Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Aprender o caminho, caminhando... rumo à Páscoa


A nossa vida é caracterizada pela dimensão do caminhar: de muitas e variadas formas fazemos essa experiência do caminho – umas vezes a sós, outras acompanhados; nalguns casos com gosto, noutras situações a custo e em sofrimento; umas vezes com ritmo e leveza, outras com sabor a luta; por vezes tendo em vista a meta, noutras titubeando em tropeções; umas vezes descalços e noutros casos usando um calçado mais ou menos consentâneo com o percurso...

É sobre a vivência do nosso caminhar – sobretudo em contexto quaresmal – que deixamos breves referências ao nosso itinerário de via-sacra, lendo, analisando e interpretando a nossa condição de caminhantes e segundo o calçado que de nós revela as condições psicológicas e espirituais da caminhada... rumo à Pascoa.

= Pé direito/pé esquerdo – neste equilíbrio de ritmo podemos enquadrar as coisas correctas (pé direito) e os aspectos menos bons (pé esquerdo), que nos acontecem e que nós fazemos acontecer, onde Deus está, de quantas formas e feitios, a conduzir-nos ou a corrigir-nos... sempre numa leitura teológica do nosso existir. Quantos passos bem-andados e quantos outros por maus caminhos! Tudo faz parte da história de cada um!...

= Pé descalço/pé calçado – estamos a nu sempre que experimentamos a rudeza do chão que pisamos, seja de terra dura e fria ou o fofo e alcatifado, sem precalços ou pejado de tropeços... O pé descalço sente as agruras do caminho, mesmo que ele seja mais ou menos sem obstáculos, enquanto o calçado com que envolvemos os nossos pés tem de estar à altura do momento que vivemos, sentimos ou percorremos... pois, sem o calçado apropriado, corremos o risco de não sermos capazes de caminhar correctamente.

= Cada categoria de calçado revela, no entanto, quem o usa, muito para além das possibilidades económicas, ele revela a personalidade que através dele se manifesta... mesmo que de forma inconsciente:

. Sandálias traduzem uma certa fragilidade, despojamento e leveza, que, por vezes, se usam em épocas de lazer, como em férias, ou ainda em espaços de maior exposição ao sol, deixando que os pés andem mais soltos e sem constrangimento;

. Botas, embora envolvendo alguma rudeza relacionada com o trabalho e com as condições para enfrentarmos as condições da vida, do tempo, do ambiente adverso e mesmo das modas – sobretudo no contexto feminino – ou dos espaços onde se desenrolada a tarefa da vida... podemos ver a força e a segurança, na diversidade de acções, de momentos e de condicionamentos;

. Sapatos – masculinos ou femininos – são mais do que meros adereços de circunstância, pois podem ser factor de afirmação no contexto social em que cada um está inserido, tornando-se recurso muito para além das capacidades económicas... Parafraseando, diremos: ‘Diz-me o que calças, que te direi quem és’ – poderia ser o aforisma para nos entendermos, nos enquadrarmos e nos reconhecermos na sociedade actual;

. Sapatilhas ou ‘ténis’ – numa alusão à prática desportiva, pois também nesta área podemos encontrar uma razoável diversidade de tipologias... Bastará observar um jogo de futebol, onde nem todos calçam da mesma forma, quase parecendo mais um desfile de marcas do que a constituição de uma equipa;

. Pantufas e chinelos – próprios para o conforto de casa e inseridos num ambiente de descontração e de intimidade, podemos relacionar estas formas de calçado com a pacatez de uma vida quase recatada no lar ou num espaço de maior recolhimento... que poderá ser mais do que o final da vida, mas antes uma oportunidade de meditação sobre o sentido último (que não meramente derradeiro) da existência humana e social.

