Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Esse ‘ferrero rocher’ da esquerda…à portuguesa


Passe a publicidade: ‘ferrero rocher’ é uma marca de bombom de chocolate fabricado e comercializado por um grupo italiano, tendo sido criado em 1946, com intuito de fazer um chocolate diferente dos outros, refinado. É constituído de uma avelã inteira recheada de chocolate, envolvida por wafers e coberta de chocolate com pitadas de avelã. Cada bombom possui cerca de 72 calorias e são embalados tradicionalmente um a um e colocados numa caixa dourada. Este bombom está tradicionalmente associado ao Natal e Ano-novo. Nalguns países, devido à rígida política de qualidade, o ‘ferrero rocher’ só é comercializado durante o inverno.
= Que pode ter isto a ver com algumas das práticas políticas? Onde e como se nota mais esta psicologia ‘ferrero rocher’? Qual, então, o sentido sobre a esquerda portuguesa (ou melhor à portuguesa)? Será que se podem captar certos tiques de novo-riquismo, quer na moda do ‘ferrero rocher’, quer dalguma esquerda à portuguesa? Não será que aquilo que reluz é engano e subtileza manipuladora? 

* Quem se recordar do enquadramento cénico da publicidade ao bombom ‘ferrero rocher’ lembrar-se-á do rico carro em que a senhora é levada a passear com o mordomo a satisfazer os desejos da senhora colocando-lhe à frente, numa bandeja dourada, uma pequena pirâmide de bombons ao que a dita senhora responde com satisfação: bravo, Ambrósio!

Ora foi diante deste take publicitário que me ocorreu trazer à liça certos trejeitos de alguns setores ideológicos, na medida em que se consolam com requintes burgueses e se satisfazem com arranjos de quem é servido na indumentária do protesto camuflado com a degustação dos bombons do capitalismo.

Com que facilidade vemos alguns dos eleitos pavonearem-se, por entre os que neles votaram, com ares de quem se sente superior, quando a sua legitimidade lhe advém da expressão eleitoral – nos votos e nas percentagens – com que foram escolhidos… Com que facilidade parece que uns tantos eleitos se consideram ganhadores dum ordenado quase principesco, tendo em conta os vencimentos da maioria da população, gerindo as suas pretensões ao sabor dos ganhos e não das responsabilidades adstritas à função de serem representantes do povo e das suas legítimas aspirações… Com que facilidade parecem viver nessa bolha de eleitos, como se fizessem parte duma elite, que olha os demais com a sobranceria de classe inferior, aferindo o seu nível de vida pelas benesses políticas e os arranjos de ocasião…

Em breve veremos saírem da lura do parlamento os diversos fazedores da legislação, das ideias políticas e dos ideais ideológicos, surgindo entre a massa popular para reclamarem, sobretudo junto dos seus seguidores (do facebook, da cartilha partidária ou da promoção de lugares), das conquistas conseguidas e mesmo dos arranjos orquestrados… Agora serão do povo. Agora fazem trabalho político. Agora mesclam os seus intuitos com os desejos dos enganados… Serão como a senhora dos bombons que vem oferecer ‘ferrero rocher’ ao povo eleitor, mesmo que se tenham esquecido de despir a indumentária de serviço lá nos assentos mais ou menos democraticamente controlados…  

* Agora que caminhamos a passos largos para a fruição das atividades natalinas não deixará de ser questionável vermos certas posições onde se quer fazer do Natal aquilo que ele não é nem pode ser, pois frases como: o natal és tu; o melhor do natal são as crianças… e outras mais referências ao natal como a festa da família ou de reunião desta… Eis como se foi desvirtuando o essencial do verdadeiro Natal e de Quem nele é celebrado.

Em certos lugares vão surgindo ‘festas e feiras de natal’, tentando estender à rua o chamariz consumista de outros espaços comerciais. O interesse é o mesmo, só que travestido de populismo à mistura com a exploração dos sentimentos infantilizados de boa parte da população…sobretudo se fidelizada pela votação autárquica. Os ingredientes não passam de imitação dos centros urbanos mais significativos, embora a qualidade deixe um tanto a desejar não só na forma como no conteúdo.

O natal não é isto e isto não tem nada de Natal… Haja verdade e honestidade e não propaganda barata…   

 

António Sílvio Couto  

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Advento: preparar o Natal, como e com que meios?


A palavra ‘advento’ significa ela mesma ‘vinda’, ‘chegada’… o que exige alguma preparação e um criar de condições interiores e exteriores para que aquilo que se espera seja bem recebido.
O ‘advento’, em linguagem católica, significa a preparação da vinda – espiritual, pessoal, familiar e eclesial – da celebração do nascimento de Jesus no Natal.
Em jeito de preparação do Natal, durante o Advento, tem vindo a criar raízes na vivência católica, no sul da Europa – no norte já tem alguma incidência anteriormente – a ‘coroa do Advento’
O que é, como se faz e qual o significado que envolve a ‘coroa do Advento’?
A ‘coroa do advento’ é uma coroa de ramos de verdes (conforme as possibilidades de arbustos ou plantas), com quatro velas, que se acendem uma após a outra nos quatro domingos do advento. Este costume é relativamente recente, e parece remontar ao século XIX, difundindo-se a partir da primeira guerra mundial.
Esta ‘coroa’ tem algum simbolismo: a sua forma circular representa a eternidade e a sua cor remete para a esperança e a vida; nalguns casos aparece uma fita vermelha, que simboliza o amor de Deus pela humanidade e o amor das pessoas que esperam o nascimento de Jesus.
As quatro velas da ‘coroa’ representam cada uma das quatro semanas e são acesas em cada domingo do Advento…com o significado de caminhada e de abertura à luz de Jesus, o centro do Natal.

Há quem associe a cada semana uma vela de cor diferente – verde, vermelha, rosa e azul – ou quem coloque três velas de cor roxa e uma de cor rosa. Por nossa parte seguimos uma outra perspetiva: as velas são todas brancas, colocando uma fita de cor diferente (por exemplo as quatro atrás referidas) nas velas, tentando, deste modo tornear uma tendência mais ou menos exotérica da leitura das cores, que outras expressões religiosas usam nas suas linguagens e ritos.

