Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Chantagens

 


Embora não tenha sido usada, a palavra ‘chantagem’ andou subjacente e a fazer estragos na nossa vida coletiva…nos últimos dias.

As esquerdas quiseram pedir tudo e o resto para além do orçamento ao governo. O Presidente quis obrigar a entenderem-se ou haverá eleições. Os concorrentes aos partidos em disputas internas tentaram condicionar os adversários. Na comunicação social surgiram opiniões e propostas em função das sensibilidades ideológicas. Quem esteve a negociar – ou a fazer-de-conta de tal – na (dita) concertação social viu-se ultrapassado por outros interesses.

 1. Estas foram algumas das chantagens já vistas, mas outras se levantam no horizonte turbo e sombrio dos próximos tempos. Uns mais habilidosos – termo suficientemente recorrente para referir o comportamento de muitos dos intervenientes – começam a desdizer-se, pois criaram as condições para as eleições antecipadas e agora sentem que serão os grandes castigados…irremediavelmente. Outros tentam entrar na luta a muito curto prazo, aproveitando o ‘tempo de obras’ de alguns dos adversários. Outros ainda fazem-se de valentões para suplantarem os que os desafiam, mas estão cobertos de medo pois impreparados e sem programa que não seja a contestação…

2. Num serviço deplorável certa comunicação social – como voz do dono e mais interessada na solução defunta – gasta muito do seu tempo a invetivar quem não lhes agrada, dizendo que respeitam os votos – sejam quais forrem – embora deem a entender que o povo parece mais estúpido do que normalmente é…Os argumentos são tão frágeis e mesquinhos que voltados ao contrário revelam a qualidade de mentalidade e a subtileza de inteligência… Felizmente cada um só tem um voto, mas uns tantos acham-se no direito de pretenderem transferir para o exercício da (dita) democracia, os vícios e manhas do clubismo barato…

Não será isto chantagem sublimada pelo pretenso direito de opinião?

3. Mais uma vez confirmámos a informação do tal comandante militar romano sobre um certo povo que vivia, ao tempo, no noroeste da Península Ibérica: há aqui um povo que não se governa nem deixa governar! Somos, de verdade, um povo específico, pois mais do que cultivarmos a sã convivência na diferença, arranjamos casos e casinhos para fomentarmos a divisão, nessa vivência de dividir para reinar e, numa lógica quase-irracional, de preferimos vingar os nossos interesses ao de unirmo-nos para vencermos as dificuldades. Agora sabemos melhor – dado que a escola da intrujice continua a formar mestres e doutores – que há partidos políticos que não olham a meios para atingirem os seus irracionais fins, nem que para isso tenham de deitar fora a aceitação popular que pareciam ainda ter.

 4. Que dizer de quem ocupa o poder? Não será mais maquiavélico do que se julga? Não andará a enganar os seus incautos eleitores? Não se percebeu agora melhor que o epíteto ‘geringonça’ – dado por sarcasmo e contendo a significação de ‘construção improvisada e com pouca solidez’ – só serviu os desejos do comandante e dos seus apaniguados? Afinal, os comparsas não estavam mais interessados no proveito do que no serviço ao povo?

Tenho dito e escrito por diversas vezes que o anterior chefe de governo socialista será considerado um anjinho à luz das patranhas que o atual tem feito em surdina e fora dos palcos. Quando se descobrir, já estaremos sob resgate externo e a pagar com juros tais façanhas por agora sem denúncia nem assunção. Mas não foi este governo em funções que lançou quinze milhões de euros de ajuda à comunicação social? Esta para já tem sido cordata e submissa…

 5. Numa palavra: parece que ouvirmos no ar a acusação: foste mais chantagista do que…espera pelo resultado. Como Nação com quase nove séculos de história, merecemos muito melhor! 

   António Sílvio Couto      

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Dinâmica do Espírito na oração do Sínodo

 



Quem não terá, no tempo de verão, reparado nas longas e bem organizadas filas de formigas, ‘trabalhando’ rumo ao seu refúgio no inverno que virá? Quem não terá podido perceber, mesmo com diferentes tipos e configurações, as formigas deixando marca na terra, dado que por ali passaram vezes sem conta e com o seu destino apropriado? Quem não terá visto e reparado em tal ‘fenómeno’ talvez possa ter agora alguma dificuldade em perscrutar os desafios que o tempo de Sínodo nos está a trazer...seja qual for a instância em que cada um de nós se possa encontrar.
Efetivamente, as lições das formigas a ‘trabalhar’ no estio para sobreviverem ao frio, podem ser-nos úteis para penetrarmos no sentido peneumatológico da oração sinodal. Esta, apesar de ser tomada de São Isidoro de Sevilha (560-636) e tradicionalmente utilizada nos concílios e nos sínodos durante séculos, contém desafiados que podem (e devem) ser refletidos com humildade e sinceridade.
Vejamos singelas leituras:

1. Espírito de unidade
‘Eis-nos aqui, diante de Vós, Espírito Santo! Eis-nos aqui, reunidos em vosso nome!’
É o Espírito divino quem nos reúne - volta a unir, sobretudo depois deste tempo de pandemia - e faz participar com os outros neste projeto de todos.

2. Espírito que conduz
‘Só a Vós temos por Guia: vinde a nós, ficai connosco, e dignai-vos habitar em nossos corações.
Ensinai-nos o rumo a seguir e como caminhar juntos até à meta’.
É o Espírito divino quem nos guia, pois em nós habita e Lhe obedecemos e é nosso mestre. pois nos mostra o rumo a seguir num caminhar juntos e em comum.

3. Espírito que converte
‘Nós somos débeis e pecadores: não permitais que sejamos causadores da desordem; que a ignorância não nos desvie do caminho, nem as simpatias humanas ou o preconceito nos tornem parciais’.
É pelo Espírito divino que podemos conhecer e reconhecer os nossos erros e pecados, concretamente da desordem, talvez bem mais percetível do que seria desejável... Ainda mais especificamente solicitamos ao Espírito divino que a ignorância não nos tolde a mente e as simpatias ou o preconceito, isto é, o facciosismo mundano, não nos obnubile o coração.