Ora, na nossa caminhada de via-sacra... rumo à celebração da Páscoa temos, segundo os vários intervenientes uma multiplicidade de referências, atendendo à sua forma da calçar: os pés descalços de Jesus crucificado, as botas rudes dos soldados romanos, as sandálias frágeis do pescador envergonhado Pedro, a subtileza feminina na consolação das mulheres de Jerusalém, a capacidade de seguimento (mais do que atlético) de Simão cireneu... para além do pé esquerdo da traição de Judas ou ainda os pés arrastados após a morte e sepultura de Jesus...

Caminhemos com serenidade e exigência até à Pascoa da ressurreição, anunciando Jesus vivo ao mundo de hoje!


António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Santos e pecadores, hoje como ontem!


Neste tempo da Quaresma temos sido surpreendidos por factos e por episódios, por personagens e por figuras, por sinais e por perguntas... que são, no mínimo, inquietantes e provocadoras da nossa fé... mesmo que ela seja suficientemente apurada e amadurecida, tanto pelo conhecimento teológico como pela experiência de Deus em nós, na Igreja, neste mundo e neste tempo.

- Repentina, mas profeticamente, o Papa Bento XVI anunciou a sua renúncia ao exercício do ministério de Pedro. Fê-lo em conformidade com o parágrafo segundo do cânone 332 do Código de Direito Canónico. O dia do anúncio foi escolhido – dia mundial do doente – e a data de concretização ponderada (28 de fevereiro) ao meio da caminhada quaresmal, por forma de ainda ser dado tempo de escolha para o próximo Sumo Pontífice antes da Páscoa. Tudo e todos ficaram estupefactos. Bento XVI fala por sinais... qual profeta dos tempos antigos, mas agora em linguagem actualizada e, porque não dizê-lo, escandalosa para o mundo ávido de protagonismo e de poder.

- Sem que tal o fizesse esperar lançou-se na lama quem ocupava altos cargos no episcopado. Qual a razão? Há causas? Quais as consequências? Que juízos se podem conjecturar? Onde está a verdade: agora, antes ou depois? Na visão eclesial valerá tudo para atingir certos fins? Na visão do mundo ver-se-á diferença de comportamentos e de éticas? Onde estão os amigos de antanho? Poder-se-á dizer que tudo o que se diz vale sem fazer ricochete? Afinal, ao espelho da consciência, fica-nos a confiança no perdão misericordioso de Deus, ontem como hoje e amanhã... embora o mundo nem sempre perdoe e quase nunca esqueça... ao menos até que surjam outros factos, episódios e personagens! Coincidência (ou não) a notícia começou a correr mundo e a provocar reacções no dia em que se celebrava a festa litúrgica dos pastorinhos de Fátima!

- Por estes dias várias dioceses e até o episcopado português vivem tempos de retiro... quaresmal anual. É assim, normalmente, em cada quaresma. De pouco importa quem prega, pois só serve de ajuda, mas quem reza tem de o fazer de forma pessoal diante de Deus e da sua consciência... num crescimento pessoal, comunitário e eclesial. Criar dimensão – ou será antes consciência assumida? – de presbitério é uma oportunidade em ocasiões como esta do retiro anual. No entanto, quando vemos proliferar tantos nichos de espiritualidades, ainda estaremos a tempo de reconstruir, comunitariamente, a Igreja, começando pelo clero? Decorridos cinquenta anos do Concílio Vaticano II estaremos no espírito ou já perdemos a letra dos documentos então exarados? Humildade e espírito fraterno, precisam-se como pão para a boca...

Em jeito de sugestão deixamos breves pinceladas – não serão as mais importantes, mas antes um tanto ‘novas’ – do retiro que pregou um padre carmelita ao clero de Setúbal, na primeira semana da Quaresma:

. Somos homens de Deus entre os homens;

. Temos de saber conciliar a samaritana com o samaritano;

. Os sacerdotes são chamados a viver o celibato em fraternidade;

. Seguir a Cristo-sacerdote não comporta a dissecação do coração;

. O sacerdote não é feito para ser santo, mas para se pôr ao serviço de Jesus;

. O problema não se põe em estar com Jesus, mas em andar com Ele;

. O maior pecado é não corresponder ao amor misericordioso de Deus;

. O pecador é um carente afectivo, um carente de amor... não tem amor porque não é capaz de amar;

. Converter-nos do ‘eu’ ao ‘tu’... ganhar a vida, perdendo-a;

. Fazer a experiência do Deus comunitário.


