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segunda-feira, 29 de março de 2021

Silêncio

 


Quem gosta do silêncio? Como podemos caraterizar o silêncio? Haverá etapas de silêncio, no dia-a-dia e na maturação da vida? Será pedagógico e necessário o silêncio? Como podemos criar condições para que haja (ou possa haver) silêncio? O silêncio será, efetivamente, uma linguagem de vida? Haverá diferença entre ‘estar calado’ e ‘sentir o silêncio’? Como entender a distinção entre cultivar o silêncio e ter de estar silenciado? O silêncio exterior não favorece e incentiva o silêncio interior na pessoa? Haverá técnicas para conseguir estar em silêncio, estando só ou com outras pessoas?

 1. Por estes dias o treinador de uma equipa de futebol recusou-se a falar porque o som ambiente do estádio – agora vazio e sem público assistente – estava, segundo ele, demasiado alto, não deixando ouvir nem falar em condições mínimas. Parece ser, hoje, uma corrente de comportamento essa em que as pessoas não conseguem estar num mínimo de silêncio, ao menos exterior: uma tal chinfrineira musical invade tudo e todos, quase questionando quem assim não vive se será normal…

 2. Há desportos e espetáculos onde o silêncio é como que exigido aos que assistem, tal é a concentração subjacente aos intervenientes. Nalguns casos, se houver prevaricadores barulhentos, são como que silenciados pelo resto dos espetadores, tornados, deste modo, como que participantes no espetáculo ou na ação desportiva. Claro que após o cumprimento da façanha – uma boa jogada, uma pega bem-sucedida, uma cantiga melhor executada – se dará uma explosão de aplauso, mas foi preciso guardar silêncio e estar calado para que isso viesse a acontecer…  

 3. Dizem alguns entendidos na matéria que o silêncio com conta-peso-e-medida equilibra a pessoa e fá-la amadurecer. Até as conversas entre as pessoas precisam de espaços de silêncio. Também neste aspeto o que vemos nas televisões e não só – mesmo no dito parlamento – é uma balbúrdia tal de vozes e de conversas que ninguém sabe quem diz o quê. Casos há em que gritaria se torna ofensiva a quem segue os pretensos debates. Temos vindo a crescer na malcriadez que nem feira ou campo de batalha. O pobre silêncio foi exorcizado do convívio social e mesmo do trato político, profissional ou mesmo cultural…

 4. Com o afã das transmissões televisivas, radiofónicas ou de redes sociais das celebrações religiosas foi decrescendo o tempo de silêncio nas mesmas, quase havendo medo dos espaços vazios de não-barulho. Ora, a qualidade de uma celebração não se avalia pelo muito que se diz ou canta, mas pelo que se vive em intensidade, interioridade e contemplação. Urge, por isso, criar as condições para que as celebrações – digo-o do ponto de vista católico – tenham qualidade de silêncio e não seja preciso entreter o não-falar com uma musiquinha de fundo, quando devia ser um espaço preenchido de encontro com Deus em comunhão com os irmãos…pela assembleia reunida. Claro que é preciso saber criar as condições para que haja um silêncio celebrante, desde o tom de voz até às palavras ditas ou caladas, passando pelo contributo musical e de educação de todos para o verdadeiro silêncio…  

 5. A Semana Santa é, por excelência, o tempo do grande silêncio: as palavras calam-se diante do grande mistério de Jesus connosco e para nós. O próprio Jesus emerge em todo o processo da Sua paixão como um homem de silêncio. Até Deus se cala. Assumindo uma dinâmica narrativa, os textos da paixão-morte-ressurreição de Jesus são a maior lição de silêncio em toda a história da Humanidade, reduzindo ao mínimo as palavras e perpassando um silêncio profundo, que não é de morte, mas semente de Vida.

As celebrações dos diversos tempos da Semana Santa são um convite permanente ao silêncio, não vazio de palavras, mas prenhe de contemplação… que há de ser erupção de alegria em domingo de Páscoa. Com efeito, precisamos de viver a intensidade do silêncio no lava-pés, da narrativa joanina da Paixão, na adoração da Cruz – reduzida ao essencial – e do longo silêncio de sábado santo para que a vigília pascal seja de luz, de cor e de som divinos porque humanizados em Jesus, por Jesus e para Jesus vivo e ressuscitado!    

 

António Sílvio Couto

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