4. Espírito de caminhada
‘Que sejamos um em Vós, caminhando juntos para a vida eterna, sem jamais nos afastarmos da verdade e da justiça’.
É no Espírito divino que caminhamos, não para uma meta absurda, mas para a vida eterna, se, assim não fosse, andaríamos a ‘difundir’ futilidades e a ensinar balelas sem nexo nem conteúdo...

5. Espírito de oração
‘Nós vo-lo pedimos a Vós, que agis sempre em toda a parte, em comunhão com o Pai e o Filho, pelos séculos dos séculos. Amen’
De facto, na longa tradição da Igreja as nossas orações terminam com marca trinitária, onde o Espírito divino em nós reza e por nós é louvado e glorificado...

Espero e estimo que estas breves incidências possam ajudar a viver, verdadeiramente, ‘Por uma Igreja sinodal: comunhão - participação - missão’.

António Sílvio Couto

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Ética na política versus política na ética?

 


«A pessoa humana é fundamento e fim da convivência política. Dotada de racionalidade, é responsável pelas próprias escolhas e capaz de perseguir projetos que dão sentido à sua vida, tanto no plano individual como no plano social (...). A comunidade política procede, portanto, da natureza das pessoas, cuja consciência «manifesta e obriga peremptoriamente a observar» a ordem esculpida por Deus em todas as Suas criaturas (...). A comunidade política, realidade conatural aos homens, existe para obter um fim comum, inatingível de outra forma: o crescimento em plenitude de cada um de seus membros, chamados a colaborar de modo estável para a realização do bem comum, sob o impulso da sua tensão natural para a verdade e para o bem».

Esta citação do ‘Compêndio da doutrina social da Igreja (n.º 384), editado em 2005, sob a tutela do Conselho Pontifício Justiça e Paz, traça-nos algumas das linhas de orientação para a vida política, na sua mais genuína atividade, nisso que Aristóteles (século V a. C.) chamava de ‘arte’…

Ao vermos os acontecimentos mais recentes da nossa vida política -- agora mais como engenho de intervenção de interesses do que sublime atividade em favor de todos -- como que ficamos envergonhados por reproduzirmos tais espécimes, onde parece que ninguém tem nada a ensinar, pois todos, de uma forma ou de outra, já fizeram o que pretendem, por agora, acusar nos demais.

 1. Haverá (alguma) ética na política? Poderemos confiar em pessoas que mais defendem a sua ‘bolha’ do que atendem ao bem comum? A tão propalada ‘ética republicana’ não será mais uma bitola dessa tal república das bananas ou de luta orwelliana de porcos do que segundo valores de respeito, de dignidade ou de compreensão? Até onde irá a baixeza dos interesses, ao vermos lutas fratricidas e quase imorais dentro e fora dos partidos? As ideologias confundem-se, em função das estratégias, sejam as ditas explícitas ou as mais tenebrosas e até obscuras?  

 2. Por seu turno, não deixa de ser algo questionável que certas figuras tentem introduzir a política na ética, isto é, misturando os valores de conveniência – e são tantos e à la carte – nem que para tal se aliem aos adversários ideológicos, económicos ou sociais. Com efeito, ainda antes do sarrabulho parlamentar para o qual caminhamos, era bom de ver e de ouvir, tendências ideológico-éticas – em programas televisivos e não só – a defenderem concorrentes em partidos fora do seu espetro de preferência, mais por eles terem feito a saída do armário do que pelas ‘suas’ ideias benéficas para o país! Por aqui se pode ver que a intromissão da política na ética é servida sem pejo nem agravo…nesse princípio subliminar do ‘quanto pior melhor’, desde que sejamos nós a colher os frutos!

 3. Cada vez mais precisamos de estar esclarecidos, de modo a que sejamos capazes de perceber pela própria cabeça quem deseja estar na vida política com sinceridade, por serviço e pelo bem comum… e não por interesse, para se servir ou favorecer os seus apaniguados… Conceitos como povo, trabalhador, democracia, participação, desenvolvimento, dignidade e tantos outros podem ser lidos, estudados ou vividos conforme cada um tenha sido educado. Um marxista (leninista, socialista comunista ou trotsksista) ou um cristão podem usar os mesmos termos e dar-lhes conteúdos e significados diversos. O pior será quando uns tantos, que se dizem cristãos, mas atuam à semelhança e segundo os critérios desses outros que pretendem chegar aos seus fins manipulando os mais incautos e/ou simplórios. Neste sentido vem-me à lembrança essa anedota de um indivíduo que ia em contramão na autoestrada e a mulher lhe liga, avisando-o de que havia alguém em sentido contrário do trânsito, para que ele tivesse cuidado, ao que ele respondeu: e são tantos!

 4. Nestes tempos conturbados que estamos a viver torna-se essencial perceber para onde caminhamos, não aconteça de nos sentirmos acomodados, mas desfasados da realidade, desde a mais simples até à mais complexa… O vírus estará de volta? Com que meios vamos sobreviver?

 

António Sílvio Couto    

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Homens, sede homens!

 


Quando veio a Fátima, a 13 de maio de 1967, o Papa Paulo VI, proclamou altissonantemente:
«Homens, sede homens. Homens, sede bons, sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo. Homens, sede magnânimos. Homens, procurai ver o vosso prestígio e o vosso interesse não como contrários ao prestígio e ao interesse dos outros, mas como solidários com eles. Homens, não penseis em projetos de destruição e de morte, de revolução e de violência; pensai em projetos de conforto comum e de colaboração solidária. Homens, pensai na gravidade e na grandeza desta hora, que pode ser decisiva para a história da geração presente e futura; e recomeçai a aproximar-vos uns dos outros com intenções de construir um mundo novo; sim, um mundo de homens verdadeiros, o qual é impossível de conseguir se não tem o sol de Deus no seu horizonte».
Decorridos mais de seis décadas de vida e de história torna-se um tanto urgente e essencial fazermos uma reflexão sobre implicações, momentos e sinais de como aquela expressão – ‘homens, sede homens’ – ainda tem atualidade e pode ser esmiuçada suficientemente na nossa conduta pessoal, familiar e coletiva.

