Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 30 de novembro de 2021

Quem quis eutanasiar a eutanásia?

 


Em cerca de oito meses o Presidente da República devolveu, vetando, duas versões da lei sobre a despenalização da eutanásia, politicamente dita de ‘decreto-lei sobre a morte medicamente assistida’.

Desta vez o PR solicita que seja aferida alguma terminologia, isto é, que seja explicada e usada de forma uniforme. Diz a carta-mensagem enviada ao Parlamento: «O legislador tem de escolher entre exigir para a eutanásia e o suicídio medicamente assistido – que são as duas formas da morte medicamente assistida que prevê, entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”.
Isto, porque, no novo texto do diploma ora usa “doença grave ou incurável”, o que quer dizer uma ou outra, ora define aquela como grave e incurável, o que quer dizer, além de grave, também incurável, ora usa “doença grave e fatal”, o que quer dizer que, além de grave e incurável, determina a morte. Não apenas é grave, incurável, progressiva e irreversível, como acontece com doenças crónicas sem cura e irreversíveis. É fatal
».

A 15 de março passado, o PR tinha já vetado o anterior decreto do Parlamento sobre esta matéria tendo em conta que o Tribunal Constitucional, ao qual enviara o diploma para fiscalização preventiva, e que o considerara inconstitucional por ‘insuficiente densidade normativa’ do artigo 2.º, n.º 1, que estabelecia os termos da morte medicamente assistida deixar de ser punível.  

 1. Vinte e seis anos de discussão sobre a eutanásia tiveram – sobretudo neste tempo de pandemia – uma verdadeira saga de falta de senso, senão mesmo de hipocrisia. Quando morriam por dia centenas de pessoas de ‘covid-19’, a 29 de janeiro, o Parlamento aprovou a primeira versão da lei…que foi vetada a 15 de março… Agora, depois de terem sido marcadas eleições para janeiro do próximo ano, no dia 5 de novembro, foi aprovada a nova versão, ao que parece mal corrigida e muito menos aumentada… Os trabalhos da ’25.ª hora’ foram atabalhoados, ineficazes e inconsequentes… Basta ler carta-mensagem do PR e ficaremos a saber a sua leitura, impressão e conclusão.

 2. Para quem deseja fazer passar a ideia de que este tema da eutanásia configura uma vertente algo humanista e não ideológica, tem-lhe sido difícil conjugar as ideias e muito menos de ser capaz de parecer sério, pois sereno nunca foi e convincente tão pouco… Não têm lá nas assessorias quem reveja os textos e anote as incongruências? Não conseguem dizer ao que vem, metendo os pés pelos cotovelos e criando a certeza de que a eutanásia é um razoável ‘fait divers’ quando as coisas estão a correr mal para as parcerias de conveniência. As pessoas normais não merecem mais respeito do que terem de aturar as manias de certos políticos para os quais a vida, para além de parecer descartável, se torna enfadonha quando vivida com valores mais do que materialistas?

3. Apesar de circularem baixos-assinados na internet ou de certas forças mais conotadas com a linha da vida – em especial ligadas ao cristianismo – não foi preciso recorrer a esse expediente de sabor populista, pois a verdade emerge mesmo quando menos se espera. Com efeito, neste como noutros problemas, vem-me à lembrança essa frase evangélica: os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz… só que o texto não explicita que os filhos da luz são (ou podem ser) mais inteligentes do que os das trevas. É isso mesmo que reporto neste tema: tantas espertezas, mas sempre deixam alguma ponta solta para desfazer o novelo com que tentam enredar-se.

4. Agora que já sentimos os sons, as memórias e as vivências do Natal, à mistura com os cuidados no ‘estado de calamidade’, podemos e devemos refletir com mais serenidade sobre o que leva algumas pessoas – que até reputo de capazes de refletir minimamente – a insistirem nesta matéria da eutanásia? De pouco valerá a vida se ela só for para ser consumida com trejeitos de imediatismo, de epicurismo ou de mera contingência egoísta. Precisamos de algo mais do que experiências fugazes. O Natal é do festejado, Jesus, feito homem por nosso amor e para nossa glorificação.  

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Preconceitos darão votos?

 
Por estes dias – e desde há cerca de um mês – fomos confrontados com uma tendência de boa parte da comunicação social em ‘vender’ – diria antes impingir sob manipulação acintosa – um certo modelo de presença na vida política. Os ‘astros’ alinharam-se com ‘naturalidade’ para que tal se pudesse concretizar. Vimos forças quase antagónicas a exaltarem a nova proposta. Horas e horas foram gastas a esmiuçar os benefícios pretendidos. Até as ‘cúpulas’ embarcaram no engodo… Só que o povo – esse de quem se servem para tentar legitimar as decisões de gabinete – foi noutra linha e poucos (quase ninguém) saíram a ler o que aconteceu nessa resposta simples, clara e sensata sobre o modo de estar nestas coisas da vida pública (política)…sem que as questões ético-morais não façam parte da análise, da avaliação e da decisão.

1. Fique claro: sou daqueles que ainda acreditam que ‘Deus escreve direito por linhas tortas’, isto é, aquilo que poderia ser considerado menos bom ou até negativo pode ter outra interpretação, assim o consigamos ver e discernir. Há acontecimentos que podem ser sinais de algo mais do que aquilo que vemos em primeiro plano. Com efeito, precisamos de ultrapassar alguma da banalidade do imediatismo para descobrirmos algo mais profundo ou mais alto, isto é, temos de saber mergulhar nas raízes e de levantar os olhos do chão.

2. Nota-se que muitos dos agentes d
a comunicação social – nos diversos aspetos, tendências ou configurações – querem ter uma agenda à sua maneira, onde certas questões sejam apresentadas, vistas e lidas com os seus clichés…muitos deles preconceituosos e não-independentes. Por vezes afirmam de forma peremptória que não se deve trazer para a vida pública questões do foro privado, mas quando assuntos deste espaço interessam como temática para a sua agenda, não têm pejo de o fazer, mesmo que se possa fulanizar o problema… A transversalidade da ‘ideologia de género’ é disso um sinal mais do que evidente!

3. Confunde-me que se use o ‘povo’ – entidade ou figuração, personalidade corporativa ou mito mais ou menos idealizado – como sujeito de ação e se destrate o mesmo, quando parece não seguir aquilo que gostaríamos que nos favorece-se. Fique claro: o povo é soberano em todas as questões, mesmo que possa estar sob manipulação e que quase sempre fala, embora não lhe compreendamos, logo, as lições. Há momentos – sobretudo de crise – em que se nota quase uma simbologia da ‘voz divina’, quando o povo nos adverte, avisa e dá sinais para onde seguir…

4. Custa-me a crer que ainda não se tenha percebido essa espécie de plano subterrâneo onde certas forças mais do que construírem a sociedade na base da verdade preferem congeminar processos alicerçados nalguma ‘fidelidade’ a princípios obscuros, muitos deles que percorrem os partidos e associações na sua diversidade e, teoricamente, em complementaridade. Quantas vezes invocam a ‘ética republicana’ para terem cobertura das suas ideias. Quantas vezes temas como ‘a vida e a sua defesa’ têm mais detratores do que defensores. Quantas vezes os argumentos apresentados em debates – públicos/políticos, televisionados/nas redes sociais – se nota que há um devocionário por onde se guiam os intervenientes. Em que loja (ou armazém) recebem tal instrução? Com que instrumentos e truques serão educados?

