Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

‘Ano da família’ conflitua com ‘ano de São José’?

 


Num breve espaço de tempo, o Papa Francisco convocou a Igreja católica a viver dois ‘anos’ de reflexão, de espiritualidade e, certamente, de caminhada pastoral: o ‘ano de São José’, convocado a 8 de dezembro e que prosseguirá até à mesma data no ano 2021 e um outro ‘ano’, anunciado a 27 de dezembro (festa litúrgica da Sagrada Família) e como o ‘ano especial dedicado à família’ à luz da ‘Amoris laetitia’, a decorrer entre 19 de março de 2021 – quinto aniversário da publicação desta exortação apostólica – e até à celebração, a 26 de junho de 2022, do X encontro mundial das famílias, a realizar em Roma.

 = Desde logo se podem colocar algumas perguntas sobre esta (possível) sobreposição de ‘anos’ em contexto católico. Refletir sobre São José não inclui já a família e a família não implica olhar José como modelo de pai? Atendendo às questões familiares não será possível e oportuno meditar sobre a dimensão paterna de São José? Como poderemos perscrutar a ‘alegria do amor’ pela meditação de São José na família sagrada e na Igreja? Quais os desafios que nos colocam as figuras de São José e de Maria, em contexto familiar e mesmo social, num mundo órfão de pai e com tiques quase matricidas? A ideologia de género não quis introduzir conceitos atentatórios da noção judeo-cristã de família? As mais recentes mudanças culturais no âmbito da família não serão vexatórias das famílias que pretendem viver cristãmente o seu compromisso de vida e de fé? A quem interessa subverter o binómio ele/ela, pelo ele/ele ou pelo ela/ela?    

 = Vejamos, então, sucintamente, quais os objetivos, de cada um destes ‘anos’:

* ‘Ano de São José’

«Todos podem encontrar em São José – o homem que passa despercebido, o homem da presença quotidiana discreta e escondida – um intercessor, um amparo e uma guia nos momentos de dificuldade. São José lembra-nos que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação» – Papa Francisco, ‘Patris corde’, introdução.

Os diferentes sinais de ‘pai’ em São José – pai amado, pai na ternura, pai na obediência, pai no acolhimento, pai com coragem criativa, pai trabalhador e pai na sombra – entrecruzam-se como desafios prospetivos para a Igreja e no mundo.

* Ano ‘Família amoris laetitia’

«O Ano “Família Amoris Laetitia” é uma iniciativa do Papa Francisco, que pretende chegar a todas as famílias do mundo por meio de várias propostas de caráter espiritual, pastoral e cultural, a serem realizadas nas paróquias, dioceses, universidades, no contexto dos movimentos eclesiais e das associações familiares. O objetivo é oferecer à Igreja oportunidades de reflexão e estudo para viver concretamente a riqueza da exortação apostólica Amoris Laetitia.
A experiência da pandemia pôs em evidência o papel central da família como Igreja doméstica e a importância dos laços comunitários entre as famílias, que fazem da Igreja uma autêntica “família de famílias” (AL 87).

Esta merece um ano de celebrações, para que seja colocada no centro da solicitude pastoral e da atenção de cada realidade pastoral e eclesial» – Conferência Episcopal Portuguesa, Secretariado-geral…poucos dias depois do anúncio solene deste ‘ano da família’ ao ritmo da exortação apostólica papal.

Os destinatários deste ‘ano da família’ à luz da ‘Alegria do amor’ são todas as famílias – sejam quais forem as latitudes ou as amplitudes – com doze percursos já delineados pelo Dicastério para os leigos, a família e a vida.

 = Postos os parâmetros de cada um destes dois anos, na Igreja católica, poderemos tentar cruzar aquilo que São José significa na dimensão da família e tudo quanto esta tem a aprender com o ‘santo pai do silêncio’ nas questões da vida familiar…tão posta à prova cada dia.

2020 foi duma dureza extrema. Queira Deus que 2021 possa ser de mais paz, saúde e bênção!

 

 António Sílvio Couto


sábado, 26 de dezembro de 2020

Que lições podemos colher do ano de 2020?

 Como podemos/devemos interpretar o ano de 2020? Que lições – ainda que envoltas em tanta penumbra – poderemos colher? Que há de novo e de diferente neste quase-fatídico ano bissexto? Desejamos todos ajudar-nos a discernir os ‘mistérios’ deste ano de (des)graça? Não correremos o risco de confundir análise com discernimento?

O Papa, na sua mensagem para o 54.º dia mundial da paz deixa-nos uma linha de avaliação. «O ano de 2020 ficou marcado pela grande crise sanitária da Covid-19, que se transformou num fenómeno plurissectorial e global, agravando fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, económica e migratória, e provocando grandes sofrimentos e incómodos».

À luz desta perspetiva do Papa Francisco poderemos encontrar vários itens. Deixamos alguns:

 * Crise sanitária… e quase cultural

Segundo dados mais ou menos fiáveis esta pandemia da Covid-19 terá atingido, ao nível mundial, os números seguintes: mais de 79 milhões de infetados, quase dois milhões de mortos, cerca de quarenta e cinco milhões de recuperados…Os países mais atingidos foram os EUA, Brasil, Índia, México e Reino Unido.

Em Portugal aos dados andarão em conformidade proporcional, sendo referido que já tivemos quase quatrocentos mil infetados, com mais de seis mil falecidos, num total, em finais de dezembro de quase setenta mil casos ativos e ainda com mais de trezentos mil recuperados…

Embora os sintomas sejam variados e variáveis nas diversas pessoas, eles atingem sobretudo as vias respiratórias, sendo, por isso, essencial resguardar a boca e o nariz, sobretudo com a máscara, e desinfetar-se cuidadosamente, desde as mãos até às superfícies tocadas ou contaminadas.

Mudaram as formas de relacionamento social, agora mais sob a suspeição e o medo! A máscara deixou os olhos à mostra, mas estes parecem estar ainda mais infetados de preconceito e até de ruindade!

 * Fenómeno plurissectorial e global

Nesta época de globalização a pandemia de 2020 tornou-se uma manifestação daquilo que podemos considerar o colher dos frutos da mobilidade de pessoas, de bens e de trocas económico-financeiras… De facto, se anteriores epidemias como que se reduziam a espaços um tanto limitados, esta crise sanitária tornou-se pandémica devido à constante e intensa mobilidade das pessoas – aquilo que se declarou na China em finais de 2019, difundiu-se rápida e fatalmente por todo o mundo, sobretudo onde havia trocas comerciais e humanas entre si…É nitidamente a globalização da desgraça!