1. Que dizer de certos ‘políticos’ que se fazem ‘sair do armário’ – com a significação conotativa da frase – em vésperas de se apresentarem à refrega eleitoral de escolha de futuros dirigentes? Será isso algo a favor das suas pretensões ou condicionará as escolhas de outros, se se apresentarem a votação? Estarão os ‘partidos políticos’ – sobretudo portugueses – capazes de enquadrarem essas novas formas de ética? Valerá tudo para atrair a atenção e para conquistar esse novo enquadramento mais tecnocrata do que fundado na sensata conduta moral? Seja qual for o resultado será de homens cordatos, magnânimos e sensatos?
Parece ser cada vez mais urgente sabermos o que significa, verdadeiramente, ‘ser homem’, pois implica e expõe muito para além da configuração de sexo e ultrapassa ainda mais a denotação de género…Aquela expressão papal continua com perfeita atualidade no conteúdo e na forma.

2. Assisti, por estes dia, à tomada de posse da assembleia municipal e dos elementos da câmara municipal numa localidade, que ousou, nas recentes eleições autárquicas, mudar de cor e, possivelmente, de orientação a curto prazo. Escutei a enfase que foi dada à necessidade de respeitar, de enquadrar e de tornar visíveis a ‘minorias’. Mas o que vi, pelas pessoas eleitas, empossadas e investidas em poder foi algo que me escandalizou: é um concelho – com quatro assembleias de freguesia, nove vereadores e mais de sessenta e seis mil habitantes – e onde as pessoas de tez negra têm uma razoável presença, tanto na população como nas associações, coletividades e mesmo igrejas (católica e não só)… mas, naqueles órgãos empossados, não vi um negro ou negra investido…apesar de uns tantos, muito poucos (residuais ou convidados), deambularem pela assistência ao ato…

3. De que adianta andarem a proclamar boas intenções de convivialidade e de articulação entre as diversas propostas de respeito à diferença, se, na hora de isso poder ser manifestado, o que vemos são condutas hipócritas e mentirosas, falsas e quase anedóticas, incoerentes e provocadoras do descrédito de quem faz a intervenção política? Não será que tais homens/mulheres não passam de utópicos sem estofo, de promotores de novas desigualdades e de manipulações baratas e quase em saldo? Não andaremos a semear ventos, vindo a colher tempestades? Não estaremos a formar pessoas que fazem do seu viver uma mentira só desmontada por quem nada teme porque nada defende? Não andará muita gente obcecada pela ideologia que ainda não conseguiu captar que Deus não é ‘uma coisa fria nem impessoal’, mas Alguém sensível e que cuida de nós?

4. Do texto do Papa Paulo VI podemos recolher as caraterísticas daquilo que ele considerava ´ser homem’: bom, cordato, magnânimo, solidário, colaborador com os outros, verdadeiros… Antes de mais será útil, cada um de nós, ver como vive estas caraterísticas da pessoa humana; depois podemos e devemos avaliar como tais vertentes acontecem à nossa volta; por fim, teremos de questionar-nos porque ainda não somos tão humanos quanto devíamos, mesmo que isso implique a nossa conversão aos outros… O caminho é longo!

António Sílvio Couto

Processo do sínodo…em conversão

 


«Nós somos débeis e pecadores:

não permitais que sejamos causadores da desordem;
que a ignorância não nos desvie do caminho,
nem as simpatias humanas ou o preconceito nos tornem parciais
».

 Confesso que este parágrafo da ‘oração pelo Sínodo’ me deixa perplexo, apreensivo e reconfortado. Podem parecer sentimentos – bem mais do que ideias ou pensamentos – contraditórios, mas vivo-os desde que li e agora rezo esta oração, proposta como caminho sinodal…nos próximos tempos.

Diz-se, em nota de rodapé, na pagela distribuída com esta fórmula comunitária de oração, que ela é ‘atribuída a Santo Isidoro de Sevilha (560-636), tem sido tradicionalmente utilizada nos concílios e nos sínodos durante séculos. A versão que se segue foi especificamente concebida para o caminho sinodal da Igreja de 2021 a 2023’. Aqui poderá estar algo que nos ajuda a situar na longa e acrisolada Tradição da Igreja e onde vamos, em momentos significativos, buscar as raízes mais fundas do nosso atuar contemporâneo.

Como nota de referência não deixa de ser significativo que esta oração-sinodal seja dirigida ao Espírito Santo, como todos sabemos é a alma da Igreja e quem lhe dá o ligâmen de unidade, de santidade, se catolicidade e de apostolicidade.

Sem pretender fazer qualquer análise hermenêutica restritiva, ouso propor uma reflexão sobre os quatro aspetos contidos na disposição gráfica e de aspetos contidos neste parágrafo:

1. Nós somos débeis e pecadores.

É partindo desta consciencialização – de ‘pobres pecadores ‘ – que poderemos encetar o nosso caminho de sínodo: estamos todos juntos na mesma tarefa, numa base de unidade e não na distinção de regalias ou de penachos humanos ou religiosos… subtis ou presumidos.

 2. Não permitais que sejamos causadores da desordem.

De facto, aquilo que distingue, normalmente, cria obstáculos a que nos sintamos, na linguagem paulina, ‘membros uns dos outros’, mas talvez, mais seduzidos pela leitura e vivência piramidal, que, de tantas e tão atrozes modos, tem criado problemas na Igreja e no mundo. Será uma visão menos adequada?