5. Por último exprimo com tristeza uma constatação…com alguns factos: quando vejo cristãos mais empenhados em defenderem as ideias de tais ‘escolas’ do que a pronunciarem-se a partir da doutrina católica – no Catecismo em vigor ou nas intervenções do magistério – sinto-me confuso, baralhado e quase revoltado. A quem interessa apresentar como católicas figuras que ‘enfeitam’ também intervenções de partidos ‘que maquinam contra a Igreja’, nessa expressão consagrada e não substituída? Por que teremos de tolerar figurões, que defendem, mesmo no parlamento, mais temas fraturantes anti-vida do que a ética cristã?
Em breve seremos chamados a votar. Será útil e necessário ter memória e teremos de agir em conformidade… refutando, visceralmente, as propostas de certos trogloditas de serviço…e tão efabulados pelas sondagens.

António Sílvio Couto

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

’25 de novembro’ sempre atual

Dezanove meses depois da ‘revolução do 25 abril’ foi reposta alguma normalidade no país.

Recordemos – eu relembro muitos deles com memória e aflição ao tempo – alguns dos acontecimentos que fizeram história…que importa nos esquecer, até porque em época de eleições precisamos de entender os intervenientes de hoje à luz das façanhas do passado.

Eis um breve sumário:

Entre 1974 e 1975, diversos acontecimentos marcaram a sociedade portuguesa. Entre os quais, o apelo do general António Spínola à ‘maioria silenciosa’ a 28 de setembro... com a sua demissão do cargo de Presidente da República, dois dias depois, substituído por Costa Gomes. A 11 de março de 1975, uma tentativa de golpe de estado deu origem a uma viragem substancial do processo revolucionário, que teve o seu epílogo nos acontecimentos de 25 de novembro de 1975.

Explicando as etapas:
- As dissidências no seio do Movimento das Forças Armadas (MFA) e na sociedade portuguesa foram crescendo depois do 25 de Abril, acabando por convergir nos acontecimentos do 28 de setembro de 1974, em que o general Spínola, então Presidente da República, apelou à “maioria silenciosa” para que manifestasse a sua oposição ao processo revolucionário.
- Ultrapassado este confronto com o afastamento do general Spínola e a nomeação do general Costa Gomes para a Presidência da República, a agitação social não deixou de se acentuar, vindo a atingir novo ponto de rutura em 11 de março de 1975.
- O período de tensão que se seguiu ficou conhecido como “Verão Quente”. Neste excecional período de menos de nove meses ocorreram profundas transformações da sociedade portuguesa.
- Através de movimentos espontâneos ou mobilizados para grandes manifestações resultantes do seu enquadramento sindical ou partidário, as pessoas e os grupos sociais tiveram oportunidade de exprimir o seu posicionamento e de manifestar a crescente consciência dos princípios e dos valores em jogo... cuja expressão mais significativa foram as eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975, com a maior taxa de participação de sempre: 90% dos eleitores…
- Refira-se que, a partir de 11 de Março, as forças intervenientes no processo político se foram posicionando: de um lado forças de esquerda mais radicais, onde se pretendia fazer prevalecer a importância das conquistas revolucionárias e do outro lado - literalmente da barricada - outras forças ligadas às linhas socialista e social-democrática, tendo por meta a realização de eleições e a adequação do modelo de sociedade aos resultados eleitorais.
- Atendendo à especificidade da situação portuguesa, onde as Forças Armadas, através do MFA, desempenhavam um papel de relevo, as prioridades de cada projeto são transferidas para o interior do MFA, vindo este a transformar-se no lugar privilegiado de confrontação, percebendo-se isso nas ‘correntes’ (moderada ou extremista) em confronto no seio do MFA., e do ‘conselho da revolução’ em particular... reflexo da sociedade e refletindo-se nela e nos partidos/ideologias/tendências...
- Não podemos ainda esquecer o clima de ‘guerra fria’ entre os blocos ocidental e de leste na configuração geoestratégica.... foi um tempo de agitaçãop social.
- Para abreviar: tudo isto culminou com as movimentações militares de 25 de novembro de 1975 e a vitória definitiva dos que pretendiam um sistema político segundo os padrões europeus, baseado em eleições democráticas e na vontade popular.

Que lições…46 anos depois?

Tantos anos decorridos já percebemos o significado desta aferição democrática iniciada no 25A? Não andará muita gente à deriva da sua identidade, quando se fala do 25N? Por que teremos de aceitar a celebração de um e não cuidamos do não-esquecimento de outro? Até quando esconderão as vítimas da revolução?



António Sílvio Couto

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

‘Drill’ – música de guerra?

 


O 'drill' será um estilo de música – à maneira de rap – que incentiva os jovens a uma guerra total contra tudo e contra todos. Segundo observações mais atentas nas letras os rappers de bairro apelam ao controlo do território pelas armas.

O fenómeno já chegou a Portugal e está a espalhar-se com velocidade nos bairros degradados dos subúrbios. O 'drill' pode ser uma possível causa da guerra de gangues que está em curso neste momento na região de Lisboa.
Atendendo a este contexto, começam a ser feitas algumas conjeturas sobre este fenómeno: qual o seu significado social, económico ou cultural? Quem participa neste estilo musical esconde algo mais do que manifesta? Os adereços que apresentam – gorros, máscaras, facas ou outros objetos de ataque – envolvem organização ou são consequências das circunstâncias de onde provêm? A julgar pelos primeiros resultados, não deveriam as autoridades investigam as causas? Será um fenómeno de jovens/adolescentes ou encripta outras envolvências sociopolíticas? 

 1. Se formos à procura da origem do termo encontramos que ‘drill’ é uma palavra inglesa que significa broca, perfurar, perfuração... Quererá esta atitude musical, em curso, brocar algo mais do que as coisas ou preferirá as mentes? Atendendo às circunstâncias e aos ambientes onde este estilo musical se desenvolve teremos de estar atentos para que não descambem para a agressividade e a violência ainda mais incontrolável. Com efeito, certos subúrbios têm sido, sobretudo nas últimas duas décadas, focos de conflitualidade nem sempre bem enquadrada e inserida no conjunto social. Ainda não advertimos, politicamente, isto?

 2. Mesmo que dando azo (permissão, incentivo ou tolerância) aos mais jovens para exprimirem a rebeldia que lhes é própria, teremos de saber interpretar as mensagens que eles nos enviam. Assim foi no passado, tal há de ser no presente. Ora, dá a impressão que alguns destes adolescentes e jovens se têm vindo a guetizar, fechando-se na sua bolha e como que ostracizando quem nela queira interferir.

 3. Ao nível das autoridades – políticas, sociais ou de segurança – parece que preferem assobiar para o lado, cantarolando, para disfarçar que isso possa tornar-se um problema público. Alguns preferirão incentivar tais contestações, pois poderão induzir em erro quem considere isso ‘democrático’, na linha particularmente do protesto...mais ou menos agressivo. No tempo das ideologias sabíamos quem representava e, quando protestava, era sobre o quê. Agora torna-se difícil detetar qual a mensagem, dado que o mensageiro se encobre e disfarça e até a própria mensagem precisa de ser desencriptada, tanto na forma como no conteúdo...