Projeto de caminhada
É muito útil e benéfico que possa haver uma proposta, com base na liturgia diária do Advento, de caminhada familiar e pessoal, elaborada ao ritmo do programa diocesano e paroquial…

O tema de caminhada da Paróquia da Moita para o Advento deste ano é: ‘Conhecer, amar e anunciar Jesus...hoje’, que será desenvolvido ao longo dos quatro domingos: 1.ª semana: na família (pais/filhos, marido/esposa, irmãos/avós); 2.ª semana: nas escolas (crianças, adolescentes e jovens); 3.ª semana: no trabalho; 4.ª semana: na vizinhança.
Na 1.ª semana sugere-se começar pela própria casa para conhecer, amar e anunciar Jesus, hoje. Com efeito, se a casa de habitação é o reduto mais sagrado de cada um de nós, então, temos de cuidar deste espaço de intimidade para conhecer Jesus, aprender a amá-l’O e fazer desse mesmo lugar uma oportunidade de anúncio de Jesus, com gestos, palavras, sinais e atitudes de uns para com os outros que vivem em comum... que é muito mais do que estar no mesmo espaço de convivência e de aprendizagem da boa educação e de sã confraternização... envolvendo os vários setores da família: pais e filhos, marido e esposa, irmãos e os mais velhos…
Na 2.ª semana é proposto como espaço e oportunidade de conhecer, amar e anunciar Jesus na escola, seja qual for a sua expressão, desde a do pré-ensino escolar até à dimensão universitária...se for possível.
Efetivamente não é fácil levar Jesus ao meio escolar, pois muitas vezes o ambiente é de rejeição ou até mesmo de indiferença, tanto de professores como de estudantes. Será partindo da nossa celebração da fé em Jesus, que haveremos de ganhar força e coragem para levar o anúncio de Jesus a esses espaços por vezes frios e opositores à mensagem do Evangelho.
Na 3.ª semana são propostos como espaços e oportunidades de conhecer, amar e anunciar Jesus os lugares de trabalho, aí onde as pessoas têm o seu ganha-pão e onde passam um tempo significativo do seu dia-a-dia. Nem sempre é fácil testemunhar Jesus no local de trabalho, pois nem todos estão sintonizados na mesma direção. Por isso, tornar-se testemunha cristã no lugar de trabalho é importante e pode ser significativo. A proposta de mensagem a levar aos ‘colegas’ de trabalho é: O Natal está a chegar. Queres ajudar mais pessoas a terem um ‘natal’ menos difícil e mais solidário? Propomos: partilha de roupa, comida...simpatia, fraternidade e sinceridade...Vamos acender uma luz no coração de quem encontrarmos... no nosso caminho. Oferece, dá, partilha…
Na 4.ª semana é proposto como espaço e oportunidade de conhecer, amar e anunciar Jesus aos nossos vizinhos, isto é, aqueles/as que moram mais perto de nós... mais ou menos conhecidos, com maior ou menor proximidade... Como forma de podermos levar a mensagem de Jesus aos nossos vizinhos, voltamos, este ano, a editar os postais de Natal por forma a ser feita a entrega, tanto quanto possível, em mão àqueles que nos estão mais próximos na vizinhança...

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Quem melhor mente, mais vinga


Vivemos num país muito ‘sui generis’: com grande facilidade vemos vingar (vencer, enganar, sobreviver, ser popular) quem melhor sabe mentir, surfando por entre as ondas (mais ou menos alterosas, de mar chão ou na força da tempestade) e sair penteadinho do outro lado da dificuldade…como se nada tenha sido consigo nem com as responsabilidades que deveria assumir.

Que dizer dos fogos fatais (junho e outubro) em 2017? Como explicar o folhetim das armas (o antes e o depois) de Tancos? Será que se percebeu alguma coisa das greves na saúde, na educação, na justiça ou nos transportes? Como enquadrar certos acidentes e incidentes com vítimas mortais, há ou não culpados?

Por entre os pingos duma certa chuva ácida se vai percebendo que nada nem ninguém tem responsabilidade, tem culpa e tão pouco é acusado. Os números – tenho para comigo que se há de descobrir, em breve, que são nitidamente forjados, escondidos e camuflados – da economia entretêm os mais incautos, pois mais uns cêntimos no bolso e logo se amordaça a contestação, tanto sobre o que se ganha agora como aquilo que virão a ser os reais proventos no futuro. Que são dez euros de aumento para os reformados? Isso dá para alguma coisa, que não seja um engano, fazendo com que se perca em preços o que se ganhou em aumentos…

Agora se pode compreender um tanto melhor que há forças que não olham a meios para atingirem os seus maquiavélicos fins: calam-se agora, quando antes fariam protesto; concordam agora, porque em breve colherão os pretensos frutos em votos ou lugares no poder; silenciam em surdina o que antes era motivo mais do que suficiente para criar ambientes de crispação e de conflito… Diria o povo na sua sabedoria: coloquem-lhes um osso na boca e com dificuldade falarão, pois estarão entretidos com os restos ou as migalhas que caem da mesa do poder…da mesma coloração.

Pior do que tudo isto é a censura ardilosa duma boa parte da comunicação social: muitos dos jornaleiros de antanho ferozes e ríspidos para com quem governava, agora constroem discursos adjetivados – essa doença costuma ser a compra dos ditadores ou dos vendidos – que passam por desconstruir falhanços, por tolerar erros e gafes, à mistura com encómios saídos do devocionário de lojas (e não são comerciais), dos sítios (e não são lugares) da moda e até dos lóbis (e não são os da superfície) mais ou menos desconhecidos.

Um clima tendencialmente favorável – talvez seja mais favorecido – de quem está no poder continua a ser uma das formas mais capciosas de manipulação: saber enganar sem nunca se enganar é uma arte bem antiga, que tem dado frutos com muitos daqueles que, desde o poder controlam, quem os bajula. É isso que está acontecer no nosso país – e não é só na área política, autárquica ou social – assumindo formas culturais preocupantes. Já aconteceu no passado recente e não soubemos aprender as lições… Será que levará muito tempo a aprender para o futuro próximo?