Em condição de peregrinos vivemos a santidade, mesmo que pequemos, pois, em Jesus e pela Igreja, seremos perdoados.



António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Dever de informar... correcta e afirmativamente


Por estes dias tem sido recorrente dizer que o actual governo tem pecado pela falta de informação das medidas que tomou, das que está a implementar e (até) das reais expectativas destas medidas no futuro próximo... para todos nós e não só para nossos credores... internacionais.

De facto, numa sociedade da informação não fazer deste veículo de comunicação um elo de ligação com os outros é, para além de um erro crasso, uma ofensa à dignidade dos governados. Ora, o actual governo está pejado de erros e de ofensas, pois tem tomado medidas – muitas delas necessárias, outras justas e algumas exageradas na forma e no conteúdo – onde não basta pressupor que serão aceites, mas antes deveriam merecer um mínimo de explicação, pois o povo não é mentecapto e, quando, lhe dizem as razões – como é comum em Portugal! – e quais as causas bem como as consequências, normalmente, até surpreende na aceitação. Não podemos continuar a desdenhar da inteligência do ‘nosso’ povo, pois este tem-se manifestado, muitas e diversas vezes, mais adulto democraticamente do que a forma como o têm tratado... os políticos partidários e profissionais, agora como no passado.

- Porque têm medo de dizer que a austeridade – necessária e (quase) obrigatória, embora nem sempre correcta e universal – é resultado do regabofe com que nos entretiveram os antecessores no poder? Terão medo que os acusem e de dizer a verdade afirmativamente?

- Porque se escondem atrás do resultado eleitoral, senão (talvez já não) merecem a confiança que neles depositaram? Serão incapazes de assumir que também erram?

- Estariam preparados para ocupar o posto e agora, colocados a mandar, reconhecem-se incapazes, senão mesmo ineptos? Porque há medo de assumir que nem tudo corre bem, quando uma quase impreparação lhes fez cair o poder nos braços?

= Do outro lado do espelho...

Também os que estão na oposição não falam totalmente verdade, tanto na informação como na contestação, pois, se uns dizem o que se tornaria impossível de concretizar, outros propõem, quando estão fora do poder o que neste não conseguiram – por incapacidade, por incúria ou por negligência – realizar... minimamente, ou, então, não teríamos chegado ao estado calamitoso em que estamos, agora.
Quando toca à conquista do poder os exageros nas pretensões dos candidatos são quase inenarráveis, tal é a cumplicidade em maré de combate eleitoral, bem como a sofreguidão com que tantos correm ao espaço do mando... em certas circunstâncias quase sem olhar a meios para atingirem os (seus) fins.
- Quantas vezes as palavras ganham sentido diverso, se ditas por um partido ou se proferidas por outro, parecendo que os conceitos estão confusos e considerando que os ouvintes ainda se deixam condicionar pelas diatribes mais ou menos inconsequentes... duns tantos espertos.
- Quantos pequenos episódios se tornam pseudo-factos, embora sejam mais manobras de diversão para tentar iludir os incautos e prolongar o vazio das ideias ou dos projectos partidários falidos... senão nas promessas pelo menos nos actos.
- Que espectáculo – triste, ridículo ou mesmo desumano – nos é dado presenciar pelas ilusões de importância mais ou menos consentida ou pelo desinteresse dos eleitores, que, vendo-se defraudados noutros momentos, fogem da participação cívica... embora sofram as consequências das escolhas das minorias arregimentadas.
Porque precisamos da co-responsabilização de todos os cidadãos na vida política, urge criar condições para que todos votem, nem que para isso seja preciso penalizar os faltosos nas regalias sociais e sócio-políticas. Quem governa precisa de verdadeira legitimidade e quem é governado precisa de exigir porque escolheu quem considerava mais capaz...pois, se o não é, sofra as consequências mesmo criminais... Basta de esponjas a limpar incompetências e de cobardias na hora da derrota. Portugal precisa e merece melhor, já!

