Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 30 de setembro de 2019

‘Geração floco de neve’


A primeira vez que li esta expressão tive curiosidade de ver o que é e a quem se refere.
Vi como título: a geração floco de neve – pessoas sensíveis que se ofendem por tudo!
Ao nível etário-histórico são aqueles que atingiram a idade adulta no início dos anos de 2010. Se atendermos a que ‘idade adulta’ poderá andar em volta dos 25 anos, teremos de situar os da ‘geração floco de neve’ como nascidos cerca de 1985… Se for a ‘idade adulta’ pelos 30 anos teremos de avançar até 1990!
Ora, atendendo a uma série de reações de tantas pessoas situadas nessa faixa temporal – 1985-1990 – como que poderemos (e deveremos) fazer uma análise desta ‘geração floco de neve’ naquilo que tem de incisivo no tecido social e cultural dos nossos dias, tanto naquilo que se vê e percebe, como nas questões nem sempre logo percetíveis e tão claras…
Segundo alguns entendidos na matéria a ‘geração floco de neve’ apresenta três erros educacionais: superproteção, sentido exagerado do ‘eu’ e insegurança interior e/ou exterior.
Vejamos cada um destes itens, tentando discernir o que pode haver de erro sobretudo de quem gerou e geriu esta nova expressão de pessoas.
* Superproteção – os que vivem agora neste estádio social foram educados por pais superprotetores, mais dispostos a tirar a dificuldades do que a ajudar a resolver os problemas dos filhos e educandos. Daí resultou que essas crianças (ao tempo) não tiveram oportunidade de enfrentar os obstáculos e conflitos do mundo real e a desenvolverem tolerância para com a frustração pela resiliência… Uma coisa é proteger, outra é infantilizar quem é educado! Quantos sinais vamos constatando…  
* Sentido exagerado do ‘eu’ – os educandos desta geração foram crescendo com a sensação de que eram únicos – muitos deles até ‘filhos únicos’ – e especiais. Isso seria benéfico senão tornasse esses filhos a viverem num sentido exagerado de egocentrismo, podendo serem tentados a crer que o sucesso está garantido, mesmo sem grande esforço, dada a sua condição de muito especiais…Quando isso se não verificar podem cair nessa outra etapa de vitimização, culpando tudo e todos, até mesmo quem lhes facultou o que têm…sem grande ou nenhum esforço!
* Insegurança interior e exterior – uma das caraterísticas aduzidas a esta ‘geração floco de neve’ é de que exigem que sejam criados ‘espaços seguros’, onde se sintam protegidos e resguardados dos perigos. Embora tenham nascido e crescido num ambiente social particularmente estável e seguro, tendo em conta aquilo que viveram seus pais e avós, em vez de se sentirem confiantes, manifestam muitos temores. Esse medo é, na maior parte das vezes, resultado da falta de habilidade para enfrentarem as coisas que lhes acontecem no mundo, podendo entrarem em colapso por não saberem lidar com as contrariedades, pois outros lhas resolveram em vez deles… Deste modo vão tentando criar uma bolha de defesa, onde se sintam confortáveis, mesmo que de forma artificial e quase virtual.
= Apesar de sucinto o diagnóstico desta ‘geração do floco de neve’, vemos que quem está em causa – de forma real e sem rodeios – são os adultos que assim foram criando outros sob a capa de um certo facilitismo, onde os educadores quiseram dar aos vindouros muito daquilo que desejavam ter recebido na hora da sua infância ou, pior, onde deram aquilo que ninguém lhes solicitou, menorizando os mais novos, que, hoje, são adultos um tanto à deriva.
Vivendo na era da comunicação instantânea – onde as redes sociais como que consubstanciam melhor este frenesi do ‘sempre contatável’ – os da ‘geração floco de neve’ não toleram as críticas, pois se consideram sabedores de tudo e do resto. Nalguns casos assumem posturas agressivas, particularmente, se a sua forma de pensar e de agir for atacada de modo inteligente. Com facilidade se refugiam em circuitos fechados, mais para se defenderem do que para se ajudarem a pensar. Dizem que não pensar como eles envolve risco de conflito…
Quem não viu já esta ‘geração do floco de neve’ na vida política à portuguesa? Certos grupos e setores parecem crescer à custa de uma estratégia mais ou menos consentânea com os seus objetivos ideológicos. Não serão desta idade mesma os que correm sob a bandeira dos trotskistas? Agora se pode desmontar o aforisma terminado em ‘oco’! Não terão, afinal, as caraterísticas supra referidas? 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Greta: símbolo de quê ou de quem?