 4. Nesta fase pós-pandemia configura-se de grande habilidade saber descortinar o que se quer dizer, dado o emaranhado de comunicações: inúmeros emissores se interferem, numa acintosa provocação e onde os recetores fazem um esforço titânico para entenderem o mínimo e razoável. Quem escutar aqueles jovens driller’s, por entre a sonoridade atabalhoda, não terá tarefa fácil de entender o que eles dizem...até porque usam um linguajar esteriotipado e sincrético... Não fossem os gestos algo agressivos ficaríamos ainda mais apreensivos sobre aquilo que nos tentam comunicar.  

 5. Quando vivemos numa época assaz manipuladora na e pela comunicação – social ou de redes organizadas – não seria mais avisado tentar conter tantas das noticias – quantas vezes quase apresentadas como façanhas – destes grupos contestatários e, em muitos casos, fomentadores da agressividade? Não será de maior valia a paz social do que a notícia fantástica e quase inconsequente daqueles episódios de violência? Mais uma vez será útil e benéfico ponderar para que não se venha a colher tempestades será preferível não ser promotor da sementeira de ventos. Por que custa tanto ser equilibrado e sensato? 

 

António Sílvio Couto

domingo, 21 de novembro de 2021

Proteção de menores

 

É hoje um assunto recorrente, embora seja afunilado para a vertente sexual, este tema da ‘proteção de menores’ ao que, comummente, acrescentam, ‘em risco’, sendo, nalguns casos especificadas as situações. Ora, de entre as mais referidas, há uma que tem sido reportada com maior insistência: ‘os abusos sexuais’, num sentido geral e mais reduzido (corre-se até o risco de ser redutor), ao longo do tempo, nas instâncias da Igreja Católica.
Dada complexidade do assunto tentaremos abordá-lo no sentido descritivo (social, jurídico ou ético) e, no que à Igreja católica se refere, com o recurso às posições oficiais e às incidências mais particulares.

1. CPCJ – comissão de proteção de crianças e jovens: finalidade e ação. Segundo as informações disponíveis, as ‘comissões de proteção de crianças e jovens’ são instituições oficiais não judiciárias com autonomia funcional que visam promover os direitos da criança e do jovem e prevenir ou pôr termo a situações suscetíveis de afetar a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento integral (n.° 1 art.° 12.° da Lei n.° 147/99 de 1 de setembro). As sinalizações da CPCJ envolvem as seguintes situações de perigo: abandono; sob maus tratos físicos, psíquicos ou sexuais; sem cuidados ou afeição adequadas à sua idade; sob atividades ou trabalhos inadequados à sua idade. As sinalizações de perigos podem ser feitas pessoalmente, por escrito ou pelo telefone... O anonimato, segundo as circunstâncias, também vale, muito!

2. Se tivermos em conta alguns dados sociopolíticos corremos o risco de que as crianças e/ou jovens com dificuldades, podem com facilidade ser ‘nacionalizados’, isto é, o pai-Estado apropria-se daqueles que, estando mais ou menos fragilizados, ele assume na gestão das situações. Dizem alguns ‘entendidos’ na matéria que o Estado gasta, por cada criança ou jovem que assume para resolver os problemas à sua maneira, o encargo de mais de mil euros por pessoa, quando paga uns míseros euros de abono de família – no Orçamento de Estado previsto para 2022 era de cinquenta euros/mês, em média… Esta é a justiça social em vigor! Efetivamente a família vale menos do que a aposta nos empregos das instituições… de regeneração!

3. Comissão pontifícia para tutela de menores. Por indicação do Papa Francisco, desde março de 2014, foi estabelecida esta comissão para lidar com o escândalo de abuso sexual de menores, procurando proteger crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja. Tem sido uma autêntica ‘bola de neve’ todo este processo no seio da Igreja católica, com posições firmes e atentas a tudo quanto pode ter sido inadequado, senão mesmo imperdoável, nesta matéria. As diversas dioceses portuguesas puseram em marcha a forma de agilizar esta verificação dos factos, de permitir encontrar os prevaricadores – tenham o estatuto que possam apresentar – e de dar voz às vítimas…tantas vezes ignoradas, silenciadas ou negligenciadas…Tudo isto está em funções, nas vinte e uma dioceses, desde junho de 2020…com técnicos, peritos e especialistas sobre as diversas matérias englobadas neste tema dos abusos sexuais a menores e pessoas fragilizadas.

4. Petição dos ‘241’: ousadia ou provocação? Nas vésperas da mais recente reunião da Conferência Episcopal Portuguesa (meados de novembro), um grupo de 241 personalidades fizeram chegar àquele órgão dos bispos portugueses uma carta-petição para que fosse constituída uma ‘comissão independente’ sobre a matéria, quase fazendo tábua-rasa do já implementado, desde que se possa dizer o que interessa…sabe-se lá a que custo e com que consequências. A CEP foi lesta em dar carta-branca aos peticionários, como que desautorizando as ‘suas’ comissões diocesanas. A CEP ‘democratizou’ facilmente o assunto, permitindo que se possa valorizar mais o abstrato e menos o concreto, isto é, o que possa ser ouvido ao longe (ou ao largo) poderá não precisar de ter o aval daquilo que está mais próximo… Que não haja medo da verdade…correta!

5. Quem defende quem ou quem acusa do quê? Fique claro: as vítimas – de abuso ou de acusação – devem ter a prioridade. De facto, não podemos cometer injustiças com pressas justiceiras. Não podemos ser justos e retos se cometermos ofensas à verdade e à caridade. Que estejamos todos centrados no essencial: as pessoas.

António Sílvio Couto

sábado, 20 de novembro de 2021

Os sonhos são dos pobres


 Numa daquelas frases quase estereotipadas li na legenda de um filme: ‘os sonhos são dos pobres’, como se se quisesse dizer que os pobres acalentam sonhos para sobreviverem na caminhada da vida…enquanto os ricos já terão concretizados tais pretensões, por isso, não as sonham nem as incluem nas expetativas de virem a ser realizadas…

Agora que caminhamos a passos rápidos para o tempo do Natal – época propícia a sonhar ou ao menos a desejar algo mais viável – como que poderemos acalentam sonhos, não de meros pobres, mas de cidadãos em caminho neste tempo e nesta Terra.

1. À boa maneira das crianças, em maré de pedidos de prendas/presentes, poderíamos como que listar alguns dos sonhos que gostaríamos que se pudessem realizar…porque não já neste Natal. Quando vemos que as relações humanas parecem caminhar alicerçadas na crispação, não seria desejável que as pessoas vivessem em respeito mútuo e em diálogo fraterno? Não haverá muito mais uma vivência feita pela reivindicação do que pela construção humilde e participativa naquilo em que somos chamados a estar? Não serviremos mais a contestação azeda do que a moderação inclusiva para com todos? Não dá a impressão que, nalgumas circunstâncias, quase somos atraiçoados pelo desfasamento entre o que queremos e aquilo que, de facto, fazemos? O maior sonho desta nossa condição humana de peregrinos é a arte de saber entretecer o possível com o imaginável e de sabermos articular os anseios individuais com as possibilidades alheias…

2. Colocados sob a suspeita de estarmos a entrar na 5.ª vaga do ‘covid-19’, não seria desejável que nos saibamos respeitar para que os efeitos do vírus se diluam e possamos reaprender a estar uns com os outros? Até onde irá este ambiente do ‘salve-se-quem-puder’, entrando em tensão com as regras mínimas de convivência social e ambiental? Não estaremos, hoje, mais egoístas do que há vinte meses, no início da pandemia? Não dá a impressão de que desaprendemos as mais básicas linhas de educação, se é que as tínhamos adquirido? Efetivamente não teremos evitado tomar as medidas necessárias, enquanto quisemos conduzirmos pelas mais urgentes?