Muitos do que agora reinam terão de ser vencidos para aprenderem a lição da humildade pela humilhação. Esta sempre foi a melhor escola para ser verdadeiro e sincero…     

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

‘Sexta-feira negra’…do consumismo


‘Black Friday’ (‘sexta-feira negra’) é o dia que inaugura a temporada de compras para o Natal, verificando-se significativas promoções em muitas lojas retalhistas e em grandes armazéns. É o dia seguinte ao ‘dia de ação de graças’ nos Estados Unidos, que, por seu turno, se celebra na quarta quinta-feira do mês de novembro. Esta festividade da ‘6.ª feira negra’ começou nos Estados Unidos e com a ajuda das novas tecnologias e a promoção deste dia por parte das diversas empresas tem-se estendendo pelo resto dos países do mundo… tal como outras datas americanizadas pela sociedade de consume.
Com várias explicações da sua origem e a data em que terá começado a ser mais divulgada, a ‘sexta-feira negra’ tem ainda a ver com a forma como os retalhistas, no início da década de 80 do século passado, assinalavam os seus produtos: a cor vermelha para referir o valor negativo das suas finanças e a cor preta para assinalar os valores positivos...sobretudo após o ‘dia de ação de graças’ dos americanos... Deste modo os descontos favoreciam quem desejava comprar, particularmente com mais benefícios na hora de pagar! 

Atendendo a estas caraterísticas da ‘6.ª feira negra’ poderemos associá-la a um razoável incremento do consumismo, podendo e devendo fazer-nos refletir sobre esta nova religião a quem tanto e de tantas formas prestamos culto nos nossos dias.

Vejamos uma advertência do Papa Francisco sobre este tema do consumismo:

«O consumismo hedonista pode-nos enganar, porque, na obsessão de divertir-nos, acabamos por estar excessivamente concentrados em nós mesmos, nos nossos direitos e na exacerbação de ter tempo livre para gozar a vida. Será difícil que nos comprometamos e dediquemos energias a dar uma mão a quem está mal, se não cultivarmos uma certa austeridade, se não lutarmos contra esta febre que a sociedade de consumo nos impõe para nos vender coisas, acabando por nos transformar em pobres insatisfeitos que tudo querem ter e provar. O próprio consumo de informação superficial e as formas de comunicação rápida e virtual podem ser um fator de estonteamento que ocupa todo o nosso tempo e nos afasta da carne sofredora dos irmãos. No meio deste turbilhão atual, volta a ressoar o Evangelho para nos oferecer uma vida diferente, mais saudável e mais feliz» (Alegrai-vos e exultai, n.º 108). 

Não será que esta coisa da ‘6.ª feira negra’ não passa de mais uma artimanha do consumismo para nos entreter e iludir? Como andamos tão enganados e seduzidos! Como conseguimos deixar-nos manipular por tão pouco! Como as coisas materialistas nos convencem muito mais facilmente do que as coisas espirituais! Como nós celebramos com tanta pompa o que bem depressa será expelido para o lixo!

Será preciso experimentar outros prazeres muito para além do meramente sensitivo no âmbito do corpo para poderemos não nos deixarmos aprisionar só por aquilo que conhecemos…de forma materialista. Com efeito, falta a muitos dos nossos contemporâneos a vivência dos designados ‘prazeres espirituais’, esses que motivam, dinamizam e preenchem a vida, dando-lhe sentido, força e significado.

A ‘6.ª feira negra’ continuará a ter os seus seguidores, enquanto não descobrirmos as tentações que nos vão fascinando, seduzindo e cegando. Na medida em que outros ideais forem descobertos o consumismo poderá não ter grande futuro nesta sociedade que nos tornou cativos do mais imediato, ao sabor daquilo que satisfaz mas não convence. Queira Deus que o saibamos entender o mais depressa possível…

 

António Sílvio Couto  

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Celebrar ‘Cristo-Rei’


Porque celebra a Igreja católica (e não só) a solenidade de Cristo Rei? Que significado tem este Cristo apelidado de ‘rei’? Desde quando se vem a celebrar esta solenidade? Ainda haverá conteúdo para esta celebração?
Embora tenha clara fundamentação nos textos bíblicos, a proclamação solene de que Cristo é Rei foi feita, em 1925, pelo Papa Pio XI, na encíclica ‘Quas primas’, relevando, perante certas correntes laicistas, que Cristo é rei não duma forma política nem social, mas do foro espiritual e dos valores cristãos…devendo estes torná-Lo vivo e presente nas coisas do mundo, como testemunho e sinal do seu reinado sobre as pessoas, as instituições e a sociedade em geral, respeitando quem pense de forma diferente, mas se envergonhando de O fazer presente através de nós.
Eis as razões explicitadas na encíclica do Papa Pio XI, após a celebração do ‘ano santo de 1900’:
«Não é necessário passar em silêncio que, a fim de confirmar solenemente esta soberania de Cristo sobre a sociedade humana, os congressos eucarísticos mais frequentes que são celebrados em nossos tempos, e cujo propósito é convocar os fiéis de cada um dos dioceses, regiões, nações e até do mundo inteiro, para venerar e adorar a Cristo Rei, escondido sob os véus eucarísticos; e através de discursos nas assembleias e nos templos, da adoração, em comum, do augusto sacramento publicamente exposto e das procissões solenes, para proclamar Cristo como o Rei que nos foi dado pelo céu. Bem e com razão, pode-se dizer que o povo cristão, movido como que por inspiração divina, tirou do silêncio e como esconderijo dos templos aquele mesmo Jesus que o ímpio, quando veio ao mundo, não quis receber, e o tomou como triunfante nas vias públicas, quer restaurá-lo em todos os seus direitos reais» (n.º 27).
Sobre a envolvência ecclesial da celebração da solenidade de Cristo-Rei diz a encíclica ‘Quas primas’: «Não é necessário, irmãos veneráveis, que lhe expliquemos detalhadamente as razões pelas quais decretamos que a festa de Cristo Rei seja celebrada separadamente daquelas em que essa mesma dignidade parece já indicada e implicitamente solenizada. É suficiente dizer que, embora em todas as festas de nosso Senhor o objeto material deles seja Cristo, mas seu objeto formal é inteiramente diferente do título e poder real de Jesus Cristo. A razão pela qual quisemos estabelecer este feriado no domingo é para que não apenas o clero honre a Cristo Rei com a celebração da Missa e a oração do ofício divino, mas para que o povo, livre de preocupações e com espírito de santa alegria, presta a Cristo um claro testemunho de sua obediência e devoção» (n.º 31).
Liturgicamente a solenidade Cristo Rei celebra-se no último domingo do ano litúrgico e como em conclusão – sem pretender ser encerramento de nada – da vivência dos mistérios de Deus em Igreja.
De algum modo, em Portugal, a celebração da solenidade de Cristo Rei era a ‘festa’ da Ação Católica, no nosso país, pois, ela mesma fundada em 1933, pretendia concretizar por cá os ideais que o Papa traçara ao instituir esta solenidade na Igreja: instaurar tudo em Cristo para Quem convergia toda a vida pessoal, familiar e social, fosse qual fosse a sua expressão profissional ou mesmo etária.
Sobre o futuro desta celebração de Cristo Rei tudo depende do interesse, da dinamização e da vivência em cada paróquia ou diocese…Nalgumas está em quase estado de letargia!