Greta Thunberg é uma cidadã sueca de dezasseis anos que anda nas bocas do mundo: levantou a voz para denunciar o caminho – em seu entendimento – para onde vai o curso do Planeta Terra, tentando corrigir os atalhos por onde vão as alterações climáticas.
Tal como noutras situações assim neste caso se têm gerado vozes de aplauso – nalgumas circunstâncias num teor quase fundamentalista – e outras de menos bom apreço pela ousadia em curso.
A sua mais recente intervenção pública – nas Nações Unidas, em Nova Iorque, no dia 23 deste mês – trouxe à liça várias questões, alçou certos problemas e criou algumas preocupações/suspeitas.
Uma das primeiras reações foi deixada pelo controverso presidente norte-americano. Donald Trump questionou se aquela oradora manifestava um ar de pessoa (adolescente) feliz e equilibrada. Outros deixaram suspeitas sobre o ar crispado e duro do rosto da interveniente. Outros ainda não se contiveram sobre as motivações mais profundas desta ‘bandeira’ anti tanta coisa em que se foi tornando Greta.
O seu percurso ecologista – se assim se pode designar o âmbito da sua intervenção – é, no entanto, breve. Começou com uma composição sobre o ambiente, publicada no seu país natal. Logo mentores da luta contra a crise climática a contataram e fizeram dela uma bandeira, onde se podem contar a primeira greve escolar pelo clima, tomadas de posição à porta do parlamento sueco, no congresso dos EUA, intervenções em diversas cimeiras, entre as quais a recente do clima.
Uma das frases mais citadas da sua comunicação na ONU foi: ‘roubaram os meus sonhos e a minha infância com as vossas palavras vazias’ – disse ela, dirigindo aos responsáveis mundiais presentes na sala ou aos dispersos pelo mundo inteiro.
A maior parte dos comentários ao que Greta disse não está no conteúdo, mas na forma agressiva, tensa e ríspida como proferiu as denúncias. Como pode uma adolescente andar de terra-em-terra, quando devia estar na escola? A quem aproveita tal protagonismo? Os pais – ele ator e ela cantora de ópera – serão cúmplices ou beneficiários desta exposição da filha? As exigências que faz de não se deslocar de avião a quem servem de propaganda? A mobilização geral para protestos pela salvaguardar do Planeta será, assim, tão natural como dizem ou será manipulada por forças (ditas) ecologistas, eivadas de complexos de esquerda radical? 
= Há, de facto, mudanças muito rápidas na configuração do nosso Planeta: eventos climatéricos extremos, ciclones, cheias, secas, desertificação, migrações, fomes, conflitos e guerras…são hoje consequências das alterações climáticas. Diante dos fenómenos já verificados, começam a ouvir-se vozes de muito mau agoiro: até 2050 estima-se que cerca de duzentos milhões de pessoas sejam migrantes ou deslocados devido às razões climáticas.
Não adianta muito continuarmos a resmungar contra a mudança do tempo, pois muitos são efeitos da pretensa qualidade de vida, dos melhores salários, dos ganhos no poder de compra e até mesmo nos confortos adquiridos sem olhar a meios. Será que estaríamos disponíveis para prescindir de alguns desses benefícios, só pela bondade para com a natureza? Não andaremos a contestar aquilo que levou tanto tempo a conquistar, sabe lá a que preço e com que meios?
As bizarrias – ou assim soaram nas notícias – de certos académicos fazem rir, mas mudam alguma coisa de substancial? Querem trocar a carne de vaca por pílulas de B12? Que há de sério em tais propostas, quando estas são discutidas sob o efeito do ar condicionado? Não será este mais maléfico do que as ousadias ‘ecologistas’ atiradas para o público sem enquadramento nem correta explicação?
Tudo se tornaria mais claro se a Greta for atribuído o ‘prémio nobel da paz’. Este quase sempre perpassa pelas franjas esquerdistas de algumas tendências internacionais. Isso permitiria retirar a máscara com que esta militante pro-ecológica, tão bem aproveitada por certos populismos canhotos, que usam e abusam das matérias fraturantes para se dizerem progressistas e lutadores.
Mal irá a dança se continuarmos a ser intoxicados por forças que se dizem democratas, mas que não respeitam quem pensa, atua e vive de forma diferente da deles/as…

António Sílvio Couto

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Caça à pirisca


A guerra está lançada: pela lei e pela ordem vemos uns tantos anti-fumadores mais assanhados envoltos em combater as pontas de cigarros lançadas ao chão, tendo sido aprovado mesmo multas – de vinte e cinco a duzentos e cinquenta euros – para com os infratores apanhados em transgressão.