3. O que vivemos nos tempos de pandemia – ainda em curso – não nos fez sair do pesadelo mais atroz de ficarem a nu as nossas ‘certezas’ cheias de lacunas, de erros, de misérias ou de petulâncias irrisórias. Os sonhos desfeitos com as diversas vagas de covid-19 em vez de nos terem amolecido parece que nos enquistaram – senão na teoria ao menos na prática – para connosco mesmos e uns para com os outros: em pequenos sinais podemos perceber que estes vinte meses parece que se tornaram oportunidades perdidas para nos conhecermos melhor, mais a fundo e olhando para o Além. Embora os nossos olhos tenham ficado a descoberto da máscara higiénica, dá a impressão que não temos sabido ver com propriedade tanta da nossa incoerência: não crescemos em humanismo nem em simplicidade, antes pelo contrário fomos alimentando a ilusão de que isto da pandemia não era coisa séria nem exigente… De facto, pelo menos três em cada dez portugueses foram atingidos pelo vírus… em qualquer das suas manifestações!

4. Os sonhos mortos de tantos dos nossos contemporâneos não foram coisa suficiente para questionarmos a nossa ‘vidinha’ (o diminutivo é sarcástico) prenhe de falsas ambições, enfeitada de diversas provocações ou mesmo inventada por imensas ilusões. Pior do que os sonhos dos pobres, é a indigência de tais idílios. Com efeito, o recurso ao jogo rápido e barato para ser rico depressa; os enganos publicitários de facilidade em conseguir tais desejos; a pressa em atingir os intentos sem olhar a meios; os fins conseguidos à custa de pisar tudo e todos; as tentativas em ludibriar até que se descubra a falsidade… são alguns dos itens em que vamos vivendo senão a sonhar pelo menos a efabular. Já o percebemos?

5. Os vendedores de sonhos para tantos dos ‘nossos’ pobres depressa serão descobertos e, quando o forem, cuidem das consequências… sociais, políticas, ético-morais ou religiosas. Quem semeia sonhos…



António Sílvio Couto

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

5.ª vaga da ‘covid-19’ já chegou?

 


Depois de mais de vinte desde o primeiro confinamento, em março de 2020, eis-nos chegado, em meados de novembro de 2021, à 5.ª vaga de ‘covid-19’, com todas as consequências que advirão do reavivar de traumas dos momentos anteriores.

Se quisermos sistemarizar as quatro vagas anteriores podemos encontrar os momentos de manifestação da ‘covid-19’: 1.ª vaga – março a maio de 2020; 2.ª vaga – outubro a dezembro de 2020; 3.ª vaga – janeiro a abril de 2021; 4.ª vaga – julho a setembro deste ano...

Em cada uma destas etapas tivemos números estrondosos de infetados, de internados, de falecidos e também de recuperados... Mas tudo se modificou com a introdução das vacinas, sobretudo, na passagem entre a terceira e a quarta vaga, portanto, já neste ano de 2021.

1. Até à data (meados de novembro) houve em Portugal: 1,11 milhões de casos confirmados, com mais de um milhão de recuperados e ainda 18.283 mortos... à mistura com mais de 15 milhões de doses (as duas) de vacinas administradas e ainda 20 milhões de testes efetuados. Há, no entanto, cerca quarenta e sete mil casos ativos.

2. A forma como as pessoas foram enfrentando este tema da ‘covid-19’ foi evoluindo ao longo do tempo, passando por diversas fases, desde a estupefação, o medo, o terror...o cumprimento das regras mais básicas, como a higienização até à aplicação de medidas restritivas e ao acatamento dos confinamentos, passando ainda pelos testes e os condicionamentos: económico, social, sanitário, religioso... Regra geral temos sido cumpridores das mais díspares deliberações político-alarmistas, numa conjugação quase-bélica, onde não sabemos de onde vem o inimigo, embora todos lhe sintamos os efeitos.

3. O carrocel de medidas – nem sempre bem explicadas ou até corretamente aceites – foi gerando resistência nalguns setores socio-económicos, sobretudo dependentes da presença de público gastador. Turismo, restauração ou espaços de diversões (sobretudo) noturnas foram campos assazmente atingidos à mistura com tentativas de explicação, trazidas à liça por ‘técnicos e peritos’ das áreas da virologia, da epidemiologia, da desinfeção e mesmo de prevenção, tratamento ou dos cuidados de saúde... Produtos atinentes ao combate ao vírus emergiram com força e em quantidades rapidamente consomidas... Temos sabido adaptar-nos às circunstâncias, desde as mais primárias até às mais complexas e quase funestas.

4. Ao nível religioso, depois de algum tempo de confusão e quase-horror, tivemos capacidade de nos aferirmos aos novos desafios, desde os de contenção até aos de adaptação: recursos nunca antes usados foram-se tornados vulgares, desde as missas on-line até às reuniões em zoom, passando mais pela acomodação do que pelo modo de resolver as questões com novos métodos, linguagens ou mesmo orientações...mais claras, sensatas e/ou ousadas. Missas transmitidas pela internet e outros meios digitais não são aquilo a que tentamos recorrer, isto é, o de divulgar o que já fazíamos, mas sem as técnicas próprias de tal comunicação. Foi o que se pode arranjar...

5. Com o eclodir desta 5.ª vaga temos de aprender lições não-colhidas dos momentos anteriores: precisamos de continuar em prevenção e não disfarçando que tudo acabou; precisamos de voltar à normalidade, mas de forma consciente de que o vírus continua a fazer estragos pessoais e sociais; mais do que em desconfiança precisamos de viver na vigilância sobre tudo e para com todos; continuando a usar certos artefatos – higienização das mãos, da máscara e do distanciamento (dito) social – temos ainda um longo caminho a percorrer, sem medo mas com cuidado... Querer queimar etapas já deu para perceber que nos fará voltar à estaca zero ou ao menos ao ponto anterior! Isto não foi um intervalo, é, de verdade, um novo filme!



António Sílvio Couto

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Mudanças ou incongruências?


‘Odiavam ir ao domingo à missa e agora passam horas no yoga. Odiavam abster-se de comer carne na quaresma e agora tornam-se vegans. Odiavam rezar ao Santíssimo Sacramento e agora fazem meditação [transcendental]. Odiavam confessar-se e agora contam as suas misérias a um psicólogo, pagando-lhe’.

Li este texto e considerei que ele retratava – mesmo que de forma simplista – muitos dos ‘nossos’ católicos, que se tornaram fervorosos praticantes de outras ‘religiões’ bem mais atrativas… a seu juízo!

