Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Recordações e resoluções


Uma e outra palavra envolvem o passado (2018) e o futuro (2019), numa tentativa de recordar à mistura com o modo de perspetivar o devir.

Quanto às recordações há as que foram boas e agradáveis, bem como tantas outras com repercussão negativa e ainda com incidências pouco positivas… a curto e a médio prazo. Cada um poderá fazer a sua lista de recordações de 2018, tendo em conta as suas referências, interesses e até facetas de participação.

Houve momentos marcantes da nossa história coletiva: a libertação das crianças tailandesas da gruta inundada, a onda de calor que assolou a Europa (e não só) no verão, as eleições presidenciais no Brasil, a revolta dos coletes amarelos em França… figuras que desapareceram e tendências ideológicas que se foram mantendo ou aferindo segundo as escolhas dos eleitores – isto ao nível internacional.

No espaço português podemos ver e analisar: as agressões a jogadores de futebol, o campeonato do mundo na Rússia, a recuperação da economia, as greves (mais de quinhentas) dos mais diversos setores de atividade, os desaparecimentos de políticos, artistas e mesmo figuras da vida literária…à mistura com tendências de não-mudança na segurança e nas vias de comunicação (cerca de meio milhar de mortos), nas questões de educação, de saúde e mesmo de transportes…

Algo aconteceu em 2018 que não era tão visto nem assumido: a importância dada às ‘falsas notícias’ (fake news): as manobras de desinformação são cada vez mais notadas e, sobretudo através da internet, as redes sociais e alguma comunicação, fazem uma propagação do boato, da notícia que parece verdadeira mas está inquinada de mentiras… A sacrossanta verdade dalgum jornalismo começou a ser posta em questão, pois não se sabe bem quem diz, o que noticia e, particularmente, a quem serve… Por alguma razão a mensagem papal para o dia mundial da paz de 2018 foi sobre as falsas notícias, que, recorrentemente, surgem e se propagam mesmo na Igreja.

Outro aspeto a ter em conta na história do ano que está prestes a terminar é o da ‘idolatria’ dos animais, com discussões acesas e controversas com tomadas de posição fundamentalista por certos setores sociais e políticos, chegando-se ao cúmulo de um só deputado catapultar mais atenção do que o resto dos parlamentares com as suas iniciativas e posicionamentos…alguns deles a roçar o ridículo senão não mesmo o irracional… A poeira há de assentar e o essencial voltará a ter o valor que deve. 

= Que esperar de 2019?

Desde logo que seja mais sereno e pacífico, por dentro e por fora, sejam quais forem os intervenientes. O pretenso ‘sucesso económico’ talvez venha a abrir fissuras e será preciso falar verdade, mesmo que isso possa valer a perda de votos.

Será preciso que não nos continuemos a fiar na bolha do turismo, pois bastará um pequeno abalo – de segurança, de consolidação das terras ou mesmo de recursos económicos – para vermos fugir para outras paragens os fascinados turistas que nos invadem… já foi assim noutros lugares, quando algo fez mudar de destino.

Perante a acomodação de tanta gente à pretensa paz social, será de ter em conta que os recursos estatais não são incomensuráveis e que algo pode fazer perigar os meios de manutenção dos ordenados e mesmo dos empregos. Embora de forma ténue já vemos os primeiros indícios de que há famílias com dificuldades para suportarem as despesas da casa, começando por cortar na assunção do pagamento das rendas, depois virá a eletricidade, a água… e chegará à alimentação. No terreno há sinais preocupantes… Quem tudo prometeu poderá não ser capaz de cumprir!

Será de ter conta ainda que as reivindicações mais recentes poderão criar engulhos na máquina dos votos, pois teremos, por parte de alguns setores, o esticar da corda que talvez não aguente todas as pretensões… mesmo que legítimas e necessárias. Àqueles que tudo prometem e depois não cumprem será preciso lembrar que já vimos esse filme, pagando a fatura sempre os mesmos, isto é, os que vivem dos recursos do seu trabalho.

Que 2019 seja um ano de paz, de verdade, de justiça, de fraternidade e de solidariedade para todos!    

 

António Sílvio Couto


quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Critérios para a paz…


Por entre a turbulência de transição de ano (civil) vamo-nos preparando para acolher o novo ano. Através da mensagem do Papa Francisco para o dia mundial da paz – intitulado: ‘a boa política ao serviço da paz’ – podemos (e devemos) rececionar os desafios ao nosso compromisso de participação nesta tarefa de fazer e de viver a paz.

«A paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:

– a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e cultivando «um pouco de doçura para consigo mesmo», a fim de oferecer «um pouco de doçura aos outros»;

– a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado…, tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo;

– a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro».

Este excerto da mensagem papal coloca-nos (ou deve colocar-nos) questões mais profundas do que as ramificações mais ou menos ideologizadas de entender e de viver os problemas.

Tentemos questionar-nos sobre o nosso itinerário para a paz, nessa linguagem de interdependência em que estamos continuamente envolvidos, mesmo sem nos darmos conta:

* A paz consigo mesmo – de facto será quase impossível fazer ou viver a paz se esta não estiver adquirida e não meramente pressuposta. Efetivamente não será com recursos exotéricos – reikis ou yogas, espiritualidades ou sessões de terapia duvidosa – que as pessoas irão conquistar a paz e tão pouco a imporão aos outros como placebo anódino. A paz consigo mesmo vem (ou virá) dum coração perdoado e curado pela graça divina e não por trejeitos duns tantos sobre outros mais fragilizados. Há muitas pessoas que não se amam a si mesmas nem se perdoam, mesmo que os seus erros – na linguagem católica, pecados – possam ter deixado consequências sobre a própria pessoa e os outros, particularmente, os mais próximos…O perdão a si mesmo recupera e dá nova força de vida no presente, sobre o passado e para o futuro!  

* A paz com o outro – esta outra vertente do dom da paz não se esgota em atos de mera cosmética, mas tem de ir ao fundo das questões, vendo o outro como irmão e não como adversário e tão-pouco como inimigo. Há situações em que a não-paz com o outro decorre de mal-entendidos, de interpretações abusivas, de feridas não-resolvidas…nalguns casos na memória do relacionamento entre as famílias. A purificação da memória para viver em paz com o outro exige mais do que boas intenções ou meras palavras de intencionalidade para que outros façam o que nos compete. A paz com o outro pressupõe humildade em que não quer continuar a ser vencedor, mas a aprender a perder para que valores mais significativos se imponham…Enquanto a paz não for prioridade da nossa vida corremos o risco de continuar a enganar-nos com religião e não com vida sincera e aprendida no perdão de mãos dadas a todos, sobretudo a quem nos possa ter ofendido!  

