Decorreu, nestes dias (16 de março) um tempo de formação para o clero da diocese de Setúbal, sobre ‘Os fiéis leigos na Igreja e no mundo: é hora dos leigos, mas parece que o relógio parou’ com o Padre Amaro Gonçalo, pároco da Senhora da Hora, Matosinhos.
Os
trinta e sete participantes em zoom, escutaram algumas observações mais
pastorais do que teológicas – segundo disse o palestrante – sobre a dimensão
laical da Igreja católica e como tudo isso se exprime na dimensão de
sinodalidade missionária.
Reportando-se
regularmente à sua experiência de pároco, o Padre Amaro Gonçalo incidiu a sua
comunicação sobre documentos do Papa Francisco, citando-os de forma tácita ou
explícita, naquilo que valorizam os leigos na Igreja e no mundo.
Eis
algumas citações da primeira comunicação do palestrante:
– ‘É a hora dos leigos diz-se muitas vezes, mas parece
que o relógio parou’, diz o Papa Francisco.
– A época atual terá como protagonistas da missão todos os fiéis
batizados, e sobretudo os fiéis
leigos, que são a grande maioria dos
membros do Povo de Deus.
– É importante darmo-nos conta de
que há um mal-entendido de base quando se fala da missão dos leigos,
colocando-a exclusivamente em contexto eclesial, ou seja, que “tarefas” se lhes deve confiar na
dinamização da vida da Igreja… Ser leigo é ser leigo, não é ser
um substituto do padre.
– “Se o coração da identidade do
sacerdote está na consagração do pão eucarístico, o centro da missão dos leigos
está na consagração do mundo, segundo o projeto de Deus” – diz-nos o Papa Francisco.
– Os cristãos estão no mundo não para conquistar território, para ocupar espaços, mas para desenvolver processos.
– Não
é o pastor que deve dizer ao leigo o que fazer e dizer, ele sabe tanto e melhor
que nós.
– Uma Igreja viva precisa de leigos
comprometidos na sua missão, de verdadeiros interlocutores com as pessoas que
vivem no campo ou na cidade.
= Partindo
destes pensamentos, permeados com múltiplas citações do Papa Francisco, podemos
colocar a questão se, muitas das vezes, eclesiasticamente, não queremos ter
leigos que possam ser colaboradores, isto é, sob a tutela do padre, mais como
prolongamento da nossa ação do que como intervenientes na sua missão? Com algum
jeito damos lugar aos leigos, não para que integrem um autêntico processo de
evangelização, mas que componham o ramalhete das coisas litúrgicas…
Como
dizia, de forma profética, o Padre Amaro Gonçalo, será que temos leigos que se
tornam discípulos? Efetivamente, os leigos que colaboram connosco são dos que
concordam com o que dizemos ou damos-lhes ferramentas para pensarem por si e em
espírito de Igreja?
Sinodalidade missionária
Num
segundo momento da sua comunicação o Padre Amaro Gonçalo trouxe-nos desafios,
nisso que designou de ‘sinodalidade missionária’, expressão que aparece no
documento final do sínodo dos jovens, de outubro de 2018.
Novamente
respigamos aspetos do subtema apresentado:
– Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de
que escutar «é mais do que ouvir».
É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender.
– Não
estamos ali para defender uma “agenda”, uma ‘ideologia’ … O objetivo não é chegar a acordo por meio de
uma competição entre posições opostas, mas caminhar juntos, a fim de encontrarmos
a vontade de Deus, deixando que as diferenças se harmonizem.
O padre Amaro
Gonçalo deteve-se por algum tempo sobre o documento da
Comissão Teológica Internacional: ‘A sinodalidade na vida e na missão da
Igreja’ (2.3.2018) e, posteriormente, sobre a Constituição Episcopalis Communio,
de 15.09.2018.
Finalizou a
comunicação com três desafios lançados à Diocese de Setúbal, que, em breve,
iniciará o seu caminho sinodal em vista dos cinquenta anos da sua criação… e a
próxima JMJ. Eis as propostas:
– Passar do “ide e
ensinai” ao “ide e escutai”…para uma
Igreja da escuta.
–
Passar de uma Igreja paternalista, a uma Igreja ‘caminheira’ e ‘companheira’,
uma Igreja que caminha e acompanha os mais novos e confia neles.
– Passar de uma
Igreja clericalista, autoritária, a uma Igreja sinodal, participativa e
corresponsável.
Nesta apreciação
daquilo que foi dito e de quanto por aqui vivemos, veio-me à lembrança uma
observação do nosso anterior bispo diocesano: não tenha ilusões, os cristãos
que estão na Igreja (a palavra poderá também dizer do templo), na nossa diocese,
são iguais aos do norte do país, tradicionais, ritualistas e defensores das
suas devoções… que, quando tocadas, desencadeiam reações cá como lá.
É verdade: dos
quase vinte e quatro anos de presença na Diocese de Setúbal, vejo-me, tantas
vezes, sem recetividade nem abertura como conheci, noutros tempos, na região do
Minho…
De facto, não
consigo ver – como desejaria – os leigos como protagonistas nem capazes de
gerar sinodalidade, como nos falava o Papa Francisco e, só espero, que o tempo
de Sínodo em que vamos entrar não seja uma oportunidade perdida, tanto pelo
clericalismo eclesiástico como esse outro camuflado nos leigos… É verdade:
precisamos de aprender a escutar-nos, mesmo nos de fora do templo!
(*) Fui desafiado a escrever sobre este
tempo de formação da Diocese de Setúbal. Tinha tomado – como sempre – as minhas
notas sobre aquilo que o senhor padre palestrante foi dizendo. Recusei entrar
na lógica de uma notícia, pois para isso a Diocese tem quem o faça bem e de
forma preparada. Por mim exerço tão-somente a função de refletir sobre aquilo
que me impressiona – e tem sido tanto nesta fase de confinamento – e disso faço
registo…primeiramente para mim mesmo, pois quando escrevo só quero partilhá-lo
com outros… Foi isso que me deu neste texto que aqui deixo…eclesialmente.
António
Sílvio Couto
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