a da União Europeia.
O pedido de apoio repetiu-se em 2011, após um governo de José Sócrates, numa altura em que as finanças públicas estavam de novo à beira da rutura.

 4. Agora que vivemos novos dados de instabilidade económico-social – pandemia, guerra, conflitos, etc. – não será expectável que vínhamos a ter um novo período de contenção, chame-se-lhe ou não de austeridade, ou possa ser travestido de cativações ou de dissimulações?

Diz o povo e com razão na primeira qualquer um cai, na segunda cai quem quer e na terceira só cai quem não pensa…Pelo tempo de aprendizagem efetuado já deveríamos desconfiar de umas certas medidas, que têm dado, quase sempre, os mesmos resultados. Com efeito, lançar dinheiro sobre os problemas não os resolve, antes os adia, mesmo que possam ser, por algum tempo, camuflados. ‘Proteger’ os pobres com meios de subsidiodependência serve para nunca se enfrentar as verdadeiras questões, essas que são estruturais, congénitas e culturais. Quando sermos capazes de não disfarçar nem de enganar as pessoas?

 5. Agora que temos um governo de ‘queridos inimigos’, que se espera? Quando constatamos a aglutinação no executivo de interesses da capital sobre o resto, que será de auspiciar? Deixem-nos reinar e veremos… aonde irão dar as prosápias de maioria, que sempre redundaram em desgraça e maior penúria.   

 

António Sílvio Couto

sábado, 26 de março de 2022

Simão de Cirene: seguimento testemunhal


 Levar a cruz dos outros não é mera filantropia, mas antes decisão assumida de querer ser discípulo de Jesus, ontem como hoje. Simão de Cirene é-nos apresentado como um modelo de discípulo de Jesus, levando a cruz ‘atrás de Jesus’… o discípulo segue nas peugadas do Mestre.

«21 Para lhe levar a cruz, requisitaram um homem que passava por ali ao regressar dos campos, um tal Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo. 22 E conduziram-no ao lugar do Gólgota, que quer dizer ‘lugar do Crânio’» (Mc 15, 21-22 // Mt 27, 32-33; Lc 23, 26-32).

Esta passagem sobre Simão de Cirene só aparece nos evangelhos sinóticos. São João não lhe faz referência, e sobre a cruz é o único que refere que Jesus a levou às costas (cf. Jo 19,17), enquanto os outros evangelhos colocam Simão a ajudar Jesus a levar a cruz. Com efeito, a cruz que Jesus transportava seria apenas a parte transversal da mesma. A haste vertical já estava fixa no lugar das crucifixões (1).
Quem era este Simão? Onde ficava ‘Cirene’ de onde ele seria natural? Qual o significado deste gesto de Simão? Ele foi obrigado a levar a cruz de Jesus? Que ‘campo’ seria esse de onde se diz que ele vinha? Quem são e que significam – Alexandre e Rufo – no contexto do evangelho?
Situemo-nos quanto a entender onde ficava Cirene: era uma colónia grega, situada na costa do norte de África, correspondendo hoje a sua localização na Líbia; a partir de 75 a. C. tornou-se província romana. Moravam muitos judeus em Cirene – cf. 2 Mac 15,23; At 2,10; 11,20; 13,1. Por isso, a designação dada a Simão ‘de Cirene’ (genitivo de lugar) diz-nos que Simão era procedente daquele cidade e que estaria em Jerusalém nesses dias, não se sabendo se de forma ocasional para a peregrinação da Páscoa ou se residia já em Jerusalém, embora continuasse a registar a localidade de procedência, até como forma identitária de si mesmo. Quanto a esta possibilidade será de questionar porque é que o texto nos diz que ‘passava por ali ao regressar do campo’ (v. 21). Vinha de trabalhar?
Um outro aspeto poderá ser adstrito à inclusão de Simão de Cirene para levar a cruz de Jesus. Diz o texto que ‘requisitaram’ (Mc), ‘obrigaram-no’ (Mt),’lançaram mão’ (Lc)… em qualquer destes termos se nota que ele foi feito ajudante de Jesus, para levar a cruz, à força. Por que razão, foi ele o escolhido e não outro? Seria por ele, possivelmente, ter uma tez diferente do resto dos outros homens, dado que era procedente de África, mesmo que do norte? Se virmos algumas pinturas e ilustrações diversas, a figura de ‘Simão de Cirene’ parece ser diferente do resto dos outros? Sem qualquer laivo de ‘racismo’ Simão de Cirene é uma figura, não meramente uma personagem sem conteúdo…
A atitude de ‘levar a cruz’ de Jesus, por parte de Simão de Cirene, envolve algo mais do que um gesto de suplência daquele condenado exausto – depois de horas de interrogatório, de noite, perante o sinédrio, de manhã, diante de Pilatos, no intervalo até à condenação torturado pelos soldados romanos e, por fim, carregando a própria cruz…rumo ao local da execução. Simão entra numa fase decisiva e crucial do processo: ajudar a cumprir a condenação, levando o instrumento condenatório. Que significa, então, levar a cruz? Como é que Simão de Cirene é nosso modelo e condutor espiritual neste levar a cruz com Jesus? Simão caminha com Jesus – atrás dele, não ao lado e muito menos à frente – porque é o modelo do discípulo? Como é que, cada um de nós, deve fazer para ser discípulo de um Mestre que se entrega totalmente?
Atendendo a que a presença da figura de Simão de Cirene faz parte das estações da via-sacra (5.ª), deixamos um excerto de uma meditação escrita pelo Papa João Paulo II, por ocasião da 6.ª feira santa do ano 2000:
«Obrigaram Simão (cf. Mc 15, 21). Procederam assim os soldados romanos, porque temiam que o Condenado, exausto, não chegasse com a cruz ao Gólgota. E não poderiam executar a sentença da crucifixão que pesava sobre Ele. Procuravam um homem que O ajudasse a levar a cruz.
O olhar deles caiu sobre Simão. Obrigaram-no a carregar aquele peso. Pode-se facilmente imaginar que ele não estivesse de acordo e se opusesse. Levar a cruz com um condenado podia ser considerado um ato ofensivo para a dignidade dum homem livre. Embora contra vontade, Simão pegou na cruz para ajudar Jesus.
(...) Simão recebe um presente. Tornou-se “digno” d’Ele. Aquilo que, aos olhos da multidão, podia ofender a sua dignidade, na perspetiva da redenção conferiu-lhe, pelo contrário, uma nova dignidade.
O Filho de Deus fê-lo participante, de modo singular, na sua obra salvífica. Será que Simão sabe disto? O evangelista Marcos identifica Simão de Cirene como sendo “pai de Alexandre e Rufo” (15, 21). Se os filhos de Simão de Cirene eram conhecidos na primitiva comunidade cristã, pode-se pensar que também o pai, precisamente quando levava a cruz, tenha acreditado em Cristo. Passou livremente da imposição à disponibilidade, como se tivesse ouvido intimamente estas palavras: “Quem não Me segue com a sua cruz, não é digno de Mim”. Levando a cruz, foi iniciado no conhecimento do evangelho da cruz. Desde então, este evangelho tem falado a muita gente, a cireneus sem conta, chamados no decurso da história a levar a cruz juntamente com Jesus» (2).

1. Cf. Nota a Mc 15,21, na Bíblia Sagrada dos capuchinhos.

2. Cf. João Paulo II, ‘Meditações e orações’: Coliseu, sexta-feira santa, 21 de abril de 2000 (5.ª estação)

António Sílvio Couto

quinta-feira, 24 de março de 2022

‘Consagração’ político-cultural...cristã

 


Na próxima 6.ª feira, dia 25 de março, o Papa Francisco vai realizar mais um ‘ato consagração ao Imaculado Coração de Maria’, tendo em conta a guerra/invasão da Ucrânia pela Rússia, desde há cerca de um mês.

Na oração prevista proferir, o Papa faz um diagnóstico algo tenebroso, mas realista das razões e das consequências dos tempos mais recentes. Citamos alguns aspetos desta Consagração:


* Diagnóstico
«Mas perdemos o caminho da paz. Esquecemos a lição das tragédias do século passado, o sacrifício de milhões de mortos nas guerras mundiais. Descuidamos os compromissos assumidos como Comunidade das Nações e estamos a atraiçoar os sonhos de paz dos povos e as esperanças dos jovens. Adoecemos de ganância, fechamo-nos em interesses nacionalistas, deixamo-nos ressequir pela indiferença e paralisar pelo egoísmo. Preferimos ignorar Deus, conviver com as nossas falsidades, alimentar a agressividade, suprimir vidas e acumular armas, esquecendo-nos que somos guardiões do nosso próximo e da própria casa comum. Dilaceramos com a guerra o jardim da Terra, ferimos com o pecado o coração do nosso Pai, que nos quer irmãos e irmãs. Tornamo-nos indiferentes a todos e a tudo, exceto a nós mesmos. E, com vergonha, dizemos: perdoai-nos, Senhor!».