* A paz com a criação – para além duma qualquer cosmogonia panteísta precisamos de ver, sentir e atuar no entendimento da criação como rosto da beleza de Deus…muito para além o que vemos e daquilo que sabemos ou pensamos saber. Muito para além da ‘mãe-terra’ necessitamos de considerar-nos incluídos na obra da criação de Deus, onde todos e cada um dos seus elementos nos falam de Deus e através deles nos configuramos com simplicidade e gratidão. Como cidadãos da cidade terrestre temos de cuidar da ‘casa-comum’ que Deus nos concedeu habitar, estando atentos às circunstâncias que fazem perigar – a curto e/ou a médio prazo – o ambiente de todos e para todos.

Diz-se com alguma razão: Deus perdoa sempre, o homem perdoa às vezes, a natureza nunca perdoa, isto é, as interferências na natureza pagar-se-ão muito caras, sobretudo quando abusamos no seu usufruto e na ultrapassagem da sua exploração.

A paz tem critérios. Será que os queremos seguir?

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

‘Ano Novo’: festa pagã ou cristã?


Com o afastamento progressivo dos valores cristãos – fraternidade, partilha, solidariedade e igualdade (a ordem não está trocada) – vemos tantas pessoas cultivarem no Natal, durante e depois dele – como que urge fazer um sério e exigente exame de consciência, questionando-se e interrogando os outros...sobre o sentido destas ‘festas’ e de quem é, de facto, festejado.
Retinindo ainda nos nossos ouvidos os festejos natalícios, entramos com alguma sofreguidão na ‘passagem d’ano’, atendendo ao que isso envolve pessoal, familiar e socialmente.
Nalgumas mentes e, sobretudo, em tantos dos comportamentos, dá a impressão que se pretende exorcizar, dentro e fora, as vivências dum ano vivido... Disso vemos alguns resquícios de paganismo, não vivendo numa linha de sequência o tempo, mas tentando romper com o passado... como se este não nos tenha algo a ensinar para o presente e em relação ao futuro.
Por outro lado, as expetativas lançadas para com o futuro parece que envolvem algo de supersticioso e não tão cristão como seria desejável, pois se lança uma visão do futuro muito egoísta e individualista e não numa abertura à Providência, que cuida e acolhe quem somos, o que vivemos e para onde caminhamos.
Certos festejos de ‘passagem d’ano’ roçam mais um certo paganismo de critérios e de valores do que dum sentido cristão da vida e de quanto nela acontece ou virá a acontecer. Inclusive os cumprimentos e augúrios de ‘bom ano’ sofrem duma atroz cumplicidade com as coisas sem Deus do que permitindo que Ele nos conduza e guie...
Alguns ‘rituais’ de passagem d’ano cristalizaram uma tendência em que se fizer duma determinada forma isso dá-me sorte, mas porque não tem dado, se cumpro os ditos costumes? Não será porque não ouso mudar – permitindo que Deus seja incluído – que não vejo a dita sorte na viragem de cada ano?

Respigamos algumas reflexões/orientações do ‘Diretório sobre a piedade popular’:
- «No dia 1 de janeiro, oitava do Natal, a Igreja celebra a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. A maternidade divina e virginal de Maria constitui um acontecimento salvífico singular: para a Virgem Maria, foi pressuposto e causa da sua glória extraordinária; para nós, é fonte de graça e de salvação, porque ‘meio dela recebemos o Autor da vida’» (.º
115).
- «O dia 1 de janeiro é, no Ocidente, um dia de felicitações; é o início do ano civil. Os fiéis, envolvidos pela atmosfera festiva do começo do ano, trocam entre si e com todos, votos de ‘bom ano’» (n.º 116).
- «Entre os bons votos com que os homens e as mulheres se cumprimentam no dia 1 de janeiro, destaca-se o dia da paz. O ‘desejo de paz’ tem profundas raízes bíblicas, cristológicas e natalícias; os homens de todos os tempos reconhecem o ‘bem da paz’, embora atentem contra ele, frequentemente, do modo mais violento e destruidor: pela guerra» (n.º 117).

Desde 1967, no rescaldo do Concílio Vaticano II, que vimos celebrando a paz no primeiro dia do ano civil como desafio e intenção para o resto dos dias do novo ano!

Atualizando a mensagem da paz, o Papa Francisco intitulou a de 2019: ‘a boa política ao serviço da paz’. Nela se faz uma análise sobre a atuação dos politicos. O Papa enumera os doze vícios da política: ‘a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da «razão de Estado», a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio’.

Não teremos nada a mudar? Não precisaremos de fazer um exame de consciência sobre a nossa presença política neste tempo?

‘Ano novo’ poderá ser significado de atitudes novas… e temos dois momentos de eleições – em maio para o Parlamento europeu e outubro para a escolha nacional – para nos pronunciarmos. Não deixemos para outros o que nos é devido!

 

António Sílvio Couto



domingo, 23 de dezembro de 2018

‘In memoriam’


Faleceu por estes dias uma figura que reputo de muito importante por entre as pessoas que conheci neste tempo de presença ao sul do Tejo: Catarina Pestana.

Conheci-a por interposta pessoa – ao tempo ocupando um lugar político/governativo de relevância – e tive oportunidade de a escutar e com ela conversar em momentos de valorização – religioso-cultural – das paróquias de Sesimbra e da Moita.

Na primeira localidade vi-a depois em celebrações com o marido (algo alquebrado) e em conversas de rua e não só. Recordo a forma incisiva como falou no ciclo de conferências quaresmais sobre o tema da eucaristia…ao ponto de os que a escutavam perguntarem se estava a falar da sua ou daquela paróquia, tal era a incidência crítica sobre a forma de estar na celebração e fora dela…

Depois da turbulência do processo da ‘casa pia’ em que esteve envolvida, vi-a a sair duma doença que a afetou fisicamente, mas, não ao nível psicológico: estava igual a outros momentos, tendo-me referido que havia coisas que levaria para a tumba sobre tantas situações…sobretudo daquele caso tão mediático quanto controverso.

