4 de
outubro de 1997. Cheguei a Sesimbra.
Era Papa
João Paulo II, bispo de Setúbal, D. Manuel da Silva Martins, arcebispo de
Braga, D. Eurico Dias Nogueira; Presidente da República, Jorge Sampaio, Primeiro-ministro,
António Guterres.
Estava-se
em campanha eleitoral para as eleições autárquicas, nesse ano realizadas a 14
de dezembro, mudando de cor – dos comunistas com mais de duas décadas de poder para
os socialistas – lá na terra.
Tinha 38
anos, catorze dos quais como padre. Vinha de Braga, embora tenha estado sem
qualquer função paroquial entre 1991 e 1997, no intervalo fiz o mestrado
(antigo) em teologia, na UCP-Lisboa.
- A
chegada temporária a Setúbal era para ser por um ano… e já vai em quase um
quarto de século. O ambiente na diocese era de fim-de-ciclo do bispo ainda em
pontificado, que durou até junho de 1998.
- Vivíamos
nessa época uma forte mobilização para o ‘jubileu do ano 2000’, tanto ao nível
da Igreja universal como nas dioceses… com a coincidência de, nessa mesma data,
a diocese comemorar os vinte e cinco anos da sua criação. Foi nesta ambiência e
contexto religioso que solicitei ao meu bispo, D. Eurico, que me deixasse ficar
por mais algum tempo em Sesimbra, até porque seria um tanto desestabilizador
que aquela paróquia tivesse quatro párocos diferentes no espaço de um ano…
- Logo
na quaresma de 1998 demos início a uma iniciativa que foi pioneira na Igreja em
Portugal: as ‘conferências quaresmais’, efetuadas à quarta-feira à noite, entre
a quarta-feira de cinzas e a quarta-feira da semana santa… isto durante treze
anos – foram dezenas (treze vezes sete) de figuras e personagens da vida
eclesial, mas também política, social, universitária…leigos, padres e bispos… e
onde acorriam centenas de ouvintes, tanto da paróquia como da diocese.
- Numa
captação do ambiente social, religioso e cultural, fui percebendo a necessidade
de formação. Tudo isso num contexto de preparação da ‘Expo98’. Neste campo
entrei em contato com um trabalho já em marcha de inserção das paróquias
marítimas no tema dos oceanos. Foi um abrir de horizontes para um setor que
desconhecia e que tivesse a possibilidade de aprender a situar-me. Daqui veio o
crescente interesse sobre as simbologias marítimas e piscatórias em particular…
Entre 2008 e 2014 fui diretor nacional do Apostolado do mar.
- Numa
figuração mais aproximada foi toda descoberta da devoção ao Senhor Jesus das
Chagas… que, em situações anteriores, foi o causador dos atritos entre o pároco
e uma fatia dos promotores da festa anual, em maio. Percebido o interesse foi
preciso conquistar a confiança dos ditos da comissão de festas. Colocar a
devoção sob um tema – ilustrado por uma faceta ou apetrecho piscatório –
traduzi-lo num cartaz aglutinador, dinamizar a novena à volta dessa temática e
organizar os estatutos da Irmandade foram peças de um puzzle em crescendo e sem
conflitos… Tinha prometido a mim mesmo que o Senhor das Chagas não me mandaria
embora daquela terra…Nunca fui a praia, mas passeava todos os dias à beira-mar!
– Outro
foco de dissensão era a discrepância entre a capela da Misericórdia e a Igreja
matriz…com os seus reduzidos frequentadores, tanto de um lado como do outro… A
isso se acrescentava a colocação do agrupamento dos escuteiros sob a alçada da
capela e não da paróquia. A breve trecho – talvez dois ou três anos – todos
estavam sob a mesma responsabilidade, a do pároco, até porque o capelão, Padre
Júlio, de farta idade (90 anos), pediu a suspensão da capelania… Sempre nos
demos bem e escutava-o na sua sabedoria. Não posso esquecer a presença e a
atenção também do senhor Padre Agostinho, pároco do Castelo até aos 80 anos.
- Com a
chegada de D. Gilberto, em 1998, comecei a fazer parte de alguns dos órgãos
diocese mais significativos: vigário, membro do conselho presbiteral e mesmo do
colégio de consultores…tendo, todas as semanas, reuniões em Setúbal… Vi serem
seminaristas e, posteriormente, serem ordenados padres dezenas dos padres mais
novos, isto é, desde o início do milénio… Alguns ainda não tinham nascido
sequer, quando fui ordenado em 1983…
– Dado
que gostava de escrevinhar umas coisas sobre assuntos vários, cheguei a ter
espaço nos três jornais em publicação (raio de luz, o sesimbrense e jornal de Sesimbra)
e mesmo na rádio local, com a transmissão da missa dominical… isso para além da
colaboração numa publicação regular da câmara municipal… Desse tempo surgiram
algumas compilações em livro (uns dez títulos) – entre 1998 e 2010.
- Na
fase derradeira da minha presença em Sesimbra aconteceu o ‘curso alpha’ (com
treze cursos de dez semanas cada um) e que terá sido participado por mais de
seiscentas pessoas, muitas delas estavam fora da vivência da Igreja.