 3. Que a ignorância não nos desvie do caminho.

Em certos círculos (mais ou menos) eclesiásticos sói dizer-se que a ignorância é o ‘oitavo sacramento’. Ora, na componente desta oração pedimos ao Espírito divino que venha em nós vencer essa letargia em que, tantas vezes, nos consolámos, em que vivermos com o já sabido, o que foi estudado ou mesmo o que nada diz mas que nos faz sentir seguros do pouco que sabemos. Ainda, um destes dias, fiquei estarrecido de confusão, ao ouvir de um padre, que foi ordenado há quatro anos e que dizia não precisar de estudar, para já, mais…Isto foi-me ainda mais agravado, quando ele o disse perante uma professora jubilada de teologia – a primeira mulher assim graduada no nosso país – e que, momentos antes me tinha deliciado com uma reflexão despretensiosa sobre questões de teologia trinitária. Sim, mesmo na Igreja católica, a ignorância é um posto… e não é só dos leigos!

 4. Nem as simpatias humanas ou o preconceito nos tornem parciais.

Efetivamente, vivemos, de tantas e variadas formas sob o condicionamento de querermos agradar – na palavra e nas atitudes – para com quem nos agrada ou a quem queremos (mais ou menos) ser agradáveis. Com que facilidade corremos o risco de submeter-nos àquilo em que pode ser menos agradáveis. Certos ‘bobos da coorte’ deambulam pelas arenas eclesiais…e não são só os leigos. Com que rudeza sinto – sobre o passado e o presente – essa advertência de Jesus: ‘ai de vós, quando todos disserem bem de vós’! Se formos homens/mulheres à luz do Evangelho andaremos doridos com tais cedências às forças do mundo… ou não!   

 

António Sílvio Couto      

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

‘Papagaios e robertos’...de ocasião

 


Sou procedente de um meio (quase) rural, que, embora, numa espécie de epicentro, entre três cidades de média dimensão, não perdeu a configuração de algum encanto perante certas iniciativas ‘culturais’ de ocasião. Recordo, na década de setenta do século passado, a presença de um pequeno circo no centro da localidade: era coisa rudimentar, mas que encantava a quem ainda não tinha visto melhor. De entre os números apresentados havia um que me atraía mais a atenção: os ‘robertos’ – só mais tarde fiquei a saber o significado de tais figuras marionetas ou fantoches – que apareciam em bonecos de trapo, manobrados por habilidosas mãos, enquanto se gerava um diálogo jocoso dos intervenientes...
Veio-me à lembrança tais memórias, ao ver, hoje, certas figuras (figurinhas ou figurões) na praça pública, seja da comunicação social, seja nas lides políticas e em tantos outros campos de visibilidade. 

1. Será o humor sarcasmo ou correção? Acredite quem quiser que não me sinto suficientemente capaz – por incapacidade inteletual, compreensão terminológica ou desintonia gramatical – de coompreender as intervenções de certos/as humoristas de serviço. É certo que os trejeitos de insinuação são algo mais apropriados para uma certa bolha ideológica. Também a promoção de tais cozinhados só se entendem para quem usa dessa outra culinária. Escapa-me, porém, alguma apropriação dessas personagens em espaços de referência da Igreja católica, como se fossem novos evangelizadores dos sorumbáticos crentes de sacristia. Há humoristas que se colocam em tal patamar de intervenção, que podem dizer tudo e o resto do nada que aqueles que os ouvem, aplaudem-nos, quase sempre, efusivamente...Será por mimetismo ou por simpatia bacoca? 

2. ‘Ridendo castigat mores’ (a rir se corrigem os costumes). Esta terá uma estratégia do nosso grande Gil Vicente com as suas ‘peças’ teatrais, fazendo/inventando figuras jocosas para atingir os seus fins de correção moral da época e de outros tempos. Dir-se-á que a veia do humor percorre as veias da nossa cultura. Por isso, os ‘profissionais’ da brincadeira deviam ter mais respeito pelo que dizem, como falam e a quem se dirigem... Coisa que não se percebe nos dias que correm! 

3. Psicologia de papagaio. Nota-se, no entanto, no subterrâneo da nossa conduta social uma outra corrente talvez bem mais perigosa e subtil. Uns tantos limitam-se a imitar aquilo que lhe ensinaram em jeito de instrução de papagaio: dizem e falam como quem os educou; reproduzem e transmitem coisas (‘valores’ não são de certeza) de duvidosa qualidade; reluzem culturalmente no plágio em ‘copy-paste’... É confrangedor o nível de tantos/as que hoje intervêm na vida pública. Programas de perfeita insanidade mental continuam a fazer a delícias – se tal não fosse, não se fariam edições umas atrás das outras – das audiências televisivas. A quem interessa manter no ar tais vergonhas? Porque não se risca, de vez, a confusão do futebol-falado? Até onde irá a intoxicação ideológica de que só a esquerda é que tem voz sobre tudo e quase nada?
Para ilustrar este clima cultural deixo, mais uma vez, a estória dos desejos dos filhos para com a mãe-velha.

Três irmãos, depois de uns anos separados, encontraram-se. Tinham conseguido bons empregos e viviam todos numa razoável vida de sucesso…Quiseram, então, cada um deles dar um presente a sua mãe muito idosa, que não saíra da sua terra natal. Segundo as suas posses cada um foi dizendo: eu dei à mãe uma grande mansão. Outro: eu enviei-lhe um carro Mercedes topo de gama… Outro ainda, tentando interpretar os gostos religiosos da mãe, disse: eu, como sei que a mãe está quase cega, mandei-lhe um papagaio castanho que sabe a Bíblia toda de cor… Foram anos de treino do pássaro num convento… basta que a mãe diga o capítulo e o versículo e ouve logo o que quer escutar. Passados dias os filhos receberam, cada qual, uma carta da mãe, agradecendo os presentes. Dizia: José, a casa que me compraste é muito grande. Eu moro apenas num quarto e canso-me muito a limpar a casa toda. Francisco, eu estou velha para sair de casa e viajar. Fico em casa o tempo todo e quase nunca uso o Mercedes que me deste… além disso o motorista é muito malcriado. António, foste o único que sabe do que a tua mãe gosta: aquela galinha estava deliciosa. Muito obrigado.