Palavras duras nesta análise do Papa: esquecimento as liçôes do passado, descuido nos compromissos, traição aos sonhos de paz, adoecemos de ganância, fechamo-nos em nacionalismos, deixamo-nos ressequir pela indiferença, preferimos ignorar Deus, tornnamo-nos indiferentes a todos e a tudo...

* Expetativa
«Por isso recorremos a Vós, batemos à porta do vosso Coração, nós os vossos queridos filhos que não Vos cansais de visitar em todo o tempo e convidar à conversão. Nesta hora escura, vinde socorrer-nos e consolar-nos. Repeti a cada um de nós: «Não estou porventura aqui Eu, que sou tua mãe?» Vós sabeis como desfazer os emaranhados do nosso coração e desatar os nós do nosso tempo. Repomos a nossa confiança em Vós. Temos a certeza de que Vós, especialmente no momento da prova, não desprezais as nossas súplicas e vindes em nosso auxílio».

Numa súplica filial ao coração da Mãe, esperamos que Ela desate os nós...interiores e exteriores

* Entrega
«O vosso pranto, ó Mãe, comova os nossos corações endurecidos. As lágrimas, que por nós derramastes, façam reflorescer este vale que o nosso ódio secou. E, enquanto o rumor das armas não se cala, que a vossa oração nos predisponha para a paz. As vossas mãos maternas acariciem quantos sofrem e fogem sob o peso das bombas. O vosso abraço materno console quantos são obrigados a deixar as suas casas e o seu país. Que o vosso doloroso Coração nos mova à compaixão e estimule a abrir as portas e cuidar da humanidade ferida e descartada».

Nas lágrimas e  no carinho materno de Maria, confiamos, como humanidade ferida e destroçada pela guerra.

* Consagração
«Por isso nós, ó Mãe de Deus e nossa, solenemente confiamos e consagramos ao vosso Imaculado Coração nós mesmos, a Igreja e a humanidade inteira, de modo especial a Rússia e a Ucrânia. Acolhei este nosso ato que realizamos com confiança e amor, fazei que cesse a guerra, providenciai ao mundo a paz. O sim que brotou do vosso Coração abriu as portas da história ao Príncipe da Paz; confiamos que mais uma vez, por meio do vosso Coração, virá a paz. Assim a Vós consagramos o futuro da família humana inteira, as necessidades e os anseios dos povos, as angústias e as esperanças do mundo».

Ao Imaculado Coração de Maria entregamos as dores de todos e de cada um, hoje e para sempre!

 

António Silvio Couto

terça-feira, 22 de março de 2022

Folha-em-branco

 


Foi com estupefação e vergonha que se viu, na Rússia, um jovem ser preso pela simples razão de ostentar uma folha em branco na rua… As autoridades policiais consideraram que isso seria uma manifestação individual contra os interesses políticos da cidade e, por conseguinte, do país…

Já pensávamos ter visto todas as formas de ditadura, mas, cada dia, somos espantados como novas figurações de despotismo, mesmo que possa ser legal ou legalizado, sob a alçada da normalidade ou roçando o que possa ser mais inverosímil…

 1. Por que se mantem uma espécie de manto silencioso sobre tantas tropelias vindas do país das matrioskas? Será este conflito – para já com a Ucrânia – mais uma artimanha saída de dentro de outra e que esconde tantas mais? Teremos estado atentos às subtilezas de pseudodemocratização que por aquelas bandas disseram existir? Por que há forças em países sob o regime da democracia que ainda têm laivos de condescendência para com os sequazes de Lenine, Trotsky ou Brejnev? Os tentáculos imperialistas alguma vez foram cerceados naquelas regiões?

 2. Vivemos num tempo onde é fácil manipular, mesmo que se pense estar a noticiar. Mais do que as ‘falsas notícias’ são graves as notícias falsas, pois estas alimentam aquelas e fazem-nos acreditar em balelas de mau gosto e de péssimo agoiro. Por ocasião dos tempos de guerra surge, de alguma forma, uma expressão recorrente: a ‘manipulação psicológica’, isto é, uma espécie de desinformação onde não se diz a verdade toda (ou só aquela que interessa) e com isso se tenta ganhar ascendente sobre os contendores: dados mais relevantes são tornados de pouca monta e as pequenas ‘vitórias’ exaltadas como façanhas. Será sempre desconfiar de quem nos quer dizer ‘a’ verdade, pois pode afinal, estar a impingir-nos a maior mentira. Será aconselhável que não se veja sempre o mesmo canal nem sequer a mesma cadeia informativa…

 3. Já na pandemia assistimos ao mesmo fenómeno: uma avalanche de peritos – o termo castelhano é ‘expertos’ – tem vindo a enxamear os canais televisivos para falarem da guerra: táticas, argúcias, movimentações, subtilezas…à mistura com posições nem sempre claras sobre de cada lado da barricada se posicionam… até os jornalistas se convencem que sabem e nos dizem o que foi colado (literalmente) com saliva, portanto, sem arte nem jeito para disfarçar a ignorância sobre os assuntos… Esta pantominice de pequeninos faz com que não saibamos se o que aparece nas televisões é para entreter ou se manifesta algo de menos sério em tantas das notícias. Quando quiseram fazer dos noticiários – longos e fastidiosos – espaços de entretenimento-espetáculo começamos a suspeitar se não querem fazer da miséria alheia algo a explorar até ao espremer do limão…

 4. Olhemos com atenção mínima para a folha em branco, motivadora do ato censurável de prisão…na Rússia. Recordemos outras situações em que alguém usou uma folha em branco – com a diferença de nela ter sido colocado um ponto negro no centro da mesma. Foi solicitado que escrevessem sobre aquela folha com o ponto negro escrito: uns filosofaram sobre o espaço vazio; outros – poucos, diga-se – tentaram encontrar a razão do ponto lá colocado; outros ainda não sentiram inspiração para refletirem sobre a simbologia da folha-branca-com-um-ponto-negro.

Agora que estamos em guerra em território europeu – depois de mais de sete décadas após a segunda guerra mundial, à exceção do tempo de conflito nos Balcãs (décadas de 80 e de 90) – podemos perceber um tanto melhor como é preciosa a paz e como ela está presa por arames, se houver alguém que pretenda impor-se aos outros ou, à maneira medievalesca, conquistar terrenos para expandir as suas pretensões hegemónicas.

 5. Os nossos dias estão mais sensíveis às questões da paz, da solidariedade e mesmo da justiça, mas faltam valores e princípios capazes de fazer destes sinais mais difundidos de comunhão coletiva – pandemia e guerra – como apelos à conversão de vida e de culturas. Seremos capazes de mudar de critérios?

 