Desde logo será benéfico apresentar os termos usados e sinónimos para designar os restos de cigarro (e afins) após serem fumados: pirisca, prisca, purisca, beata… Na maior parte dos casos é difícil encontrar a definição (mais ou menos descritiva) destes termos, sobretudo o de ‘beata’, atribuído para designar o resto de cigarro não fumado…podendo ter alguma conotação menos apreciada sobre o fumegar de algo que esteve a arder ou ainda o que sobeja de não-consumido… Daquilo que tentei perceber poderá não ser coisa muito boa e tão pouco digna de ser referida!

Vejamos, então, aspetos que podem contribuir para que esta campanha contra os restos de cigarro possa ser mais do que um arregimentar de certos tiques de fundamentalismo um tanto ressabiado por uma parte da população para com outra.

* Educar para o civismo – efetivamente deitar as pontas dos cigarros para o chão ou para qualquer outro lugar passa, antes de mais, por um processo de educação, na medida em que não temos direito de sujeitar os outros a receberem o lixo que produzimos. Isto bebe-se desde criança e passará muito mais por ensinar do que por punir. Mal vai uma sociedade que se rege pela repressão, mas se for preciso também terá de ser desencadeada sem medo nem preconceitos.   

* Consciência ecológica – de facto temos de saber que vivemos numa casa-comum que é o espaço da natureza e em sociedade que tem regras. Todos estamos já a colher os desmandos de uns tantos sobre o resto. Segundo dados conhecidos a repercussão dos restos de cigarros na água do mar pode ir até vinte anos e têm sido retiradas toneladas desses restos, quais dejetos humanos não solúveis.   

* Promoção da saúde pública – depois da implementação da proibição de fumar em recintos fechados, temos de continuar a salvaguardar a saúde de todos perante o vício de alguns. Dizem que temos quase um terço da população como fumadores em Portugal e, de entre estes, nota-se um recrudescimento na faixa mais nova e mesmo das mulheres. Algo vai mal perante os avisos feitos. Algo precisa de ser melhor atendido, até para além do preço (nalguns casos exorbitante) do tabaco, sem esquecer a falácia do ‘cigarro eletrónico’ que parece ser tanto ou mais prejudicial do que o convencional.  

Algumas das iniciativas tomadas depois desta efervescência anti-cigarro não passam de ações de fachada e quase pitorescas, pois andar a recolher pontas de cigarros mais parece que pretendem incorrer em risco de apanhar (ou ser apanhado) alguma doença do que em resolver o problema de fundo de uma boa parte dos fumadores: o respeito pelos outros e a devida proporcionalidade em serem cidadãos que não-ofendem quem não deseja – nem precisa – fumar. Por onde andará a liberdade alheia, se lhe impusermos a nossa? Para onde caminha uma sociedade onde uma minoria se acha no direito de sacrificar os outros com os seus prazeres e vícios? Até onde deve ir a tolerância para com os fumadores, se estes não tiverem compreensão para com os que o não são nem querem ser?

Precisamos de reaprender a convivência em sociedade, criando espaços livres de fumo e das regalias pessoais que lhe estão adstritas. Num tempo que se pretende norteado pela convivialidade, urge fomentar, cada vez mais e melhor, lugares que não sejam conspurcados com certas má-criações, venham elas dos fumadores ou dos não-fumadores. Não aconteça sermos muito defensores da natureza e dos animais, mas não cuidamos do lixo que produzimos… dizem os números que é 1,3 quilos por dia, em Portugal.

Será a começar nas pequenas coisas que havemos de dar passos mais largos na defesa, conservação e embelezamento desta casa-comum que é o Planeta. Se cada um de nós limpasse até um metro em frente à sua porta, tudo estaria mais limpo e asseado!      

  

António Sílvio Couto

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Em que trabalham, por regiões, os portugueses?


Se dividirmos o país em hipotéticas ‘regiões’ veremos a distribuição de setores profissionais mais significativos em cada uma delas do seguinte modo: norte – 411 mil na indústria; centro – 246 mil na administração pública; área metropolitana de Lisboa – 432 mil no comércio; Alentejo – noventa mil na administração pública; Algarve – 83 mil no comércio; Madeira e Açores – 38 mil e 45 mil, respetivamente, ainda na administração pública.

O vetor ‘comércio’ inclui comércio retalhista e grossista, transportes, alojamento, alimentação e comunicação. Por seu turno, a ‘administração pública’ envolve as áreas da defesa, da educação, da saúde e do trabalho social. A administração pública com mais de quatrocentos mil ocupados, enquanto o comércio (com a multiplicidade de empregos) com mais de meio milhão de ocupados são as atividades mais representativas das profissões no nosso país.

Segundo um estudo publicado recentemente, pode-se aferir ainda que a zona onde cada um vive – que cada vez mais é diferente daquela onde se nasceu – condiciona a área profissional em que trabalha. Assim, residir ao norte do Douro talvez leve a que se trabalhe na indústria, enquanto quem estiver no Alentejo se incline para a agricultura ou no Algarve para o comércio, alojamento ou restauração… Sempre haverá possíveis e razoáveis exceções.