Com certos papagaios a fazerem de robertos estaremos em maus lençóis e piores consequências…

António Sílvio Couto

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Quanto dependemos dos outros…

 


De vez em quando torna-se útil, necessário e conveniente repararmos em quanto dependemos uns dos outros…nos atos mais simples do nosso dia-a-dia: eletricidade, água, gás, comunicações (televisão, internet, telefone) tornam-se mais precisos quando nos faltam, nem que seja por breves momentos.

Consciencializar a panóplia de situações em que precisamos uns dos outros poderá fazer-nos mais humildes e reconhecidos pelo tanto que recebemos e, nem sempre, agradecemos.

 1. Claro que aqueles serviços de que usufruímos, pagamo-los. Mas isso não nos pode deixar indiferentes às interdependências em que nos encontramos continuamente. Vastíssimas equipas contribuem com o seu saber, a sua competência e mesmo a sua dedicação para que possamos ter aqueles serviços – e tantos outros, como a cadeia alimentar ou aspetos de segurança – da forma mais normal possível. Ser grato é o mínimo que se exigirá. O pagamento de tais prestações, para além de justo, é essencial para que continuemos a tê-los com a regularidade necessária e conveniente…

 2. Uma das consequências mais visíveis do tempo da pandemia, que temos estado a viver, foi o fechamento (isolamento, refúgio ou medo) resultante dos cuidados para que o vírus não nos atingisse. Depois dos cuidados higiene-sanitários tivemos de lutar contra ‘falsas notícias’ (ou não tanto), servidas com razoável abundância. Com que funesta vivência farejamos a morte no mês de janeiro passado, onde, entre o início e o final, duplicou o número de mortos pelo fatídico vírus…Confesso que nunca vi tão de perto o estertor da morte, passeando por entre as pessoas aturdidas com o medo, a incerteza e as consequências.

 3. A fronteira entre o excesso de cuidado com a ‘covid19’ e a cobardia foi (é) muito ténue. Passado este tempo tenho a sensação decque posso ter sido um tanto cobarde, salvaguardando a pele e não estando mais presente, sobretudo, aos mais velhos no lar do centro paroquial…Ao reconhecer esta falha tenho presente o imenso número de padres vítimas do vírus – 269 em Itália, só no ano de 2020; mais de cem em Espanha; 65 no Brasil; em Portugal também houve alguns padres mortos… Em certos países morreram mais padres vítimas do covid-19 do que médicos, segundo alguns devido à proximidade e dedicação daqueles…

 4. Habilitados pela provação da pandemia precisamos de perspetivar esta intercomunhão em que nos vivemos, vivemos e existimos, pois, o sacudir desse egoísmo em que nos refugiamos durante os vários estados de confinamentos, não poderá quedar-se em ficarmos só por esse faz-de-conta de que tudo passou. Com efeito, a higienização a que nos submetemos preventivamente tem de continuar, mais do que na dimensão do corpo tem de atingir as complexas particularidades mentais: há, de verdade, muitas teias de preconceito para com os outros, na medida em que os fomos tornando senão inimigos ao menos adversários.  Com que facilidade se nota agressividade – latente ou explicita – para com os outros, sejam conhecidos ou nunca vistos. As cenas de conflitualidade proliferam desde os pequenos gestos até às imagens noticiosas. Parece que foi desarrolhado algo contido sob pressão…psicológica e/ou espiritual.

 5. Neste contexto torna-se de fundamental acuidade a proposta da Igreja católica do ‘caminhar juntos’ em sínodo. Vejamos breves excertos da homilia do Papa Francisco na abertura do sínodo sobre a sinodalidade (10 de outubro).

«Fazer Sínodo significa caminhar pela mesma estrada, caminhar em conjunto. Fixemos Jesus, que na estrada primeiro encontra o homem rico, depois escuta as suas perguntas e, por fim, ajuda-o a discernir o que fazer para ter a vida eterna. Encontrar, escutar, discernir: três verbos do Sínodo,

* Somos chamados a tornar-nos peritos na arte do encontro; peritos, não na organização de eventos ou na proposta duma reflexão teórica sobre os problemas, mas, antes de mais nada, na reserva dum tempo para encontrar o Senhor e favorecer o encontro entre nós.

* Um verdadeiro encontro só pode nascer da escuta. (...) Como estamos quanto à escuta? Como está «o ouvido» do nosso coração? Permitimos que as pessoas se expressem, caminhem na fé mesmo se têm percursos de vida difíceis, contribuam para a vida da comunidade sem ser estorvadas, rejeitadas ou julgadas?

* O encontro e a escuta recíproca não são um fim em si mesmos, deixando as coisas como estão. Pelo contrário, quando entramos em diálogo, pomo-nos em questão, pomo-nos a caminho e, no fim, já não somos os mesmos de antes, mudamos (...) O Sínodo é um caminho de discernimento espiritual, de discernimento eclesial, que se faz na adoração, na oração, em contacto com a Palavra de Deus».

