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segunda-feira, 8 de março de 2021

Passado sangrento não ofusca o futuro?


 Por ocasião do centenário do «pcp» emergiram dados e elementos que nos devem fazer refletir.

Assim uma antiga militante e dirigente do dito partido – expulsa em 1988 – reportando-se ao ‘livro negro do comunismo’, editado em 1998, expôs os seguintes números das vítimas da ideologia comunista: «100 milhões de mortos vítimas do comunismo no século XX: China - 65 milhões, URSS - 20 milhões, Camboja - 2 milhões, Coreia do Norte - 2 milhões, África - 1,7 milhões, Afeganistão - 1,5 milhões; Vietname - um milhão; Europa de Leste - um milhão, América Latina – 150 mil»... No contexto (bloco de Leste) soviético houve deportações e genocídio de ucranianos, polacos, tártaros, chechenos, inguches, culaques, moldavos...

Porque há tanto medo de expor esta triste e maléfica realidade? Preconceito, manipulação, confusão ou cobardia? Até onde irá a lavagem vermelha de realidade tão atroz? Como não podemos apresentar estes dados, quando se vê a glorificação de quem matou, só porque não estava de acordo? As vítimas de outros acontecimentos – nazismo, fascismo, tribalismo ou fundamentalismo – e genocídios ofuscam ou servem de vanglória para as conquistas feitas com sangue e atrocidades dos comemorados?

Retomando as palavras supra ditas, vou esmiuçar:

* Do preconceito à manipulação

Vem a ‘talhe de foice’ – expressão popular que significa ‘a propósito’, ‘por acaso’ – contar aqui um pequeno episódio ocorrido com um imigrante ucraniano, quando viu serem colocadas bandeiras a esmo numa avenida, aquando da dita celebração do centenário do «pcp». Saído do carro de repente questionou os que dependuravam as ditas bandeiras/estandartes: não têm vergonha de colocar na rua coisas com essa cor e esse emblema? Sabem o que significa essa cor – vermelha? É o sangue de muitos ucranianos, mortos por essa gente… Esse símbolo é sinal de morte, muita morte… em tantas partes do mundo! Não têm vergonha desses crimes? Os tarefeiros só diziam: é do centenário, é do nosso centenário! Tirem essa porcaria, respeitem a memória de milhões que morreram, mortos por essa gente!

= Será que todos sabem que a cor vermelha/encarnada – sempre me confunde esta distinção regionalista – é mais fruto de morte do que de vitória? Os milhões supra citados pagaram, por vezes, com o sangue e a morte a ousadia de resistir…

= Não lhes pesa na consciência saberem que foram causa de infortúnio para milhões e que atiraram para a miséria milhares com as suas lutas, reivindicações e combates sindicalistas?

 * Em confusão ou por cobardia?

Muitos dos ‘crentes’ do partido foram catequizados na benevolência daquilo que lhes era apresentado, mais como discurso heroico do que como leitura da realidade objetiva. É com grande impaciência que não vejo o reconhecimento total ou parcial dos malefícios da ideologia comunista.

É verdade que, enquanto membro e participante da Igreja católica, também reconheço que houve erros, falhas e até crimes em nome da fé. Não esqueço a famigerada ‘Inquisição’ – sistema jurídico-espiritual de combate à heresia, à blasfémia e à bruxaria, a partir do século doze…em Portugal esteve em vigor de 1536 até 1821 – com os seus métodos, argumentos e consequências. Não podemos ainda esquecer as ‘cruzadas’ ou o processo dos ‘descobrimentos’ e a imposição dos interesses colonizadores, a escravatura… e tantas outras situações onde a propósito da fé se derramou sangue e, tantas vezes, se causou morte.

A 12 de março – no contexto do jubileu do ano 2000 – João Paulo II pediu pública e humildemente perdão pelos pecados da Igreja ao longo da história da Humanidade, reconhecendo erros, más opções e até contradições entre fé e vida.   

= Por que será que a ideologia comunista nunca teve esta atitude, antes se vangloria, desfradando ao vento sinais de sangue e de morte?

= Embora o pedido de perdão não faça reverter as vidas ceifadas, não será mais honesto e sério intelectualmente reconhecer as falhas do que entrincheirar-se nas certezas dogmáticas desconexas?

 

António Sílvio Couto

 

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