António Sílvio Couto

sábado, 19 de março de 2022

Quaresma 2022 - figuras da Paixão

 4. Criada provocadora: para além das negações de Pedro


Temos de saber responder às provocações...nem sempre inócuas ou inocentes, mas antes servidas com subtileza nem tão ‘santa’ quanto poderíamos considerar. Pedro será sujeito a essas provocações: de um soldado, de um servo do sumo-sacerdote e de uma criada/porteira…naquilo que são consideradas as ‘negações de Pedro’. Enquanto Jesus declarava a sua identidade de Messias de Deus, perante o sinédrio, Pedro, paredes-meias, negava-o, não O reconhecendo diante daqueles que o interrogavam…
Fixamos a nossa atenção na criada provocadora… e naquilo que tal atitude pode significar.
«66 Estando Pedro em baixo, no pátio, chegou uma das criadas do Sumo-Sacerdote 67 e, vendo Pedro a aquecer-se, fixou nele o olhar e disse-lhe: «Tu também estavas com Jesus, o Nazareno.» 68 Mas ele negou, dizendo: «Não sei nem entendo o que dizes.» Depois, saiu para o átrio e um galo cantou. 69 A criada, vendo-o de novo, começou a dizer aos que ali estavam: «Este é um deles.» 70 Mas ele negou outra vez. Pouco depois, os presentes disseram de novo a Pedro: «Com certeza que és um deles, pois também és galileu.» 71 Ele começou, então, a dizer imprecações e a jurar: «Não conheço esse homem de quem falais!» 72 E logo cantou o galo pela segunda vez. Pedro recordou-se, então, das palavras de Jesus: «Antes de o galo cantar duas vezes, tu me terás negado três vezes.» E desatou a chorar» (Mc 14, 66-72 // Mt 26, 69-75; Lc 22, 54-62; Jo 18, 15-18.25-27).
Neste contexto da paixão vamos abordar mais do que as negações de Pedro, quem o provoca para que tal aconteça. As negações de Pedro continuam a ser um mistério idêntico ao da traição de Judas Iscariotes: como que dois discípulos, que viveram no círculo de intimidade com Jesus, se tornam ’exemplos’ a não-seguir? Se bem que a diferença entre Pedro e Judas seja o arrependimento, ambos atraiçoaram o Mestre; ambos se envergonharam dele: um vendeu-o e outro disse que não O conhecia; ambos fugiram a serem discípulos desse com quem conviveram e aprenderam na escola da vida…simples, pobre e entregue.
Atendemos, neste contexto da Paixão-morte-ressurreição de Jesus, mais ao significado da mulher (e dos outros interpelantes) que confronta Pedro do que ao alcance das suas negações. Com efeito, ao repisar das três abordagens (segundo os diferentes textos dos evangelhos) a Pedro – ora pela criada do sumo-sacerdote, ora pelo parente de Malco, ora por um soldado ou ainda um circunstante que se aquecia na mesma fogueira que ele – e a incapacidade em ser assumir discípulo de Jesus, isso terá sido importante – embora não desculpe – para os discípulos de todos os tempos que fraquejaram, quando foram desafiados a darem testemunho do Mestre e Senhor.
Veja-se o caso dos ‘lapsi’ (1), que não se assumiram cristãos e baquearam na hora da provação, sobretudo em maré de perseguição… dando escândalo, mas que, posteriormente, se arrependeram e quiseram ser novamente aceites na comunhão dos irmãos. Seria nesse sentido a inserção das provocações a Pedro? Como se poderia considerar digno de assumir alguma responsabilidade quem teve medo e se envergonhou do Senhor? Isso mesmo será reposto na tríplice confissão de Pedro em Jo 21, 15-18. Afinal, a incongruência e a falta de coragem no testemunho percorre toda a história do cristianismo, tanto dentro como fora da Igreja católica!
Em tempos não muito recuados era habitual usar uma expressão, que, entretanto, foi perdendo visibilidade ou que se foi vulgarizando a atitude: ‘respeitos-humanos’ (2). Em que consiste tal conceito? Como se manifesta essa ‘vergonha’ sobre o ser cristão? Terá Pedro, desafiado pela criada nas passagens das negações, vivenciado esse comportamento, hoje, tão comum e tolerado?
A Igreja católica sempre cuidou dos seus filhos – tanto os que se dizem ‘estar dentro’ como aqueles que qualquer fora se foram excluindo – nessa contínua maternidade. Porque será que o prevaricador – o que negou o Mestre – é Pedro e não outro do grupo dos doze? Ser aquilo que envolve o ‘chefe’ dá maior escândalo? A reintegração será, por isso, um sinal com um significado mais especial?
«Mas a generosidade impetuosa de Pedro não o salvaguarda dos riscos relacionados com a debilidade humana. De resto, é o que também nós podemos reconhecer com base na nossa vida. Pedro seguiu Jesus com ímpeto, superou a prova da fé, abandonando-se a Ele. Contudo chega o momento no qual também ele cede aos receios e cai: trai o Mestre (cf. Mc 14, 66-72). A escola da fé não é uma marcha triunfal, mas um caminho repleto de sofrimentos e de amor, de provas e de fidelidade a ser renovada todos os dias. Pedro, que já tinha prometido fidelidade absoluta, conhece a amargura e a humilhação da renegação: o atrevido aprende à sua custa a humildade. Também Pedro deve aprender a ser frágil e carente de perdão. Quando finalmente perde a máscara e compreende a verdade do seu coração frágil de pecador crente, cai num libertador choro de arrependimento. Depois deste choro ele já está pronto para a sua missão» (3).
É digno de referência ainda neste contexto aquilo que se diz sobre o ‘galo’, como o despertador da consciência de Pedro: «Depois, saiu para o átrio e um galo cantou» (v. 68); «E logo cantou o galo pela segunda vez» (v. 72). Associado à atitude de despertar – ‘a hora do cantar do galo’, isto é, ao romper do dia – isto que nos é referido no contexto da paixão de Jesus, após as três negações de Pedro, está associado à atitude de vigilância que devia caraterizar a vida de cada discípulo de Jesus (cf. Mc 13,35), pois, como Pedro precisamos de estar atentos para não O negarmos de forma alguma, sobretudo nas horas em que temos de dar testemunho, por palavras e por obras, dele (4). Enquanto acontece o interrogatório a Jesus, perante o sinédrio, Pedro negou o Mestre, mas foi despertado dessa sonolência, quando o galo cantou…Precisamos de ser acordados também hoje, nesta Igreja católica adormecida!  


1. «Vede, irmãos, como deveis proceder vós também: se corrigirdes com a vossa exortação aqueles que caírem, e eles forem de novo presos, confessarão a fé, para reparar o erro anterior. Igualmente vos lembramos outros deveres que haveis de ter em conta: se aqueles que sucumbiram nesta provação e, arrependendo-se do que fizeram, desejarem reentrar na comunhão, devem ser socorridos, também as viúvas e os indigentes, que não podem valer-se a si mesmos, os que estão na prisão, os que foram afastados para longe de suas casas, todos devem ter quem os ajude; do mesmo modo devem ser socorridos  os catecúmenos que adoecem, para que não se sintam desiludidos na sua esperança» - S. Cipriano, ‘Carta 8’, 3, in Antologia litúrgica, 1022.
2. «É preciso recuperar e revigorar uma sabedoria política autêntica; ser exigente no que se refere à própria competência; servir-se criticamente das pesquisas das ciências humanas; enfrentar a realidade em todos os seus aspetos, indo além de qualquer reducionismo ideológico ou pretensão utópica; mostrar-se aberto a todo o diálogo e colaboração autênticos, tendo presente que a política é também uma complexa arte de equilíbrio entre ideais e interesses, mas sem jamais esquecer que a contribuição dos cristãos só é decisiva se a inteligência da fé se torna inteligência da realidade, chave de juízo e de transformação» - Papa Bento XVI, ‘Discurso na plenária do Pontifício Conselho para os leigos’, 24 de maio de 2010.
3. Cf. Papa Bento XVI, ‘Audiência geral’, 24 de maio de 2006.
4. Cf. Dicionário enciclopédico da Bíblia, col 620; Manfred Lurker, Dicionário de figuras e símbolos bíblicos, S. Paulo, Paulus, 1993, pp. 112-113; Gerd Heinz-Mohr, Dicionário dos símbolos: imagens e sinais na arte cristã, S. Paulo, Paulus, 1994, pp. 170-171.


António Sílvio Couto


quinta-feira, 17 de março de 2022

Um saramago na campa do zeca...

 


Mais do que algo irónico, este ‘episódio’ resulta de uma visita esporádica a um cemitério – no final deste texto diremos qual (*) – onde pude constatar o estado de abandono de tantos lugares de repouso dos restos mortais lá colocados. Embora seja um espaço primigénio de sepultamento de uma cidade média no nosso país, por ali se podem já verificar as conquistas de uma etnia que vai adquirindo os jazigos abandonados, dando-lhes o seu toque de aparente modernidade, embora sem gosto nem enquadramento adequado...

 1. Com a vaga de mortes da recente pandemia – onde tantas vezes faltou o tempo de luto necessário – vemos que o tema da morte saiu de um certo armário (quase) ideológico: embora deixado à distância, o assunto surgiu de roupante na vida de tantas pessoas, umas tentando fugir-lhe, outras como que varrendo-o para debaixo do tapete de uma certa existência fútil e outros ainda querendo resolver o caso foram incinerando os restos para não mais voltar a enfrentar-se com fantasmas e medos.

 2. Várias questões me têm assaltado, neste últimos anos: por que não conseguiu esta pandemia atrair as pessoas a Deus, pelo contrário mais pareceram exorcizá-lo das suas vidas? O confinamento social não foi mais uma desculpa do que um modo de enfrentar o problema? As agruras para debelar o vírus não trouxeram outros vírus bem mais mortíferos e insanáveis? O enquistamento de tantas mentalidades não será resultado de más opções, mesmo religiosas, nas diversas fases de fechamento de uns aos outros? Os cuidados higiene-sanitários não conspurcaram muitas cabeças, que agora vemos mais vazias e ocas?