Com que facilidade se foram criando estigmas discriminatórios para com certos grupos etários e sociológicos. Lugares que, anteriormente, eram ignorados pela sua função social de acolhimento aos mais velhos, começaram a ser vistos como espaços de suspeição e quase-mortandade. Certos ‘iluminados’ preferiam lançar o labéu sobre todos – particularmente se fossem não-públicos – almejando serem donos da vida alheia… Pasme-se que se tenha ainda aprovado a legalização da eutanásia em maré de pandemia!  

 
* Situação inter-relacionada (climática, alimentar, económica, migratória)

Alguns mais renitentes parecem começar a compreender um tanto melhor esse grito do Papa Francisco sobre a defesa da ‘casa comum’, que é a natureza e tudo quanto com ela se relaciona, entre os quais os humanos nas suas mais diversas implicações.

Vimos surgirem sinais de desconfiança. Percebemos que algo se tornou mais receoso, fazendo com que momentos, antes de convivência, se possam tornar focos de contaminação. Certas ações coletivas/comunitárias – desde desportivas às religiosas e às (ditas) culturais – passaram primeiro a serem restringidas, depois condicionadas e posteriormente selecionadas…num confinamento recorrente.

Confesso que foi com vergonha que vi celebrações católicas a serem controladas, desde a inscrição prévia até à restrição nos atos litúrgicos. Normas higiene-sanitárias vieram coartar a vivência dos sacramentos e de tantos outros momentos necessários à expressão comunitária da fé… O mal tem artimanhas! 

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Promover a paz pela ‘cultura do cuidado’


O tema do 54.º dia mundial da paz é: ‘a cultura do cuidado como caminho para a paz’.

O Papa Francisco apresenta-nos um dos assuntos que mais lhe são queridos: a cultura do cuidado – como diz na abertura da mensagem – ‘para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer’.

Eis um sumário da mensagem Papal deste ano: Deus Criador, origem da vocação humana ao cuidado; Deus Criador, modelo do cuidado; o cuidado no ministério de Jesus; a cultura do cuidado, na vida dos seguidores de Jesus; os princípios da doutrina social da Igreja como base da cultura do cuidado (o cuidado como promoção da dignidade e dos direitos da pessoa, o cuidado do bem comum, o cuidado através da solidariedade, o cuidado e a salvaguarda da criação); a bússola para um rumo comum; para educar em ordem à cultura do cuidado; não há paz sem a cultura do cuidado.

 = Em nota introdutória na própria mensagem diz-se que a expressão ‘cultura do cuidado’ aparece na carta encíclica ‘Laudato sí’, de 24 de maio de 2015. «O amor social impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma ‘cultura do cuidado’ que permeie toda a sociedade» (n.º 231).

Partindo da dramática experiência da pandemia neste ano de 2020, o Papa Francisco lança desafios às pessoas e às instituições, às famílias e às sociedades, ao nível privado e com consequências políticas em ordem a fazermos desta ‘cultura do cuidado’ uma nova cultura, que se vá irradiando desde uma visão teísta até à provocação ao nosso egoísmo mais simples e prático.

 = Mesmo que de forma sucinta valerá a pena aprofundar os aspetos bíblico-teológicos enunciados na mensagem, pois se faz um resumo deste tema, que certamente suscitará aprofundamento nalgum posteriormente documento do Papa.

Respigamos agora algumas das propostas apresentadas:

* «A bússola dos princípios sociais, necessária para promover a cultura do cuidado, vale também para as relações entre as nações, que deveriam ser inspiradas pela fraternidade, o respeito mútuo, a solidariedade e a observância do direito internacional. A este respeito, hão de ser reafirmadas a proteção e a promoção dos direitos humanos fundamentais, que são inalienáveis, universais e indivisíveis».

Numa linguagem simples o Papa refere que devemos ser todos ‘profetas e testemunhas da cultura do cuidado’, na medida em que possamos estar atentos para aliviar ‘quantos padecem por causa da pobreza, da doença, da escravidão, da discriminação e dos conflitos’. Talvez não consigamos fazer muito, mas devemos tentar à nossa medida e proporção.

 

* «A educação para o cuidado nasce na família, núcleo natural e fundamental da sociedade, onde se aprende a viver em relação e no respeito mútuo. Mas a família precisa de ser colocada em condições de poder cumprir esta tarefa vital e indispensável. Sempre em colaboração com a família, temos outros sujeitos encarregados da educação como a escola e a universidade e analogamente, em certos aspetos, os sujeitos da comunicação social».

Há todo um processo educativo que deve ser desenvolvido, começando pela família, onde se cuida pelo respeito entre todos…Nem tudo está por fazer, mas devemos prossegui-lo com mais verdade e humildade.

 * «A cultura do cuidado, enquanto compromisso comum, solidário e participativo para proteger e promover a dignidade e o bem de todos, enquanto disposição a interessar-se, a prestar atenção, disposição à compaixão, à reconciliação e à cura, ao respeito mútuo e ao acolhimento recíproco, constitui uma via privilegiada para a construção da paz».

Comecemos a cuidar pelos que estão mais próximos de nós! Estamos no mesmo barco, onde o leme deve ser a dignidade da pessoas humana, em qualquer das idades…

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Do ‘coração de pai’ ao pai com coração


 O Papa Francisco declarou ‘ano de São José’ o tempo que que decorre na Igreja católica de 8 de dezembro de 2020 à mesma data de 2021.

Com a data do início deste ano jubilar, o Papa assinou a carta apostólica ‘Patris corde’ (com o coração de pai) – por ocasião do 150.º aniversário da declaração de São José como padroeiro universal da Igreja – onde, para além de apresentar as razões deste ‘ano de São José’, faz uma leitura teológico-espiritual desta grande e ‘apagada’ figura da dimensão católica.

Numa breve introdução situa a ‘devoção’ a São José, alicerçada em raízes bíblicas e com incidências histórico-eclesiais. Depois expõe, o documento papal, as sete vertentes essenciais da pessoa e do santo: pai amado, pai na ternura, pai na obediência, pai no acolhimento, pai com coragem criativa, pai trabalhador e pai na sombra. Numa espécie de ‘conclusão’, o Papa apresenta-nos uma singela oração de confiança e de proteção sob a intercessão de São José.