Ao nível europeu a maior fatia de ocupação cifra-se na administração pública, com um terço dos empregados, seguem-se as atividades relacionadas com o ‘comércio’ (segundo a discrição supra usada) com mais de um quarto das pessoas, enquanto dezasseis por cento se ocupam nas áreas financeira e de seguros, imobiliário, serviços administrativos e de apoio. A agricultura, as florestas e as pescas reduzem-se a serem ocupações quase residuais com menos de cinco por cento dos empregados europeus… Estes mesmos setores profissionais quase atingem dez por cento em Portugal. Por seu turno, na indústria, ao nível europeu, trabalham pouco mais de quinze por cento dos cidadãos. 

= Diante desta panóplia de situações e, tendo, em conta as contingências do nosso tempo, não será fácil de aferir se ainda há alguém que diga qual é a sua profissão, tantas foram as atividades em que já teve de se readaptar a novas e complexas vivências.

Antes de exercer qualquer profissão é preciso ter claro qual é o significado humano do trabalho, pois trabalhar sem sentido de vida poderá parecer uma ofensa à própria dignidade da pessoa humana, seja qual for o modo de o concretizar.

Recordemos o que diz o Catecismo da Igreja católica sobre o valor do trabalho humano: «No trabalho, a pessoa exerce e realiza uma parte das capacidades inscritas em sua natureza. O valor primordial do trabalho está ligado ao próprio homem, que é seu autor e destinatário. O trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho. Cada um deve poder tirar do trabalho os meios de subsistência, para si e para os seus, e a possibilidade de servir a comunidade humana» (n.º 2428).

Que desgraçado seria quem tivesse de trabalhar só para comer. Que infeliz seria quem sentisse que trabalhar é um castigo e não uma forma de realização da própria pessoa. Que tragédia seria que o trabalho de cada dia não fosse visto, sentido e vivido como uma forma de continuar a obra cocriadora com Deus, mas um projeto onde Ele não entra nem conta.

Ora o exercício de uma profissão não passa de alguém ser trabalhador e de colaborar com Deus. Por isso, não há profissões mais ou menos dignas, todas fazem parte do serviço humano de uns aos outros e nem a ‘paga’ do trabalho – chamemos-lhe ‘salário’ – poderá ser considerada uma instância de desdignificação de ninguém e muito menos dos que ganham menos pelo trabalho executado, por vezes, com mais esforço e sentido de entrega altruísta.

Considero uma perfeita aberração esse estribilho marxista de ‘salário igual a trabalho igual’, pois temos de ter em conta a amplitude de repercussões do pagamento de um determinado trabalho, atendendo ao âmbito familiar, de recursos e de compromissos na esfera, sobretudo, da família. A justiça, neste campo concreto do trabalho remunerado, não pode ser cega nem míope para com os direitos e deveres dos cidadãos.

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Sondagens – valor, critérios e resultados...agora como no passado


Agora que caminhamos para as eleições legislativas vão surgindo sondagens…para todos os gostos e sensibilidades, tenham os atingidos a intenção de se deixarem guiar por elas.

Vejamos dados das fichas dos seus autores.

– Uma, feita de 24 de agosto a 5 de setembro, inquiriu 801 entrevistados… Fundada nos trabalhos do ISCTE, mas para o ‘grupo impresa’. Dá forte vitória a quem governa. Serão estes oitocentos significativos e assim tão representativos? Que valem estes e não outros não-inquiridos?  

– Outra (‘eurosondagem’) já auscultou 1.022 entrevistados, entre os dias 7 a 12 de setembro… Sendo novamente favorável às forças de mando. Mas serão pouco mais de mil inquiridos – mesmo que distribuídos mais ou menos por regiões e sexos – os mais credíveis para que outros sigam (ou possam seguir) a tendência (dita) aleatória? Diga-se mais parece alienatória, com origem no termo ‘alienado’ e/ou sem nexo…

– Ainda outra – ‘intercampus’ – com 801 entrevistas telefónicas, recolhidas entre 2 e 11 de setembro, continua a acentuar a vitória de um leque de forças mais ou menos ligado à solução governativa anterior…Será que as oito centenas são uma cifra que dá para aquilatar todos os milhões de votantes? Não será isto mais uma manipulação barata?  

= Ao querer abordar este tema das sondagens quis ler com atenção as fichas técnicas e sobretudo o leque das pretensas pessoas auscultadas. Com efeito, não podemos dizer que os resultados vão num certo sentido, se os dados introduzidos forem viciados ou razoavelmente manipulados. Nesta fase da condução do processo eleitoral as sondagens são o melhor exemplo de ‘falsa notícia’, pois se faz depender um hipotético resultado de uma condução falaciosa dos objetivos.