‘Mutatis mutandis’ é como aqueles ‘nossos’ cristãos enfastiados com as homilias e quase avessos a escutarem a Palavra de Deus, em contexto católico, mas que, fascinados pelas testemunhas de jeová, descobrem a Bíblia e tornam-se leitores atentos, estudiosos metódicos e, por vezes, difusores daquilo que, por desconhecerem, desprezavam…

1. Trocar a missa pelo yoga – será algo comparável? – Desde logo estes dois modos de ser e de estar são como que incompatíveis: yoga acentua a centralização no eu – na linha de perceção daquilo que acontece com a pessoa e com o seu corpo – em nítido contraste com a dimensão comunitária fundacional da vivência da missa, isto é, somos muitos (Igreja) unidos pelo mesmo Cristo… Pode haver sessões (com muitas pessoas) de yoga, mas cada um faz o seu percurso, experimenta a sua respiração, mesmo que possa sentir a dos outros…Por seu turno, na missa, mesmo que poucos estamos em condição comunitária, isso mesmo se exprime pela oração do ‘Pai-nosso’, onde cada um reza sempre no plural e não singulariza a sua oração.

2. Mudar para vegetariano? – De alguma forma vemos a incongruência das pessoas quando contestam o jejum como método espiritual e o adotam como atividade estética ou seguindo orientações mais ou menos capciosas da sua mentalização em função de uma tal moda (um tanto aceite e divulgada), isto é, há quem siga o jejum – de aspetos alimentares – como regime e não como sistema de mudança de vida. De facto, há pessoas que se adaptam momentaneamente mas não mudam intrinsecamente…Mais cedo do que tarde voltarão ao ponto de partida, até porque as etapas custam mais do que os resultados.

3. Rezar o quê, a quem e como? – Nas palavras citadas faz-se uma contraposição entre a adoração eucarística e a meditação influenciada por outras propostas religiosas. Como se fossem comparáveis ou mesmo tivessem o mesmo valor…Com efeito, a grande questão é a necessidade de ter tempo de oração, tendencialmente diário. Ora isso falta à maioria das pessoas, que vivem flutuando sem terem tempo de se encontrarem consigo mesmas e tão pouco de darem espaço à escuta de Deus. É essencial que tenhamos tempo e vivência de nos encontrarmos no ‘sacrário do nosso coração’ – como tão belamente se referiu o Concílio Vaticano II, na Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a Igreja no mundo atual, n.º 16. Na medida em que lermos, meditarmos e rezarmos a partir da Sagrada Escritura teremos algo mais do que comprazimentos de aferição em autoestima…A Palavra de Deus converte, sempre!

4. Reconhecer-se pecador diante de quem? – A crise da confissão é muito mais do que confusão de fé, é, sobretudo, alienação de quem se considera impecável (sem pecado), insensível (às faltas alheias) e, tantas vezes, intratável, dado que não se reconhece nas suas falhas, antes se exalta no seu orgulho e inventa desculpas para não ser normal, isto é, com qualidades e defeitos, com erros e falhas, com virtudes e pecados. Aquilo que é de graça – sem custo e dado por misericórdia – na celebração da confissão sacramental foi dando lugar a umas sessões terapêuticas – pessoais ou em grupo – pagas a bom preço e, quantas vezes, despudoradamente lesivas da dignidade da pessoa humana. Cada um saberá escolher o que mais lhe agrade ou onde se sinta respeitado e respeitador…


= Estes aspetos poderão ser úteis desenvolver com mais simplicidade e exigência…cristãmente em Igreja!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Ridículo e ridicularização…

 


Recordo do meu tempo de estudante que um professor nos ditou para o exame a seguinte questão: ‘evidência e evidenciação na teoria do conhecimento’…e, por duas horas rigidamente contadas, tivemos de dedilhar os conhecimentos, as teses, os resumos e as múltiplas conjugações da matéria estudada…
Seguindo o método neotomista, antes de mais, tínhamos de fazer uma exigente definição dos termos para não estarmos a falar de coisas diversas usando idênticas palavras.
Atendendo a esta aprendizagem vamos tentar conjugar os termos filosóficos com as palavras que servem de título a este texto. Será o ‘ridículo’ uma evidência e a ‘ridicularização’ uma evidenciação? Não será o binómio ‘evidência-ridículo’ uma visão demasiado evidente e onde poderemos fazer uma leitura da realidade dos nossos dias? Por seu turno, o paralelo ‘ridicularização-evidenciação’ poderá ser explicativo de tantas subtilezas ainda não compreendidas?

1. Se as coisas televisionadas podem representar – pelo simbolismo ou pela valorização dada – algo da nossa vida, então, somos tentados a conjeturar que o ridículo está em ponto-de-rebuçado, pois vemo-lo desde as notícias até aos programas de entretenimento, passando pelas telenovelas ou mesmo pelos debates. Em múltiplas situações só pelo ridículo se compreende que se gastem horas a falar de assuntos inúteis – veja-se as tricas do futebol e de alguns clubes em particular – e com tal veemência que os mais incautos podem ser ludibriados pelas questões… O valor das matérias em discussão não se mede pelo tempo ocupado, mas pela importância para a vida de quem possa escutar ou estar interessado no assunto…

2. A vertente da ridicularização também é servida a rodos nas conversas, nas ‘comunicações’ das (ditas) redes sociais ou nos espaços de influência sucedâneos das conversas de café... O léxico português tem alguma variedade de palavras para exprimir esta nossa apetência – quase congénita – para fazermos do falar-da-vida-dos-outros um assunto de ocupação do tempo. Quem não identifica bisbilhotice como essa intromissão na vida alheia, recorrendo ao dizer-mal-dos-outros como tema? Noutros lugares usa-se calhandrice, mexeriquice, fofoquice… Há ainda termos regionais para se referir a esta atitude de intromissão, por menos boas (ou más) razões na vida-dos-outros: ‘cabaneira’, termo minhoto que significa alcoviteira e que, à porta da sua casa (cabana), se entretinha a falar da vida alheia…certamente denegrindo quem era falado… Também a palavra ‘sendeiro’, no significado no masculino de trapaceiro e troca-tintas ou que usa o que sabe para entalar os outros, tentando sobressair-se sobre os demais…Que dizer ainda de ‘trampolineiro’ como vigarista ou de fazer muito ‘basqueiro’, como sendo uma forma de armar barulho para confundir as ideias de quem não entende o nosso linguajar? Riqueza não falta. Entendimento, precisa-se!

3. Ora, nos tempos que decorrem, temos de estar atentos ao alcance das palavras, dos gestos e dos sinais daqueles/as com quem comunicamos. Com efeito, se houver desfasamento entre emissor e recetor, a mensagem pode não ser descodificada. Efetivamente, muita da comunicação em curso usa de razoáveis artimanhas, numa tentativa de manipular quem possa estar à escuta: com que habilidade vemos alguns dos comunicadores – em certas situações usando de imagens subliminares (breves, fugidias e quase impercetíveis) – ardilosamente a aparecerem com trejeitos de quem não sabe o que dizer, mas que encobre com artifícios bem montados para distraírem do essencial, fixando-se no secundário e/ou acessório, mas que os intermediários (os vários órgãos de comunicação) se encarregarão de sublinhar, embora o importante possa ficar sem ser visto, dito ou mostrado…A isto não se poderá chamar ridicularização do ridículo?

4. Numa avaliação de alguns momentos recentes da nossa vida coletiva como que poderemos considerar uma ridicularização quase sem ridículo, tais como as derrotas do mundo do futebol – da seleção ou dos clubes mais representativos – ou ainda dos insucessos inesperados de outros setores ou de ações (militares ou outras) que já nos deram grande ostentação. Não será que ainda não percebemos que a exceção não faz a regra e que esta nem sempre se conjuga com sucesso sem trabalho… Só no dicionário tal se antecede!