António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Viver a fé em tempo de Quaresma


Atendendo à riqueza espiritual e religiosa, que é o tempo da Quaresma, parece-nos oportuno, neste ‘Ano da fé’, apresentar algumas sugestões para vivermos (pessoal, familiar e eclesialmente) este tempo de graça em vista da celebração do mistério central da fé cristã, que é a Páscoa de Jesus e a nossa em Igreja católica.

* Novidade em tradição

Sem pretendermos recauchutar vivências populares, poderemos dar novo sentido ou ardor àquilo que já fazemos e renovar aquilo que é feito... quantas vezes com tanto esforço e (talvez) pouco proveito visível!

= Cuidar dos sinais da caminhada (via-sacra, penitência, procissão do Senhor dos Passos)

Estas vertentes de fé popular têm grandes possibilidades de serem vividas com novo ardor e usando novos métodos.

- Inovar na temática da Via-sacra: inseri-la no projecto anual da diocese e/ou da paróquia

v.g.: mãos, rostos, pecados (capitais ou sociais), obras de misericórdia... pés (caminho... corda);

- Vivenciar a celebração do Sacramento da Penitência: não repetir ou socorrer-se do que outros fizeram... cada um deve fazer a sua caminhada, por forma a viver a dinâmica de contínua de conversão... Cada ano deveríamos, senão ao nível diocesano pelo menos ao nível arciprestal, criar um novo exame de consciência de caminhada comunitária... coordenada.

- Procissão dos Passos: fazer uma espécie de ‘desfile’ de santos poderá ser útil para certas vaidades, mas talvez possa ser pouco cristão na forma e no conteúdo. Incluir encenações e momentos de anúncio vivencial da Palavra de Deus serão oportunidades a cuidar nesta época em que a fé do templo nem sempre tem sintonia com a fé da rua... Podemos e devemos fazer melhor!

= Não entrar na rotina (vivência do jejum/abstinência - porquê e para quê? razões, hoje)

A rotina mata o amor! Por isso, certos ritos, mesmo que simples, como que podem fazer perigar a intensidade de comunhão cristã. O tema da ‘abstinência/jejum’ põe-nos, humana e espiritualmente, uma proposta de sacrifício assumido numa comunhão com quem passa dificuldades, gerando em nós mesmos uma supressão de algo que pode até ser excessivo...

= Ousar propor pequenos gestos (pessoais, familiares, paroquiais)...de partilha/caridade (renúncia quaresmal - que sentido? que razão?)

Inseridos no espírito de caridade, a renúncia quaresmal faz-nos participar com gestos -- mais do que por meras palavras -- de partilha e em abertura à catolicidade da fé cristã.

* Fidelidade ao Espírito Santo

Em de tudo a nossa vivência da fé acontece na Igreja, com a Igreja e pela Igreja Igreja, pois esta nossa mãe nos dá as condições para nascermos (pelo baptismo), nos alimentarmos (pela eucaristia) e de nos reconciliarmos (pela penitência) todos com Deus e uns com os outros.

= Na Igreja: cuidado comunitário

Somos parte de um todo eclesial e não meras fatias de um conjunto. Assim, tudo o que possamos fazer ou propor que possa aproveitar ao bem dos outros. Nos mais diversos serviços da Igreja deveríamos sentir-nos representados por quem está noutros trabalhos que não o nosso e não em concorrência pela visibilidade do nosso ‘eu’... Quando alguém canta bem sentimo-nos engrandecidos ou temos uma certa inveja? Quem exercita a caridade fá-lo em nome de todos ou como uma espécie de trabalho ‘seu’?