Cuide-se quem pretenda que possa haver objetividade e independência em quem analisa os dados das sondagens. Nalguns casos é tão evidente o quadro ideológico que nem o mais desatento ficará admirado de que se faça uma leitura favorável a quem manda, não poupando nos adjetivos, esses que sabem que devem reger-se por substantivos…os tais jornalistas – ou serão mais jornaleiros pagos para conduzir e não para informar? – tão useiros e vezeiros noutras ocasiões… Porque será que mais tarde – após os atos eleitorais – aparecem nos gabinetes de imprensa ou nas áreas de comunicação (disfarçados de assessores), quando são atingidos os lugares almejados?    

Com que destreza se têm exaltado qualidades a quem pouco mais fez do que usar os outros para atingir os seus objetivos. Com que habilidade se vendem produtos eleitorais como se fossem doses de saldo, quando se apresenta uma coisa e se rateia outra. Com que subtileza se não deixa perceber as falsidades, embora camufladas por artimanhas de segunda categoria.

Efetivamente os dados apresentados nas fichas das sondagens sofrem da mesma complexidade dos articulados dos ‘seguros e afins’, pois a letras pequeninas dizem, mas não é possível lê-las, tal a fastidiosidade diante das condições e das consequências…Por isso, mais vale atirar para o ar com dados que poucos vão aferir e, assim, se dá a impressão que a vitória está garantida por antecipação.

Este artifício tem resultado nalguns casos e, posteriormente, desmentido pelos votos em tantos outros, criando, deste modo, o suave descrédito de muitas das sondagens…  

= Seja qual for o resultado das eleições do próximo dia 6 de outubro, será um momento a respeitar por quem perder e, sobretudo, por quem ganhar, pois, é na vitória que se vê o estofo de quem se superioriza, na medida em que, em breve, lá para 2021 – por ocasião das eleições autárquicas – estaremos a viver uma crise idêntica à de 2011 e os sorrisos da noite de vitória deste ano converter-se-ão em lágrimas muito duras e amargas… O pântano vai voltar e o atoleiro será mais grave do que as reversões por agora aplaudidas.

As sondagens não ganham eleições – embora as possa condicionar – e o foguetório de hoje pode ser as agruras do amanhã. A verdade nunca nos engana, enquanto a ilusão traz amargos sempre que por ela nos deixamos conduzir…Mais ilusões, não, obrigado! 

  

António Sílvio Couto

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Viver para comer ou comer para viver?


Foi estribilho publicitário recente: tudo o que se leva desta vida está no…

Embora se possa considerar uma frase algo oca, ela como que resume a vida – existência, trabalho, consumições, energias e sofrimentos – de tantas pessoas, que, desse modo, se vão catapultando para o resto do tempo…neste mundo.

Olhando objetivamente o ‘viver para comer’ é elevado ao extremo na dita ‘tarde do fogareiro’, que ocorre neste dia 13 de setembro (6.ª feira), na Moita. São milhares de pessoas, muitas delas vindas de fora do concelho, que passam quase doze horas a comer e a beber, até que mais não consigam suportar. Por vezes há cenas a roçar o degradante, tal o descontrolo, um certo exagero e até a desproporção entre o razoável e o irracional. Não há a mínima distinção entre homens ou mulheres, seja qual for a idade… tudo parece excessivo, até mesmo o barulho (musical, de convívio ou de confusão), senão mesmo a provocação!

Com mais de uma década de ‘tradição’, este evento da ‘tarde do fogareiro’ foi crescendo em aspetos quase incontroláveis pelas autoridades, gerando-se, assim, um foco de possível conflitualidade, senão em ato, ao menos, em potência. Com efeito, o consumo algo exacerbado de bebidas poderá potenciar conflitos irrazoáveis, notando-se um excesso de pequenos egos, que se vão justapondo uns aos outros, podendo chispar em maré mais acesa ou, sei lá, menos mortiça.

Será que o convívio, a confraternização, a animação têm de revestir esta faceta de exagero? Com tantos sinais de prosperidade, não haverá condicionamentos financeiros – familiares e pessoais – para o resto do mês? Não se terá acendido uma mecha que, crescendo a chama, será muito difícil de controlar? O aumento em número de participantes não terá feito diminuir a qualidade desse tempo de convivialidade? Terá sido acompanhada este acontecimento com ações de civismo perante a difusão deste fenómeno, que precisa de ser estudado com mais seriedade?