 = Razões de uma celebração

«Ao completarem-se 150 anos da sua declaração como Padroeiro da Igreja Católica, feita pelo Beato Pio IX a 8 de dezembro de 1870, gostaria de deixar «a boca – como diz Jesus – falar da abundância do coração» (Mt 12, 34), para partilhar convosco algumas reflexões pessoais sobre esta figura extraordinária, tão próxima da condição humana de cada um de nós. Tal desejo foi crescendo ao longo destes meses de pandemia em que pudemos experimentar, no meio da crise que nos afeta, que «as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiras e enfermeiros, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho. (…) Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos». Todos podem encontrar em São José – o homem que passa despercebido, o homem da presença quotidiana discreta e escondida – um intercessor, um amparo e uma guia nos momentos de dificuldade. São José lembra-nos que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação. A todos eles, dirijo uma palavra de reconhecimento e gratidão».

O enquadramento encontra-se neste estado de pandemia, que temos estado a viver comummente. O Papa cita a intervenção que teve nesse dia simbólico de 27 de março deste ano de 2020. O sublinhado em itálico é nosso.

 

= Perspetivas de uma devoção

Embora seja um santo de grande importância no processo de revelação de Jesus, São José não cabe no role dos ‘santos populares’, como outros bem menos significativos biblicamente. Reparemos que poucos documentos do magistério encontramos com reflexões sobre São José. O Papa Francisco di-no-lo na sua carta apostólica: «o Beato Pio IX declarou-o «Padroeiro da Igreja Católica», o Venerável Pio XII apresentou-o como «Padroeiro dos operários» e São João Paulo II, como «Guardião do Redentor». O povo invoca-o como «padroeiro da boa morte».

Vejamos, então, o significado das datas destes três Papas, para tentarmos entender a sua sugestão pastoral do Papa Francisco:

* 1870 (dezembro) – Pio IX: no rescaldo da perda dos ‘estados pontifícios’ de grave prova para o Vaticano e do encerramento do Concílio Vaticano I, o Papa coloca a Igreja católica sob a proteção de São José;  

* 1955 (maio) – Pio XII: cerca de uma década após a II Guerra Mundial emergem convulsões laborais em várias partes do globo. A Igreja tenta não perder totalmente os trabalhadores e coloca-os sob a proteção de São José, tentando ainda cristianizar o ‘dia mundial do trabalhador’, cada vez mais capturado por forças anti-cristãs...  

* 1989 (agosto) – João Paulo II: estávamos naquilo que se ia lendo como mudanças no mundo do ‘bloco de leste’, que acabaria por resultar na queda do muro de Berlim, na Igreja ia surgindo focos de dissidência à catolicidade.

Neste tempos do Papa Francisco temos visto vários sinais de presença da ‘sua’ devoção a São José: foi ele quem decidiu em definitivo incluir a referência explicita de São José nas orações eucarísticas; estendeu a representação de São José dormindo... De referir que o Papa Francisco iniciou o sue ministério exatamente no dia 19 de março de 2013, dia litúrgico de São José...

Numa palavra: na carta apostólica ‘Patris corde’ encontramos um Papa que deixa falar o coração. Escutemo-lo como filhos...     

 

António Sílvio Couto

 

sábado, 19 de dezembro de 2020

Agridoce deste Natal


As memórias natalícias são, normalmente, doces ou um tanto adocicadas. Guardamos mais as agradáveis do que as dolorosas. Lançamos nostalgia sobre as mais infantis do que as mais recentes. Recordamos talvez as vivências mais de índole material do que as âmbito psicológico/espiritual.

Na proximidade a cada Natal como que borbulham em nós sentimentos, misturam-se sensações, recordam-se vivências…projetam-se desejos, anseiam-se previsões, criam-se cenários…pessoais, familiares, sociais.

Tudo isto seria normal se não estivéssemos a viver em estado de pandemia deste coronavírus mortífero já em larga escala. Com efeito, há coisas e situações que seriam consideradas impensáveis, mas que estamos a viver acrisoladamente. Há estórias e episódios que nos fazem reunir todas as forças para os entendermos, os enfrentarmos e tentarmos vencer, unindo forças e esforços.

Quantas pessoas e famílias estão a passar por momentos dramáticos. Muitos ainda estão a digerir as perdas, sobretudo, quando o luto não chegou a ser devidamente feito. De facto, o Natal traz à memória a recordação da perda de um ente querido, se for esse o primeiro dos natais assim vivenciado. Vêm à lembrança os pequenos-pormenores, quase desapercebidos na hora dos factos. Ganham novos recortes as palavras ditas ou não-ditas, os gestos tidos ou menos-valorizados e até sentimentos de alguma ‘ingratidão’ nos assaltam por estes dias…

Verdadeiramente o Natal nos humaniza, porque nos faz ter em conta que os outros não foram coisas, nem as coisas foram objetos menosprezados. Se houvesse mais espírito e presença de Natal ao longo do ano talvez fossemos mais humanos porque mais irmanados no essencial.

Deixo a citação de um hino da liturgia das horas – ofício de leituras – do tempo de Advento:

 Não demoreis, ó Salvador do mundo, 

Erguei-vos, ó divina Claridade;
Ó Sol do novo dia, Luz, Verdade,
Vencei da noite o sono tão profundo.

O vosso nascimento em nossa história
Transforme em alegria o sofrimento;
Chegue depressa o tão feliz momento
De contemplar a luz da vossa glória!

Olhai a humanidade pecadora,
Olhai as suas dores, seus pecados;
De tantos males somos esmagados!
Abri a vossa mão libertadora!

Este é uma adaptação para português, pelo padre-poeta Fernando Melro, de um hino francês - ‘Viens bientôtt, Sauveur du monde’, cuja autoria é atribuída à Comissão francófona cisterciense’ (1971).
Aqui se exprimem tantos dos anseios que poderemos recentrar neste Natal de 2020: a expetativa da presença viva do ‘Salvador do mundo’, quantas vezes atafulhado em desejos de consumismo; a necessidade de acordarmos deste ‘sono tão profundo’ onde temos andamos enliados;
de sacudirmos os preconceitos de nos deixarmos iluminar, contemplando ‘a luz da glória’ de Jesus em cada pessoa que Ele coloca no nosso caminho!

Nestes dias de preparação mais próxima ao Natal deixo esta sugestão de reflexão e, porque não, de oração diante de Jesus de braços abertos no Presépio.

Que este Natal de 2020 deixe marcas de conversão simples, sincera e serena na nossa vida.   

 

António Sílvio Couto


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

‘O racismo está na moda’ – sim, não ou talvez?

 

Um treinador de futebol teve esta reação – ‘o racismo está na moda’ – para fazer a sua interpretação sobre um episódio – tão inócuo, quão bizarro ou mesmo fedorento de base – em que um tal elemento de uma equipa de arbitragem se desentendeu com um outro participante de uma equipa técnica de futebol, rotulando o possível prevaricador de ‘racista’ pela simples razão de ter apelidado o antagonista de ‘negru’ (não foi de preto!)…na sua língua materna.