= Com a Igreja: pelas mãos uns dos outros

Não temos direito de impor as nossas devoções aos outros, mas antes devemos lançar sementes para que outros cresçam por si mesmos. Talvez ainda vivamos um certo infantilismo da fé e da não-corresponsabilidade em Igreja. Será que os leigos se sentem de corpo inteiro, pela sua vocação e missão, no exercício dos seus dons? Não será que, por vezes, há alguns leigos a fazer de padres e certos padres à maneira de leigos?

= Pela Igreja: humildade e serviço

Na medida em que nos consciencializarmos do nosso lugar na Igreja assim estaremos ao serviço uns dos outros com humildade e atenção fraterna. O serviço do amor deve começar dentro da nossa casa -- seja ela a família, seja o espaço da paróquia -- numa crescente atenção aos outros como irmãos e irmãs na mesma fé... cristã/católica. Será que nos olhamos com ternura e compaixão? Não será que, por vezes, nos ignoramos ou até desprezamos, consciente ou inconscientemente?

* Abertura aos outros... de fora da Igreja

Não podemos reduzir a nossa vivência da fé só ao espaço dos muros do templo, temos de ser cristãos neste mundo e neste tempo. Assim devemos estar atentos aos outros... mesmo aos descrentes.

= Aos que abandonaram a fé em celebração

Nem todos os que sairam da Igreja -- templo e/ou comunidade-- têm total culpa, pois, nalguns casos, fomos nós que os excluímos. Muitos vieram às nossas celebrações e nem sempre foram bem acolhidos. Como vai o acolhimento como fé vivida?

Nalgumas situações os clientes das nossas celebrações -- sobretudo os ocasionais ou até os intermitentes -- podem ter saído ofendidos com a nossa frieza humana e menor calor cristão. Não haverá algum anonimato nas nossas Igrejas?

= Escandalizados pela nossa falta de testemunho

Não somos uma Igreja de santos e santas, embora sejamos pecadores santificados. Talvez sigamos mais ‘frei tomás’ do que ‘frei exemplo’, isto é, dizemos mais e nem sempre fazemos em coerência. Temos de ir ter mais com as ovelhas perdidas da casa de Israel do que estarmos a engordar com devoções quem já está saciado de rezas e ‘coisas do Senhor’! Como que precisamos de abandonar a ‘psicologia do sino’, que chama mas não entra no espaço da fé vivida...

= Talvez sem fé... embora crentes: ‘Átrio dos gentios’

Depois de várias experiências em diversas partes do mundo precisamos de fazer da cada paróquia/comunidade um espaço de diálogo dos gentios, onde cada um se encontre no que é essencial -- somos crentes -- e se esqueça do que é secundário ou acessório. A linha que nos separa é entre crentes e não crentes e de entre estes há muitos que procuram avidamente a Deus envolto em mistério e espiritualidades de sabor e a gosto...

Conclusão: fé na vida e vida de fé... cristã

Mais do que conclusões importa deixar interrogações:

- Viver a fé é para mim um dom, uma oportunidade ou uma categoria social?

- A fé na vida é algo que incomoda os meus critérios e valores?

- A vida de fé transtorna o meu comportamento ou cria em mim alienação de desculpa?

- Tenho algum santo/a por recurso ou como testemunha de fé?

- Quem me conhece poderá dizer que sou homem/mulher de fé?


(*) Extraído de uma palestra proferida, emViana do Castelo, 9 de fevereiro de 2013, no contexto do 35.º encontro diocesano de liturgia



António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Profetas da caridade, precisa-se!




As virtudes teologais [da fé e da caridade] «estão intimamente unidas, e seria errado ver entre elas um contraste ou uma «dialética». Na realidade, se, por um lado, é redutiva a posição de quem acentua de tal maneira o caráter prioritário e decisivo da fé que acaba por subestimar ou quase desprezar as obras concretas da caridade reduzindo-a a um genérico humanitarismo, por outro é igualmente redutivo defender uma exagerada supremacia da caridade e sua operatividade, pensando que as obras substituem a fé. Para uma vida espiritual sã, é necessário evitar tanto o fideísmo como o ativismo moralista».