Anos mais tarde convidei-a para se deslocar à Moita onde abordou a relação dos cristãos no mundo, tendo salientado etapas da sua vida – chegou a viver no concelho quando criança e adolescente – e viveu momentos de compromisso socio/político antes da revolução de abril.

Catalina é/era resultado dum tempo onde a dinâmica do Concílio Vaticano II estava muito viva, por entre desafios nem sempre percebidos nos dias mais atuais.

Quando, um dia, a encontrei na rua, junto ao mar, referi-lhe que ela fora escolhida para a tarefa de enfrentar o fenómeno ‘casa pia’ por ser mulher, católica e, tendencialmente, socialista… Isso revelou muito do que pode e deve ser uma cristã na vida política. Com efeito, como dizia o Papa Bento XVI, em Fátima, em 2010, há muita gente que tem as mãos limpas porque não faz nada… Creio que não foi nem é a situação de Catalina Pestana.

Como ela acentuava algumas vezes: não precisamos tanto de cristãos/ãs de rendinhas…dentro ou fora da liturgia.

Paz à sua alma!

 

António Sílvio Couto

sábado, 22 de dezembro de 2018

Narcotizados por um certo ‘sucesso económico’?


Atendendo às lições de vida que vamos aprendendo com os factos pessoais e dos outros, poderemos ir tecendo a nossa avaliação mais ou menos credível, pois feita de episódios nem sempre bem interpretados.

Dizem por aí que estamos melhor economicamente. Com verdade ou sob simulação os números apresentados querem-nos fazer crer que tal terá alguma consistência…a curto prazo.

Vendem-nos a mercadoria do ‘sucesso económico’ mais ou menos imediato feito à custa de distribuir sem trabalhar e, com alguma facilidade, vamos sendo levados a acreditar que o fundo não se esgotará… 

- Mas que dizer da recente, inopinada e (quase) inepta revolta dos ‘coletes amarelos’ à portuguesa? O fiasco aliviou quem manda e, sobretudo, quem manipula? Não houve nada que tenha feito temer? Ora, com milhares de polícias na rua, algo se previa de catastrófico? Não teremos estado na expetativa de que poderia correr qualquer coisa mal, mesmo sem haver a quem pedir contas dos prejuízos?

Com as consequências que poderão advir do insucesso, não teremos de questionar a efabulação dos números nas redes sociais? Dá a impressão de que é mais fácil participar virtualmente do que de dar a cara e o tempo para se incomodar com as ideias de anónimos…mais ou menos desorganizados.

Este episódio revela a nossa mentalidade de ‘treinadores de banca’, mas nunca jogadores do campo! 

- Na arte de bem enganar temos vivido como se tudo, pelo estalar de dedos, tenha passado do difícil ao exequível, pois revertendo as contas se fez com que já não haja austeridade, nem crise e tão pouco dificuldades de qualquer ordem…

Sabendo conduzir quem se torna acrítico e seja mais levado pela boca do que pela razão, temos estado a viver um tempo de razoável paz social, se bem que os dados contradigam tais notícias. Um tanto a custo se vai reconhecendo que o atual executivo nacional já enfrentou mais greves do que o anterior, mas que é isso para o ‘sucesso económico’ fabricado à escala do bolso de cada um? O derramamento de dinheiro sobre as situações tem vindo a ser uma arte de bem gerir enquanto há, pois depois alguém cobrará as ilusões surgidas e mal sustentadas…  

- A mentalidade reinante – tanto nas bases como na cúpula – parece ser mais a de ‘O capital’ do que da Bíblia. Nesta aprende-se a partilhar, trabalhando e colocando ao serviço dos outros os dons e os bens, naquele alimenta-se a reivindicação contra quem tem e, sobretudo, criando um ambiente odiento sobre os demais, mesmo que nem se conheçam.

Embora uma boa parte dos seguidores das doutrinas expostas n’ O capital talvez nunca tenha lido nada do texto, esta obra do século dezanove continua a conduzir muitas das posições de gente que anda na vida política. À revelia da evolução dos tempos ainda há quem use termos dessa época e não saiba a abrangência das lutas que vão percorrendo alguns dos episódios dos nossos dias.

Há coisas que terão alguma dificuldade em serem implementadas senão se souber a real fundamentação dos comportamentos. Aprender a conversão da Bíblia é muito mais exigente do que acicatar as animosidades de classes. O confronto com a Palavra de Deus é muito mais exigente do que semear laivos de igualitarismo em dialética. Colocar na vida as lições da Bíblia é muito mais salutar do que preencher as lacunas psicológicas com vitórias sobre os exploradores.

Embora um tanto idealista, prefiro a sociedade preconizada pela Bíblia do que as propostas tentadas a partir da ideologia de ‘O capital’: aquela ensina o perdão mesmo reconhecendo os erros, enquanto este azeda as pessoas e já deixou marcas suficientes de mal-estar na história do mundo… 

- Em ambiente de Natal é sublime perceber que houve um Deus – para isso será preciso o razoável dom da fé – que nos veio libertar a partir de dentro, isto é, assumiu a nossa condição humana para nos divinizar cada vez melhor. O ‘sucesso económico’ não basta para nos irmanar, antes poder-nos-á diferenciar pelo consumismo. Por isso, será pela verdade que haveremos de vencer as discrepâncias deste mundo!

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Dos vícios da política … às ‘bem-aventuranças do político’


‘A par das virtudes, não faltam infelizmente os vícios, mesmo na política, devidos quer à inépcia pessoal quer às distorções no meio ambiente e nas instituições’ - diz o Papa Francisco na sua mensagem para o 52.º dia mundial da paz.
Tendo como tema: «a boa política ao serviço da paz», o sumo Pontífice traça alguns dos vícios da política, segundo o qual, ‘tiram credibilidade aos sistemas dentro dos quais ela se realiza, bem como à autoridade, às decisões e à ação das pessoas que se lhe dedicam’, na medida em que ‘enfraquecem o ideal duma vida democrática autêntica, são a vergonha da vida pública e colocam em perigo a paz social’
Eis os doze vícios elencados pelo Papa: ‘a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da «razão de Estado», a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio’.
Citando o cardeal vietnamita Van Thuan, falecido em 2002, o Papa Francisco apresenta, por seu turno, aquilo que designa pelas bem-aventuranças do político:
Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel.
Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.
Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.
Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.
Bem-aventurado o político que realiza a unidade.
Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.
Bem-aventurado o político que sabe escutar.
Bem-aventurado o político que não tem medo
’.


