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terça-feira, 23 de março de 2021

Assistente no Renovamento Carismático – quem, por quê e para quê?

 


Por estes dias foi-me solicitado a intervenção num espaço de formação dos seminaristas da diocese de Setúbal sobre o lugar e significado do ‘assistente’ no Renovamento Carismático. Estava – via zoom – com outros padres ditos de ‘assistentes’ de movimentos na Igreja.

Lá como agora vou recorrer a uma memória descritiva daquilo que vivi, podendo questionar o que se pode estar a fazer e respondendo às três questões colocadas no título deste texto.

 

1. Efetivamente conheci o Renovamento Carismático Católico, em 1976, portanto, pouco mais de nove anos do seu surgimento na Igreja católica, em 1967, e quase no dealbar da sua manifestação em Portugal. Tinha dezassete anos, estudava naquilo que hoje corresponde ao décimo ano da escolaridade, no seminário médio, em Braga… Situando ainda mais: o segundo Concílio do Vaticano tinha acabado há cerca de onze anos… Politicamente, no nosso país, vivíamos uma fase conturbada, mas esperançosa, ao menos para os mais novos.

 

2. De facto, comecei a viver num espírito ‘carismático’ ainda antes de qualquer formação mais sistemática e teológica. Via nos grupos de oração do Renovamento carismático católico leigos (homens ou mulheres), padres e freiras, mais novos e mais velhos, com instrução universitária ou quase analfabetos, da cidade ou do campo… todos ao mesmo nível, louvando, cantando, lendo ou escutando passagens bíblicas, onde cada um fazia a ressonância que considerava útil aos outros, sem grandes lições nem arrebiques moralistas. Foi neste ambiente que cresci, fora do seminário, até ao tempo da ordenação sacerdotal. O padre, neste contexto, só era ‘assistente’ pela simples razão de que estava e participava com os outros irmãos na fé e não havia distorções teológicas acentuadas, pois estávamos em oração não em aulas ou sob observação da ortodoxia…

 

3. É este o meu background teológico-pastoral no RCC e não entendo outra forma de estar, mesmo que, nestes quase cinquenta anos de presença em Portugal e no mundo, algo tenha ‘evoluído’ (uso a palavra entre aspas pois não considera tal naquilo que aconteceu como evolução, mas mais como fixação e defesa de estruturas) para outra forma de estar. Deixo, por isso, excertos dos estatutos da coordenação nacional e ao nível do Vaticano. A ordem de citação é esta pela simples razão da anterioridade na publicação: os de índole lusa são de 2012 e os de âmbito internacional de 2019.

 – Desde logo se faz uma distinção entre o ‘assistente eclesiástico nacional’ e o ‘assistente diocesano’ – aquele é nomeado pela Conferência Episcopal, sob a apresentação de três nomes pela equipa de serviço nacional, com o mandato de cinco anos, renováveis; enquanto o ‘diocesano’ é nomeado pelo bispo, não se dizendo quem o apresenta, tendo também um mandato de cinco anos, renováveis.

Tanto um como o outro têm como atribuições: ‘assistir espiritualmente’ os órgãos da conferência nacional ou do serviço diocesano, respetivamente; ‘zelar pela autenticidade e fidelidade evangélica e eclesial das atividades’; participam nas reuniões dos respetivos órgãos, sem direito de voto. O assistente diocesano tem ainda como função de ‘fazer a ligação entre a ESD [equipa de serviço diocesano], os párocos e o Bispo Diocesano e ajudar na resolução de problemas dos grupos da Diocese quando necessário’.

– Quanto ao assistente preconizado pela estrutura internacional (charis) refere-se que pode ser um bispo ou um sacerdote ‘incumbido de acompanhar todas as atividades promovidas pelo charis de um ponto de vista doutrinário e espiritual e garantir a fidelidade de todas as ações empreendidas pelo charis para o magistério da Igreja Católica’. A sua participação nas reuniões ou outras atividades é considerada quando ‘útil ou necessária pelo moderador do Serviço Internacional sem direito de voto’. O assistente ao nível internacional é nomeado, por apenas três anos, pelo Dicastério para os leigos, a família e a vida, sendo apresentado pela estrutura que vai servir.

Fazendo uma leitura comparativa das incumbências pode perceber-se que o ‘assistente’ tem a obrigação de zelar pela ortodoxia da fé, a fidelidade doutrinal e o acompanhamento espiritual, mais velando do que intervindo, parecendo mais estar de fora do que comprometido, exceto se for chamado ou sendo útil àqueles a quem assiste.

 

4. Vou tentar, então, responder às três questões colocadas no título deste texto:

* Quem? – sendo o RCC um ‘movimento’ de leigos – no início havia dificuldade em reduzi-lo a tal – não haverá leigos com formação teológica suficiente para ser assistente da fé e da doutrina? Terá de ser tutelado por um padre – não está escrito que não possa ser um diácono permanente – como que lançando uma penumbra de menorização sobre os não-clérigos? Será desta forma que se fará dos leigos participantes e protagonistas ou meros colaboradores dos eclesiásticos?

* Por quê? – numa Igreja que se deseja cada mais carismática – cf. Constituição dogmática ‘Lumen gentium’ sobre a Igreja, n.º 12 – e de serviço não andaremos a repiramidá-la quase de forma inconsciente? Não dá a impressão que foi deitado fora muito do esforço de vivência com a cunhagem deste termo para dar lugar ao padre no grupo do RCC?

* Para quê? – atendendo aos sinais dos tempos precisaremos ainda de usar termos que podem não quer significar a renovação desejada da Igreja no espírito do Concílio Vaticano II? Não andaremos a ‘engaiolar’ –nas palavras do Papa Francisco – o Espírito Santo, segundo os nossos esquemas nem sempre claros nem tão cristãos?

 

Nota: embora tenha aceitado, há cerca de sete anos, a nomeação para assistente da equipa de serviço diocesano de Setúbal, tenho a noção clara de que há algo a mudar, mais pela fidelidade ao espírito primeiro do que por adaptação às circunstâncias…   

   

António Sílvio Couto

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