As palavras mudam de significado se ditas por um preto ou por um branco? A tez da pele faz tanta rutura e cria tantos engulhos, assim, em quem pensa de forma diferente do racismo reinante e subserviente? Os que não têm a pele negra terão de pedir desculpa por, possivelmente, se destoarem ou destacarem daqueles que apresentam tal coloração? Algo de grave está, de verdade, em curso. Saber discernir tais riscos poderá parecer inteligência e não mera acomodação! Pensar com a cabeça bem arrumada pode fazer a diferença, seja qual for a cor da pele!

De facto, o alarido foi crescendo de dimensão, obrigando a que, quem queira ter aceitação nas flutuações consideradas ‘normais’, tenha de concordar com o desfecho da jogatana interrompida ou que deva assumir comportamentos que, uns tantos mentores duma certa ’maioria negra’, levam a que se faça o papel de figurante numa representação ridícula e quase farsante. Que dizer do número de teatro – manipulado, indecente e confrangedor – daquele ajoelhar no relvado, antes de alguns jogos? Recusar-se-iam ajoelhar diante de Deus e dos momentos sagrados da sua fé, mas ali prestam-se à ‘adoração’ de um fetiche manipulante e manipulador de quem, querendo discordar daquele ‘circo’, tem de fazer o papel de quase papalvo na configuração pública do fenómeno do futebol…

 

= Tem havido e há, podendo continuar a verificar-se exageros em detrimento de tantos que, em razão da sua pele – que é muito mais do que da sua raça – não foram devidamente valorizados. Mas não houve casos em que, tantos dos pobres, foram marginalizados por não terem meios de sobressaírem na hora mais correta e acertada? Que o digam tantos dos rapazes, em meados do século vinte, tiveram nos seminários diocesanos os espaços mais adequados de aprenderem a pensar, a terem ‘armas’ de afirmação e até de valorização humana, intelectual e cultural. Uma boa parte deles não seguiu a vida sacerdotal, mas receberam valores que ainda hoje os fazem serem cidadãos cultos e empenhados nas suas localidades de proximidade.

Não é nem nunca será uma frase de circunstância, essa nota de apresentação de alguns de nós na hora de sintetizar vivências de antanho: ‘fez os estudos nos seminários diocesanos’. Digo de mim mesmo e de tantos outros – em 1970 éramos quinhentos nos quatro primeiros anos de seminário menor de Braga – que à míngua de condições de vulgarização do ensino aprendemos a amar a Deus, a pátria e a Igreja, seja ela a instituição ou a família no sentido estrito.

 = O racismo por agora apresentado faz da diferença matéria de contestação, mas não valoriza condignamente tantos dos gestos de fraternidade vividos em muitos dos espaços eclesiais, pois aí não se olha à (dita) cor da pele, mas às pessoas que desejam crescer mais por aquilo que une do que pelo que, potencialmente, separa. Efetivamente, muitos dos racistas simulam-se nos gritos sem nexo e as provocações sem razão. Quantos deles se encobrem sob a capa da defesa dos mais vulneráveis, mas atiçam outros para a revolta sem rosto nem assunção das suas responsabilidades. Nota-se que as lições de dialética – recebidas, assimiladas e propostas – noutros tempos e com outros interesses ideológicos regem mais as tomadas de posição do que o conhecimento das verdadeiras causas e do combate às reais consequências.

Numa palavra: em Portugal não há racismo…sobretudo tendo em conta esse que dizem deambular em certas áreas, setores e vetores, pois não passa mais de uma falácia do que de um projeto mais ou menos bem orquestrado, servido e vendido.

Sim, o racismo configura-se como uma razoável artimanha da moda…política, social e mesmo cultural…que interessa mais a quem defende o dito do que à maioria dos portugueses. Não brinquemos com coisas sérias, hoje como ontem!

  

António Sílvio Couto

 


domingo, 13 de dezembro de 2020

‘Botão-de-pânico’: do medo à insegurança


 Foi notícia por estes: a entidade fiscalizadora do serviço de fronteiras quer introduzir um ‘botão de pânico’, quando alguém estiver a ser interrogado por tais entidades…e se sentir em perigo. Esta pareceu ser a fórmula menos bem avisada de atalhar a um assunto algo delicado, pois, há nove meses atrás, um cidadão ucraniano terá sido maltratado até à morte num desses serviços em funcionamento no aeroporto da capital.

Perante a indisfarçável fanfarronice do titular da pasta em que aqueles serviços estão inseridos, podemos perceber que esses responsáveis estariam a considerar que, de facto, tem havido problemas graves no trato das pessoas que chegam ao nosso país e que a plausível introdução do ‘botão-de pânico’ é um reconhecimento de que tais pessoas não são de confiança, devendo estar, antes, sob escrutínio e podendo os potenciais agredidos terem medo de serem colocados sob a sua custódia.

Apesar da confusão que estes meses de pandemia nos trouxeram, este assunto da agressão/morte do cidadão ucraniano esteve a fervilhar nos temas políticos mais sensíveis. Ao ser trazido à liça nesta época pré-natalícia é mais do que mera coincidência, na medida em que, a partir de janeiro, o governo português vai assumir, por seis meses, a presidência rotativa da União Europeia. Que dizer, então, da política de segurança de um país onde quem chega é maltratado, ofendido e liquidado? Como se poderá compreender que se queira apresentar aos outros na promoção da paz, se esconde as mazelas do sistema ou se faz de conta que é tolerante, mas condiciona a liberdade alheia? Até que ponto irá sobreviver um ministro que se considera acima de suspeitas, quando estas são mais a marca de comportamento do que a exceção?

 = O medo – físico, psicológico e até espiritual – tem vindo a crescer paulatina e progressivamente. Hoje parecemos mais medrosos do que há meses atrás, pois, alguns dos vetores da (pretensa) segurança foram claudicando. A prosápia de sucesso económico – social, político, económico ou financeiro – desmoronou-se qual castelo de cartas mal-amanhado. As chusmas de turistas e os ocupantes do ‘alojamento local’ esfumaram-se. Aquilo que era a (pretensa) segurança de emprego tornou-se uma utopia…nem sequer iludida pelo lay off na primeira vaga de pandemia.

Os vendedores de ilusões – diretores e gestores de bancos, políticos e autarcas, promotores imobiliários e empresários da construção, etc. – desmontaram à pressa o estaminé e esgueiraram-se por entre a multidão em pânico.  