= Confronto salutar... pela paz a vários níveis interligados

Num tempo em que, tanto pelos exemplos como pelas deformações exploradas, vemos colocar em causa quem está na vida política, precisamos de ter em conta que quem exerce a função política é fruto do seu tempo, do lugar onde está e mesmo das raízes mais fundadas dos seus valores, critérios, propostas e fatores mesmo ideológicos.
Atendendo a que o Papa Francisco insere estas observações no contexto da sua mensagem para o ‘dia munidal da paz’ de 2019, precisamos de saber ler e interpretar as suas referências não só para com os políticos profissionais, mas também para com todos os outros cidadãos, que escolhem, validam, criticam ou ignoram quem os governa...mal ou bem.
Dado que é da paz que estamos a falar, o Papa considera que ‘a paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma’ ... consigo mesmo, oferecendo um pouco de doçura a si mesmo e aos demais, com o outro, seja ele quem for (familiar, amigo, estrangeiro, pobre, atribulado) e com a criação, como dom de Deus.

Será que a nossa política consegue estes objetivos para a paz? A nossa participação na política constrói a paz? Os politicos, que temos, não exercem mais os vícios do que as bem-aventuranças, aqui enunciadas? Cristãmente teremos sido fomentadores de bons politicos ou limitamo-nos a criticá-los sem lhes darmos ajuda e suporte na fé? 
Não podemos exigir aos outros – políticos em particular – aquilo que não somos capazes de fazer! Em razão da nossa fé cristã temos de ajudar a surgir uma nova geração de políticos que se guiem mais pela Bíblia (sem fundamentalismos) do que pelo ‘Capital’ (odiento)…

 

António Sílvio Couto


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A palavra do ano… está em votação


Como vem sendo habitual, por esta ocasião do ano civil, surgem as propostas/candidatas à ‘palavra do ano’ de 2018. Na lista encontramos (por ordem alfabética, que não de graduação votada): assédio, enfermeiro, especulação, extremismo, paiol, populismo, privacidade, professor, sexismo e toupeira…

Pela minha parte já votei na palavra de 2018: populismo.

Reportando-nos a um certo arquivo podemos encontrar como ‘palavra do ano’ de 2009 – esmiuçar; de 2010 – vuvuzela; de 2011 – austeridade; de 2012 – entroikado; de 2013 – bombeiro; de 2014 – corrupção; de 2015 – refugiado; de 2016 – geringonça; 2017 – incêndios!

Ora, diante deste projeto de escolha da ‘palavra do ano’, podemos como que fazer uma sucinta aferição ao que foi a principal preocupação dos anos transatos. Esta iniciativa que já vai na sua 10.ª edição em Portugal pode-nos ajudar a captar o que de mais importante vivemos nos anos mais recentes, fazendo com isso memória e, possivelmente, criando história. 

= Há, de facto, ao longo de todo um ano uma multiplicidade de acontecimentos, de figuras, de ocasiões ou mesmo de oportunidades que nos fazem viver numa espécie de ritmo mais ou menos frenético, que, só ao final do ano, nos apercebemos que muita coisa aconteceu e que foi marcante na vida das pessoas, das instituições e da sociedade.

Segundo dados tornados públicos estão como mais votadas para ‘palavra do ano’ de 2018: professor, enfermeiro e toupeira… revelando-se, desde logo, os contextos sociais, profissionais ou desportivos em que cada um destes termos estão inseridos. Os mais de cento e quarenta mil votos validados revelam, deste modo, que os cidadãos participam neste processo de escolha, que tem tanto de indicativo, quanto de simbólico. 

= Numa sociedade que devia ser mais de cidadãos do que de números – sejam os da nossa identificação, sejam os da matemática economicista – este processo da escolha da ‘palavra do ano’ reveste-se de alguma configuração cívica, pois precisamos, urgentemente, de sair do nosso casulo de conforto para sentirmos os outros com quem vivemos e as formas de interligação necessárias, mais do que meramente toleradas.

Muitos dos nossos coevos vivem mais colhendo do fruto do que fazem os outros do que participando nas sinergias e nas múltiplas interdependências. Ora é neste aspeto tão simples que conflitua muito do nosso presente e do futuro. Na medida em que podemos compreender que não nos é permitido viver nessa atitude sanguessuga de nada fazer e de tentar usufruir dos benefícios sem se sujar no combate. Intolerância e radicalismo podem ser alguns dos inimigos mais imediatos que devemos combater e exorcizar do nosso ambiente… Outra tendência manifesta mais recentemente é a forma anónima com que se pretende revelar o protesto – os ditos ‘coletes amarelos’ são a ponta dum tal icebergue – mais pela destruição do que pela apresentação objetiva de razões e motivos para a mudança.

Não deixa de ser inquietante que a indumentária do capuz sobre a cabeça permite, hoje, criar alguma desconfiança entre as pessoas e abrigar quem não dá a cara pelo que diz e/ou pelo que faz. Com relativa vulgaridade há quem se esconda sob a capa de perfil falso ou pela denúncia anónima para lançar a suspeita sobre muitos ou quase todos. Ninguém está a salvo de ser difamado só porque alguém lança um comentário sem rosto…Não pode a justiça ir por esse caminho, pois, em breve, estaremos a lutar contra a própria sombra, sem nos darmos conta de que algo vai mal em nós e à nossa volta… 

= Precisamos de acreditar mais uns nos outros, sem entrarmos na bonomia do tendencialmente bom, mas procurando acreditar que o espírito que nos foi infundido no Natal de Jesus possa ser vivido para além das parcas horas da nostalgia ou das memórias infantis. No entanto, se continuarmos a mergulhar no crescente consumismo materialista bem depressa nos tornaremos inimigos de estimação em maré de saldos ou em feira de produtos (ditos) biológicos sem rótulo.

Será que a nossa vida está ao serviço da paz? À luz da mensagem do Papa para o 52.º dia mundial da paz que sejamos dignos de participarmos na sua construção com humildade e confiança…uns nos outros! 

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Que presépio para os nossos dias?


