Por estes dias foi-me solicitado a intervenção num
espaço de formação dos seminaristas da diocese de Setúbal sobre o lugar e
significado do ‘assistente’ no Renovamento Carismático. Estava – via zoom – com
outros padres ditos de ‘assistentes’ de movimentos na Igreja.
Lá como agora vou recorrer a uma memória descritiva
daquilo que vivi, podendo questionar o que se pode estar a fazer e respondendo
às três questões colocadas no título deste texto.
1. Efetivamente conheci o Renovamento Carismático Católico,
em 1976, portanto, pouco mais de nove anos do seu surgimento na Igreja
católica, em 1967, e quase no dealbar da sua manifestação em Portugal. Tinha
dezassete anos, estudava naquilo que hoje corresponde ao décimo ano da
escolaridade, no seminário médio, em Braga… Situando ainda mais: o segundo
Concílio do Vaticano tinha acabado há cerca de onze anos… Politicamente, no
nosso país, vivíamos uma fase conturbada, mas esperançosa, ao menos para os mais
novos.
2. De facto, comecei a viver num espírito ‘carismático’
ainda antes de qualquer formação mais sistemática e teológica. Via nos grupos
de oração do Renovamento carismático católico leigos (homens ou mulheres),
padres e freiras, mais novos e mais velhos, com instrução universitária ou
quase analfabetos, da cidade ou do campo… todos ao mesmo nível, louvando,
cantando, lendo ou escutando passagens bíblicas, onde cada um fazia a
ressonância que considerava útil aos outros, sem grandes lições nem arrebiques
moralistas. Foi neste ambiente que cresci, fora do seminário, até ao tempo da
ordenação sacerdotal. O padre, neste contexto, só era ‘assistente’ pela simples
razão de que estava e participava com os outros irmãos na fé e não havia
distorções teológicas acentuadas, pois estávamos em oração não em aulas ou sob
observação da ortodoxia…
3. É este o meu background teológico-pastoral no RCC
e não entendo outra forma de estar, mesmo que, nestes quase cinquenta anos de
presença em Portugal e no mundo, algo tenha ‘evoluído’ (uso a palavra entre
aspas pois não considera tal naquilo que aconteceu como evolução, mas mais como
fixação e defesa de estruturas) para outra forma de estar. Deixo, por isso,
excertos dos estatutos da coordenação nacional e ao nível do Vaticano. A ordem
de citação é esta pela simples razão da anterioridade na publicação: os de
índole lusa são de 2012 e os de âmbito internacional de 2019.
– Desde logo
se faz uma distinção entre o ‘assistente eclesiástico nacional’ e o ‘assistente
diocesano’ – aquele é nomeado pela Conferência Episcopal, sob a apresentação de
três nomes pela equipa de serviço nacional, com o mandato de cinco anos,
renováveis; enquanto o ‘diocesano’ é nomeado pelo bispo, não se dizendo quem o
apresenta, tendo também um mandato de cinco anos, renováveis.
Tanto um como o outro têm como atribuições: ‘assistir espiritualmente’ os órgãos da
conferência nacional ou do serviço diocesano, respetivamente; ‘zelar pela autenticidade e fidelidade
evangélica e eclesial das atividades’; participam nas reuniões dos
respetivos órgãos, sem direito de voto. O assistente diocesano tem ainda como
função de ‘fazer
a ligação entre a ESD [equipa
de serviço diocesano], os párocos e o
Bispo Diocesano e ajudar na resolução de problemas dos grupos da Diocese quando
necessário’.
–
Quanto ao assistente preconizado pela estrutura internacional (charis)
refere-se que pode ser um bispo ou um sacerdote ‘incumbido de acompanhar todas as atividades promovidas pelo charis de
um ponto de vista doutrinário e espiritual e garantir a fidelidade de todas as
ações empreendidas pelo charis para o magistério da Igreja Católica’. A sua
participação nas reuniões ou outras atividades é considerada quando ‘útil ou necessária pelo moderador do Serviço
Internacional sem direito de voto’. O assistente ao nível internacional é
nomeado, por apenas três anos, pelo Dicastério para os leigos, a família e a
vida, sendo apresentado pela estrutura que vai servir.
Fazendo
uma leitura comparativa das incumbências pode perceber-se que o ‘assistente’
tem a obrigação de zelar pela ortodoxia da fé, a fidelidade doutrinal e o
acompanhamento espiritual, mais velando do que intervindo, parecendo mais estar
de fora do que comprometido, exceto se for chamado ou sendo útil àqueles a quem
assiste.
4. Vou
tentar, então, responder às três questões colocadas no título deste texto:
* Quem? – sendo o RCC um ‘movimento’ de
leigos – no início havia dificuldade em reduzi-lo a tal – não haverá leigos com
formação teológica suficiente para ser assistente da fé e da doutrina? Terá de
ser tutelado por um padre – não está escrito que não possa ser um diácono
permanente – como que lançando uma penumbra de menorização sobre os
não-clérigos? Será desta forma que se fará dos leigos participantes e
protagonistas ou meros colaboradores dos eclesiásticos?
* Por quê? – numa Igreja que se deseja cada
mais carismática – cf. Constituição dogmática ‘Lumen gentium’ sobre a Igreja,
n.º 12 – e de serviço não andaremos a repiramidá-la quase de forma
inconsciente? Não dá a impressão que foi deitado fora muito do esforço de
vivência com a cunhagem deste termo para dar lugar ao padre no grupo do RCC?
* Para quê? – atendendo aos sinais dos tempos
precisaremos ainda de usar termos que podem não quer significar a renovação desejada
da Igreja no espírito do Concílio Vaticano II? Não andaremos a ‘engaiolar’ –nas
palavras do Papa Francisco – o Espírito Santo, segundo os nossos esquemas nem
sempre claros nem tão cristãos?
Nota:
embora tenha aceitado, há cerca de sete anos, a nomeação para assistente da
equipa de serviço diocesano de Setúbal, tenho a noção clara de que há algo a
mudar, mais pela fidelidade ao espírito primeiro do que por adaptação às
circunstâncias…
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