Estas e outras perguntas podem surgir quando já está a decorrer mais uma edição da ‘tarde do fogareiro’. No entanto, outros aspetos precisam de ser cuidados para que não estejamos a embarcar em mais uma alienação bem urdida por quem governa e, assim, distrair – ‘com pão e jogos’ – os potenciais descontentes de outros assuntos (mais sérios) da vida. Quem se lembra dos milhões que morrem, hoje, de fome, e nós, aqui, a esbanjar? Quem se lembrará de levantar os olhos para o Alto, tentando discernir o que há (ou pode haver) de civilizado em tudo isto?

De facto, consta que, na fase de decadência do império romano do ocidente, o povo se entretinha em orgias e bacanais. Ora, estas eram celebrações em honra do deus Baco – o deus do vinho – por ocasiões das vindimas. Não estamos nós também na época das vindimas? Tais festas romanas cresceram de forma muito rápida e foram aproveitadas para ajustes de contas…até políticas? Para quando esta vertente socio-ética nos eventos promovidos e realizados?

Há coincidências que podem incomodar. Temos de ser mais racionais e de tentarmos descortinar se este ‘viver para comer’ não será mais uma artimanha de neopaganismo com que temos vindo a conviver de foram crescente?

Numa palavra: não deixemos que os acontecimentos nos ultrapassem pela negligência e a falta de senso…

  

António Sílvio Couto

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

E se os pobres desaparecessem!


Afirmar que ‘muita gente vive à custa dos pobres’ é tanto mais escandaloso quanto óbvio: retirem os pobres dos discursos dos políticos – dentro ou fora de campanha eleitoral, nas decisões ou nas promessas – e pouco ficará na agenda e nas notícias; cortem o que muitos sindicalistas almejam para com os pobres e sucumbirão as reivindicações e as lutas; promovam, de verdade, tantos dos pobres que estendem à mão às entidades sociais – entre as quais as da Igreja católica – e perderão sentido certas ações de benemerência básica ou mais subtil.

Verdadeiramente os pobres devem ser ajudados, podem ser cuidados e precisam de ser abolidos…desde que haja vontade social, política e até religiosa.

Conta-se que um grupo de senhoras muito ‘caridosas’ se reuniu para dirimirem entre si um problema: andavam a interferir – na sua linguagem a ‘roubar’ – umas com as outras com os ‘seus’ pobres…tinham de voltar a respeitar o espaço de cada uma.

Por muito que nos custe temos de enfrentar este problema humano, que tantas pessoas escraviza: a pobreza… tenha ela a configuração com que a quisermos revestir.

Digamos:

– uns são pobres no sentido mais material, sem meios de sobrevivência mínimos e suficientes, somando milhões em todo o mundo e centenas de milhar em Portugal, sobrevivendo com salários baixos, má condições de emprego e de habitação, resultando isso em pessoas muitas vezes revoltadas, exploradas e à mingua de pão, de compreensão e até de dignidade;

– outros podem ser pobres na dimensão mais psicológica, onde os aspetos de ignorância, de insuficiente educação e de negligência caminham à mistura com a submissão a tentáculos de forças que usam os pobres para tentarem concretizar os seus objetivos menos dignos, recorrentes e até subterrâneos...embora possa não haver um inventário credível, vemo-los a salpicar muitas das nossa ruas, deambulando sem nexo nem perspetivas de futuro;

– quantos outros pobres podemos vislumbrar na dimensão espiritual, que é muito mais do que meramente religiosa. De facto, quanta gente vive à solta ou à deriva, sem nexo nem controlo, titubeando por entre meros interesses de contexto individualista e à mercê de valores nem sempre condignos da conduta humana. Talvez a expressão – ‘viver como se Deus não existisse’ – possa resumir esta pobreza de índole espiritual, desde a mais básica até à mais complexa. Para que servem tantas lutas e sacrifícios, tantos projetos e dedicações… se tudo acabar na condição de sermos entes meramente materiais? Como se pode dedicar uma vida – breve, média ou longa – só para que haja um contentamento em prazeres passageiros, imediatistas e quase fúteis?

Efetivamente tudo é (ou será) mais agravado se estas ‘pobrezas’ confluírem na mesma vivência e em igual conduta. Talvez andemos excessivamente a cuidar em debelar a pobreza material, mas não demos as devidas condições para combater a pobreza psicológica e emocional nem a de incidência espiritual… Seria como que estivéssemos a construir um edifício onde as traves principais estariam deficientes e as pinturas mais ou menos bonitas, mas prestes a abrir fendas pela sua incipiente construção…

Num tempo onde a expressão ‘qualidade de vida’ pretende rotular a vivência de um certo bem-estar material, erradicar os pobres poderá ser para muitos dar de comer e uns trocos de conforto, mesmo que isso não seja acompanhado do necessário equilíbrio emocional e psicológico. Em muitos casos dá-se o peixe pescado, mas não se ensina a pescar e tão pouco são dadas instruções para que não se viva dependente daquilo que é dado em vez de fazer participar na solução e não em prolongar o problema. Estes pobres presos pela boca continuarão a bajular quem lhes alimenta a fome, controla a liberdade e condiciona o existir.