Não podemos esquecer a força da aclamação de Cristo-Rei ocorrida durante as perseguições religiosas no México (1926-1929) e por ocasião da Guerra civil espanhola (1936-1939). Com que ímpeto, força e ousadia tantos católicos morreram proclamando de forma altissonante: ‘viva, Cristo-Rei’… e tombaram sobre o fogo perseguidor! Será que merecemos tais mártires do século passado?

Proclamemos com o cântico vigoroso da fé de antanho: Cristo vence, Cristo reina, Cristo impera!

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Novecentos filhos…de ‘pai incógnito’


Segundo dados publicitados recentemente há 901 crianças que foram, até ao final do terceiro trimestre deste ano, registadas sem lhes ter sido dado o nome do pai… Só há cerca de vinte anos (1998) é que se tinha registado um número semelhante, atendendo à situação de não ser dado à criança o nome do progenitor masculino.

Qual a razão deste fenómeno? Num tempo dito de abertura e de maior liberdade, que há de mais significativo para que seja escondido o nome do ‘pai da criança’? Isto será um avanço ou um recuo na forma de entender os filhos e de quem os ‘produz’? Será por falta de informação ou por excesso da mesma que tal se verifica nos nossos dias? Numa época eivada de sinais de maior e progressiva emancipação da mulher este fenómeno será algo mais do que mera coincidência?

Tem cerca de trinta anos uma reivindicação que ouvi a certas jovens que diziam: filhos sim, marido não! Nesse tempo tais ousadias redundavam em situações de grave abandono das mulheres (muito jovens na sua maioria) por parte dos ditos pais das crianças, tornando-se mães solteiras com todos os riscos inerentes à condição e aos condicionalismos sociais e familiares. Em muitos desses casos notava-se alguma falta de maturidade e/ou de necessidade de chamar a atenção para as suas lacunas afetivas e emocionais. Será que hoje as razões serão muito diferentes? Não será que muitos dos casos continuam a ser uma reprodução de novos casos de filhas sem carinho dos pais e das mães? Poder-se-á dizer que as coisas mudaram um pouco, mas as pessoas e os seus problemas não tanto assim…

Confesso que vem desse tempo a sensibilidade para o desafio da ‘bênção das grávidas’, pois se, ao nível humano, muito havia (e há) a fazer pela consciencialização do dom da maternidade, muito mais é preciso realizar na dimensão da confiança em Deus e nas suas formas de se tornar presente na vida das pessoas, tenham elas ou não ambiente familiar enquadrado, equilibrado e normal…

Quantas situações de aborto poderiam (ou poderão) ser evitadas se houver quem escute, mais do que conteste ou reclame da vida. Quantas vivências de coragem vi – e acontecem ainda hoje – se dermos condições de afirmação da vida sobre a morte. Quantas palavras de moralismo poderiam ser evitadas se, no devido tempo, fossem dados os ensinamentos quanto à vida e à responsabilidade em fazê-la manifestar-se com dever consciente, ontem como hoje. 

= Nota-se, na sociedade do nosso tempo, uma desregulamentação acelerada do erotismo e da não-assunção de responsabilidades de quem se pretende livre, mas o que vive é em libertinagem. A forma despudorada como se tratam certas questões de âmbito sexual revelam a nítida falta de respeito da pessoa por si mesma. Dá a impressão que, podendo falar de tudo, se deixou escapar ao filtro da consciência aquilo que é de índole mais pessoal e íntima à mistura com a vulgarização dos seus erros e a fanfarronice dos seus vícios. E – pior do que tudo – a confusão está, sobretudo, no comportamento dos mais velhos, pois parece que vivem numa espécie de nova adolescência das emoções ao sabor do destampar dos seus mais profundos erros e recalcamentos… Aquilo que se pensava ter sido ultrapassado pela maior informação e conhecimentos das coias, tem vindo a verificar-se que nem sempre há conexão entre o saber e o viver, fazendo, antes, com que este pareça mais um arremedo de ignorância àquilo que se pensava ser conquista de humanização…

Quem consultar registos de meados do século vinte – décadas de 40 e 50 – poderá ser confrontado com muitas crianças batizadas sem nome da mãe, isto é, filhos de mãe incógnita. Ora isso revela – pois o conferi em duas povoações mais antigas entre o Tejo e o Sado – que algo havia no tecido social da época que levava as mães a não darem o nome aos filhos, pois isso poderia trazer riscos para a sua reputação social, familiar e religiosa. Anos mais tarde tornou-se mais vulgar acontecer isso com o lado masculino, aparecendo mais os pais incógnitos, mas, como se dizia em certas terras, bem conhecidos…

Chegados ao final do primeiro quinto do século vinte e um vemos que não evoluímos tanto quanto julgávamos, antes pelo contrário: estamos na estaca quase zero, ao sabor duma amoralidade, que é muito mais grave e preocupante do que a imoralidade, pois naquela parece que tudo vale e quase não há diferenciação entre o correto e o incorreto… É tempo de refletir sobre o assunto, urgentemente!       