Caminhemos juntos…

 

António Sílvio Couto      

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

‘Alegro-me com o êxito dos outros’

 


Recordo-me, tenuemente, de ter ouvido esta frase ser proferida por alguém ligado ao treinador-selecionador, que venceu, por estes dias, o campeonato do mundo em futsal.
Aquela afirmação sobre a benevolência para com os êxitos/sucessos/vitórias dos outros é muito pouco habitual no nosso contexto cultural, tanto na área social, política ou económica, como também em aspetos mais ou menos do foro da relação das qualidades, das vivências interpessoais ou mesmo eclesiais. Com que facilidade ouvimos – senão mesmo proferimos – frases como estas: com o mal dos outros podemos nós, deixem-nos subir que cá estaremos para vê-los descer, saberemos o que valem quando falharem…

1. Dá a impressão que somos, de facto, um povo mais propenso para alimentar mais os falhanços alheios do que para aprendermos com o modo como os outros foram capazes de ultrapassar a mediocridade reinante. Há todo um ambiente propício para a valorização, pela negativa, de quantos não conseguem ter sucesso. Com relativa facilidade são relegados os vencidos para o fim da lista. Dá a impressão que, em certos setores da nossa sociedade, quem destoa da normalidade vitoriosa parece ser um alvo a abater…

2. Nota-se, por outro lado, uma certa tendência para premiar – com comendas, medalhas ou galardões – quem não fez mais do que, meramente, cumprir o seu dever… Isto é mau para quem faz, pior para quem aceita. Já o referi por diversas vezes que, a atender à lista dos condecorados, dos premiados e dos que receberam reconhecimento público, prefiro enjeitar, recusar ou ser banido das hipóteses, seja qual for o tempo, o lugar ou a oportunidade… O cumprimento do dever é a melhor paga/reconhecimento!

3. Verdadeiramente há sucessos e vitórias, conquistas e façanhas, resultados e consagrações, que revelam, manifestam e envolvem muito trabalho… anos a fios, sacrifícios inauditos, horas de luta e de dedicação… Por muita habilidade, capacidade natural ou jeito para certos desportos (pessoais ou coletivos) ou mesmo atividades de grupo, é preciso muito trabalho – nessa asserção que diz: o sucesso só se encontra no dicionário antes de trabalho – na medida em que a conjugação de esforço se sobrepõe, normalmente, às individualidades. Vimo-lo nos resultados mais recentes da seleção de futsal, mas já o tínhamos percebido no futebol de praia ou mesmo no futebol de onze…À boa maneira portuguesa: quando todos se unem, fazemos das fraquezas forças e das derrotas conquistamos vitórias.

4. Pena é que nas coisas da política (e não só) sejamos tão tacanhos em compreender as diretrizes: quantas vezes, os vencedores incham na sua prosápia e os vencidos se esgueiram na sua petulância; quantas vezes, quem ganhou não sabe lidar com os recursos que passa a ter e quem foi derrotado deita a perder a experiência adquirida… Efetivamente, ser democrata é uma aprendizagem, nunca feita nem completa…

5. Ao nível católico somos chamados a reformular os nossos conceitos e, por que não, vivências. Aí está o desafio: a sinodalidade, isto é, o caminho a fazermos juntos, sem lições nem rebuscos… Todos como ‘fiéis’ – porque batizados: hierarquia, religiosos/as e leigos – estamos em caminho comum – ‘suv’ (comum), ‘odos’ (caminho) – numa comunhão, participação e missão. É à luz destas três palavras que a Igreja católica nos chama a viver de forma nova, diferente e entusiasmada…os próximos anos.
Citamos o número 4 do documento preparatório do Sínodo:
«O caminho sinodal desenvolve-se num contexto histórico, marcado por mudanças epocais na sociedade e por uma passagem crucial na vida da Igreja, que não é possível ignorar: é nas dobras da complexidade deste contexto, nas suas tensões e contradições, que somos chamados «a investigar os sinais dos tempos e a interpretá-los à luz do Evangelho» (GS, n. 4). Delineiam-se aqui alguns elementos do cenário global mais intimamente ligados ao tema do Sínodo, mas o quadro deverá ser enriquecido e completado a nível local».
Queira Deus que sejamos capazes de compreender estas palavras e de as colocarmos na vida…

António Sílvio Couto

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

‘Ética republicana’

 


Meia-volta ouve-se esta expressão: ‘ética republicana’. Que significa tal pretensão? Será algo que atinge e beneficia a todos ou só a alguns? Quem se reclama de tal qualidade da ‘ética’? Teremos todos de respeitar tal desiderato? Será algo que une ou que discrimina?
Segundo alguns entendidos na matéria a tal ‘ética republicana’ repudia compadrios, clientelas e corrupções... e, numa visão mais abrangente e insidiosa, a ética republicana é a lei...
Numa interpretação mais estrita dos conceitos em matéria politica, há quem considere que a república, num estado de direito democrático, proclama o primado da lei e a igualdade de todos os cidadãos perante ela, não aceitando que uns beneficiem de prerrogativas ou de direitos que assentem em razões de hereditariedade familiar ou de títulos nobiliárquicos concedidos pelas mesmas razões.
Numa visão mais restrita ainda os republicanos consideram que acima do mero cumprimento da lei deve prevalecer o interesse público em detrimento do interesse privado, isto é, a dimensão coletiva impõe-se, teoricamente, ao interesse do indivíduo.

1. Decorridos mais de cem anos sobre a implantação da república, em Portugal, não teremos ainda um razoável caminho a fazer diante da tal ‘lei’ igualitária? Com efeito, muitos dos servidores da república quase apresentam tiques de nobreza perante a intocabilidade das suas leis, muitas delas feitas à medida dos seus interesses de grupo, de ideologia ou de associação (quase) secreta. Dá a impressão que há uns mais iguais do que outros, tal o favorecimento na forma e no conteúdo de certas leis da dita república. Isto parece manifestar-se de forma transversal aos partidos do atual espetro parlamentar, pois, certos arranjos e tomadas de posição saltar de campo ideológico, pelo menos na disposição da sala...

2. Com relativa facilidade emergem situações em que a igualdade perante a lei não se configura condizente com o comportamento – ético, moral – dos intervenientes. Quando descobertos tentam atamancar soluções onde o resultado descondiz com os pretensos princípios...democráticos, republicanos e marxistas/socialistas. Por vezes nem olham a meios para atingirem os seus fins, desde que não sejam percebidos ou demasiado manifestos... Os dias mais recentes – após as eleições autárquicas – foram dignos para ilustrar tais intentos, factos e insinuações...