 3. Confesso, na minha possível tacanhez inteletual, que me custa entender as reações dos nossos contemporâneos às questões de morte, seja antes dela se verificar, seja nas manifestações a ela referidas: dá a impressão que muita gente não se considera na possibilidade certa – a única que temos em toda a vida – de virem a morrer, isto é, vivem como se isso seja coisa para outros, mas não consigo mesmas. Já lá vai o tempo em que as pessoas viviam em função da morte, cuidando de terem medos para o funeral, guardando um-pé-de-meia para esse derradeiro momento. Quantas vezes as pessoas deixavam modos e meios de sufrágio para depois de falecerem. Quem podia até doava os seus bens (ou parte deles) para as obras da Igreja... daí termos tantos templos e espaços de fé com dignidade e dignificação.

 4. Nesta sociedade, que trata tão atenciosamente o corpo (na sua dimensão material), como que podemos perceber a desvalorização da dimensão espiritual e religiosa. É confrangedor que vejamos tantas pessoas a desperdiçarem a força psicológica que contêm, menosprezando o que há de mais forte na dedicação aos valores espirituais: ver rastejar quem devia erguer-se, torna-se impressionante no descalabro e, sobretudo, na perda de experiência de quanto é mais belo e forte do que as meras sensações pouco-mais-do-que-animalescas.

 5. Urge, por isso, que não vivamos só nesta onda de horizontalismo – esse estar só na horizontal, sem capacidade de se elevar nem de ser elevado – com que tantos cidadãos gastam o seu tempo. Não podemos continuar a cuidar só do corpo, tornando-o um tanto saudável, mas depreciando as coisas da alma, pois sem esta nada seremos nem vida teremos. Do tempo em que se descurava o corpo e se enfatizava a alma, caímos no oposto, apresentando as pessoas saudáveis biologicamente, mas vazias de valores, de princípios ético/morais e ao sabor de um epicurismo demasiado materialista... É preciso equilíbrio tanto na vida como na morte! Os saramagos na campa florescem como mensagem nova!

 (*) A campa era do zeca afonso, no cemitério da Piedade, em Setúbal, onde está sepultado o cantautor revolucionário, mas de cuja tumba retiram os adereços – percebe-se pelo espaço vazio na lápide – ideológicos a que o quiseram aferrar...indevidamente!

 

António Silvio Couto

terça-feira, 15 de março de 2022

Sinais de fé por entre escombros

 


Circulou, por estes dias, nas redes sociais, um pequeno vídeo de minuto e meio, sobre o momento em que, segundo as fontes, era trasladado o Santíssimo Sacramento (Jesus nas hóstias consagradas) da catedral para um bunker em Kiev, Ucrânia. À passagem dos carros assinalados com a presença de Jesus-eucaristia as pessoas ajoelhavam, mesmo na neve, e benziam-se em sinal de respeito e de adoração.

Ao ver aquelas cenas ficou-me, desde logo, a comparação com o que aconteceria, se talvez se verificasse no nosso país: os habitantes (cidadãos, possivelmente cristãos/católicos) continuariam as suas lides…comendo ou bebendo, conversando ou voltando as costas…como se nada estivesse a passar-se.

Talvez esteja, neste como noutros pontos, a diferença e a superficialidade entre uns e outros.

 1. É dramático o panorama de insensibilidade às questões religiosas e de índole espiritual numa boa parte dos nossos concidadãos. Uma larga faixa de pessoas – alguns dizem que até aos quarenta anos – vive à margem das temáticas que envolvem assuntos de fé e muito menos de natureza cristã. Podem usar ainda os serviços da Igreja, mas dela mais não querem do que aquilo que lhes possa facultar a concretização das suas pretensões sociais ou mais ou menos culturais. Ainda um dia destes tive umas promessas de escuteiros – onde estavam presentes os pais e familiares dos que tinham a sua ‘festa’ – a participação na celebração era a de estar calado (coisa bem boa, se não for entretida com o dedilhar do telemóvel) e de um assustador silêncio por ocasião das respostas nos diálogos da missa…

 2. Sem pretender reduzir o plano de observação desta reflexão a este setor juvenil na Igreja, ficaram-me várias interrogações: que se aproveita, afinal, dos anos da (dita) catequese – dez anos é tempo em excesso ou temos andado a entreter-nos com minudências sem nexo? A aposta num certo vetor da catequese não estará anquilosado e sem resposta aos problemas de hoje, mas com soluções do passado? Andarmos a substituir a família à aquisição de conceitos não terá servido este panorama de deserto espiritual nas nossas assembleias rituais? Não teremos, de forma clara, audaz e sincera, de optar por outros métodos do que estes em uso? Em vez das crianças não deveriamos preferir as famílias para um tal novo sistema catequético? Não será preciso desfazer um certo espírito de rebanho nessas ‘festas’ de catequese, onde tantos chegam de repente que a assembleia habitual não consegue enquadrar os ‘invasores’?  Numa palavra: para problemas novos, urge encontram soluções diferentes…

 3. O desporto, as artes e outras atividades sociais concorrem – às vezes excluem – com aquilo que os proponentes religiosos ainda vão apresentando. Com formas muito subtis fomos perdendo a capacidade de cativar pais e filhos e estes – quais marionetas nas intenções dos mais velhos – foram sendo arrastados para fora dos espaços de propostas espirituais. Quem não se apercebeu que a marcação dos momentos desportivos – futebol, hóquei, atletismo, sessões de artes marciais, ginástica ou outras – para as manhãs de domingo eram uma forma de concorrência, nalguns casos desleal, mais fascinante e apelativa? As igrejas foram-se esvaziando e os pavilhões enchendo de praticantes e assistentes. A atração ao divino foi esmorecendo na proporção das vitórias e conquistas. Quais gurus de novas ‘religiões’ os diretores e responsáveis de secções tomaram o espaço dos catequistas e afins. Façamos o diagnóstico simples e desapaixonado, tentando encontrar soluções com respostas atualizadas…

4. Agora podemos analisar algo que aprendemos com o tempo da pandemia. Talvez seja útil vermos como podemos usar as ferramentas e meios da internet para darmos mais e melhor conteúdo às propostas de evangelização daí decorrentes. Na pandemia foi recurso, agora poderá servir de veículo mais alargado, amadurecido e comprometido, sabendo conciliar o anónimo com a vertente pessoal das questões e dos problemas. Fomos aprendendo a comunicar, mas precisamos de investir na arte de tal fazer. Uma missa em meio de internet não é igual à que acontece de modo presencial. Não basta mostrar o que se faz, é preciso fazê-lo segundo as regras dessa comunicação. Caminhando juntos – em Sínodo – havemos de conseguir!

 

António Sílvio Couto

domingo, 13 de março de 2022

Quaresma 2022 - figuras da Paixão

 

