Num hábil trocadilho o tribunal constitucional decidiu (a 15 de março) por sete votos contra
e cinco a favor chumbar a lei que pretendia despenalizar a morte medicamente
assistida, isto é, a eutanásia.
Ato sequente a esta decisão, o presidente da república
vetou a dita lei e fê-la voltar ao posto de saída, o parlamento, que agora terá
de expurgar as inconstitucionalidades detetadas…
Ora, na explicitação da votação do tribunal constitucional (TC), o presidente do dito referiu que “o direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância”. Deste modo o TC considera que “a conceção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de proteção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político-legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa”.
= Por momentos caí na tentação de ir vir o que dizia o tal acórdão do TC. São dezenas e dezenas de páginas, milhares de palavras numa leitura só tolerável para quem tenha de usar tais argumentações ou de se ‘entreter’ com posições nitidamente ideológicas, que não simplesmente políticas ou racionais.
Numa avaliação algo apreensiva ficamos a vislumbrar que os tais juízes do TC podem
vir a considerar possível uma lei que regulamente a morte assistida em vista de
vir a ser constitucional.
Talvez, se forem explicados e justificados certos conceitos – esses mesmos que
fez com que o presidente da república tivesse enviado o assunto ao TC – a lei
poderá passar. Os conceitos são: ‘sofrimento
intolerável’ e ainda ‘lesão
definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico’.
Desde logo onde está o aparelho de medida do ‘sofrimento
intolerável’? Haverá um mecanismo capaz de aferir até onde vai e daí não passa
a capacidade de resistência ao sofrimento?
As dúvidas dos juízes continuam ainda perante o tal
conceito de ‘gravidade extrema’ e como é que esta pode ser aferida pelo
pretenso ‘consenso científico’…
Já percebemos que o lóbi pró-morte é cada vez mais forte.
Não me refiro às agências funerárias nem aos apetrechos que lhe estão
adstritos, como a proliferação de crematórios e outros produtos comerciais.
Tenho na minha mente que um número crescente de pessoas joga a sua vida pelos
critérios de morte. Foi assim na legislação do aborto, passou pelos critérios
de conduta em matéria de casamento e vai a passos largos nisto da eutanásia.
Queriam constituir-se em donos da vida e eis que um sopro de pandemia pôs a nu
as pretensões: não somos donos da vida, mas meros administradores… Se querem
morrem, tenham coragem de optar pela morte, mas não levem todos na enxurrada,
sobretudo os mais frágeis… respeitem-nos, ainda!
António Sílvio Couto
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