Diz-nos o Papa Bento XVI na sua mensagem para a Quaresma deste ano, intitulada: ‘Crer na caridade suscita caridade’.

À luz desta mensagem papal respigaremos alguns excertos, tentando dar-lhes conteúdo em ordem a viver como momento de fundamental importância a caminhada da quaresma de 2013.

= Evangelização: obra de caridade

Por vezes tende-se a circunscrever a palavra «caridade» à solidariedade ou à mera ajuda humanitária; é importante recordar, ao invés, que a maior obra de caridade é precisamente a evangelização, ou seja, o «serviço da Palavra»’.

Quando vemos tantas sugestões de humanitarismo sob a capa de solidariedade e com inúmeros intervenientes a fazerem da ajuda que prestam uma espécie de prolongamento do seu egoísmo, este pensamento do Papa traz-nos arrepios sobre certas iniciativas filantrópicas desfasadas do bem dos outros. Com efeito, vão surgindo intervenções – pessoais ou de grupos, ocasionais ou organizadas – que parece que mais não fazem dos beneficiados do que gente presa pela boca – numa espécie de política de anzol! – em vez de lhes darem capacidade para serem pessoas com asas, com critérios e com projectos de conduta... para o futuro, sendo capazes de agradecer, mas não de pedinchar... continuamente.

- Precisamos de profetas – isto é, ‘boca de Deus’ – que sejam capazes de dar o pão de cada dia porque foram capazes de descobrir que temos um Pai comum, que nos faz estar atentos aos outros, socorrendo-os e alimentando-os com o Pão da Palavra e com o Pão para o corpo...

- Precisamos de profetas que tenham fé adulta para saberem distinguir entre quem é necessitado ou quem é oportunista... mesmo que aviltando-se na sua dignidade, mas sem qualidade humana e moral.

- Precisamos de profetas de boca limpa, de mãos sujas e de espírito aberto para serem capazes de dizer a mensagem do Evangelho, de saber conhecer os problemas e de resolvê-los, tendo capacidade de discernir onde está a verdade ou por onde passa o disfarce... seja ele de quem quer que seja!

= Evangelização: promoção integral da pessoa humana

Não há acção mais benéfica e, por conseguinte, caritativa com o próximo do que repartir-lhe o pão da Palavra de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho, introduzi-lo no relacionamento com Deus: a evangelização é a promoção mais alta e integral da pessoa humana’.

A fome não tem religião: é verdade; mas não é menos verdade que, se não fosse a religião – seja qual for a sua denominação! – haveria muita mais fome... no mundo e, em particular, em Portugal! De facto, as grandes religiões têm nos seus princípios fundamentais e fundacionais o dever de assistência aos mais desfavorecidos, seja pela prática da esmola, seja pela atitude de assistência nos momentos de maior debilidade... dos outros.

Valerá a pena lembrar a troca de palavras entre Madre Teresa de Calcutá e um jornalista que lhe dizia: ‘eu não seria capaz de tratar de um leproso nem que fosse por um milhão de dólares’. Ao que Madre Teresa respondeu: ‘nem eu... mas por amor faço isso e muito mais’!

Muito mal irá qualquer acção sócio-caritativa que não seja capaz de fazer de cada usufrutuário – há quem lhe chame agora ‘cliente’ – um intérprete activo da sua história, sacudindo as peias do assistencialismo e ganhando interesse pela sua valorização cultural.

Terminamos acentuando os votos com que o Papa Bento XVI conclui a sua mensagem quaresmal: ‘neste tempo de Quaresma, em que nos preparamos para celebrar o evento da Cruz e da Ressurreição, no qual o Amor de Deus redimiu o mundo e iluminou a história, desejo a todos vós que vivais este tempo precioso reavivando a fé em Jesus Cristo, para entrar no seu próprio circuito de amor ao Pai e a cada irmão e irmã que encontramos na nossa vida’.

Mostremos pela caridade a força da fé, que procuramos viver em Igreja católica!


António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)