3. Pilatos: executor político


Pilatos é uma figura com reconhecimento histórico – presente nas palavras que rezamos no Credo niceno-constantinopolitano: Jesus ‘padeceu sob Pôncio Pilatos’ – como que nos reporta a uma autoridade que tem poder, mas este nem sempre lhe confere autoridade! Pilatos, de alguma forma, simboliza os autoritários de todos os tempos, inclusive os dos nossos dias.
«28 De Caifás, levaram Jesus à sede do governador romano. Era de manhã cedo e eles não entraram no edifício para não se contaminarem e poderem celebrar a Páscoa. 29 Pilatos veio ter com eles cá fora e perguntou-lhes: «Que acusações apresentais contra este homem?» 30 Responderam-lhe: «Se Ele não fosse um malfeitor, não to entregaríamos.» 31 Retorquiu-lhes Pilatos: «Tomai-o vós e julgai-o segundo a vossa Lei.» «Não nos é permitido dar a morte a ninguém», disseram-lhe os judeus, 32 em cumprimento do que Jesus tinha dito, quando explicou de que espécie de morte havia de morrer.
33 Pilatos entrou de novo no edifício da sede, chamou Jesus e perguntou-lhe: «Tu és rei dos judeus?» 34 Respondeu-lhe Jesus: «Tu perguntas isso por ti mesmo, ou porque outros to disseram de mim?» 35 Pilatos replicou: «Serei eu, porventura, judeu? A tua gente e os sumos-sacerdotes é que te entregaram a mim! Que fizeste?» 36 Jesus respondeu: «A minha realeza não é deste mundo; se a minha realeza fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que Eu não fosse entregue às autoridades judaicas; portanto, o meu reino não é de cá.» 37 Disse-lhe Pilatos: «Logo, Tu és rei!» Respondeu-lhe Jesus: «É como dizes: Eu sou rei! Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz.» 38 Pilatos replicou-lhe: «Que é a verdade?»
19 1 Então, Pilatos mandou levar Jesus e flagelá-lo. 2 Depois, os soldados entrelaçaram uma coroa de espinhos, cravaram-lha na cabeça e cobriram-no com um manto de púrpura; 3 e, aproximando-se dele, diziam-lhe: «Salve! Ó Rei dos judeus!» E davam-lhe bofetadas.
4 Pilatos saiu de novo e disse-lhes: «Vou trazê-lo cá fora para saberdes que eu não vejo nele nenhuma causa de condenação.» 5 Então, saiu Jesus com a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Disse-lhes Pilatos: «Eis o Homem!» 6 Assim que viram Jesus, os sumos-sacerdotes e os seus servidores gritaram: «Crucifica-o! Crucifica-o!» Disse-lhes Pilatos: «Levai-o vós e crucificai-o. Eu não descubro nele nenhum crime.» 7 Os judeus replicaram-lhe: «Nós temos uma Lei e, segundo essa Lei, deve morrer, porque disse ser Filho de Deus.»
8 Quando Pilatos ouviu estas palavras, mais assustado ficou. 9 Voltou a entrar no edifício da sede e perguntou a Jesus: «Donde és Tu?» Mas Jesus não lhe deu resposta. 10 Pilatos disse-lhe, então: «Não me dizes nada? Não sabes que tenho o poder de te libertar e o poder de te crucificar?» 11 Respondeu-lhe Jesus: «Não terias nenhum poder sobre mim, se não te fosse dado do Alto. Por isso, quem me entregou a ti tem maior pecado.»
12 A partir daí, Pilatos procurava libertá-lo, mas os judeus clamavam: «Se libertas este homem, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei declara-se contra César.»
13 Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e fê-lo sentar numa tribuna, no lugar chamado Lajedo, ou Gabatá em hebraico. 14 Era o dia da Preparação da Páscoa, por volta do meio-dia. Disse, então, aos judeus: «Aqui está o vosso Rei!» 15 E eles bradaram: «Fora! Fora! Crucifica-o!» Disse-lhes Pilatos: «Então, hei de crucificar o vosso Rei?» Replicaram os sumos-sacerdotes: «Não temos outro rei, senão César.» 16 Então, entregou-o para ser crucificado. E eles tomaram conta de Jesus» (Jo 18,28-38 // Mt 27,1-2.11-26; Mc 15,1-15; Lc 23,1-7.13-25; Jo 19,1-16 // Mt 27,27-31; Mc 15,16-20).

O evangelho de São João dá grande importância e destaque ao processo de Jesus perante Pilatos (1). Nota-se, no desenrolar da narrativa, um grande contraste dos intervenientes: serenidade e segurança de Jesus, enquanto os seus ‘inimigos’ manifestam agitação e ansiedade… e onde Pilatos flutua ao sabor das suas inconstâncias pessoais e de poder.
Numa leitura dinâmica vemos que esta etapa do processo de Jesus decorre em sete cenas, no exterior e no interior da ‘sede do governador’ Pilatos. Eis os momentos:
- ‘Pilatos veio ter com eles cá fora’ (v. 29) - dá-se o diálogo inicial e de acusação-entrega de Jesus ao braço político do acontecimento, numa espécie de mistura entre o sagrado e o profano;

-’Pilatos entrou de novo no edifício da sede’ (v. 33) - verifica-se o primeiro diálogo entre Pilatos e Jesus, tendo por base a questão da realeza de Jesus, desfazendo-se a impressão de que era um poder temporal até se compreender que essa ‘realeza’ é do foro espiritual e terminando com a questão de Pilatos sobre ‘o que é a verdade? (v. 38 a);

- Pilatos ‘foi ter de novo com os judeus’ (v. 38 b) - baralhado com a conversa tida com Jesus, onde nada daquilo que suspeitava - o perigo ao seu poder - Pilatos confronta-se com os judeus - já não só os chefes e introduz um novo item: quem desejam que seja, este ano, libertado: o ‘rei dos judeus’ (sem qualquer crime) e um tal Barrabás (um salteador), que foi trazido de repente à colação? A escolha está inquinada e a turba manipulada... (2). Pilatos percebe que as autoridades do templo e a multidão têm critérios diferentes dos seus e, numa espécie de populismo barato, deixa-se ir pelo que deseja a maioria, mesmo que fosse injusta.

- ‘Pilatos mandou levar Jesus e flagelá-lo’ (19, 1) - numa espécie de intervalo - passamos para o capítulo 19 - e, num contexto interior, é referida a técnica romana da flagelação (3), que mudará em maior agressividade para com Jesus

- ‘Pilatos saiu de novo’ (v. 4) - Pilatos apresenta Jesus: ‘eis o homem’ (v. 5), flagelado, coroado de espinhos e, por troça, revestido com um manto de púrpura. Pensando que arrefecia os ânimos com aquela figuração, Pilatos recebeu, da parte dos sumos-sacerdotes e dos seus sequazes, um grito de condenação ainda mais atroz, a crucifixão... Parece que tudo muda em desfavor de Jesus, pois é introduzido um novo elemento: a lei divina - ‘Nós temos uma Lei e, segundo essa Lei, deve morrer, porque disse ser Filho de Deus» (v. 7). Não era, afinal, essa a razão - o de se ter feito ‘filho de Deus’ - do julgamento já produzido pelos chefes religiosos? Ao introduzir isto no braço político vemos que se unem todas as forças contra Jesus...

- Pilatos ‘voltou a entrar no edifício da sede’ (v. 9) - o poder de Pilatos parece estar em risco, pois, pode ter diante de si um ‘ser divino’. O diálogo, que antes fora cordial e de alguma ascendência sobre Jesus, passa, agora, a ser de medo - ‘ficou assustado’ (v. 8). Mais uma vez Jesus desfaz os mitos que povoavam Pilatos, o seu poder é de outra natureza, que não interfere nos seus pequenos poderes terrenos...

- ‘Pilatos trouxe Jesus para fora e fê-lo sentar numa tribuna’ (v. 13) (4) - chegamos ao momento derradeiro do julgamento - político, instrumentalizado pelo religioso, que, por seu turno manipulou as multidões - feito por Pilatos. A perícope relativa a Pilatos começa com a referência à celebração da Páscoa (18,23) e termina com a alusão ao ‘dia da preparação da Páscoa’ (v. 19,14) - de manhã cedo até por volta do meio-dia (ou hora sexta)... Condenado à crucifixão, Jesus toma a cruz...«às costas» (v. 17). São João é o único dos evangelistas que faz referência ao levar a cruz às costas...

O evangelista São Mateus regista ainda dois outros aspetos sobre Pilatos: a advertência do sonho da mulher (cf. Mt 27, 11-19) e o gesto de lavar as mãos, em sinal de não-compromisso com a decisão de condenarem Jesus (cf. Mt 27, 24-25). Este último gesto referido em relação a Pilatos – o lavar-das-mãos – tem sido usado, na cultura popular, ainda insuflada por alguns critérios e imagens cristãs, para significar ou exemplificar a cobardia e o não-tomar decisões difíceis, numa linha de incoerência e de fuga ao compromisso em Jesus e com Jesus… Não haverá tantos que usam esta mesma técnica, numa fuga para o lado? Pior do que não tomar posição, é fazer-de-conta que se é anódino, neutro ou de um diálogo sem resposta…

«O facto é que a realeza de Jesus é bastante diferente daquela mundana. «O meu reino – diz a Pilatos – não é deste mundo» (Jo 18, 36). Ele não vem para dominar, mas para servir. Não chega com sinais de poder, mas com o poder dos sinais. Não está vestido com insígnias preciosas, mas está nu na cruz. E é precisamente na inscrição colocada na cruz que Jesus é definido “rei” (cf. Jo 19, 19). A sua realeza está deveras além dos parâmetros humanos! Poderíamos dizer que ele não é rei como os outros, mas é Rei para os outros. Pensemos nisto: Cristo, diante de Pilatos, diz que é rei no momento em que a multidão está contra Ele, ao passo que quando o seguia e o aclamava, ele distanciou-se daquela aclamação. Por outras palavras, Jesus mostra-se soberanamente livre do desejo de fama e glória terrena. E nós – perguntemo-nos – sabemos imitá-lo nisto? Sabemos governar a nossa tendência a sermos continuamente procurados e aprovados, ou fazemos tudo para sermos estimados pelos outros? No que fazemos, particularmente no nosso compromisso cristão, pergunto-me: o que conta? Contam os aplausos ou conta o serviço?» (5).