    

António Sílvio Couto  

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Milhares no facebook…três em concerto



Uma banda americana de música rock – Threatin, nome do chefe, mas cujos músicos ajuntava na hora de atuar – tinha milhares de fãs nas páginas do facebook, mas, quando foi para o terreno só tinha três espetadores num concerto…

Tinham programada uma tournée na Europa com dez concertos em quinze dias e tudo foi cancelado pela simples razão de que nem os pretensos bilhetes vendidos correspondiam ao mínimo da verdade. Diziam que um dos seus vídeos tinha quase um milhão de visualizações, mas nada disso correspondia à verdade…

Este episódio está a ser encarado como algo de insólito do propagandeado sucesso nas redes sociais, mas um grande fiasco na vida real… a exigir reflexão séria.

À luz deste ‘acontecimento’ poderemos tentar ler tanto de fictício que anda por aí espalhado, tendo a internet, as redes (ditas) sociais, os amigos que se diz ter, os sucessos apresentados e tantas outras vertentes da mentira com que vamos sendo entretidos e/ou entretendo-nos.

De facto, o recurso às redes sociais, como forma de socialização, tem-se revelado uma boa forma de fazer nascer, fomentar e alimentar tanta da mentira, do faz-de-conta, do engano, da patranha e do embuste com que somos hoje aliciados e manipulados na vida que devia ser em sociedade mais honesta, sincera e verdadeira. Porque será, então, que este fenómeno das redes sociais vingou tão depressa no relacionamento das pessoas umas com as outras? Porque se vai fomentando mais esta forma de estar na vida do que o trato simples e próximo? Porque, vendo estes sinais preocupantes à escala mais larga, não suspeitamos daquilo que se pode passar connosco à nossa razoável dimensão? Não tenhamos dúvidas seremos mais facilmente enganados do que julgamos enganar os outros, pois as armas que usamos para com eles serão, irremediavelmente, usadas connosco, mais cedo do que tarde! 

= Pode a humanidade evoluir como se pensa ou deseja, que a componente humana mais profunda continua a ser a mesma: a inveja que fez Caim matar Abel, a mentira que fez Jacob suplantar-se a Esaú, as artimanhas de David para tentar encobrir o adultério com a mulher de Urias, os amuletos que fizeram descobrir as crenças idolátricas dos judeus na guerra dos Macabeus… e tantos outros episódios extraídos das narrativas bíblicas continuam hoje a ter lugar, espaço e condições na era das redes sociais e no trato de engano, de adulação e de malquerença com que nos tratamos…mesmo sem disso nos darmos totalmente conta.

De verdade o facebook consubstancia o que há de mais subtil da bisbilhotice entre pessoas, sobretudo daquelas que estão mais próximas. Agora já não é preciso assomar à janela nem perguntar pela vida alheia, que, pelas redes sociais, ficamos a saber os podres dos outros e disso fazemos alarde quanto baste e que nos possa fazer crer que sabemos alguma coisa sem nada conhecermos. A leviandade com que se fala dos outros, se comentam particularmente os defeitos, está a tornar uma doença social infetocontagiosa galopante. E contra ela não há ainda vacina que torne ninguém imune, até porque ainda não chegamos ao fundo do que é previsível…  

= Na vertente de formação humana, cristã e moral será urgente cuidar desta nova forma refinada de pecado, pois ofendemos os outros e mesmo Deus, na medida em que criamos – ou podemos criar – um ambiente de suspeita, de maledicência, de difamação, de desonra ou mesmo de perjúrio. Detetadas as causas precisamos de combater as consequências. E estas poderão ser muito prejudiciais para todos, dado que poder-se-á vir a criar uma sociedade de desconfiança, de medo e de insegurança e de confronto entre as pessoas.

Pior ainda: num tempo tão propenso à superficialidade de tudo e de todos, nada nem ninguém estará a salvo de ser vítima de difusão, de julgamentos, de desinformação ou mesmo de difamação sobre algo que só o próprio poderá ser o último a saber. Quantas vezes uma frase tirada do contexto ou algo que se fez que foi mal interpretado pode entrar nesta lógica do ‘disse-disse’ sem fundamento ou por maldade feito difundir.

Não podemos continuar a iludir os riscos em que vivemos nem estaremos – seja lá quem for – acima de qualquer suspeita, de forma direta ou presumida. Ninguém se engane os ‘amigos’, os ‘gostos’ e os ‘comentários’, as ‘partilhas’ no facebook não passam de algo virtual, hoje e amanhã… depois esquece!     

    

António Sílvio Couto  


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Seminários: o que são e qual o sentido atual?



Habitualmente, na Igreja em Portugal, celebra-se entre o segundo e o terceiro domingo de novembro a ‘semana dos seminários’, trazendo à visibilidade de toda a Igreja este setor importante da mesma Igreja: os seminários. Mais do que as casas, pretende-se olhar, ter presente e refletir sobre quem, nesses locais, se prepara – e ajuda a preparar – para poder vir a ser padre.
O tema deste ano é: ‘formar discípulos missionários’.

Ora, há quem considere o seminário como ‘o coração da diocese’. Ora se o coração está doente, o resto do corpo poderá tornar-se enfermo! Qual o antídoto para esta doença?
No seminário – menor, médio ou maior – se formam os padres que servirão o povo de Deus duma determinada diocese. Se bem que, na maioria das dioceses portuguesas, quase não haja o seminário menor, na sua grande parte ainda há o seminário médio (envolvendo alunos até ao ensino universitário) e sobretudo o seminário maior (onde se preparam, pelo menos durante seis anos, os que poderão vir a ser ordenados padres)…
‘Seminário’ é, assim, o lugar onde estudam, rezam, refletem e amadurecem a sua vocação os que sentiram o chamamento de Deus a virem a ser padres… Cada tem a sua história e o seu percurso, que há de ser discernido por superiores bem preparados (ao menos na teoria) para que a Igreja tenha os padres que precisa em cada tempo e em cada diocese…
Olhemos os dados 

Se consultarmos os dados disponíveis poderemos ficar a saber que há cerca de duzentos seminaristas maiores nos seminários em Portugal, na sua maioria em quatro centros: Braga, Porto, Lisboa e Évora aos quais se associam as dioceses com proximidade e afinidade… havendo ainda algumas dioceses que têm seminário próprio, bem como um movimento da Igreja, que tem espalhados seminários em diversas dioceses, tal como as congregações e institutos religiosos.

