Quem
gosta do silêncio? Como podemos caraterizar o silêncio? Haverá etapas de
silêncio, no dia-a-dia e na maturação da vida? Será pedagógico e necessário o
silêncio? Como podemos criar condições para que haja (ou possa haver) silêncio?
O silêncio será, efetivamente, uma linguagem de vida? Haverá diferença entre ‘estar
calado’ e ‘sentir o silêncio’? Como entender a distinção entre cultivar o
silêncio e ter de estar silenciado? O silêncio exterior não favorece e
incentiva o silêncio interior na pessoa? Haverá técnicas para conseguir estar
em silêncio, estando só ou com outras pessoas?
1. Por
estes dias o treinador de uma equipa de futebol recusou-se a falar porque o som
ambiente do estádio – agora vazio e sem público assistente – estava, segundo
ele, demasiado alto, não deixando ouvir nem falar em condições mínimas. Parece
ser, hoje, uma corrente de comportamento essa em que as pessoas não conseguem
estar num mínimo de silêncio, ao menos exterior: uma tal chinfrineira musical
invade tudo e todos, quase questionando quem assim não vive se será normal…
2. Há
desportos e espetáculos onde o silêncio é como que exigido aos que assistem,
tal é a concentração subjacente aos intervenientes. Nalguns casos, se houver
prevaricadores barulhentos, são como que silenciados pelo resto dos
espetadores, tornados, deste modo, como que participantes no espetáculo ou na
ação desportiva. Claro que após o cumprimento da façanha – uma boa jogada, uma
pega bem-sucedida, uma cantiga melhor executada – se dará uma explosão de
aplauso, mas foi preciso guardar silêncio e estar calado para que isso viesse a
acontecer…
3. Dizem
alguns entendidos na matéria que o silêncio com conta-peso-e-medida equilibra a
pessoa e fá-la amadurecer. Até as conversas entre as pessoas precisam de
espaços de silêncio. Também neste aspeto o que vemos nas televisões e não só –
mesmo no dito parlamento – é uma balbúrdia tal de vozes e de conversas que
ninguém sabe quem diz o quê. Casos há em que gritaria se torna ofensiva a quem
segue os pretensos debates. Temos vindo a crescer na malcriadez que nem feira
ou campo de batalha. O pobre silêncio foi exorcizado do convívio social e mesmo
do trato político, profissional ou mesmo cultural…
4. Com o
afã das transmissões televisivas, radiofónicas ou de redes sociais das
celebrações religiosas foi decrescendo o tempo de silêncio nas mesmas, quase
havendo medo dos espaços vazios de não-barulho. Ora, a qualidade de uma
celebração não se avalia pelo muito que se diz ou canta, mas pelo que se vive
em intensidade, interioridade e contemplação. Urge, por isso, criar as
condições para que as celebrações – digo-o do ponto de vista católico – tenham
qualidade de silêncio e não seja preciso entreter o não-falar com uma musiquinha
de fundo, quando devia ser um espaço preenchido de encontro com Deus em
comunhão com os irmãos…pela assembleia reunida. Claro que é preciso saber criar
as condições para que haja um silêncio celebrante, desde o tom de voz até às
palavras ditas ou caladas, passando pelo contributo musical e de educação de
todos para o verdadeiro silêncio…
5. A
Semana Santa é, por excelência, o tempo do grande silêncio: as palavras
calam-se diante do grande mistério de Jesus connosco e para nós. O próprio
Jesus emerge em todo o processo da Sua paixão como um homem de silêncio. Até
Deus se cala. Assumindo uma dinâmica narrativa, os textos da
paixão-morte-ressurreição de Jesus são a maior lição de silêncio em toda a
história da Humanidade, reduzindo ao mínimo as palavras e perpassando um
silêncio profundo, que não é de morte, mas semente de Vida.
As
celebrações dos diversos tempos da Semana Santa são um convite permanente ao
silêncio, não vazio de palavras, mas prenhe de contemplação… que há de ser
erupção de alegria em domingo de Páscoa. Com efeito, precisamos de viver a
intensidade do silêncio no lava-pés, da narrativa joanina da Paixão, na
adoração da Cruz – reduzida ao essencial – e do longo silêncio de sábado santo
para que a vigília pascal seja de luz, de cor e de som divinos porque
humanizados em Jesus, por Jesus e para Jesus vivo e ressuscitado!
António Sílvio Couto
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