1. Pilatos aparece-nos referido por Flávio Josefo (37-100 d.C.) e Tácito (56-117 d.C.), escritores/historiadores, respetivamente, judeu e romano, e de forma pouco abonatória sobre a sua ação, nalguns casos, ofensiva para com os sentimentos religiosos dos judeus. Os evangelhos referem-no sobretudo como juiz do processo de Jesus. Vide Dicionário enciclopédico da Bíblia, col 1190-1191.
2. Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré, Lisboa, Esfera dos Livros, 2007, pp. 72-73.
3. A flagelação era uma das penas mais duras previstas no Direito romano, jamais aplicável a um cidadão romano. Os golpes, sem conta prevista, eram desferidos nas costas nuas da vítima atada a uma coluna, com chicotes de tiras de couro munidas de peças de metal ou osso nas extremidades, uma tortura suficiente para causar a morte. Em Mt e Mc, a flagelação aparece depois da sentença de condenação, como habitualmente sucedia, para debilitar as forças dos condenados à cruz (Mt 27, 26; Mc 15,15); em Lc, é anunciada como um castigo prévio (Lc 23,16); em João, que parece reproduzir com mais rigor o que se passou na realidade, tem o carácter de mais um expediente para evitar a sentença de morte contra um inocente: um rei tão abatido e esfacelado não constituía perigo para ninguém. Vide nota a Jo 19, 1-7 na Bíblia Sagrada (dos capuchinhos).
4. O texto permite outra tradução: “Pilatos...sentou-se”; mas a cena passa-se no exterior do tribunal e não há sentença. Esta ambiguidade parece intencional, para exprimir que o prefeito romano só na aparência é que é juiz; ele apenas entroniza Jesus, aquele que faz o julgamento decisivo (12,31). Esta entronização de Jesus poderia visar pôr a ridículo as autoridades judaicas (v.14.19-22), ao jeito de Pôncio Pilatos. Vide nota a Jo 19, 13, na Bíblia Sagrada (dos capuchinhos).
5. Cf. Papa Francisco, ‘Angelus’, 21 de novembro de 2021

António Sílvio Couto

sexta-feira, 11 de março de 2022

4 cavaleiros do Apocalipse

 

Os 4 cavaleiros do Apocalipse são símbolos que nos aparecem no livro de Apocalipse de São João, que no capítulo sexto nos descreve como o Cordeiro foi abrindo os selos do livro da vida. Ora os quatro primeiros selos, libertam diferentes cavalos, onde cavalga um cavalheiro, com significados diversos: o primeiro cavaleiro monta um branco que simboliza a conquista, o segundo é vermelho e descreve a guerra, o terceiro é preto e representa a fome e o quarto é pálido e tem o significado da morte.

Citamos o texto e tentaremos fazer uma leitura sobre os acontecimentos presentes.

1. Cavalo branco

«Depois, na visão, quando o Cordeiro abriu o primeiro dos sete selos, ouvi um dos quatro seres viventes que dizia com voz de trovão: «Vem!» E vi que apareceu um cavalo branco; o cavaleiro levava um arco e foi-lhe dada uma coroa. Depois, partiu vencedor para novas vitórias» (Ap 6, 1-2).
Ao primeiro selo do ‘livro do Cordeiro’ é referido que apareceu um cavalo branco, cujo cavaleiro com o arco e a coroa pode simbolizar a esperança da vitória dos cristãos, perseguidos ao tempo em que este livro é escrito. Ainda hoje os cristãos são tão perseguidos - de forma clara nalguns países ou de modo tácito em tantas nações - em tantas partes do mundo... Não é por acaso que se afirma que o século XX fez mais mártires que todas as perseguições dos quatro primeiros séculos do cristianismo...

2. Cavalo vermelho
«Quando Ele abriu o segundo selo, ouvi o segundo vivente que dizia: «Vem!» E saiu outro cavalo, que era vermelho; e ao cavaleiro foi dado o poder de retirar a paz da terra e de fazer com que os homens se matassem uns aos outros. Foi-lhe dada, igualmente, uma grande espada» (Ap 6, 3-4).
O segundo cavalo, associado à abertura do segundo selo do livro do Cordeiro, está associado à guerra com a cor vermelha de caraterização. A guerra esse flagelo que mata sem rosto e deixa um rasto de destruição por longo tempo. Cada vez que surgem sinais explícitos de guerra ficamos sob a possibilidade de serem cometidas as maiores atrocidades, sobretudo para com os mais frágeis e inocentes. Não é isso que temos visto nos últimos dias na terras da Ucrânia?

3. Cavalo preto
«Quando Ele abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro ser vivente que dizia: «Vem!» Na visão apareceu um cavalo negro. O cavaleiro tinha na mão uma balança. E ouvi algo semelhante a uma voz no meio dos quatro seres viventes que dizia: ‘Uma medida de trigo por um dinheiro e três medidas de cevada por um dinheiro. Mas não estragues o azeite nem o vinho’» (Ap 6, 5-6).
Ao cavalo preto está associada a fome, tanto ou mais mortífera que a guerra, pois atinge ainda mais fragilizados e sem meios de defesa. Continuamos a viver como se este drama ainda não continue a matar... É vergonhosa a promoção da sociedade de consumo, quando tantos não têm o mínimo de sobrevivência?

4. Cavalo esverdeado
«E, quando Ele abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto ser vivente que dizia: «Vem!» Na visão apareceu um cavalo esverdeado. O cavaleiro chamava-se «Morte»; e o «Abismo» seguia atrás dele. Foi-lhes dado poder sobre a quarta parte da terra, para matar pela espada, pela fome, pela morte e pelas feras da terra» (Ap 6,7-8).
O quarto cavaleiro galopa em promoção das doenças, da peste e da morte. Não foi isso que vivemos nos dois últimos anos, sob a configuração da pandemia? Será que conseguimos perceber este manto de morte, através das epidemias? Não andaremos excessivamente ocupados com futilidades para sermos capazes de nos questionarmos quanto ao que estamos a viver?

À semelhança da interpretação que os cristãos deram da mensagem do Apocalipse, assim hoje precisamos de nos a ajudar a discernir todos estes sinais, sem dramatismos, mas com fé e de olhos postos em Deus...



António Silvio Couto

domingo, 6 de março de 2022

Quaresma 2022 - figuras da Paixão

 2. Anás e Caifás: decisores religiosos

 


São duas autoridades religiosas que intervieram no processo da paixão de Jesus, apresentando ‘assuntos’ religiosos que O pudessem incriminar… Anás e Caifás como que simbolizam os inquisidores de todos os tempos, mesmo dos nossos.

 «19 Então, o Sumo-Sacerdote [Anás] interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina. 20 Jesus respondeu-lhe: «Eu tenho falado abertamente ao mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e não disse nada em segredo. 21 Porque me interrogas? Interroga os que ouviram o que Eu lhes disse. Eles bem sabem do que Eu lhes falei.» 22 Quando Jesus disse isto, um dos guardas ali presente deu-lhe uma bofetada, dizendo: «É assim que respondes ao Sumo-Sacerdote?» 23 Jesus replicou: «Se falei mal, mostra onde está o mal; mas, se falei bem, porque me bates?» 24 Então, Anás mandou-o manietado ao Sumo-Sacerdote Caifás» (Jo 18,19-24 // Mc 14, 55-65; Mt 26, 57-68; Lc 22, 66-71).

 Anás e Caifás (1) aparecem-nos evangelhos associados ao exercício de serem sumos-sacerdotes. Caifás era o sumo-sacerdote em exercício naquele ano (cf. Jo 18,13), enquanto Anás seria o sumo-sacerdote mais antigo, se quisermos o ancião da família, e que exerceu funções entre 6 e 17 d. C… era o sumo-sacerdote quando Jesus – na passagem dos evangelhos da infância (cf. Lc 2,41-52) – foi ao Templo, com doze anos. 

Sigamos, então, o interrogatório de Anás a Jesus sobre a sua pessoa, a sua doutrina e os seus seguidores.