Se formos um pouco rever os números anteriores podemos registar que, no ano 2000, havia 547 seminaristas; em 2012, 474; em 2015, cifrava-se pelos 551 seminaristas.

Poder-se-ão colocar várias questões quer quanto ao número (quantidade), quer quanto as razões (qualidade) dos nossos seminaristas. Com efeito, embora eles estudem, amadureçam ou sejam educados num determinado seminário – realidade que retrata o meio onde se insere bem como as influências que recebe – será sempre mais preciso preparar pessoas capazes de estarem disponíveis para servir Deus na Igreja onde for mais oportuno, necessário e conveniente. Deste modo temos de estar atentos a uma nova realidade que é a vinda de seminaristas de países (ditos) de missão que agora começam a chegar ao nosso país, atenuando mesmo as carências que em muitas dioceses se verificam. Há dioceses de países lusófonos que têm oferecido seminaristas aos seminários do nosso país, pois lá têm abundância de candidatos e poucos meios para os alimentarem e lhes suportarem os estudos… Algo se está a passar e precisamos de saber ler os sinais destes tempos!

Na minha leitura pessoal da educação ministrada nos seminários, teremos, com alguma urgência, de questionar a supressão – quase na totalidade nas dioceses e congregações religiosas – dos seminários menores. Estes tem um lugar na dinâmica vocacional, negligenciá-los sem mais é para além dum risco algo que se poderá vir a pagar a fatura com fenómenos nem sempre bem enquadrados…na ordem afetiva, eclesial ou mesmo formativa.

O atual processo apresentado pela ‘ratio fundamentalis’ (de 2016) com as várias etapas preconizadas para a formação dos futuros padres – propedêutica, de discipulado, de configuração e de pastoral – deve ser alvo de estudo de toda a Igreja, pois se não formos ao essencial poderemos andar a fazer muitas coisas urgentes, mas não as necessárias… E o futuro situa-se na formação dos seminários!

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

‘S. Martinho’: qual o significado do magusto?


Há quem chame ao ‘São Martinho’ – enquanto festa com incidência popular – o ‘carnaval de inverno’. Haverá alguma razão para esta designação? Talvez. Com efeito, por ocasião do ‘São Martinho’ – tendo como data de referência 11 de novembro – há sinais de festa e de convivialidade – pública, social e eclesial – que quase fazem lembrar alguns dos excessos do carnaval, como momento de folia em razão da penitência da quaresma, que advirá.

Assim, em tempos de maior fervor cristão, se fazia com que, mais ou menos quarenta dias antes do Natal, houvesse alguns excessos de festa para depois se entrar no rigor de preparação do Natal…agora reduzido ao tempo escasso de breves quatro semanas (nalguns anos só domingos) de Advento…Deste modo o magusto reverte-se dum alívio na penitência, que se há de viver com a preparação penitencial para o Natal…De facto, os doces e sinais festivos da época natalícia são (ou deviam ser) mais do que tradições e rituais… sociais e cultuais…mais ou menos esclarecidos.

 Contexto da ‘lenda de São Martinho’

 Decorreria o ano de 337, num outono duro e frio que assolava a Europa. Reza a lenda que um cavaleiro gaulês, chamado Martinho, tentava regressar a casa quando encontrou a meio do caminho, durante uma tempestade, um mendigo que lhe pediu uma esmola. O cavaleiro, que não tinha mais nada consigo, retirou o manto/capa de militar que o aquecia, cortou-o ao meio com a espada, e deu-o ao mendigo. Nessa mesma noite apareceu-lhe Jesus, agradecendo o gesto de caridade para com mendigo, dizendo que o mendigo era Ele, Jesus.
O cavaleiro da história era um militar do exército romano que abandonou a guerra para se tornar num monge católico, tendo sido escolhido para bispo
São Martinho foi um dos principais religiosos a espalhar a fé cristã na Gália (a atual França) e tornou-se num dos santos mais populares da Europa! Diz-se que é o protetor dos alfaiates, dos soldados e cavaleiros, dos pedintes e dos produtores de vinho!
Foi a 11 de novembro que São Martinho foi sepultado na cidade francesa de Tours, onde foi bispo. Além de Portugal, também outros países festejam este dia. Na França e na Itália, à semelhança de Portugal, comem-se castanhas assadas. Já em Espanha, faz-se a matança de um porco, e na Alemanha acendem-se fogueiras e organizam-se procissões. 

Ora atendendo à conjugação entre o lendário e os desafios que este santo nos coloca, poderemos encontrar, hoje, o modo mais simples e cristão de celebrar em festa os dons de Deus para podermos viver a preparação para o Natal, que acontece daqui a quarenta e quatro dias… tanto como o tempo de proposta de vivência da quaresma, rumo à Páscoa.

Não será necessário esclarecer um tanto melhor os ‘rituais’ de festa que vivemos, por tradição em tantos dos momentos do ano civil? Não valeria a pena investir nesta explicação das simbologias em vez de continuarmos a fazer como se soubéssemos as razões das coisas? Afinal, nesta Europa descristianizada, mas ávida de oportunidades de consumismo, não haverá um fundo bem mais cristão do que aquele que temos, que vivemos ou que difundimos? Como dizia Jesus: ‘se o sal perder o sabor com que havemos de salgar?’

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Das ‘unhas pintadas’…ao estalar do verniz


Andou divulgado nas redes sociais e nalguma comunicação social que uma senhora deputada foi fotografada a pintar as unhas durante a apresentação do orçamento de estado/2019. Ao que parece foi fácil de identificar a sujeita, que se manteve em silêncio até ao momento em que se achou no direito de rotular de ‘imprensa antidemocrática’ quem ousou difundir, comentar, acrescentar, vituperar tal façanha pouco digna para quem é paga com o dinheiro do povo, pretensamente discordante do seu comportamento.