3. Desgraçadamente o exercício do poder – seja qual for a instância – mas com riscos pela longevidade do mesmo, vai criando tiques e comportamentos que atentam contra a tal ‘ética republicana’, pois, na maioria dos casos, os interesses do partido ou da sua fação mais representativa como que se instalam na hora das decisões. Veja-se o estertor das derrotas em certas autarquias: tudo piora quando a surpresa apanhou os derrotados nas teias... Pode não ser totalmente verdade, mas paira no ar a sensação de que há pressa em esconder qualquer coisinha!

4. Embora sejam sinónimos em grego (‘ethos’) e em latim (‘mor, moris’) nota-se uma tentativa de usar os dois termos segundo os sujeitos e dando às palavras conteúdos desconformes. Assim ‘moral’ será um conceito mais conotado com as coisas da religião, particularmente no âmbito cristão/católico, enquanto ‘ética’ teria uma envolvência mais social, cultural e, porque não, política. Deste modo os republicanos como que tentam superiorizar-se nas observações que fazem aos moralismos dos que precisam da vivência religiosa. Parece estar subjacente a este comportamento – ético ou moral – uma certa sobranceria de uns tantos para a referência ao divino – sobretudo à ‘lei de Deus’ – lhes soaria menos cultural. Não será, no entanto, com preconceitos etimológicos ou mesmo culturais que se resolverá o problema se é ‘ética’ ou ‘moral’, mas poderá explicar-se a confusão de certo republicanismo barato para quem a noção de Deus aflige, atormenta ou faz pensar mais em adequar o que se pensa ao que se vive e não em justificar o modo de viver no pensar!


António Sílvio Couto

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Há 24 anos na diocese de Setúbal

 




4 de outubro de 1997. Cheguei a Sesimbra.

Era Papa João Paulo II, bispo de Setúbal, D. Manuel da Silva Martins, arcebispo de Braga, D. Eurico Dias Nogueira; Presidente da República, Jorge Sampaio, Primeiro-ministro, António Guterres.

Estava-se em campanha eleitoral para as eleições autárquicas, nesse ano realizadas a 14 de dezembro, mudando de cor – dos comunistas com mais de duas décadas de poder para os socialistas – lá na terra.

Tinha 38 anos, catorze dos quais como padre. Vinha de Braga, embora tenha estado sem qualquer função paroquial entre 1991 e 1997, no intervalo fiz o mestrado (antigo) em teologia, na UCP-Lisboa.

- A chegada temporária a Setúbal era para ser por um ano… e já vai em quase um quarto de século. O ambiente na diocese era de fim-de-ciclo do bispo ainda em pontificado, que durou até junho de 1998.

- Vivíamos nessa época uma forte mobilização para o ‘jubileu do ano 2000’, tanto ao nível da Igreja universal como nas dioceses… com a coincidência de, nessa mesma data, a diocese comemorar os vinte e cinco anos da sua criação. Foi nesta ambiência e contexto religioso que solicitei ao meu bispo, D. Eurico, que me deixasse ficar por mais algum tempo em Sesimbra, até porque seria um tanto desestabilizador que aquela paróquia tivesse quatro párocos diferentes no espaço de um ano…

- Logo na quaresma de 1998 demos início a uma iniciativa que foi pioneira na Igreja em Portugal: as ‘conferências quaresmais’, efetuadas à quarta-feira à noite, entre a quarta-feira de cinzas e a quarta-feira da semana santa… isto durante treze anos – foram dezenas (treze vezes sete) de figuras e personagens da vida eclesial, mas também política, social, universitária…leigos, padres e bispos… e onde acorriam centenas de ouvintes, tanto da paróquia como da diocese.

- Numa captação do ambiente social, religioso e cultural, fui percebendo a necessidade de formação. Tudo isso num contexto de preparação da ‘Expo98’. Neste campo entrei em contato com um trabalho já em marcha de inserção das paróquias marítimas no tema dos oceanos. Foi um abrir de horizontes para um setor que desconhecia e que tivesse a possibilidade de aprender a situar-me. Daqui veio o crescente interesse sobre as simbologias marítimas e piscatórias em particular… Entre 2008 e 2014 fui diretor nacional do Apostolado do mar.

- Numa figuração mais aproximada foi toda descoberta da devoção ao Senhor Jesus das Chagas… que, em situações anteriores, foi o causador dos atritos entre o pároco e uma fatia dos promotores da festa anual, em maio. Percebido o interesse foi preciso conquistar a confiança dos ditos da comissão de festas. Colocar a devoção sob um tema – ilustrado por uma faceta ou apetrecho piscatório – traduzi-lo num cartaz aglutinador, dinamizar a novena à volta dessa temática e organizar os estatutos da Irmandade foram peças de um puzzle em crescendo e sem conflitos… Tinha prometido a mim mesmo que o Senhor das Chagas não me mandaria embora daquela terra…Nunca fui a praia, mas passeava todos os dias à beira-mar!

– Outro foco de dissensão era a discrepância entre a capela da Misericórdia e a Igreja matriz…com os seus reduzidos frequentadores, tanto de um lado como do outro… A isso se acrescentava a colocação do agrupamento dos escuteiros sob a alçada da capela e não da paróquia. A breve trecho – talvez dois ou três anos – todos estavam sob a mesma responsabilidade, a do pároco, até porque o capelão, Padre Júlio, de farta idade (90 anos), pediu a suspensão da capelania… Sempre nos demos bem e escutava-o na sua sabedoria. Não posso esquecer a presença e a atenção também do senhor Padre Agostinho, pároco do Castelo até aos 80 anos.