Quem não conhece a expressão popular - ‘andar de Anás para Caifás’? Por certo quem usa tal frase, para além de conhecer, minimamente o contexto bíblico, quererá dizer que alguém quer adiar a solução de um problema e com isso, burocraticamente, usa os outros para não-resolver.

É precisamente nesta passagem de Jo 18,19-24 que encontramos a referência à expressão popular citada, isto é, Jesus é jogado e julgado – como num tribunal – entre os dois sumos-sacerdotes em funções na circunstância do seu julgamento (2).

Em primeira instância Jesus é interrogado por Anás sobre a ortodoxia da sua doutrina. Já em Jo 7,26 se fazia uma alusão àquilo que Jesus ensinava: «vede como Ele fala livremente e ninguém lhe diz nada! Será que as autoridades se convenceram de que Ele é o Messias?».

Uma questão: por que é que João narra este interrogatório de Anás a Jesus? Porque ele teve acesso ao espaço onde Jesus foi interrogado, em razão de ser «conhecido do sumo-sacerdote e pode entrar no seu palácio ao mesmo tempo que Jesus» (Jo 18,15)... coisa diferente aconteceu com Pedro, que só entrou em razão de ‘o outro discípulo’ ter conseguido tal favor...

No interrogatório, através da resposta de Jesus – «Eu tenho falado abertamente ao mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e não disse nada em segredo. 21 Porque me interrogas? Interroga os que ouviram o que Eu lhes disse. Eles bem sabem do que Eu lhes falei» (vv. 20-21) – podemos perscrutar que Jesus sabia que fosse qual fosse a sua resposta, o veredito já estava traçado, por isso, apela a que sejam chamados a serem testemunhas aqueles que, anteriormente, O escutaram e se entusiasmaram com as suas palavras, isto é, os seus discípulos: eram eles quem credibilizavam a sua doutrina...Jesus falou publicamente - na sinagoga e no templo - não andou a subverter pela calada da noite, como eles engendram na suas conspirações e artimanhas.

A agressão de um dos guardas a Jesus como que deixa expresso o desrespeito por Ele e que culminará na troça dos soldados romanos, após a sua condenação política, através de Pilatos. Não deixa de ser significativo que Jesus, silencioso em todo o processo, riposte à agressão: «Jesus replicou: «Se falei mal, mostra onde está o mal; mas, se falei bem, porque me bates?» (v. 23). Quererá dizer que, quando a injustiça é excessiva, não se pode ficar calado? Quererá dizer que, mesmo previamente sentenciado, não se pode calar a revolta, se ela for causada pela falta de conformidade entre a causa e o efeito? Como noutros momentos da paixão de Jesus, há perguntas que continuam a ecoar na História e exigem-nos, como discípulos de Jesus, uma resposta coerente e consequente...

E manietado, Jesus é enviado a Caifás, o tal que tinha profetizado após a ressurreição de Lázaro: «Mas um deles, Caifás, que era Sumo-Sacerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não entendeis nada, nem vos dais conta de que vos convém que morra um só homem pelo povo, e não pereça a nação inteira.» Ora ele não disse isto por si mesmo; mas, como era Sumo-Sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação» (Jo 11,49-51) e posteriormente, já no contexto do interrogatório de Anás, voltado a dizer: «tinha dado aos judeus o conselho: convém que morra um só homem pelo povo» (Jo 18,14). Com efeito, «o conteúdo da ‘profecia’ de Caifás é, antes de mais, de natureza absolutamente pragmática e, sob este aspeto, possui para ele, uma razoabilidade imediata; se por meio da morte de um indivíduo (e somente assim) se pode salvar o povo, a morte desse indivíduo é o mal menor e a via politicamente justa. Mas aquilo que soa assim e é entendido primariamente em sentido puramente pragmático alcança todavia, com base na inspiração ‘profética’ [do sumo-sacerdote Caifás], uma profundidade muito diferente. Jesus, o indivíduo, morre pelo povo, transparecendo o mistério da função vicária, que é o conteúdo mais profundo da missão de Jesus» (3). Esta função vicária vemo-la já, nos textos do Antigo Testamento, na figura do ‘bode expiatório’ (cf. Lv 16, 7-10) e mesmo na figura do ‘servo de Javé’ em Isaías (cf. Is 53,11), em que um morre por todos, tal como se diz em Jo 11,52: «E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos».

Em jeito de transição para o interrogatório perante o governador romano Pilatos, poderemos considerar que Jesus, ao ser levado diante do Sinédrio – composto por sacerdotes, anciãos do povo e escribas – foi inquirido sobre a sua identidade messiânica: «és o Messias, o filho de Deus» (Mt 26,63); «és tu o Messias, o filho de Deus bendito» (Mc 14, 61); «declara-nos se tu és o Messias Tu és, então, o filho de Deus» (Lc 22,67.70). Por seu turno, as respostas de Jesus abrangeram temas diferentes, segundo cada um dos evangelistas, nunca negando nem furtando-se a dizer quem era. «Jesus assumiu o título de Messias, que, com base na tradição, apresentava diversos significados, mas ao mesmo tempo o especificou de tal modo que só podia provocar uma condenação; esta, porém, poderia tê-la evitado com uma rejeição ou uma interpretação atenuada do messianismo» (4). O gesto simbólico da condenação vemo-lo nos rasgar das vestes, acompanhado da expressão: blasfemou! (cf. Mt 26, 65), com a declaração da sentença, que Pilatos haveria de ratificar, politicamente…   

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1. Anás é um sumo-sacerdote judeu, cujos cinco filhos e o genro, Caifás, e o neto Matias, foram também sumos-sacerdotes. No Novo Testamento é mencionado três vezes: Lc 3,2 - em referência ao ministério de João Batista; Jo 18, 13.19.24 - no contexto do interrogatório a Jesus; At 4,6 - no interrogatório a Pedro e João. Caifás aparece-nos nas mesmas passagens referidas a Anás, seu sogro. Em Mt 26, 3-4 coloca-se em relevo a intervenção de Caifás naquilo que foi a decisão de prender Jesus, à traição, e matá-lo. Vide Dicionário enciclopédico da Bíblia, Petrópolis, Vozes, 1992, col 69 e 222.

2. Em Lc 22,66-71 refere-se que Jesus foi submetido a um tribunal, o Conselho dos judeus, termo que designava a assembleia ou o lugar das reuniões. Segundo Lucas, só há uma sessão do Conselho de manhã; Mateus e Marcos falam de duas, uma de noite, outra de manhã. Lucas omite os depoimentos das testemunhas, apresenta o mistério de Jesus como Filho de Deus entronizado no seu Reino pela Páscoa e ignora a sentença do Conselho. Vide nota a Lc 22, 66, na Bíblia Sagrada (dos capuchinhos).

3. Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, Cascais, Principia, 2011, p. 143.

4. Cf. Idem, p. 149.

 

 

António Sílvio Couto

 

 

sábado, 5 de março de 2022

Batalha dos corações


 Desde que eclodiu a ‘guerra na Ucrânia’, pela invasão da Rússia, no passado dia 24 de fevereiro, que temos visto e ouvido as mais díspares interpretações, explicações, leituras, rotulagens e mesmo expressões descritivas ou informativas… De entre tantas dessas ouvi, porque foi na rádio, uma que ficou a ressoar em mim com mais intensidade: ‘batalha dos corações’.

Que lugar tem esta expressão, por entre tantos títulos ou gestos? Que envolvência pode significar, perante tantas ações de benemerência? Qual o alcance desta expressão naquilo que queremos que seja o fim desta anormalidade civilizacional? Onde poderemos ancorar esta expressão como proposta humana e desejo cultural?

Tentando responder a estas questões, deixo algumas pistas:

1. De facto, esta guerra na Ucrânia, pela invasão da Rússia, trouxe à vista tantas pretensões de povos que já foram grandes em vários momentos da História: foram impérios e tornaram-se ditaduras; subjugaram povos e trituraram civilizações; criaram utopias e fomentaram animosidades; marcaram épocas e deixaram feridas… Tudo isso e muito mais podemos ler na história da Rússia. Por isso, este episódio já no século vinte e um poderia não passar de mais um trejeito imperialista, não fosse vivermos numa era de globalização e da informação continuada… Há meia dúzia de anos aconteceu a anexação de uma parte do território da Ucrânia, a Crimeia, e quase passou desapercebido à vista dos povos e das televisões. Agora está a verificar-se algo de diferente e talvez de mais agravado pelas possíveis consequências no resto da Europa.