 = Parentes do medo, vemos manifestarem-se sinais de insegurança, de ansiedade, de perturbação mental, de tristeza e até mesmo de violência nas casas, nas ruas e nos mais diversos lugares. Segundo alguns entendidos o confinamento alterou as reações das pessoas. Outros consideram que a tensão sobre o futuro próximo tem trazido à superfície muitos dos mitos sobre a capacidade de reagir às contrariedades e, sobretudo, aos momentos de incerteza bem a alguma incapacidade de lidar com tais condicionamentos. Também há quem considere que os ‘mais novos’ (crianças e adolescentes) começaram a manifestar indícios de perturbação, desde os mais simples e entendíveis até aos mais complexos e de maior risco… Sente-se, em geral, bastante apreensão sobre o futuro e nem as propostas religiosas – com maior ou menor teor cristão – parecem atenuar tais leituras e interpretações…tão negativas, pessimistas e algo tenebrosas.

 = Nesta época natalícia deixo, desde já, uma sugestão de mensagem com base nos textos bíblicos e tendo o tema que estivemos a analisar por referência:

‘Não temais... Hoje, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor’ (Lc 2, 10.11). Neste tempo de provação em pandemia, somos chamados a celebrar o Natal, que, antes de tudo, é de Jesus, pois festejamos o Seu nascimento. Por entre luzes e sombras, vamos caminhando neste tempo propício a abrir-nos a Deus e a fraternizarmos com os outros. Assim sejamos dignos e capazes de vivermos nesta época em cuidamos e nos deixamos cuidar com mais simplicidade. Que de olhos abertos, possamos ser mão de Deus uns com os outros.         

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Descobrir – procurar – conhecer

 


Este tempo pré-natalício e quase de final de ano pode ser oportunidade para refletirmos sobre aspetos essenciais da nossa vida.

Assim apresentamos uma pequena partilha sobre três dimensões desta possível avaliação e reconfiguração daquilo que somos, vivemos e aspiramos. 
* Descobrir o caminho para a maturidade
A descoberta de quem somos é uma tarefa de cada um de nós… ao longo de toda a nossa vida. Podemos entender esta descoberta, falando cada um sobre si mesmo, do sentido da sua existência, e da fundamental descoberta ‘da realidade do bem e do mal’. Essa autodescoberta pode converter-se ainda em hétero-descoberta: do mundo – humano e da natureza – que nos circunda, mas, de entre tantas descobertas, há uma que se deve destacar: ‘a descoberta pessoal de Jesus Cristo’, como é designada pelo magistério da Igreja católica, em que temos em conta não só a Sua existência histórica, mas Sua presença na vida de cada um de nós, naquilo que podemos designar de ‘a aventura mais maravilhosa da nossa vida’.
Atendendo à tríplice revelação de Jesus como caminho, verdade e vida, podem-nos ser colocados alguns desafios nas encruzilhadas do caminho da vida e nas diversas ambiguidades, sobretudo em relação aos mais novos, para que tenham Cristo, com o seu Evangelho, com o seu exemplo, com os seus mandamentos, como o caminho mais seguro e que leva a uma felicidade plena e duradoura…muito para além do meramente visível e percetível.
* Procurar o que dá sentido na verdade
Tendo em conta tantas e tão díspares propostas eivadas de soluções imediatistas, onde, por vezes, se misturam sugestões e confusões, intenções e deceções, desejos e más experiências, é apontado, sobretudo aos jovens, Cristo, como ‘a Palavra de verdade, pronunciada por Deus mesmo, como resposta a tantos interrogativos do coração humano’. Aquela tão célebre frase de S. Agostinho: ‘criaste-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto não repousa em Vós’, continua com atualidade na maior parte dos nossos jovens, quando saudáveis e equilibrados. De facto, só quando entendemos o alcance do mistério da nossa vida em condição terrena é que penetramos no sentido do significado de Jesus ser Aquele que nos desvela plenamente o mistério do homem e do mundo, ontem como hoje e por toda a eternidade!
* Conhecer em Jesus a plenitude da vida
Nunca como agora se mantém vivo e atual o desafio filosófico grego: ‘conhece-te a ti mesmo’. Com efeito, uma razoável maioria das pessoas do nosso tempo arrasta-se pelas vielas da vida, contentando-se com rebuscos de nada e alimentando-se com pílulas algo preconceituosas em relação a Deus e aos temas (ditos) religiosos. Por vezes, na análise que se vai fazendo dos jovens, podemos considerá-los como cada um que deseja ‘ardentemente viver a vida na sua plenitude’. Uma grande parte dos jovens ainda vive animada por grandes esperanças, por tantos bons projetos para o futuro. Por isso, numa linguagem cristã é importante não esquecer, inserindo tais desejos na perspetiva de que a verdadeira plenitude da vida só se encontra em Cristo, morto e ressuscitado por nós. De facto,‘ só Cristo é capaz de preencher até ao fim o espaço do coração humano. Só Ele dá a força e a alegria de viver, e isto apesar de todos os limites e obstáculos exteriores. De que adianta andarmos entretidos com tantas minudências, se a nossa meta está no mais longe, no mais alto e no mais essencial!

 

Breves notas:

- Qual o significado de termos visto o Presidente da AR e o chefe do governo vestidos com a t’shirt com o logotipo alusivo às JMJ2023: foi para animar ou para desmotivar? Não valeria a pena considerar maior discrição do que suportar esta mistura?

- Que dizer ao recurso, em meios católicos, para com certos ‘artistas’ do ‘stand-up comedy’ Queremos que eles nos achincalhem ou damos-lhes protagonismo, quando nos ridicularizam sem respeito mínimo?

- A quem serve este ambiente rácio-fílico? Por que é que alguns negros se sentem tão ofendidos, mas não respeitam quem os acolhe, antes alguns (‘democratas’) vão apelando à luta (morte) contra o branco? 

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

A tanta velocidade, porquê e para quê?

 


Foi notícia por estes dias um acidente onde se rodava a 221 kms/hora, deixando vítimas: uma mortal e outros vários feridos…numa tarde de chuva, tendo por espaço de desenvolvimento a principal autoestrada do país e ainda provocando um rasto de comoção algo irracional em tantos dos ‘artistas’.

Mais do que encontrar as causas verdadeiras, uma boa parte dos ‘comovidos’ centrou a atenção nas consequências, como se os intervenientes não devessem ser responsabilizados, tantos os vivos como os falecidos. Notou-se, à boa maneira das reações emotivas dos latinos, que, dependendo dos objetivos e dos intervenientes, não se vai ao cerne da questão, iludindo até quem prevarica e quase culpando quem nada tem a ver com o episódio, isto é, a estrada e não quem conduzia o veículo acidentado, bem como os outros atingidos.