Para muitos dos cristãos, sobretudo introduzidos na vivência da fé desde crianças, a palavra ‘presépio’ poderá ser natural ao falarmos destas questões em tempo de Natal. Mas que significa ‘presépio’? Quem introduziu esta tradição na cultura religiosa cristã? Não será chocante para a nossa mentalidade aveludada a linguagem e figuração do presépio?
Etimologicamente ‘presépio’ quer dizer estábulo, estrebaria…onde estão os animais.
Embora esteja presente a sua discrição nos evangelhos (Lc 2,1-20) , só no século XIII (1223), São Francisco de Assis quis levar à letra aquelas palavras da Sagrada Escritura e reproduziu no espaço da sua cidade uma figuração com as principais personagens. São Francisco quis recriar, dentro da linha de espiritualidade da sua ordem, a significação para quem não entendia ou estava fora da lógica do evangelho...
Enquadrado num estábulo vejamos quem são as principais figuras do presépio:
* Menino Jesus - O filho de Deus, o Salvador,
* Maria - A mãe de Jesus,
* São José - Esposo de Maria e pai adotivo de Jesus,
* Animais (vaca, burro, ovelhas) - os animais aqueceram o menino que tinha nascido num estábulo,
* Anjo é o mensageiro de Deus. Foi ele quem anunciou o nascimento de Jesus aos pastores que tomavam conta dos seus rebanhos,
* Magos - Os três convencionados magos eram sábios que foram guiados por uma estrela e levaram ouro, incenso e mirra ao Menino Jesus.
= Por vezes encontramos pessoas, com maior ou menor cultura (humana e cristã), que se entretêm a fazer coleção de presépios. Será isto apropriado à mensagem evangélica da rudeza do presépio? Sabendo que em muitos dos ‘presépios’ comercializados se pode estar fora da linguagem e da pobreza real do dito sinal, não será um insulto que haja quem gasta dinheiro sem conta para manter essa espécie de bizantinice? Não andaremos a subverter o espírito do Natal/presépio com algumas fantochadas travestidas de religião… nitidamente não cristã? Ainda teremos coragem para fazer do Natal um acontecimento sem presépio e à margem da sua originalidade? 

= Estas e outras perguntas se nos podem colocar, até para nos confrontarmos com tantas subtilezas que obstaculizam a vivência do espírito do presépio, que é muito mais do que a mentalidade natalícia. Esta está hoje intoxicada de muito consumismo, mesmo que, nos intervalos, se vá dando a entender que se pensa – ao menos nesta época – nos mais desfavorecidos, marginalizados e empobrecidos…

Certamente as nossas celebrações religiosas de âmbito cristão/católico precisam de ser questionadas e renovadas, de serem revistas e não tradicionalizadas, de estarem numa continua descoberta da forma como devemos ser cristãos, neste tempo de linguagem e de comportamento light, onde a frieza do presépio é provocante e provocadora da nossa mentalidade de veludo a propósito de quase tudo e, neste caso, da rudeza do presépio. 

= Esperamos que as mais díspares transferências da linguagem do presépio do templo para a rua possam incomodar quem se comporta como ateu prático, mesmo sem a dialética materialista mais básica. Enquanto é tempo façamos do presépio o melhor evento do Natal, pois neste é Jesus quem nos interpela, pelo silêncio e pela forma de estar a nu…Que possa haver – em cada pessoa, nas famílias, na Igreja e na soceidade – advento rumo ao presépio de Jesus, hoje e sempre. 

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A trela do cão…em consumismo



Uma associação internacional – de seu nome, em sigla, peta – ‘povo pelo tratamento ético dos animais’ – veio a terreiro reclamar de expressões ofensivas para com os seus protegidos (animais) exigindo que seja corrigida a linguagem de muitos dos ditados populares, pois estariam a constranger os ditos…

Cá pela nossa área de influência logo surgiu uma agremiação partidária a reclamar idêntica projeção nas suas intenções e reclamações de tantos dos cantos infantis, das músicas quasi-ancestrais e mesmo do comportamento ofensivo e ofensor para com os animais, seus e nossos amigos, ou não tanto. 

* Se levássemos a sério as sugestões da ‘peta’ ou do partido nacional à sua expressão, teríamos de reescrever uma boa parte da nossa literatura, ter-se-ia de andar com um espírito inquisitorial para muito do nosso anedótico ou ainda teríamos de conviver com uma censura nunca antes vista, pois alguém poderia entender como ofensivo aquilo que não passou duma figura de estilo, literária ou não. Se tal correção fosse possível, qual seria a data de começo da sua vigência?   

* Deve-se reconhecer que está a emergir – sabe-se lá comandada por quem ou de onde – uma nova cultura, onde os humanos têm de se submeter à sensibilidade dos animais, fazendo aqueles servidores destes e não mais o seu contrário. Esta onda roça o fundamentalismo e insere-se numa espécie de aculturação urbana que não conhece nem nunca contactou com o mundo rural, mas para o qual dita leis e sentenças de laboratório… As crianças já não se sabem sujar e tão pouco defender de vírus, bactérias e fungos!   

* Este fenómeno tem vindo a difundir-se com grande rapidez, podendo ser uma das formas de populismo mais imediato a arregimentar simpatizantes, militantes e votantes. Há, no entanto, indícios de que algo vai mal no reino animal, pois se tem vindo a fazer dos animais entidades com direitos inatacáveis, mas se vai tolerando alguns mecanismos de subjugação aos humanos. Exemplo disso é a trela dos cãezinhos, passeados pelas ruas e nem sempre recolhidos os dejetos respetivos. Se é para que os animais sejam titulares de direitos inalienáveis, então deixem-nos andar livres na rua, não os prendam – seria ofensa dizer acorrentem? – mas também não os obriguem a estar em espaços nem sem adequados à sua condição e natureza. De facto, vemos certos ‘animais de companhia’ serem mais criaturas de estimação do que seres sensíveis num aprisionamento forçado.  