- Com a chegada de D. Gilberto, em 1998, comecei a fazer parte de alguns dos órgãos diocese mais significativos: vigário, membro do conselho presbiteral e mesmo do colégio de consultores…tendo, todas as semanas, reuniões em Setúbal… Vi serem seminaristas e, posteriormente, serem ordenados padres dezenas dos padres mais novos, isto é, desde o início do milénio… Alguns ainda não tinham nascido sequer, quando fui ordenado em 1983…

– Dado que gostava de escrevinhar umas coisas sobre assuntos vários, cheguei a ter espaço nos três jornais em publicação (raio de luz, o sesimbrense e jornal de Sesimbra) e mesmo na rádio local, com a transmissão da missa dominical… isso para além da colaboração numa publicação regular da câmara municipal… Desse tempo surgiram algumas compilações em livro (uns dez títulos) – entre 1998 e 2010.

- Na fase derradeira da minha presença em Sesimbra aconteceu o ‘curso alpha’ (com treze cursos de dez semanas cada um) e que terá sido participado por mais de seiscentas pessoas, muitas delas estavam fora da vivência da Igreja.

- Dada alguma distância no tempo foi um tanto fácil referir-me àquilo que vivi em Sesimbra e nesse tempo noutros espaços da diocese, onde colaborei, desde a primeira hora, na ‘escola da fé’ ou em manifestações de religiosidade (procissões), onde fui solicitado… Escrevinhei no jornal da diocese – notícias de Setúbal – enquanto existiu e lamento a sua suspensão algo apressada e talvez temerária…

 

* Cheguei à Moita em 29 de agosto de 2010. Tinha pedido para que a paróquia para onde pudesse ir não tivesse centro paroquial e caiu-me em sorte (ou azar) exatamente um local onde isso não se cumpria… Achei estranha a solução do senhor Bispo, mas, só há dias (no verão passado), ele teve a ousadia de explicar publicamente a razão… di-la-emos mais tarde.

* Faltavam poucos dias para a ‘festa da Moita’, coisa que desconhecia no alcance e no significado. Menos de uma semana decorrida foi a vez de participar numa pretensa ‘apresentação das festas’, por coincidência diante da Igreja matriz. Contei a estória dos sapos… que perdurou por bastante tempo nas mentes dos ouvintes, sobretudo políticos. Disse na hora que vinha para aprender… talvez seja essa razão de bastante poucos quererem ser ensinados?

* Como primeira tarefa estava-me acometido fazer regressar os escuteiros ao seio da paróquia. Prometi, na missa de 8 de setembro desse ano, que no ano seguinte já estariam de regresso… e estavam! Soube, pela explicação do senhor D. Gilberto que a razão da minha escolha para ser enviado para a Moita era essa mesma: dado que tinha pacificado as relações sociais e religiosas em Sesimbra, no trato com o Senhor das Chagas, seria expetável que tal viesse a acontecer na Moita… Até agora tem sido possível. Espero que todos contribuam na mesma linha…sempre!

* Dando cumprimento a um desejo popular efervescente, foi inaugurado em 2013, com transmissão da missa pela televisão, o monumento público a Nossa Senhora da Boa Viagem, numa expressão de fé e de amor à padroeira da sede da paróquia… Já, no ano anterior, tinha sido posta a disposição do público em geral uma reprodução em porcelana da imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, com boa aceitação e mesmo como forma de angariação de fundos para o projeto do monumento…

* Tendo por patronas nas três igrejas da paróquia evocações a Nossa Senhora – da Boa Viagem, na Moita, do Rosário, no Rosário e da Graça, em Sarilhos Pequenos – tive de fazer um aprofundamento mais cuidado e cuidadoso ao nível teológico, espiritual e eclesial… Assim, no espaço de poucos anos surgiram pequenas publicações, editadas pela Paulinas Editora, sobre a ladainha, a Ave-Maria e a Salve rainha…

* Prossegui, na Moita, a saga de querer escrever, mas com uma nova tonalidade: desde 6 de outubro de 2011 através do blogue: ‘aquieagoraeu.blogspot.com’… onde já foram publicados 1078 artigos e com mais de 187 mil visitas…à mistura com catorze títulos na Paulinas Editora… Semanalmente sai a folha paroquial ‘No dia Senhor’, que já atingiu 579 números.

* A tarefa de ser, por inerência da função de pároco, presidente do ‘centro paroquial de acção social da Moita’ foi, desde logo, algo para o qual não estava minimamente preparado. Isto de passar a ser ‘patrão’ – com oito dezenas de funcionários, mais de duzentas crianças e cinquenta velhos em lar – só tem sido possível pela dedicação, competência e atenção de tantos dos membros das direções que já tive nestes mais de onze anos… Continua no horizonte próximo o desejo de construir um novo lar…assim nos deixem e ajudem…

* O ritmo de propostas de formação e de adesão às iniciativas, em Sesimbra, esbarrou com bastante indiferença nas gentes da Moita. Assim, as ‘conferências quaresmais’, que tão bem eram aceites lá, aqui não conseguiam cativar mais do que umas parcas dezenas… e só houve três anos de proposta. As reuniões semanais de preparação da liturgia, que lá enchiam a sala, aqui contavam-se por poucos. Até as reuniões do ‘conselho pastoral paroquial’, que lá eram motivo de forte vivência, aqui, dá a impressão, que nunca foi entendido o significado de tal meio de dinamização pastoral da paróquia.

* O ano e meio de pandemia – março de 2020 a outubro de 2021 – pôs a nu muito daquilo que nem imaginávamos ser possível viver: os dias longos e as tenebrosas noites foram contados quase em ritmo de medo, de suspeita e até de apreensão. Não se sabe o que virá, mas o que foi deixou marcas em tudo e em todos.

* Por estes dias, no final do verão, foi dado início a um grupo do ‘apostolado do mar (stella maris)’ na paróquia, sediado no Gaio. São Pedro Gonçalves Telmo é o patrono.

Numa palavra: foram vinte e quatro anos de intenso trabalho, reflexão e vivência numa diocese que aprendi a conhecer, tenho-a como minha e onde – creio – tentei ajudar com as qualidades e defeitos que tenho. Assim Deus me perdoe e todos sejam compreensivos para com o padre que devia ser…

 

António Sílvio Couto