 = Nesta época de superficialidade, do volátil, do efémero e mesmo da impressão sem compreensão, este facto fez-me emergir certas interrogações sobre o modo como andamos, mais acelerados pela pressa – tantas vezes sem nexo – do que pela maturação daquilo que somos, como vivemos e para onde caminhamos. Por breves instantes vamos esmiuçar estes itens:

* O que somos? – dá a impressão que somos mais resultado da acumulação de fatores alienatórios do que da soma de vetores assimilados e assumidos com nexo de vida. Recordo uma frase, escrita na caixa do suporte de uma bicicleta, por estes dias: devagar, amigo, que tenho pressa! Sim, a pressa é inimiga da chegada, pois esta pode acontecer quando nos dermos conta de que a abreviamos, queimando etapas… 

* Como vivemos? – no afã de querermos ser eficientes, corremos o risco de não deixarmos maturar as coisas simples e significativas da vida. Recordo essa caraterização de três sinais representativos da pressa nos nossos dias: a aspirina, o micro-ondas e as fraldas para simbolizarem alguns dos momentos da nossa rápida vida. Quando temos dores não temos tempo de as cuidar, toma-se uma aspirina, que alivia por instantes… Não há tempo para cozinhar, compra-se feito e aquece-se… É preferível o descartável, pois não há tempo para lavar…

* Para onde vamos? – para além de alguma desorientação no sentido para onde caminhamos – seria interessante ver como as pessoas titubeiam ao longo do seu dia-a-dia – nota-se que, cada vez mais pessoas, andam sem nexo, tanto na vida moral como nos comportamentos…mais ao sabor da onda do que com um rumo acertado.

 = Um tanto à guisa de provocação ouso colocar alguns pontos para aprofundarmos a nossa capacidade de reflexão neste tempo de pandemia:

+ Descobrir – o sentido da própria existência e também do mundo que nos rodeia. Precisamos de ter tempo de silêncio para escutarmos quem somos, para onde vamos, como nos conduzimos e com quem caminhamos. A família já não é mais a base da educação. A escola – pretensamente acrítica – formata mais do que educa, influencia mais do que ministra conhecimentos, cria mais espírito de manada do que dá critérios de conduta. Mesmo na ‘vida social’ são mais os riscos de ser guiado por matizes de grupo – dizem ‘seguidores’ nas redes sociais – do que pela mobilização de valores. Quem não postar coisas no facebook é considerado fora de moda ou sem ‘amigos’…

+ Procurar – quando se foi perdendo o ‘trabalho’ de pensar, vemos como uma boa parte dos nossos coevos se deixa influenciar por ‘modas’ a roçar o ridículo, se não tivessem sido anacrónicas noutros tempos. Deixo só a vulgarização das calças rotas – aquilo que seria desleixo e manifestação de indigência há anos, agora vê-se em cada canto e como roupagem de cada rasgado.  

+ Conhecer – continua atual o desafio filosófico grego: ‘conhece-te a ti mesmo’. Com efeito, uma razoável maioria das pessoas como que se arrasta pelas vielas da vida, contentando-se com rebuscos de nada e alimentando-se com pilulas preconceituosas. De facto, precisamos de pessoas que cuidam do seu equilíbrio, humano, cultural e espiritual, dando tempo a si mesmas, para que saibam compreender os outros, mesmo nas suas falhas e falhanços…

A velocidade é, verdadeiramente, inimiga da paciência!          

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Hoje como ontem, na mão de Deus

 


As circunstâncias atuais colocam-nos restrições à intercomunicação entre as pessoas e as sociedades, no contexto mais próximo ou mais longínquo, em questões simples ou mais complexas.

Acrisolados pela pandemia vivemos numa época em que temos de ir aprendendo a cuidar e a ser cuidados, numa sinergia entre tantas forças tão diferentes quão complementares.

- Mesmo que de forma ténue ou disfarçada emergem alguns para quem celebrar o Natal parece ser ‘natural’, quando ele é, de facto, sobrenatural porque reflexo da presença do divino em condição humana e não do unilateralismo inócuo de tantos humanismos sem Deus…

- A esses outros que querem usufruir do Natal, abjurando d’O festejado como que consideramos tê-los por oportunistas mais ou menos acobardados…pois empanturrados sem terem feito a digestão do essencial, mas servindo-se de um tal digestivo de recurso…  

- A tantos outros que se arrogam de querem fazer ou de gozarem o ‘natal’ quando lhes apetece, considero que, além de mal-intencionados, não passam de ignorantes sem laivos de mínima honestidade intelectual…ou ética.

 = Nunca será possível falar de Natal sem deixarmos de reportá-lo a Jesus, pois foi no seu nascimento que se democratizou o conceito – ‘nascer’ ganhou foros de celebração porque houve Alguém que se irmanou com os homens e fez deles seres divinizados. Foi da nossa condição humana que um Deus veio fazer-nos capazes de aspirações mais divinas; das múltiplas inquietudes degraus para crescermos na nossa deificação; das nossas falhas, erros, constrangimentos e até pecados oportunidades de sermos mais humildes porque iguais naquilo que nos faz vivermos mais atentos aquilo que somos e não como acusadores dos outros.

Atendendo à nossa comum experiência de fragilidade, mais avivada com esta pandemia, encontrei uma imagem que pode servir-nos de leitmotiv para o Natal deste ano de 2020: uma mão aberta acolhendo uma figura de criança, isto é, da concha da mão fazemos um berço à semelhança do local de aconchego de Jesus na manjedoura, lá na gruta de Belém.

Hoje, na mão de Deus, posso:

- colocar tantos que se sentem menosprezados na vida, desde a doença até ao desemprego, passando pelas tribulações familiares;

- entregar quantos dos deserdados da vida que se viram confrontados com novos problemas nesta época mais nostálgica e saudosista;

- envolver os que não puderam fazer luto por ocasião do falecimento de alguém de família, de amizade ou com laços de fé;

- sintonizar com os que estão sós, em solidão ou abandonados porque ninguém deles se lembra nem recorda; - ver com olhos novos – agora que temos de andar de máscara em defesa – tantas das situações que nos escapavam, dado que andávamos ocupados nos nossos (pretensos) problemas e sem atendermos tanto aos dos outros…

Por outro lado, como que escuto a voz de Deus que me chama a ser ‘mão de Deus’ para com aqueles/as que Ele coloca na minha vida, seja qual for a fonte de informação…diretamente, pelo telefone, por mensagem/rede social, televisão… Essa mão há de fazer-me crer e viver mais voltado para os outros e menos para mim. Essa mão aberta poderá servir-me, neste Natal de 2020, para combater tantas outras mãos fechadas pela reivindicação; tantos punhos encerrados pela violência e agressividade; tantos sinais de egoísmo que vejo e que quero evangelizar…

De mãos dadas havemos de tornar este mundo mais fraterno, sem medo, sem tristeza nem ansiedade. Conta comigo, Senhor! Sim, eu não quero falar do que Tu és para mim, mas acolher, com humildade e verdade, o que eu sou para Ti.  