* Que sociedade é esta que tem mais espaços de venda, em supermercados e outras superfícies comerciais, dedicados a alimentação para os animais do que colocados nos escaparates artigos direcionados às crianças? Sim, algo vai mal e pela disposição na carruagem o futuro não se avizinha senão sombrio. Parece muito preocupante a dedicação substitutiva das crianças pelos animais. Repare-se mesmo nos nomes dados aos ditos ‘animais de companhia’, muitos deles têm mais marca humana do que os nomes dos humanos com nome. Não andará algo invertido nestes tempos mais recentes? Não andaremos a ser manipulados nas discussões sobre estas matérias, enquanto sociedades e culturas são aniquiladas pela insensibilidade de uns para com os outros?  

* «É contrário à dignidade humana fazer sofrer inutilmente os animais e desprezar as suas vidas. É igualmente indigno gastar com eles somas que deveriam, prioritariamente, aliviar a miséria dos homens. Pode-se amar os animais, mas não seria razoável desviar para eles o afeto só devido às pessoas» – Catecismo da Igreja Católica, n.º 2418.

Talvez nos falte equilíbrio e das inconstâncias dos humanos vemos que os animais também sofrem, se bem que estes tenham, nalguns casos, sensibilidade mais refinada do que muitos dos humanos, que se vão tornando mais materialistas à medida em que se consideram sabedores de algo que lhes escapa: a comunhão entre toda a natureza como rosto da beleza de Deus.

Não será o cãozinho pela trela um dos símbolos do consumismo desumanizado…mais recorrente?     

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Significado da ‘novena do Natal’


Digamos que a única ‘novena’ oficial na liturgia da Igreja é a do Natal, decorrendo entre 17 e 24 de dezembro. Embora haja quem tente colocar o tempo entre a Ascensão e o Pentecostes como novena, a do Natal é a única que é assumida pelos textos e orações na liturgia oficial da Igreja católica.
Desde logo a palavra ‘novena’ comporta um certo significado: nove é três ao quadrado. Se três é um número simbólico para falar das Pessoas da SS.ma Trindade, e, por isso, com uma significação de plenitude, então três vezes três quererá envolver a plenitude da plenitude.
Nos dias da ‘novena’ do Natal temos por suporte as antífonas do magnificat das vésperas, que começam pela interjeição: ‘ó’, sendo expressões de admiração e de contemplação dos crentes perante o mistério de Deus, revelado em Jesus pelo Natal.
Eis as antífonas do ‘Ó’ (de 17 a 24 de dezembro):
* 17 - Ó Sabedoria do Altíssimo, que tudo governais com firmeza e suavidade: vinde ensinar-nos o caminho da salvação,
* 18 - Ó Chefe da casa de Israel, que no Sinai destes a Lei a Moisés: vinde resgatar-nos com o poder do vosso braço,
* 19 - Ó Rebento da raiz de Jessé, sinal erguido diante dos povos: vinde libertar-nos, não tardeis mais,
* 20 - Ó Chave da Casa de David, que abris e ninguém pode fechar, fechais e ninguém pode abrir: vinde libertar os que vivem nas trevas e nas sombras da morte,
* 21 - Ó Sol nascente, esplendor da luz eterna e sol de justiça: vinde iluminar os que vivem nas trevas e nas sombras da morte,
* 22 - Ó Rei das nações e Pedra angular da Igreja: vinde salvar o homem que formastes do pó da terra,
* 23 - Ó Emanuel, nosso rei e legislador, esperança das nações e salvador do mundo: vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus.

Segundo o ‘Diretório sobre a piedade popular’ «a novena do Natal surgiu para comunicar aos fiéis as riquezas de uma liturgia à qual não tinham fácil acesso. O papel que a novena natalícia desempenhou foi realmente valioso e pode continuar a sê-lo. Todavia nos nossos dias, como se facilitou a participação do povo nas celebrações litúrgicas, seria  desejável que nos dias 17 a 23 de dezembro se solenizasse a celebração das vésperas com as antífonas maiores e se convidasse os fiéis a participar. Esta celebração, antes oudepois da qual poderiam ter lugar  alguns dos gests particularmente apreciados pela piedade popular, seria uma excelente ‘novena do Natal’, plenamente litúrgica e atenta às exigências da piedade popular. Na celebração das vésperas podem incluir-se alguns elementos previstos (homilia, uso de incenso, adaptação das preces)».

É ainda de referir que se pode acompanhar este tempo de ‘novena’ com a colocação no presépio das figuras mais próximas à simbologia de Jesus que há de ‘nascer’ em tempo de Natal…

De alguns aspetos temos uma advertência que se poderá incluir: não será conveniente ritualizar nem rotinar certas ações de preparação para o Natal, pois cada ano é uma vivência diferente e terá de ter a sua consonância com a vida das pessoas, das comunidades e da Igreja em geral…não se dispensando as tradições, que não poderão ser nem herméticas ou mesmo anacrónicas…e tão pouco saudosistas!

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

‘O ninho’: 40 anos de memória, de vida e de história (*)


 
A seção de infância do Centro Paroquial de Acção Social da Moita, ‘O ninho’, sita na Rua Bartolomeu Dias, 11-13, celebrou, no dia 4 de dezembro, 40 anos de serviço à Moita, dentro ou fora do espaço da Igreja.

Esta seção de infância é composta por jardim-de-infância, centro de atividade de tempos livres, creche e berçário.

O programa incluiu eucaristia de ação de graças e de sufrágio, presidida pelo Bispo da Diocese, D. José Ornelas e uma sessão solene no espaço de atividade d’ O ninho. De salientar a presença, na missa, do presidente-fundador (pároco) d’O ninho.

A esta efeméride também se associaram as autoridades autárquicas, representantes da diocese de Setúbal, bem como membros dos corpos sociais, antigos e atuais funcionários, antigos alunos (em bom número) e muitos paroquianos da Moita.

Se tivermos em conta os passados quarenta anos d’ O ninho terão frequentado este projeto pedagógico/educativo mais de quatro mil crianças e adolescentes.

O Centro Paroquial de Acção Social da Moita, que foi fundado em 1952, tem respostas sociais ligadas à infância e aos mais velhos, envolvendo quase sete dezenas de funcionários. 

Diz uma passagem bíblica: um é o que semeia, outro o que cuida e outro o que colhe (cf. 1 Cor 3,6-9).

É isso mesmo o que poderá caraterizar esta obra nascida há 40 anos. ‘O ninho’ foi berço para muitos dos adultos desta terra. ‘O ninho’ foi cuidado para milhares de crianças e de adolescentes nesta terra. ‘O ninho’ foi e é espaço de educação para centenas e centenas de famílias que nele tiveram e têm uma forte ajuda no processo educativo de seus filhos e filhas.