- Dada alguma
distância no tempo foi um tanto fácil referir-me àquilo que vivi em Sesimbra e
nesse tempo noutros espaços da diocese, onde colaborei, desde a primeira hora,
na ‘escola da fé’ ou em manifestações de religiosidade (procissões), onde fui
solicitado… Escrevinhei no jornal da diocese – notícias de Setúbal – enquanto
existiu e lamento a sua suspensão algo apressada e talvez temerária…
*
Cheguei à Moita em 29 de agosto de 2010. Tinha pedido para que a paróquia para
onde pudesse ir não tivesse centro paroquial e caiu-me em sorte (ou azar)
exatamente um local onde isso não se cumpria… Achei estranha a solução do
senhor Bispo, mas, só há dias (no verão passado), ele teve a ousadia de
explicar publicamente a razão… di-la-emos mais tarde.
*
Faltavam poucos dias para a ‘festa da Moita’, coisa que desconhecia no alcance
e no significado. Menos de uma semana decorrida foi a vez de participar numa
pretensa ‘apresentação das festas’, por coincidência diante da Igreja matriz.
Contei a estória dos sapos… que perdurou por bastante tempo nas mentes dos
ouvintes, sobretudo políticos. Disse na hora que vinha para aprender… talvez
seja essa razão de bastante poucos quererem ser ensinados?
* Como
primeira tarefa estava-me acometido fazer regressar os escuteiros ao seio da
paróquia. Prometi, na missa de 8 de setembro desse ano, que no ano seguinte já
estariam de regresso… e estavam! Soube, pela explicação do senhor D. Gilberto
que a razão da minha escolha para ser enviado para a Moita era essa mesma: dado
que tinha pacificado as relações sociais e religiosas em Sesimbra, no trato com
o Senhor das Chagas, seria expetável que tal viesse a acontecer na Moita… Até
agora tem sido possível. Espero que todos contribuam na mesma linha…sempre!
* Dando
cumprimento a um desejo popular efervescente, foi inaugurado em 2013, com
transmissão da missa pela televisão, o monumento público a Nossa Senhora da Boa
Viagem, numa expressão de fé e de amor à padroeira da sede da paróquia… Já, no
ano anterior, tinha sido posta a disposição do público em geral uma reprodução
em porcelana da imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, com boa aceitação e
mesmo como forma de angariação de fundos para o projeto do monumento…
* Tendo
por patronas nas três igrejas da paróquia evocações a Nossa Senhora – da Boa
Viagem, na Moita, do Rosário, no Rosário e da Graça, em Sarilhos Pequenos –
tive de fazer um aprofundamento mais cuidado e cuidadoso ao nível teológico,
espiritual e eclesial… Assim, no espaço de poucos anos surgiram pequenas
publicações, editadas pela Paulinas Editora, sobre a ladainha, a Ave-Maria e a
Salve rainha…
*
Prossegui, na Moita, a saga de querer escrever, mas com uma nova tonalidade:
desde 6 de outubro de 2011 através do blogue: ‘aquieagoraeu.blogspot.com’… onde
já foram publicados 1078 artigos e com mais de 187 mil visitas…à mistura com
catorze títulos na Paulinas Editora… Semanalmente sai a folha paroquial ‘No dia
Senhor’, que já atingiu 579 números.
* A
tarefa de ser, por inerência da função de pároco, presidente do ‘centro
paroquial de acção social da Moita’ foi, desde logo, algo para o qual não
estava minimamente preparado. Isto de passar a ser ‘patrão’ – com oito dezenas
de funcionários, mais de duzentas crianças e cinquenta velhos em lar – só tem
sido possível pela dedicação, competência e atenção de tantos dos membros das direções
que já tive nestes mais de onze anos… Continua no horizonte próximo o desejo de
construir um novo lar…assim nos deixem e ajudem…
* O
ritmo de propostas de formação e de adesão às iniciativas, em Sesimbra,
esbarrou com bastante indiferença nas gentes da Moita. Assim, as ‘conferências
quaresmais’, que tão bem eram aceites lá, aqui não conseguiam cativar mais do
que umas parcas dezenas… e só houve três anos de proposta. As reuniões semanais
de preparação da liturgia, que lá enchiam a sala, aqui contavam-se por poucos.
Até as reuniões do ‘conselho pastoral paroquial’, que lá eram motivo de forte
vivência, aqui, dá a impressão, que nunca foi entendido o significado de tal
meio de dinamização pastoral da paróquia.
* O ano
e meio de pandemia – março de 2020 a outubro de 2021 – pôs a nu muito daquilo
que nem imaginávamos ser possível viver: os dias longos e as tenebrosas noites
foram contados quase em ritmo de medo, de suspeita e até de apreensão. Não se
sabe o que virá, mas o que foi deixou marcas em tudo e em todos.
* Por
estes dias, no final do verão, foi dado início a um grupo do ‘apostolado do mar
(stella maris)’ na paróquia, sediado no Gaio. São Pedro Gonçalves Telmo é o
patrono.
Numa
palavra: foram vinte e quatro anos de intenso trabalho, reflexão e vivência
numa diocese que aprendi a conhecer, tenho-a como minha e onde – creio – tentei
ajudar com as qualidades e defeitos que tenho. Assim Deus me perdoe e todos
sejam compreensivos para com o padre que devia ser…
António Sílvio Couto