 António Sílvio Couto


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Onde se meteram os católicos, nesta pandemia?

 


Nunca me tinha acontecido, ocorreu por estes dias: um dos locais onde costumo ir celebrar missa ao sábado à tarde como que me dispensou de o fazer, pela simples razão de que as pessoas mais velhas que ainda vão à missa têm medo e disseram que não iam – por precaução, digo eu – e outras duas ou três menos velhas estão doentes… logo, não havia condições para ter missa. Depois de duas semanas confinados à proibição de não sair de casa ao sábado à tarde, agora – mesmo no começo do Advento – não temos público/assembleia para a celebração da missa…

Este pequenino episódio, perdido entre tantos outros, começou a dar-me voltas à cabeça, procurando encontrar razões ou a cogitar a falta delas para tentar entender a deserção – talvez o termo seja demasiado rude – de tantos dos nossos católicos, desde que estamos sob o efeito psicológico-emocional da pandemia do ‘covid-19’.

= Para esta minha reflexão – não sei se outros já fizeram devidamente a sua – vou servir-me dos dados do espaço onde estou há mais de dez anos: Moita, Sarilhos Pequenos e Gaio-Rosário, que têm no conjunto – segundo dados do censo de 2011 – mais de vinte mil habitantes; destes teremos, na visão mais otimista, cerca de mil praticantes regulares da missa dominical… Agora, pelas contas meio superficiais, obteremos uns duzentos participantes nas missas, respeitando, tanto quanto possível, as regras sanitárias.

Depois da longa noite sem possibilidade de termos missa com assembleia – desde 14 de março até 31 de maio, isto é, o que restava da quaresma e todo o tempo pascal – quase tudo mudou: as crianças escafederam-se dos nossos espaços; os escuteiros só aparecem para as ‘suas’ atividades; os catequistas deixaram de estar com regularidade; muitos dos nossos mais velhos enclaustraram-se com medo; responsáveis de grupos e de movimentos vão tendo as ‘suas coisas’, mas em circuito fechado, como se o vírus se manifeste só nas ações comunitárias; o que antes motivava sair de casa para ir à missa, agora foi convertido em tele-missa ou pelas redes sociais, no remanso do sofá e das pantufas…como se tudo pudesse ser tele-qualquer-coisa sem ser coisa nenhuma de comprometedor.

= É verdade que, de uma forma um tanto esquisita, os católicos – a Conferência Episcopal e o resto dos fiéis – têm sido elogiados como bons cumpridores das regras higiene-sanitárias, emanadas da cátedra de uma tal senhora que mais parece confundir as intervenções com considerandos a despropósito do que na condução em bom senso… Às vezes é preciso ter gente à altura dos factos!

As diretrizes da CEP, publicitadas a 8 de maio passado, mais pareciam saídas de um manual de casuística moral de antanho do que provenientes de pessoas acertadas com uma visão personalista veiculada e servida na Igreja católica…dos tempos pós-conciliares. Sobre estas diretrizes considero que já era tempo de serem introduzidas correções em aspetos que até podem conflituar com a teologia eucarística e/ou a eclesiologia mais atenta, por exemplo as respostas à apresentação da comunhão e até à forma de ser distribuída, pois as ‘procissões’ previstas na celebração revelam mais do que meros movimentos ou ações de conveniência… Outro tanto se pode considerar sobre a partilha – devida em tempo de ofertório – atirada para uma espécie de pagamento em final de situação. Quanto foi (e é) tão difícil educar para que haja a mentalidade de que a ‘missa não se paga’, como se poderá reverter tal consciencialização, se, no final da missa, se passa a ‘receber’ o ofertório?

 

= Excerto da audiência do Papa Francisco, no dia 25 de novembro passado:

«Muitas vezes, sinto muita tristeza quando vejo uma comunidade com boa vontade, mas erra o caminho, pois pensa em fazer da Igreja um encontro, como se fosse um partido político, a maioria, a minoria; o que pensa sobre isso, sobre aquilo, como um sínodo, uma estrada sinodal que devemos fazer. Eu pergunto-me: mas onde está o Espírito Santo ali, onde está a oração, o amor comunitário, onde está a Eucaristia? (…)  A presença do Espírito Santo é garantida por essas quatro coordenadas. Para avaliar uma situação se é eclesial ou não devemos perguntar-nos sobre essas quatro coordenadas, como se desenvolve a vida nessas quatro coordenadas. Se falta isso, falta o Espírito, e se falta o Espírito seremos uma bonita associação humanista, de beneficência, até mesmo um “partido” podemos dizer “eclesial”, mas não há Igreja».        

 

António Sílvio Couto

sábado, 28 de novembro de 2020

Eutanasiados pela vacina?

 


Causou alguma perplexidade uma espécie de ‘fake new’: os mais velhos iriam ficar fora das prioridades no (possível) plano de vacinação em Portugal. Isto que parecia uma parte de um relatório preliminar como que se converteu rapidamente em algo alarmista, embora não muito bem fundamentado…

Se, noutros países, os mais velhos – superiores a 75 anos – constavam do topo da lista para a vacinação, por cá as razões pareciam ser as contrárias: está (ou estava) por demonstrar a eficácia das vacinas naquela idade, até porque não terão sido feitos testes – suficientes e convincentes – abrangendo tal setor da população.

Se a confusão trazida pelo ‘covid-19’ era grande, agora transformava-se noutro assunto ainda mais agravado. Diz-se por aí que esta coisa da pandemia ‘deu a volta à moleirinha’ de muita gente, isto é, confundiu as ideias onde as havia e turvou os pensamentos naqueles que os cultivavam…

A catadupa de episódios deste mega-acontecimento em que se converteu a pandemia do vírus fatal, far-nos-á corar de vergonha quando, daqui a uns tempos, analisarmos o que dissemos, o que fizemos e, sobretudo, o que não dissemos nem fizemos…correta e sensatamente.