Tentemos interpretar esta obra d’O ninho pela perspetiva mais dos substantivos e menos pelos adjetivos, usando três palavras de referência:  

* Memória

A efeméride deste dia quer tão-somente olhar para o trabalho desenvolvido por dezenas de equipas – de direção, pedagógicas, de voluntários, de funcionários, de empresas e de serviços – que foram fazendo d’O ninho um espaço de trabalho, de iniciativa, de educação, de evangelização, numa palavra: de cultura. Não haverá dúvida, na Moita e fora dela, de que ‘O ninho’ foi fomentador, à sua medida, de cultura com matiz cristã… Talvez devesse sê-lo mais, mas no contexto foi fazendo o seu melhor…em cada tempo.

Aquilo entram os intérpretes – responsáveis da paróquia: P.e Fernando de 1978 a 1999, Dr. João Carlos de 1999 a 2010 e Sílvio desde 2010… os que serviram, por inerência de serem párocos, nas direções, os que educaram e os que foram educados, as famílias e tantos outros colaboradores – e muitos outros que viveram, sentiram e se entregaram pela causa deste serviço às crianças e aos adolescentes na Moita…e não só.

Nestes 40 anos, certamente, houve alegrias e tristezas, dúvidas e certezas, dívidas e saldos positivos. Só quem nunca esteve no barco e que não conhecerá as tormentas que nele são sentidas.  

* Vida

Não há melhor termo para definir esta instituição do que a palavra que dá sentido ao nosso existir: vida. Somos discípulos e servos do Senhor da vida e por esta podemos jogar os nossos ideais e concretizar as nossas mais ou menos belas ou ténues ideias.

O ninho’ é fruto da conjugação da palavra vida em todos os tempos e formas verbais, nas mais diversas aceções da palavra, desde que viva e faça viver com sentido e compromisso.

Como é sublime e encantador ver as crianças a deixarem singelos contributos para outros viverem a sua vida de forma mais digna, mais humana e mais fraterna… Há gestos que valem milhões de palavras!  

* História

Queira Deus que sejamos capazes de dar continuidade àquilo que, nas quatro décadas de história, aqui foi vivido, concretizado e servido. O melhor galardão que nos podem atribuir é que somos continuadores duma vivência que honra os seus antepassados e que sabe defender a prossecução dos seus objetivos no futuro. Desejamos, no entanto, chamar a atenção para quem pode e deve ajudar-nos nessa tarefa nem sempre compreendida pelas entidades públicas – do Estado e das autarquias, sem esquecer até a diocese – pois se todos soubermos colaborar os nossos filhos e netos terão futuro com sabedoria, com dignidade e com graça…

- Não podemos continuar a permitir que os pais, que aqui colocam os seus filhos, sejam duplamente tributados nos seus impostos, pois pagam para os serviços estatais e têm de pagar também para a escolha educativa de seus filhos. Esta injustiça tem de ser exorcizada.

- Não podemos, enquanto instituição que presta serviços educativos, que sejamos vítimas de maiores exigências do que outros e tão pouco menosprezados por sermos da Igreja católica. Isto não é nada sério!

- Não poderemos ser – por surreal que possa parecer – obstaculizados nos projetos apresentados à apreciação das entidades decisórias por manifestarmos o que pensamos e aquilo que queremos ser. Isto tem tiques de ditadura, mesmo que com alguma capa de formalmente…democrático.

 

A quem fez esta história de vida e por quem fazemos, hoje, memória: obrigado. Que Deus a todos abençoe por fazermos o melhor que sabíamos fazer…mesmo com erros, falhas e pecados.

Viva ‘O ninho’ e quem o tem servido. Votos de continuação e de fidelidade a Deus no serviço a todos.

 

(*) Texto da sessão solene dos 40 anos d’O Ninho, no dia 4 de dezembro de 2018.

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Porque é padroeira de Portugal, a Senhora da Conceição?


A celebração de Nossa Senhora da Conceição – ou melhor da Imaculada conceição de Nossa Senhora – é considerada uma das vivências mais essenciais, desde tempos muito recuados, da fé católica em Portugal. Nossa Senhora da Conceição é considerada mesmo a padroeira principal do nosso país.

Vejamos, então, etapas desta caminhada ao longo da nossa afirmação de nacionalidade.
Em vários momentos e com diversos intervenientes a devoção Nossa Senhora foi marcante dos nossos reis: desde D. Afonso Henriques, que teve por Santa Maria de Braga uma especial devoção; D. Nuno Álvares Pereira e D. João I manifestaram particular a Nossa Senhora pela vitória conseguida em Aljubarrota, mas foi efetiva e afetivamente com D. Nuno, Condestável do Reino, muito devoto da Virgem Santa Maria, que, segundo ele, respondeu às suas preces em Valverde, Atoleiros e Aljubarrota, deu-se algo que teve a ver com a incrementação da devoção a Nossa Senhora da Conceição, foi ele quem mandou construir a Igreja de N. ª Sr. ª da Conceição de Vila Viçosa e encomendou, para o efeito, em Inglaterra, a imagem de Nossa Senhora da Conceição. A S. Nuno se deve a renovação de uma antiga Confraria de Vila Viçosa, existente pelo menos desde 1349 e por si consagrada a Nossa Senhora da Conceição, que ainda hoje subsiste, a “Régia Confraria de Nossa Senhora da Conceição”.
Ora, nos séculos XVI e XVII, a doutrina da Imaculada Conceição obteve maravilhoso desenvolvimento, pois universidades, ordens religiosas, clero e outros fiéis lançaram-se ardorosamente na defesa desta prerrogativa mariana.
Foi, sobretudo, após a Restauração de 1640, com D. João IV, que se verifica um grande impulso na devoção à Senhora da Conceição, por todo o país. Por provisão de 25 de Março de 1646, D. João IV, “proclamou solenemente “tomar por padroeira de nossos Reinos e Senhorios a Santíssima Virgem Nossa Senhora da Conceição… confessando defender que Mãe de Deus foi concebida sem pecado original”. Por esta proclamação a Virgem Imaculada era constituída e declarada, por todos os poderes da Nação, Senhora e Rainha de Portugal, a verdadeira soberana do país…Desde que Nossa Senhora da Conceição é Padroeira de Portugal, os nossos monarcas, nunca mais colocaram a coroa na cabeça (pois isso equivaleria a usurpar um direito que pertence a Nossa Senhora) e apenas em ocasiões solenes, a coroa era posta sobre uma almofada, ao seu lado direito.
Desde o ano de 1654 o reitor, lentes, doutores e mestres da Universidade de Coimbra passaram a usar a fórmula do juramento, que começava pela declaração de «defender sempre e em toda a parte que a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, [que] foi concebida sem a mancha do pecado original». E até 1910 o cumprimento de tal juramento era condição para se obter qualquer grau universitário… 