António Sílvio Couto

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

‘241’: sangue e escândalo?

 


Começo, hoje, pelo fim neste texto: dão-me nojo, sinto vergonha, onde estiverem quererei estar longe, se forem atendidos mereceremos fechar...ao menos para balanço sério, sereno e santo.

Foi noticiado que um grupo de ‘católicos’ (241) fez chegar à Conferência Episcopal Portuguesa, reunida esta semana, em Fátima, uma pretensão sobre aquilo que, eles mesmos classificaram, de ‘investigação independente sobre os crimes de abuso sexual na Igreja’.

O assunto foi bem divulgado, desde a comunicação social – ávida de sangue e de acusação contra tudo que cheire a Igreja...católica – até às instâncias de proximidade aos bispos, com a temorização em correio eletrónico a cada um...aliando o resto às pretensões de deixar marca pela negativa.

1. Daquilo que nos foi dado conhecer surgem nessa lista de indignados – talvez considerem que os números apurados não se adequam às suas pretensões combativas – aparecem ‘figuras, figurinhas e figurões’, que se dizem (mais ou menos) em comunhão católica: professores da UCP, alguns padres, um deputado (trotskista e bajulado nalguns setores quando se trata de temas contra a vida), responsáveis que foram de serviços sociais da Igreja de âmbito nacional (bem pagos e suficientemente promovidos), sindicalistas marxisto-catolicizantes (deambulando no seu esquerdismo neo-capitalista) , dirigentes de movimentos anarco-cristãos (num operariado sem expressão nem trabalho), jornaleiros do anti-religioso...à mistura (pretensos) considerados juristas ou fabricantes de ideias, procedentes da vida médica ou mesmo (apelidados) artistas...

Segundo as pretensões é manifestado que haja uma «investigação nacional rigorosa, abrangente e verdadeiramente independente, com o arco temporal de 50 anos, a cargo de uma comissão de peritos constituída exclusivamente por leigos católicos, por não crentes, por profissionais das ciências sociais e da justiça, cuja autonomia e independência sejam absolutamente inquestionáveis, ainda que possa, eventualmente, ser assessorada por algum elemento do clero». Será que amam a Igreja ou pretendem afundá-la com as suas ‘verdades’ mais ou menos preconceituosas?

2. Mesmo que de forma desprenciosa parece que esta vaga de acusações pretende ser mais dogmática do que a doutrina assim considerada, pois não reconhecem ‘autoridade’ às comissões diocesanas, entretanto constituídas, e querem instigar à denúncia quem tenha meros indícios. Não estaremos sob uma ‘nova inquisição’ populista, laicista – alguns daqueles 241 parecem ter afinidades à maçonaria e a quejandos marxistas – e anti-católica primária?

Recordo aqui uma conversa particular com Catalina Pestana – antiga provedora da Casa Pia e membro de uma comissão sobre o assunto, já falecida – quando lhe dei a entender que poderia haver situações nalgum setor do clero, ela referiu que lhe dissesse nomes, ao que ripostei, não sou bufo nem posso denunciar coisas abstratas e sob sigilo profissional... investiguem e averiguem... Não encontraram ninguém!

3. Pela minha parte considero algo surrealista que, estando nós em caminho sinodal, nos venham precisamente agora distrair com questões nem sempre tão graves como noutros países... Pelo que vi em doze anos de seminário – entre 1969 e 1983 – e padre desde há trinta e oito anos considero que nunca por nunca percebi essas nebluosas sombras que a tantos afligem. Talvez tenha sido negligência da minha parte ou aquilo que pintam ultrapassa a linha do razoável. Não haverá fantasmas que não passam de projeções das mentes e das psicologias de tantos dos novos inquisidores? Se têm dados porque não os apresentam? Ficariam ‘bem cotados’ na esfera dos combatentes a esta – inquestionável e malfadada – podridão da Igreja... ontem como hoje!

4. Atribui-se ao Papa Bento XVI a frase de que muitos que sairam da Igreja nem sairam, pois não tinham chegado a entrar... Não estarão neste role alguns dos 241 manifestantes?

António Sílvio Couto

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Magusto: carnaval do outono?

 


Por estes dias – entre a festa de São Simão e São Judas (28 de outubro) e a festa de São Martinho (11 de novembro), sem esquecer a data de Todos-os-Santos (1 de novembro) – é costume fazer-se o magusto, a que se associa uma fogueira com castanhas assadas…numa vivência festiva de confraternização entre os participantes.
Colocamos algumas perguntas que podem ser feitas ou que seriam úteis para quem deseja tentar discernir o significado das coisas, tanto no sentido humano como religioso. Haverá alguma relação entre as festividades do magusto – fixado na celebração do São Martinho – e o Natal? Poderemos fazer alguma correlação entre as ‘brincadeiras’ do magusto – onde alguns se enfarruscavam, disfarçando-se – e as máscaras de carnaval? Poderemos situar alguma semelhança entre o festejar do carnaval para viver a quaresma e a celebração do magusto/S. Martinho com o tempo de Advento, que prepara a vivência do Natal?

1. Contemos o tempo que medeia entre o São Martinho (1 de novembro) e o Natal (25 de dezembro): são quarenta e quatro dias. Se verificarmos também ocorrem quarenta e seis dias entre o carnaval e a Páscoa, daí o termo ‘quaresma’, relacionado com quarenta… Será mera coincidência?

2. Parece que, tal como antes da quaresma, isto é, no carnaval (intervalo para carne) se aliviou o jejum para vivê-lo com maior intensidade no período quaresmal, também se faz o mesmo para viver a preparação do Natal em Advento, se bem que este esteja reduzido, liturgicamente, a umas míseras semanas… Claro que podemos estar a falar, quanto à preparação natalícias, num contexto monacal e não numa vivência popular e, sobretudo, popularizada.
Diz-se nas decisões do primeiro Concílio de Mâcon (581-583): «Desde as férias de São Martinho até ao Natal do Senhor, deve jejuar-se nas segundas, quartas e sextas-feiras e nos sábados e celebrar-se, por ordem, os sacrifícios quaresmais» (Antologia litúrgica, Fátima, Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, n.º 5191).

3. Se usássemos uma argumentação algo fundamentalista poderíamos considerar que, à semelhança do que acontece com o carnaval, vivemos mais a preparação do que aquilo que é central, isto é, usufruímos da festa, mas não entramos no jejum, vivemos o que prepara e não participamos na verdadeira preparação. Também aqui, na ‘celebração’ do magusto estamos mais sintonizados com o convívio – humano e salutar depois dos constrangimentos recentes da pandemia – do que com a autêntica preparação do Natal, esse sim central e essencial.

4. Magustamente falando devemos vivê-lo até como festa marcadamente portuguesa, dando-lhe o verdadeiro sentido de partilha, de convívio entre as pessoas, de alegria e mesmo de atenção aos outros. Tudo isto podemos e devemos fazer, sem esquecermos a dinâmica de preparação para a celebração do Natal, onde o centro não são as coisas – simbolizadas mais nas prendas do que nos presentes – mas o verdadeiro festejado, Jesus, verbo encarnado.