Deixo alguns flashes para uma possível avaliação com mais serenidade, racionalidade e compostura… daqui a uns tempos:

* Aquele irrisório e bacoco cartaz tão difundido e quão pífio: ‘vai ficar tudo bem’, ainda por cima com o recurso a umas cores a fazerem lembrar outras lutas e piores diatribes…tornar-se-á a vergonha de quem dele se serviu para se autoiludir, ludibriando os outros. Não, não vai ficar tudo bem ou, então, seremos uns grandessíssimos irresponsáveis, se não tivermos visto e feito o que devemos e que vai ter mesmo de mudar, desde as coisas mais básicas de higienização até às mais complexas de convívio social.

* Teremos de reconhecer que há pessoas suficientemente oportunistas em tanto deste processo de pandemia em curso, na medida em que voltaram a discutir e contumazmente aprovaram a legislação facultativa da eutanásia. Isto é de pessoas que colocam o essencial no seu devido lugar ou que, pelo contrário, brincam com as circunstâncias para prosseguirem os seus intentos? O calendário ideológico não foi capaz de se conter tanto na forma, como no conteúdo, desde que consigam enganar os incautos… 

* O põe-e-tira da máscara fora ou dentro de espaços cobertos, com pessoas ou a sós, na conversa ou às refeições, nas missas ou na ida às compras…Dizem que resguarda, mas será que resulta? Dizem que evita contágios, mas será que é eficiente? Uns tantos/as mais fundamentalistas contestam o uso da máscara, mas podem ter de responder perante a justiça se se comprovar que foram causadores de difusão do vírus.

* Há um assunto neste campo pandémico em que me questiono com alguma preocupação: se alguns desses apelidados ‘negacionistas da covid-19’ – aqueles que negam o que há de nefasto provocado por este vírus, rejeitando o confinamento e outras medidas – adoecerem, precisando de tratamento hospitalar, terão o mesmo atendimento que outros não contestatários? Será justo que, não tendo cumprido as regras sanitárias, possam usufruir de idêntico cuidado, podendo até terem sido difusores do contágio? Será que deveremos ser corretos com quem foi, no mínimo, incorreto e/ou imprudente?

 

= O processo para a vacinação precisa, agora, de ser devidamente delineado, sem colocar ninguém de fora. Se aquela corrente de ideias – dado que de pensamento poderia ter outra qualificação – de deixar os mais velhos fora das prioridades avançasse, não estaríamos a praticar uma eutanásia social sem pedido? Se tal acontecesse a vacina poder-se-ia tornar uma arma dos mais fortes sobre os mais fragilizados ou, porque não, dos mais ricos sobre os mais empobrecidos…Mais do que estarmos todos no mesmo barco – alguns não sabem nadar – estamos envolvidos nas mesmas circunstâncias, onde todos somos pessoas com direitos e deveres iguais, cuidando e sendo cuidados com carinho e ternura, mais por humanismo do que por conveniência. Afinal, estamos irmanados na desgraça. Que o sejamos também na vitória contra as forças malignas!    

 

António Sílvio Couto

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Advento 2020 – sugestão de caminhada


 A preparação da vivência do Natal merece por parte da Igreja e de cada cristão uma atenção especial. O Advento é esse tempo litúrgico por excelência para, em Igreja, irmo-nos preparando para celebrar dignamente o Nascimento de Jesus: Ele é o festejado e não nós; Ele precisa de ser acolhido; Ele tem de ter lugar na nossa vida... Seja qual for o desenvolvimento deste tempo de pandemia, o Natal vale por si mesmo e precisa de ser convenientemente preparado. Deixamos um breve subsídio…

* Grandes figuras do Advento: Isaías, João Batista e Maria são as grandes figuras que nos ajudam a fazer a caminhada do Advento, não só pelas propostas litúrgicas, mas também pelo modo como viveram essa preparação da vinda do Messias/Cristo. 

* Palavras de Advento

Vigiai/vigilância, estai preparados, esperança, conversão, preparação, luz...
Aos domingos lembraremos os salmos responsoriais de cada missa, neste ‘Ano B’. Neles podemos perscrutar a dinâmica de expetativa com que celebramos a eucaristia dominical e o modo como esse espírito se deve espargir para o resto da semana. 

Senhor nosso Deus, fazei-nos voltar, mostrai-nos o vosso rosto e seremos salvos (I domingo);
Mostrai-nos o vosso amor e dai-nos a vossa salvação (II domingo);
Exulto de alegria no Senhor (III domingo);
Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor (IV domingo).
Cada domingo aponta-nos uma vertente, vamos acolhê-la com humildade e fidelidade...

* Sinais/cores na ‘Coroa do advento’

- 1.ª semana (29 de novembro a 5 de dezembro):
Ao acendermos a 1.ª vela da ‘coroa’ invocamos a presença do Senhor da Luz, de quem deseja-mos que o Seu rosto se ilumine no acolhimento da palavra de Deus...cada dia. Olhemos, por entre a postura da máscara, os olhos dos outros com simplicidade e verdade...
* A 1.ª vela de cor verde simboliza a esperança trazida pelos profetas que anunciam a vinda próxima do Messias... Ao acendê-la na ‘coroa do Advento’ coloquemos a nossa esperança pessoal e familiar na descoberta de Jesus neste Natal.

- 2.ª semana (6 a 12 de dezembro): na 2.ª vela de cor vermelha da ‘coroa’ colocamos o sentido do amor com Nossa Senhora a quem celebramos no decorrer desta semana, olhando e sendo olhados... por Ela como mãe. Tentemos olhar os outros com os olhos de Maria, vendo-os em Deus e Deus neles... - 3.ª semana (13 a 19 de dezembro): na configuração da ‘coroa do Advento’ a 3.ª vela de cor rosa assinala a proximidade em alegria do nascimento de Jesus, guiados pelo testemunho de João Batista... Ele sabe que é, mas não tenta ofuscar Aquele que veio anunciar. Eu aponto, de verdade, para Jesus? 

- 4.ª semana (20 a 24 de dezembro): com uma maior proximidade à celebração do Natal vamos adequando os sinais ao mistério que queremos celebrar pessoal, familiar e eclesialmente. A cor azul da vela da ‘coroa do advento’ ajuda-nos a lembrar a dimensão celeste do Natal de Jesus... Guiados por Maria seguimos as pisadas do verdadeiro Natal. 

* Por ocasião do Natal acendemos a 5.ª vela de cor branca, alusiva à luz divina, que resplandece no nascimento de Jesus...

 

António Sílvio Couto