2. Boa parte da impressão desta ‘guerra’ recai sobre uma figura, algo sinistra e, porventura, bem mais maquiavélica do que se julgava: W. Putin, o presidente da federação russa. Parece ser mais uma personagem surgida daquelas paragens do extremo leste da Europa que veio para ficar na memória dos povos e nações. Por certo não faltarão adjetivos para substantivar o seu comportamento, que tem tudo menos de democrático, no entendimento de certas culturas ocidentais. Mesmo escarafunchando nos anais e registos, pouco ou quase nada nos é fornecido. Se atendermos que, à sua volta, está montada uma armadura de resguardo ou mesmo uma teia de intrigas, ficaremos sem conhecer quem será, embora o possamos identificar nas fotografias e nos arquivos bem manipulados.  

 3. De entre os efeitos que esta guerra na Ucrânia pela invasão da Rússia trouxe à Europa foi uma mais nítida capacidade de união, tanto ao nível político, como na ultrapassagem de peias em relação à defesa. Poucos destoaram desta unanimidade.

À exceção de alguns partidos (ou ideologias) saudosistas dos impérios fundados na Rússia, a condenação deste ato torpe e soez, deixou a sensação que temos um longo e largo caminho a fazer em ordem à pacificação do mundo ocidental, estando de atalaia quanto a fatores de não-paz ao perto ou mais longe.

 4. Como não admirar e exaltar a onda de solidariedade e de comunhão com aqueles que estão a sofrer as consequências desta guerra. De forma rápida, espontânea ou subtil vimos crescer a capacidade de ir ao encontro dos desalojados, prófugos, refugiados… pessoas que fogem, uns com nexo e em vista de encontrar familiares e outros à deriva, salvando a vida e dos mais novos…

Comboios de carros e noutros meios levam ajuda. Recolhido o apoio é preciso fazê-lo chegar a quem se destina. Vimos que muitos corações entraram na batalha de apoiar a todos, sobretudo dos mais fragilizados e precisados de refrigério.

 5. Numa marca indelével de fé vimos e ouvimos orações e atos de comunhão com quem sofre, suplicando ao Céu que venha em ajuda dos que vivem estas agruras. Queira Deus que nos comportemos com mais capacidade de fé do que nos recentes anos de pandemia. De olhos bem abertos para com os outros, abramos ainda mais ao coração à conversão sincera e humana.

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 3 de março de 2022

Quaresma 2022 - figuras da Paixão

 1. Malco: ofensa do medo?



Este ‘acidente’ poderá ajudar-nos a interpretar os nossos acidentes na vida, quantos deles quase inexplicáveis. Não será que Deus os pode curar?

«10 Nessa altura, Simão Pedro, que trazia uma espada, desembainhou-a e arremeteu contra um servo do Sumo-Sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O servo chamava-se Malco. 11 Mas Jesus disse a Pedro: «Mete a espada na bainha. Não hei de beber o cálice de amargura que o Pai me ofereceu?» (Jo 18,10-11 // Lc 22,49-51; Mt 26,51-54).

Este episódio da orelha decepada e a sua recolocação é mais do que uma espécie de fait-divers por ocasião da prisão de Jesus, no Jardim das Oliveiras, pode comportar uma posição sobre a possível resposta cristã na hora da adversidade. Numa atitude de agressividade mais do que de defesa, Pedro toma a espada e corta a orelha direita a Malco – nome fornecido também por São João – de quem é dito que era servo do sumo-sacerdote.
Para além da contestação da violência, Jesus pretende entrar na lógica da vontade do Pai - «Não hei de beber o cálice de amargura que o Pai me ofereceu?» Em São Lucas refere-se que Jesus recolocou a orelha decepada (cf. Lc 22, 51).
Mais do que uma cena subliminar – como a passagem do jovem que foge nu, em Mc 14, 51 – este episódio entre Pedro e Malco como que nos coloca, através das palavras de Jesus, que uma resposta à agressividade não se dá com violência ou, por outras palavras, a resposta à perseguição não usa as mesmas armas dos perseguidores… que serão vencidos pelo testemunho humilde.

«O discípulo de Cristo, não somente deve guardar a fé e viver dela, como ainda professá-la, dar firme testemunho dela e propagá-la: «Todos devem estar dispostos a confessar Cristo diante dos homens e a segui-Lo no caminho da cruz, no meio das perseguições que nunca faltam à Igreja». O serviço e testemunho da fé são requeridos para a salvação: «A todo aquele que me tiver reconhecido diante dos homens, também Eu o reconhecerei diante do meu Pai que está nos céus. Mas àquele que me tiver negado diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus» (Mt 10, 32-33)» (Catecismo da Igreja Católica, 1816).


António Sílvio Couto

quarta-feira, 2 de março de 2022

Semear ainda com humildade...

 

Estamos na Quaresma: são quarenta dias de intensa vida espiritual, ao nível pessoal e na dimensão eclesial, podendo manifestar-se nas vertentes familiares e sociais.


Mais uma vez este ano não tivemos a distração – talvez salutar, se fosse levada a sério – do carnaval. Pois este foi-nos proposto, originalmente, como etapa preparatória da vivência da quaresma. Se não tiver sido vivenciado como que correremos o risco de não mais ter a necessária intensidade quaresmal.

1. Na pedagogia da fé, o Papa Francisco escreveu-nos uma mensagem para a quaresma deste ano, servindo-se da citação de Gl 6, 9-10 a: «Não nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos». Aqui se faz insistência em três aspetos da nossa caminhada: sementeira – colheita; não nos cansemos de fazer o bem; a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. De facto, depois de um tempo de desânimo pela provação da pandemia e mais recentemente confusos pelas imagens de guerra na Ucrânia, como que se pode tornar algo audaz acreditar que vale a pena semear, sobretudo se tivermos em conta que este semear se fará numa visão turva e pouco clara nos objetivos e/ou nos possíveis resultados.

2. ‘A Quaresma convida-nos à conversão, a mudar mentalidade, de tal modo que a vida encontre a sua verdade e beleza menos no possuir do que no doar, menos no acumular do que no semear o bem e partilhá-lo’. É nítido que já não temos paciência para esperar que a semente lançada seja colhida por outros. Vivemos no afã do imediatismo: da semente ao fruto queremos que seja breve e curto o passo e pouco ou nada nos faz crer que um é o que semeia, outro o que cuida e outro ainda o que colhe... Estas etapas, desgraçadamente, pretendemos vivê-las com o máximo de brevidade. Ainda teremos mentalidade de esperança e não de reivindicação? Ainda conseguiremos dar tempo para a maturação? Ainda saberemos estar em gratuidade sem exigências e apressamento nos resultados?

3. ‘Perante a amarga desilusão por tantos sonhos desfeitos, a inquietação com os desafios a enfrentar, o desconsolo pela pobreza de meios à disposição, a tentação é fechar-se num egoísmo individualista e, à vista dos sofrimentos alheios, refugiar-se na indiferença’. Quantas vezes o desânimo nos assalta porque não vemos compromisso da parte daqueles de quem esperávamos correspondência aos desafios. Quantos daqueles em quem punhamos alguma expetativa nos desiludem e nos desiludimos com medo de recomeço... A multidão desses a que um teólogo pós-conciliar chamava de ‘cristãos anónimos’, faz-nos temer pelo presente e para com o futuro da Igreja. Por quê semear outra vez, se a semente cairá em terreno pedregoso e. possivelmente, infrutífero?

4. ‘Cada ano, a Quaresma vem recordar-nos que o bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia’. Confesso que o ‘mito de Sísifo’ quase tem mais impacto do que a confiança e a esperança semeada pela constância. Ao vermos os sinais que nos são dados perceber parece bem mais viável desistir do que recomeçar de olhos postos na meta. Nem mesmo a dinamização da caminahda sinodal parece desinstalar um pouco da relutância em apostar em novos caminhos ou em limpar os já andados porque mal cuidados.

5. Deixamos uma citação final da mensagem do Papa como itinerário simples e humilde: ‘Neste tempo de conversão, buscando apoio na graça divina e na comunhão da Igreja, não nos cansemos de semear o bem. O jejum prepara o terreno, a oração rega, a caridade fecunda-o. Na fé, temos a certeza de que «a seu tempo colheremos,se não tivermos esmorecido», e obteremos, com o dom da perseverança, os bens

prometidos para salvação nossa e do próximo’. Assim o queremos!



António Silvio Couto