Aquele estribilho – ‘são razões de viver o que nos falta’ – faz mais vítimas do que a fome de alimento corporal, pois não ter razões de viver é bem mas grave do que passar fome, pois esta pode ser debelada enquanto esse outro valor humano não se preenche com papas e bolos…

Será de perguntar com simplicidade: quais são as fomes que eu alimento? Ou ainda: de que forma ajudo os pobres a libertarem-se das suas peias? Quais os enredos de fome me preocupam mais?  

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

‘Geração Z’ dos sozinhos


Apareceu na comunicação social com algum destaque e forte promoção: vendem-se abraços, alugam-se companheiros de passeio, amigos e até mães.

Esta tendência – explorada particularmente à americana – trouxe mais à luz do dia o tema da solidão, considerada já uma pandemia em certos lugares… com a inclusão de jovens entre os dezoito e os vinte e dois anos, considerados a tal ‘geração z’ dos nativos digitais.

Ora, para atenuar os efeitos da solidão vão surgindo serviços de companhia com preços e com sugestões variáveis ao gosto do freguês, segundo as capacidades dos trabalhos prestados e os montantes cobrados. 

= Ensaiemos uma espécie de definição de termos, delimitando ainda o preçário mais ou menos conhecido pela execução dos préstimos usados.

‘Geração Z’ – os ditos nativos digitais, nascidos entre 1990 e 2010, muito familiarizados com a internet, com os telemóveis, vivendo no ‘sempre conectado’, têm uma forte compreensão da tecnologia e da abertura social às tecnologias; vivem um sentimento de insatisfação e de insegurança quanto à realidade e ao futuro da economia e da política; o seu habitat é o do desemprego e da precariedade; mais do que as gerações anteriores (*) esta geração é tida como mais tolerante e aberta, em questões de índole moral, quanto à legalização de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, que é considerado mais na vertente da igualdade de género…

– Perante essa tal pandemia da solidão quais são os serviços apresentados para a combater e quais os custos? Usamos os nomes traduzidos – ‘passeador de pessoas’ de seis a dezanove euros, fazem companhia de forma segura e confiável; ‘alugar um amigo’ para um evento social, um casamento ou uma festa, ir ao cinema ou jantar fora – variando de cidade pode atingir até 120 euros por um dia; ‘preciso de uma mãe’ pode atingir trinta e seis a quarenta euros à hora, permitindo a quem possa estar mais carente ter acesso a uma espécie de mãe temporária, que tanto pode cozinhar como ajudar a arrumar a casa, a dar bons conselhos ou a conversar; ‘abraça-te a mim’ – um site onde são disponibilizados ‘abraçadores certificados’, com sessões com cerca de setenta euros à hora… 

= Esta lista de ‘serviços’ poderá parecer uma questão de exploração de sentimentos a quem se possa encontrar em maré de debilidade mais ou menos permanente. Mas, numa sociedade cada vez mais anónima, estas propostas como que denunciam que não basta alguma comodidade para ter a pretensa qualidade de vida e nem sequer a (dita) boa onda económico-financeira consegue disfarçar quanto daquilo que mais profundamente não é preenchido com coisas materiais, por mais positivas que possam parecer.

Perante estas condições e caraterísticas temos de encontrar não só explicação para esta fase de quase exploração da solidão, mas temos de estar atentos às causas e não só cuidar das consequências. De facto, as pessoas refugiam-se nas conexões à distância e esquecem-se daqueles que lhe são próximos. Cada vez com mais facilidade sabemos o que acontece a quilómetros porque estamos conectados com a internet e ignoramos o que está a acontecer na mesma rua senão no mesmo prédio.

Como é sabido e reconhecido este fenómeno não atinge só os mais velhos, mas cada vez mais os de tenra idade, que podem habituar-se a viverem no seu casulo dourado, sem repararem que ao seu lado há pessoas que esperam algum sinal de aproximação. Urge, por isso, reeducar-nos para os valores da proximidade, da vizinhança, da convivialidade, do diálogo… e de tudo quanto nos faça sair de mesmos para atendermos aos outros. Que a tecnologia – tão benéfica e salutar – não nos escravize como aconteceu com outros fatores de desenvolvimento… As pessoas valem mais do que tudo o resto! 