Ler algumas das tiradas da dita deputada fazem corar o mais envergonhado da vida em sociedade, desde rotular de ‘pasquim’ quem não a considera, segundo ela, como devia, indo até à ofensa aos jornalistas e colaboradores dos jornais, televisões e órgãos de comunicação pela internet, invetivando intenções e quase argumentando com tentativas de golpes antidemocráticos pela simples razão de não serem da sua coloração, tanto partidária como de lóbi de costumes… Chega a dizer: ‘é a livre formação da nossa opinião que está em causa. É a democracia que está em causa’…

Quem quer ser respeitado tem de se dar ao respeito, pois, não será com dislates desta jaez que tal deputada será respeitada, dado que não aprendeu a conviver com a diferença de opinião e logo classifica de ‘antidemocrático’ nos outros o que talvez seja sua deformação…em abuso de poder e de posicionamento.

Já se suspeitava que a senhora se achava o suprema-sumo das ideias que fazem andar o mundo. Ora, o pai, que é uma das figuras mais venerandas da nossa vida democrática real, nunca quis atrair a atenção para tanto que fez nestes quarenta anos após a revolução. Pois, ela achasse no direito e na obrigação de se pretender respeitada por ela e pelo progenitor…Isso que diz seria tolerável no ‘estado novo’ que o pai serviu anos a fio! Ainda diz que a imprensa não é democrática. Aceitar o seu praguejar é algo do mais sublime que se pode entender e considerar para com quem não pode ser minimamente beliscada, se ainda houver onde e como! 

= Este episódio quase rocambolesco dá como que a nota sobre algumas das figuras da nossa praça, que podem dizer tudo e o resto do que lhes apetece, mas que se melindram quando, metendo o pé na argola, são dignas de crítica, de serem ripostadas e, sobretudo, de não se acharem acima do resto da populaça, se bem que precisem dela para se manterem no poder com as mordomias que lhes estão adstritas, até de poderem pintar as unhas nas horas de serviço…

Começa a cheirar a regime de ditadura certos tiques dalguns que têm estado na atual governança: umas vezes combatem as rendas à habitação, mas auferem largas maquias com prédios, andares e heranças; outras vezes criam suplementos de impostos sobre meios de investimento, mas aprovam conluios de forças contra os seus proventos; nalguns casos fazem-se de vítimas para conquistar os desatentos, enquanto vão servindo interesses nem sempre claros e sérios… Falamos de casos de barrigas de aluguer, das ideologias de género, de benefícios para turismo rural ou alojamento local, de aumentos de ordenados sem olhar a meios, de combate à iniciativa privada, que alimenta o sorvedouro do funcionalismo público…Quase tudo para proveito dos seus simpatizantes, eleitores e militantes!

Parece que tudo serve para dar depressa o que nos cairá encima da cabeça, quando não formos capazes de continuar a manter a vida de preguiça e de alienação que vai sendo o verniz da tanta desta gente sem escrúpulos nem princípios…democráticos e de tolerância. Porque não vão pregar este sermão da abundância às terras de Maduro e da Coreia do Norte, de Cuba e dalguns países esfomeados pelas opções (impostas) das suas correntes ideológicas? Aqui pagam-lhes para desfazerem, lá podiam trabalhar para construir. Aqui têm a possibilidade de dizer e de fazer tudo o que lhes apetece – mesmo ofendendo quem pensa de forma diferente da sua – lá talvez pudessem ajudar a reivindicar o mínimo, desde os direitos cívicos básicos até à alimentação e à saúde. Aqui podem dizer mal do capitalismo, mas é este quem lhes sustenta a prosápia e os faz receber chorudos ordenados no parlamento europeu e nacional…

A democracia pressupõe – penso eu – diversidade. O pensamento único conduz – creio eu – à ditadura. A unanimidade – parece-me – faz dos cidadãos joguetes de poderes pequenos…sem valor nem qualidade. De facto, o verniz das unhas pintadas estalou e já pouco se pode remendar. Haja tento e bom senso, hoje e sempre!

 

António Sílvio Couto



terça-feira, 6 de novembro de 2018

Da ilusão…à realidade


Dizem que, por estes dias, Lisboa vai estar nas bocas do mundo devido à realização da ‘web summit’. O acontecimento de alta tecnologia traz à capital cerca de setenta mil novas criaturas, gerando milhões de euros em serviços direta ou indiretamente ligados ao evento.

Falar em milhões parece ser a caraterística mais comum neste acontecimento de novos-ricos, desde os governantes até aos potenciais investidores…quase sempre numa lógica de fartura em exageros senão reais ao menos virtuais. Consta que, só uma noite de dormida, poderá andar muito perto de mil euros por pessoa, isto sem falar nas diversões noturnas e outros adereços à grande.

Por outro lado, surgiu, nos tempos mais recentes uma outra informação que contrasta com este clima efervescente de grande sucesso das massas populares e dos que mandam nos outros. Diz um estudo da União Europeia, feito entre os 28 estados-membros, que os portugueses estão entre os europeus que mais temem chegar à velhice sem rendimentos suficientes: apenas 25% da população portuguesa acredita ter dinheiro suficiente para viver quando chegar a altura de deixar de trabalhar e na fase do envelhecimento.
Por sexos as mulheres (75%) são as mais pessimistas, enquanto os homens se cifram em menos três pontos percentuais...nas preocupações quanto ao futuro, na velhice. Os gregos são os mais preocupados e logo a seguir aparecem Espanha e Portugal. Há também uma diferença de sexo no grau de receio em enfrentar a velhice sem rendimentos adequados. As mulheres são quem apresenta maiores níveis de preocupação na generalidade dos países. Pior do que nós só mesmo na Grécia e na Espanha. Do quadro dos 28 estados-membros da UE surgem com mais preocupados os países da Europa do sul - Grécia, Espanha, Portugal e Itália e alguns dos mais recentemente aderentes, como Letónia, Bulgária, Hungria, Polónia e Eslovénia...  

* Como se pode interpretar esta discrepância sobre factos neste mundo em que vivemos? Até onde haverá verdade: na riqueza a esbanjar ou na pobreza suportada em surdina e com vergonha? Qual é o país verdadeiro: o da ilusão tecnológica e estrangeira ou o da contenção das pessoas entre portas? Quem fala verdade: a prosápia de ricos sem limites de despesas ou aqueles que contam todos os cêntimos para que cheguem ao final do mês e para o resto da vida?  