5. Embora seja assaz conhecida deixamos a lenda de São Martinho…como provocação às nossas preocupações tão mundanas. Certo dia, um soldado romano de nome Martinho, estava a caminho da sua terra natal. O tempo estava muito frio e Martinho encontrou um mendigo, que lhe pediu esmola. Martinho, não tendo outra coisa para dar, rasgou a sua capa em duas metades e deu uma parte ao mendigo. Nessa noite apareceu-lhe Jesus, agradecendo o gesto... Coisa acrescentada diz ainda que, quando Martinho deu parte da capa ao mendigo, de repente o frio parou e o sol apareceu... Acredita-se que esta mudança no estado do tempo tenha sido a recompensa por Martinho ter sido generoso para com o mendigo…

Façamos festa sem perder o horizonte da caminhada…nossa e dos outros!

António Sílvio Couto

domingo, 7 de novembro de 2021

Rotulagem inadequada (direita – esquerda)

 


É comum ouvirmos, na linguagem política, esta distinção: direita – esquerda… num antagonismo quase esquizofrénico, sobretudo, em certos momentos de exacerbação do debate, como este que estamos a viver, por agora.

- De onde vem e qual é o real significado desta oposição: direita-esquerda? Será ainda adequada? Que valores ou critérios servem para que se continue a usar esta denominação? Haverá ‘pureza’ de terminologia e, sobretudo, de comportamentos em cada setor? Estes contraditórios serão assim tão díspares e inconciliáveis? Como entender, então, que disputem quase sempre um eleitorado algo cinzento e tão volúvel?

- Que dizer de uns tantos, autoapelidados de ‘esquerda’ que se pavoneiam em carrões de capitalistas? Como entender a visão de (dita) esquerda em que certas autarquias compram veículos por milhares de euros? Isso não os constrangerá, minimamente, perante os ‘trabalhadores’ de quem se dizem representantes e lídimos eleitos? Como entender um tal capitalismo de estado (social ou socialista), em que situações de miséria grassam entre os seus inócuos ou fiduciários votantes? Como poderá a ‘esquerda’ distribuir favores e subsídios se não sabe, desgraçadamente, gerar riqueza? A ‘direita’ será toda assim tão capitalista e insensível aos pobres a quem dá emprego e tenta pagar, justamente, os salários?

1. Vejamos como se podem definir – apelidar, acusar ou rotular – os mentores, adeptos e seguidores de ‘direita’ e de ‘esquerda’ e quais as matérias de que se servem para tal distinção. Daquilo que conseguimos aferir sobre o tema podemos considerar que os termos ‘esquerda’ e ‘direita’ apareceram durante a Revolução Francesa, em 1789, e o subsequente Império de Napoleão Bonaparte, quando os membros da Assembleia Nacional se dividiam em partidários do rei à direita do presidente e simpatizantes da revolução à sua esquerda.
No contexto do tempo da ‘guerra fria’ – confronto simbolizado entre os EUA e a URSS – podemos encontrar quatro dimensões – política, económica, religiosa e temporalidade – que mais definem os elementos da divisão ideológica entre ‘esquerda’ e ‘direita’. Como traços periféricos da divisão entre direita e esquerda temos ainda: para o primeiro o setor político, o passado, o status quo, a livre empresa e os EUA; para a segunda a orientação ideológica, o futuro, a mudança, a intervenção do Estado na economia e a URSS. A direita será mais conservadora e mais contínua nas suas ideias, enquanto a esquerda parece conviver um tanto melhor com a descontinuidade.
Após a queda do muro de Berlim, em 1989, os partidos de ‘direita’ e de ‘esquerda’ sofreram mutações conceptuais. O que era bastante claro num mundo polarizado – de um lado o modelo liberal/democrático/capitalista americano, e do outro o modelo social/autoritário/comunista soviético – passou a ficar confuso após a ‘queda do muro’ e do fim da União Soviética. Muitos ditos de ‘esquerda’ migraram para concepções mais democráticas e progressistas, enquanto outros ditos ‘direita’ começaram a ser identificados como pessoas mais reacionárias. A verdade é que os rótulos ‘direita/esquerda’ já são muito limitados para definir a diversidade política do século XXI, sendo talvez mais interessante a abrangência do discurso, definindo-se de forma mais clara a concepção política de cada um…

2. Perante este percurso histórico-ideológico parece confrangedor o espetro dos partidos em Portugal e das tentativas de se qualificarem sem classificação. Usam-se chavões desadequados da evolução social e tecnológica. Pretende-se dar a entender que questiúnculas como o ‘estado social’, problemas de saúde ou casos de educação/instrução… se resolvem pelas pretensões ideológicas quase medievalescas, como se a saúde das pessoas tivesse ascendente de melhor trato se praticada só nos hospitais públicos, por sinal em menor número do que os outros; as escolas não-públicas fossem de menor qualidade, por sinal classificadas melhor no ranking geral; o ‘estado social’ terá de manter e suportar subsidio-dependentes ‘profissionais’?

3. As tomadas de posição do Papa João Paulo II revestiram-se de grande significado: umas vezes era progressista de esquerda, quando intervinha nas questões laborais e sociais; outras era conservador de direita, quando abordava temas de índole moral, como a vida… Afinal, poder-se-á ser lido conforme as perspetivas de quem vê, lê ou ouve? Coerência, a quanto obrigas, ontem como hoje!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

... Em razão das circunstâncias



O título completo deste nosso fraseado é: será verdade, em razão das circunstâncias?

Isso mesmo queremos referir a diversas situações, tanto mais alargadas, quanto aquilo que nos pode tocar de mais próximo: factos e situações, episódios ou acontecimentos, figuras e personagens, pessoas ou associações, casos e conjeturas, perspetivas ou opiniões...

1. Será verdade, em razão das circunstâncias, que corremos um sério risco de colapsar, como dizem lá na cimeira de Glasgow, na Escócia? Esta COP26, a decorrer de 1 a 12 deste mês, pretende atalhar sobre vários perigos quanto ao futuro do Planeta Terra. Dá a impressão que todos estão conscientes sobre as alterações climáticas... a muito curto prazo. Em razão das circunstâncias chegou a hora de decidir de verdade!

2. Será verdade, em razão das circunstâncias, que o nosso país caminha para a ingovernabilidade, seja qual for o resultado das eleições antecipadas, dentro de mais ou menos dois meses? Talvez tenhamos de questionar, de verdade, aqueles que fizeram desenvocar esta crise numa confusão ainda mais atroz. Não é que estivéssemos bem, mas o que se perfila no horizonte, em razão das circunstâncias, parece ainda mais radical nos fundamentos e nas possíveis consequências... O voto é a arma do povo!

3. Será verdade, em razão das circunstâncias, que os fazedores da comunicação social – seja qual qual for a sua expressão ou dimensão – se tornaram mais jornaleiros (do poder e dos seus tentáculos) do que jornalistas (isentos, sagazes e capazes)? De facto, temos vindo a assistir a uma tal corrente de orientação de que, quem escreve – dizer ou publicar é consequência do pensamento, da escrita e na responsabilidade de ambas – tem de difundir ‘boas histórias’ (estórias), mesmo que os factos e as narrativas possam ser ofuscados, isto é, os (pretensos) jornalistas não correrão o risco, em razão das circunstâncias, de se tornarem croniqueiros de efabulações ao sabor de quem faz, paga e/ou vende, lê/vê/ouve... A mentira costuma ter perna curta!