A doutrina católica sobre a Imaculada Conceição 

A 8 de dezembro de 1854 o Papa Pio IX declarava dogma de fé a doutrina que ensinava ter sido a Mãe de Deus concebida sem mancha por um especial privilégio divino. Na Bula “Ineffabilis Deus”, o Papa diz: «Nós declaramos, decretamos e definimos que a doutrina segundo a qual, por uma graça e um especial privilégio de Deus Todo Poderoso e em virtude dos méritos de Jesus Cristo, salvador do género humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada de toda a mancha do pecado original no primeiro instante de sua conceição, foi revelada por Deus e deve, por conseguinte, ser acreditada firme e constantemente por todos os fiéis».

Recordemos, em síntese, a oração coleta da solenidade da Imaculada Conceição:’Senhor nosso Deus, que, pela Imaculada Conceição da Virgem Maria, preparaste para o Vosso Filho uma digna morada e, em atenção aos méritos futuros da morte de Cristo, a preservastes da toda a mancha, concedei-nos, por sua intercessão, a graça de chegarmos purificados junto de Vós’.

A solenidade da Imaculada Conceição é uma celebração das origens…assim a vivamos de forma única e original.

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Simbologia da cebola apodrecida…por dentro


Tem sido com alguma surpresa que, uma boa parte das cebolas compradas, sofram duma doença um tanto complexa: após alguns momentos para descascar vê-se que o miolo da cebola está podre…a começar do centro para fora. Coisas deste tempo e sinais da nossa cultura!  

Não tenho a ousadia de recorrer ao livro autobiográfico de Günter Grass, Descascando a cebola, de 2007, nem tão pouco a essoutro de Miguel Sousa Tavares de memórias da infância e juventude, Cebola crua com sal e broa, de 2018… para falar do assunto que aqui, por agora, me ocupa. Esta breve partilha/reflexão, em maré pré-natalícia, não é mais do que uma tentativa de concretizar um ensejo de recorrer à imagem da cebola apodrecida a partir de dentro para questionar alguns dos indícios do nosso mundo mais ou menos de cebolada…mesmo sem disso nos darmos conta.  

* As várias camadas que a cebola apresenta dão-nos a compreensão da complexidade da nossa vida, tanto pessoal como no trato com os outros, pois muitas das vezes precisamos de nos descobrir na medida em que crescemos, feitos pela vida ou situados nos vários âmbitos em que nos encontramos. As camadas das cebolas são etapas de crescimento e podem ser vertentes – no contexto humano – de amadurecimento. Isto será tanto mais complexo quanto nos confrontarmos com o apodrecimento da cebola a partir do seu núcleo. O que terá esta constatação a dizermos sobre a nossa vida e sobre o nosso tempo? Será uma parábola que deve ser lida e interpretada à luz da mensagem que se deseja comunicar? Até que ponto a cebola apodrecida, desde o seu interior, pode ou deve questionar a nossa cultura ocidental/europeia? Teremos algo a ver com esta situação ou será que a verificação deste fenómeno denuncia o que somos e aquilo que vivemos? Até que ponto estaremos conscientes desta situação de ‘cebola apodrecida’?

Vamos tentar responder a estas questões, nem sempre fáceis de enfrentar, pois, nalguns aspetos, estamos envolvidos e comprometidos não na denúncia e assunção daquilo que vivemos, mas antes na desculpa e nessa tendência tão lusitana de atirar as culpas para os outros senão mesmo nisso de confundir as consequências com as causas.

De facto, as várias camadas da cebola podem envolver muito do disfarce – neste tempo pré-natalício em especial configurado no papel de embrulho que usamos para enfeitar as prendas e os presentes – com que correremos o risco de viver a vida, dando-lhe um jeito colorido, mas que, bem lá no fundo, não corresponde àquilo que brilha e/ou engana. Com que facilidade podemos ficar tropeçados mais na forma do que no conteúdo, misturando as expetativas com as desilusões, reportando-nos mais à aparência do que ao real ou mesmo ficando mais na imagem que se dá do que aceitando a pessoa como ela é…de verdade.

Neste tempo do culto da boa aparência podemos ser ludibriados por figuras e figurões bem-falantes com perfis de facebook fabricados à medida daquilo que uns tantos gostam de exibir, mesmo que laborando na mentira e no oportunismo. Já devíamos ter apreendido a não nos deixarmos enganar, seduzir ou fascinar por palavras ocas, tagareladas ou excessivas… Descasquemos a cebola antes de darmos assentimento a tantos dos paleios conhecidos ou ocasionais.   

* A cebola apodrecida a partir de dentro é uma boa figura – parábola ou mesmo alegoria – da cultura desta sociedade ocidental: desde o mais íntimo estamos podres, sem valores nem critérios humanistas, mas antes com sementes de materialismo excessivo, onde o que devia salgar faz apodrecer. Fenómenos como pedofilia, homossexualidades/prostituições/pornografias, corrupção, nepotismo… são dessas podridões que se tornam fétidas quando se abre a cebola do comportamento e da ética de tanta gente, que, por fora parece sadia, mas que melhor percebida é isso mesmo: engano, fraude, escândalo e mentira.

Muitos dos nossos contemporâneos deixaram Deus, mas fizeram-se deus de si mesmos, construindo os seus altares e engendrando as suas venerações até que se descubra a verdade sem encobrimento.

As cebolas, em tempos mais rudes, faziam chorar, quando descascadas. Agora de tão inofensivas nem chorar fazem, senão de incómodo ao menos de arrependimento, mas isso seria noutro quadro de valores e de valorizações. Por agora as cebolas estão a apodrecer a partir de dentro, de forma confusa e simbólica!    

 

António Sílvio Couto