* Perante a forma como muita gente se conduz na vida é – ou parece ser – cada vez menor o investimento na poupança. Uma parte significativa dos nossos contemporâneos vive a realidade do ‘chapa-ganha, chapa-gasta’, pois o incentivo ao consumo faz com que não se pense no amanhã, sobretudo na fase da velhice. Ora, nada há de mais enganoso do que este clima e tal mentalidade. Dá a impressão que consideramos que os descontos para uma (dita) segurança social irá suportar os incomportáveis gastos da etapa do envelhecimento. O recurso ao ‘pé-de-meia’ com que muitos dos mais velhos se iam revestindo ao longo da vida, deixou, ao que parece, de fazer sentido para muitos dos que hoje ainda têm emprego, gastando tudo ou mais do que ganham. Esta ilusão irá deixar muita gente na valeta da vida, pois sem meios ou recursos os (ditos) lares não darão espaço a quem não seja minimamente sustentável. Isto já para não falar da falência de meios da segurança social, pois sem haver quem desconte, porque não há quem trabalhe, também não será suportável o que nos espera…  

= Uma anedota, que nos poderá fazer refletir sobre o que é essencial, bem como nas respostas que podemos dar a quem não nos perguntou, falhando mesmo a resposta que era necessária e correta.

Um velho senhor foi a um banco para levantar cinquenta euros. Quem o atendeu respondeu-lhe que, ao balcão, só se podia levantar duzentos euros, os 50 euros podiam ser levantados no multibanco. O senhor retorquiu que não sabia funcionar com essa maquineta, tendo o senhor do balcão dito que poderia vir noutro dia e alguém lhe poderia ensinar a funcionar com o sistema. Pensando melhor o senhor freguês aceitou levantar os 200 euros e assim resolver o assunto. Após ter conferido o dinheiro o senhor do balcão inquiriu se havia algo mais a fazer, ao que o senhor mais velho retorquiu: quero, agora, depositar cento e cinquenta euros… Porque havemos de responder o que nós entendemos e não entramos na lógica dos outros? 

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Celebração ‘solene’ da derrota?


O imponentemente despudorado desfile militar feito para assinalar o armistício da primeira guerra mundial não deixa de ser um espetáculo digno do terceiro-mundo: Portugal sofre entre 1914 e 1918 a mais ignóbil humilhação das suas forças militares e, passados cem anos, fazem disso um desfile/manifestação com mais de quatro milhares de elementos das forças vestidas com farda e veículos alindados em maré de fim de validade… A ver pelo aspeto poucos estariam capazes de disparar a mais inútil munição, se fosse necessário!

Eis o que somos na Europa e no mundo: algo de risível com cara séria – pudera a derrota ainda não foi digerida – e com um tal ar circunspeto de figurantes na encenação…Mas não é isso que somos na pretensa Europa comunitária, em união ou em reunião!

Nem mesmo o recurso ao ‘herói milhões’ consegue atenuar a vergonha que devia percorrer o todo nacional, sendo, claramente, escusados alguns dos internacionalistas que se perfilavam na tribuna.

Mais de cem mil portugueses foram literalmente ‘carne para canhão’ nas trincheiras francesas nesse longínquo século decorrido. Por isso, recorrer a esses tempos de antanho para fundamentar uma certa luta contra fantasmas que povoam as mentes dalguns políticos é, acima de tudo, erro histórico à mistura com clichés dialético/marxistas a gosto e com subtil à vontade de quem deseja ser popular e se está a tornar mais um dos veículos de populismo barato e sem necessidade de fazer grande coisa para ser reeleito quando for a votos… 

= Não deixa de ser sintomático, para a aferição dos critérios europeístas, que muitos dos usufruidores das benesses da UE sejam antigos recauchutados das trincheiras da ‘guerra fria’, saídos das lides de contestação aos ditos valores capitalistas e que agora, envernizados na maquilhagem de Bruxelas ou de Estrasburgo querem vender-nos uma tal propaganda de cordel que nem os bufos do ‘estado novo’ tentavam impingir sob a batuta da censura ou essoutra moralidade bafienta que faziam crer no melhor dos mundos. De facto, há forças que ainda não fizeram o reset dos seus erros nem reconheceram que foram causadores de milhões de mortos por vingança ou por delito de opinião. Alguns deles – sobretudo no nosso contexto de brandos costumes – ainda se passeiam nos corredores do parlamento e até influenciam as decisões governamentais da geringonça… Querem que os fascistas se retratem – e muito bem – mas eles nunca assumiram nem reconheceram que foram causadores de malefícios a uma boa porção da Europa, que diziam dominar pelo medo, a coação e a repressão: milhões foram deportados para a Sibéria, exilados e retirados dos seus países, sem nunca fazerem a mais pequena amostra de que têm culpas provadas e as mãos sujas com sangue inocente ou ao menos sem culpa formada… 

= Haja moralidade para que queiram associar-se à vitória nalguma das duas guerras ‘mundiais’ do século XX. Não tentem limpar com o esquecimento as manchas dos crimes dos seus antepassados. Não venham com subtilezas quase infantis para surgirem como defensores da liberdade, quando foram os seus maiores detratores e usurpadores. De que adianta andarem de crachás de mérito ostensivos se não passam de ditadores encobertos ou mesmo enraivecidos.

Valerá a pena não esquecer a conexão entre a mensagem de Fátima e o regresso dos soldados da guerra, tal como prometeu a Senhora aos pastorinhos. Ela prometeu e cumpriu, mas os jacobinos, que atiraram os ‘nossos soldados’ sem preparação para a atoleiro das batalhas em França, nunca se assumiram na real consequência daquilo que os fez serem lacaios das forças que serviam e os condecoravam sem nada terem feito para isso. Urge, por isso, que seja feita justiça histórica a quem foi usado para dar cumprimento a tarefas de interesses transnacionais sem rosto nem identidade…

Numa palavra: o desfile militar comemorativo do armistício dá a impressão que tenta esconder mais do que mostra. Aquelas panóplia de forças mais parecia uma manifestação da praça vermelha, de Pequim ou de Pyongyang do que um espetáculo da era da internet. Merecemos melhores atores e material mais atualizado! Até na derrota tem de haver dignidade, ontem como hoje! 

    

António Sílvio Couto