4. Será verdade, em razão das circunstâncias, que, por ocasião da transferência de poder nalgumas autarquias houve mais má-fé do que colaboração, deixando o terreno minado e lançando confusão num futuro próximo? Pelo que se foi conhecendo houve situações dignas de países do terceiro mundo, desde limpar todas as ofertas às instituições como se fossem aduzidos aos ocupantes dos cargos até à mistura das chaves para atrapalhar as funções, passando ainda pelo esvaziamento dos cofres com subsídios, benesses e favores a destempo... Percebe-se que há gente com mau perder, mas o futuro se encarregará, em razão das circunstâncias, de julgar os mentores, fautores e executores!

5. Será verdade, em razão das circunstâncias, que se começa a notar nalguns espaços eclesiais um certo estrebuchar contra a proposta do Sínodo dos Bispos, na medida em que o chamamento à participação de todos – muito mais do que só dos clérigos – obriga a novos critérios e à mudança de hábitos? Num tempo que se deseja de participação de todos, deixar-se ficar para trás ou ser colocado à margem seriam duas atitudes pouco aceitáveis e muito menos recomendáveis. Precisamos de aprender a caminhar juntos, dando cada um o seu contributo e acolhendo as aportações dos outros. Em razão das circunstâncias todos temos algo a aprender e minimamente um pouco a dar...

6. Será verdade, em razão das circunstâncias, que virá, em breve uma nova vaga de covid, com todas as consequências, anteriormente, vivenciadas? A medo se fala da possibilidade, dizendo as conjeturas que poderemos atingir milhar e meio de infetados por dia. Em razão das circunstâncias já deveríamos ter aprendido as lições. Que falta para que seja mais humildes e honestos uns para com os outros?

António Sílvio Couto






terça-feira, 2 de novembro de 2021

Significado de ‘rezar pelos defuntos’


 «Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos, oferecendo sufrágios em seu favor, particularmente o Sacrifício eucarístico para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também a esmola, as indulgências e as obras de penitência a favor dos defuntos:


«Socorramo-los e façamos comemoração deles. Se os filhos de Job foram purificados pelo sacrifício do seu pai por que duvidar de que as nossas oferendas pelos defuntos lhes levam alguma consolação? […] Não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer por eles as nossas orações» (Catecismo da Igreja Católica, 1032).

Estamos a viver comunitariamente este tempo de oração pelos defuntos, nisso a que a Igreja chama de dia ‘dos fiéis defuntos’, rezando conjuntamente por todos quantos partiram deste mundo e ‘dormem agora o sono da paz’.

Apesar de nem todos darmos o mesmo significado a este dia e estando em atitude de oração pelos defuntos, vamos abordar a questão em três níveis: humano-afetivo, eclesiológico-litúrgico e escatológico.

1. Na dimensão humano-afetiva

É natural que eu tenha recordação, saudade – neste termo tão português e quase cristão – e tristeza para com alguém que faleceu e a quem eu estava unido por razões de consanguinidade, parentesco, afinidade psicológica (amizade ou laços sociais) e mesmo em razão da fé.

Cada um poderá ter a sua forma pessoal, de grupo e/ou social de exprimir essa ligação/recordação a quem partiu. Se há quem o faça de forma discreta, outros tornam-se mais exuberantes nessa expressão afetivo-emocional. Por vezes certos rituais podem exprimir o modo de entendermos a vida e aquilo que se dará depois da morte. Sem desejarmos distrair do essencial poderíamos recordar um diálogo entre pessoas de culturas diferentes ao observarem os gestos de outros…para com os defuntos. A um que via outro colocar arroz sobre a sepultura, disse: esperas que o teu morto venha comer do teu arroz? Ao que o visado ripostou: e tu pensas que ele vem cheirar as tuas flores?

Mais do que estes ritos ‘culturais’ quase etnográficos, será perigoso o caminho por onde vamos: o esquecimento e quase total abandono da lembrança dos mortos por aqueles que receberam ‘educação’ em vida… Esta privatização da morte vai trazer-nos consequências graves, profundas e nefastas…

2. Na perspetiva eclesiológica-litúrgica

Inseridos na vivência de Igreja – referimos sobretudo na dimensão católica – recordamos, rezamos e intercedemos pelos que partiram ‘antes de nós marcados com o sinal da fé’.

Respigamos, agora, momentos de oração pelos defuntos nas quatro orações eucarísticas mais usadas:
* Oração eucarística I ou cânone romano
Lembrai-vos, ó Pai, dos vossos filhos e filhas N. N. que partiram desta vida, marcados com o sinal da fé. A eles, e a todos os que adormeceram no Cristo, concedei a felicidade, a luz e a paz. Por Cristo, Senhor nosso.
* Na oração eucarística II
- ‘Missa pelos defuntos’: Lembrai-vos do vosso servo/a N., que (hoje) a quem chamastes para Vós. Configurado com Cristo na morte, com Cristo tome parte na ressurreição
Lembrai-vos também dos (outros) nossos irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição e de todos aqueles que na vossa misericórdia partiram deste mundo: admiti-os na luz da vossa presença.
* Na oração eucarística III
- ‘Na missa pelos defuntos’: Lembrai-vos do vosso servo (da vossa serva) N., que (hoje) chamastes para Vós: configurado/a com Cristo na morte, com Cristo tome parte na ressurreição, quando Ele vier ressuscitar os mortos e transformar o nosso corpo mortal à imagem do seu corpo glorioso.
Lembrai-Vos também dos nossos irmãos defuntos e de todos os que morreram na vossa amizade. Acolhei-os com bondade no vosso reino onde também nós esperamos ser recebidos, para vivermos com eles eternamente na vossa glória, quando enxugardes todas as lágrimas dos nossos olhos; e, vendo-Vos tal como sois, Senhor nosso Deus, seremos para sempre semelhantes a Vós e cantaremos sem fim os vossos louvores, por Jesus Cristo nosso Senhor.
* Na oração eucarística IV
Lembrai-Vos também dos nossos irmãos que adormeceram na paz de Cristo e de todos os defuntos cuja fé só vós conhecestes.
Estes exemplos em ritmo orante, fazem com que nos sintamos unidos aos que, pela fé e na fé, celebraram connosco e nós, agora, na transmutabilidade de condição corporal queremos associar-nos a eles, quando ainda estamos em condição terrena…

3. Referência escatológica
Nada daquilo que podemos propor e de viver, na linha de uma autêntica fé católica, se pode dissociar deste aspeto de relacionamento com os defuntos em que apontamos para a vivência escatológica, isto é, daquilo que haveremos de viver na condição de glorificados: nós vivemos ainda em circunstância terrena, eles já viram Deus face-a-face.
De facto, a nossa liturgia celebrada aponta para algo mais transcendente: ensaiamos em condição terrena aquilo para o qual aponta a nossa fé. Rezar pelos defuntos é, então, algo mais do que metafísico, é, essencialmente, transformador da nossa vivência em assembleia orante, celebrante ou peregrina: é, em mistério, força de vida que suporta a nossa condição de Igreja.
Como dizemos na aclamação após a consagração: ‘anunciámos, Senhor, a vossa morte, proclamámos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus’!
Queira Deus que sejamos dignos de quantos nos precederam na fé e no testemunho… esses que, agora, são defuntos, não como mortos, mas como orientadores da nossa caminhada, tanto na força que nos dão como na correção que merecemos…

António Sílvio Couto