(*) Nota – tem havido outras designações para nascidos em épocas mais recentes: ‘geração y’ ou também chamada ‘geração do milénio’ são os que nasceram entre 1980 e 1990; ‘geração x’ envolve os que nasceram após o rescaldo da segunda guerra mundial, isto é, os que nasceram entre 1960 e 1970; os ‘baby boomers’  são os que nasceram imediatamente a seguir ao conflito bélico, entre 1946 e 1964…  

    

António Sílvio Couto

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Insuficiências do ‘corpo perfeito’


Temos sido matraqueados – quase a roçar a intoxicação – com notícias sobre um tal jovem ator, entre a vida e a morte no hospital, que terá exagerado na administração de anabolizantes… para ter, na sua perspetiva, um pretenso ‘corpo perfeito’.

Mais do que colocar no pedestal do julgamento, sinto alguma confusão sobre o estado a que se está a chegar, tendo em conta os possíveis conceitos subjacentes a todo isto que se vai vendo… de uma forma complacente, recorrente e quase mórbida.

O que é isso de ter ou pretender ter um ‘corpo perfeito’? A noção de tal ‘perfeição’ corporal segue que critérios? Na dança de impor ‘modas de beleza’ estaremos a ser guiados por que valores? Até que ponto esta pretensão do ‘corpo perfeito’ guia ou condiciona a vida e o comportamento…pessoal e dos outros? Porque escapou para a luz do dia este submundo da beleza encomendada, fabricada e construída à custa de mentiras e arranjos de Photoshop… psicológico-moral?  

Sejam quais forem as respostas a estas ou a outras questões, o problema que emergiu com a doença do tal jovem ator internado é algo mais profundo do que as reportagens à porta do hospital querem (ou queriam) dizer. Aquele internamento revela acima de tudo uma mentalidade que vai entretendo muitos dos jovens – alguns já com idade de terem juízo e de assumirem o que são na decrepitude – à mistura com outras desculpas de adolescentes em segunda vaga – isto é, adultos na barreira dos cinquenta e dos sessenta anos – que veem caducar o tempo de validade do físico e do psíquico menos bem assumido. De facto, é uma arte saber envelhecer e estar de bem com o seu corpo, tem ele as limitações que manifestar e revele as lacunas que não possa mais esconder. Tudo o resto soa a falsidade e a tentativa de engano sobre si mesmo e para com os outros…esses que já viram o que evitam dizer-nos, por defeito de verdade e na assunção dos erros que devem ser enquadrados…naturalmente.  

= É de longa data, na cultura humana (dita) civilizada, a exaltação do cuidado com o corpo humano. Quem não lembra da cultura geral a proposta da cidade-estado de Esparta, na Grécia? Aí ter um corpo esbelto e atlético era bem mais importante do que essa outra visão de Atenas da sabedoria, onde o tal cuidado, embora não fosse totalmente negligenciado, não tinha o mesmo destaque. Da Roma antiga é conhecido o princípio – ‘mens sana in corpore sano’: uma mente sã num corpo são – tentando aliar os dois elementos – corpo e alma – como constitutivos da nossa identidade equilibrada.

Na idade do renascimento – em reação a um certo desprezo da época medieval – recrudesceu a tentativa de conseguir um corpo que fosse modelar, à boa maneira das figuras das estátuas greco-romanas, que foram redifundidas na Europa ocidental. Se repararmos bem nesse tempo muitas das figuras masculinas da sociedade – até de papas – foram retirando a barba como forma de não impedir uma certa beleza do corpo. Nisto poderemos encontrar alguns indícios de que a beleza pode passar por retirar aquilo que impeça de que, no corpo, se manifeste alguma harmonia ao menos estética.  

= Vejamos tendências mais recentes de ostentação de certos sinais para com o corpo e no próprio corpo: o recurso a piercings, uma espécie de grafitagem através das tatuagens, a moda da barba com leituras mais abrangentes do que de descuido, as corridas e caminhadas para manter a forma à mistura com múltiplos adereços para que se possa ter – no conceito mais abrangente – ‘qualidade de vida’ naquilo que anteriormente era suposto atender-se.

Muito para além de um suporte de vida, o corpo é a nossa condição de vida e é nele e por ele que estamos na vida, embora ele não seja o elemento exclusivo, pois, nas dimensões psicológica e espiritual, nós somos muito mais do que essa matéria que nos faz mostrar quem somos. Por isso, cuidar somente do corpo, esquecendo essas outras dimensões do nosso ser, será reduzir-nos a muito pouco e quase só materialista.

Será tendo uma visão holística cristã daquilo que somos – corpo, alma e espírito – que poderemos sentir-nos bem e nisso manifestarmos os valores que conduzem a nossa existência em condição terrena: precisaremos de estar mais atentos para que não sejamos um corpo são numa alma doente, por um espírito indolente…         

          

António Sílvio Couto