Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 31 de agosto de 2019

Conhecer a história é alimentar a fé


Em ordem a preparar a festa de Nossa Senhora da Boa Viagem, no dia 8 de setembro, a Paróquia da Moita propõe a vivência da novena de 30 de agosto a 7 de setembro. Este ano o tema de caminhada são os azulejos que revestem a igreja matriz. Este momento da novena poderá ser uma oportunidade aproveitada para ir à descoberta da riqueza - artística, cultural, religiosa/cristã - do azulejamento da igreja matriz da Moita, servindo-nos de duas inscrições visíveis na igreja: uma colocada sob o púlpito e outra sobre a ‘capela’ batismal: ‘1719’... há 300 anos.
Dos dezasseis painéis percetíveis no azulejamento da igreja foram escolhidos nove, incluindo o texto bíblico alusivo à passagem ‘retratada’…com maior ou menos boa beleza: 1. Anunciação a Maria - Lc 1, 26-38; 2. Visitação a Isabel - Lc 1, 39-56; 3. Nascimento - Lc 2, 1-20; 4. Circuncisão e nome - Lc 2, 21; 5. Adoração dos Magos - Mt 2, 1-12; 6. Fuga e regresso do Egito - Mt 2, 13-15; 7.
Vida em Nazaré - Lc 2, 39-40. 51-52; 8. Dormição de Maria - Vaticano II, Lumen gentium, n.º 59; 9. Assunção de Nossa Senhora - Ap 12, 1-6.
Com a proposta da novena espera-se poder contribuir para o enriquecimento de quem quiser aproveitar esta caminhada da ‘novena’ deste ano, ajudando a conhecer um tanto melhor a riqueza dos azulejos da igreja matriz da Moita, por forma a ser mais cuidada, respeitada e sentida.

= Seguindo uma linha de tradição da espiritualidade da maioria das festas dedicadas a Nossa Senhora, esta novena a Nossa Senhora da Boa Viagem pretende enraizar-se naquilo que deve ser a preparação da festa, não a reduzindo a uma procissão e a alguns outros ritos subsequentes.

Diz o Diretório sobre a piedade popular e a liturgia: «tríduos, septenários, novenas, podem ser uma ocasião propícia, não só para realizar exercícios de piedade em honra da Virgem Maria, mas também para proporcionar aos fiéis uma visão adequada do lugar que ocupa no mistério de Cristo e da Igreja e da função que desempenha. Os exercícios de piedade não podem ser alheios aos progressivos avanços da investigação bíblica e teológica acerca da Mãe do Salvador; pelo contrário, devem converter-se, sem lhe alterar a natureza, num meio catequético de difusão e conhecimento» (n.º 189).

São exatamente estes os objetivos que norteiam a progressiva introdução da novena a Nossa Senhora da Boa Viagem entre os dias 30 de agosto e 7 de setembro, na Moita. Efetivamente a qualidade de uma festa – em honra de Nossa Senhora ou de algum santo – mede-se mais pela sua preparação e não tanto pelo desencadear de ritos, entre os quais a procissão. Esta, enquanto manifestação de religiosidade popular, pode conter até elementos nocivos à sua perspetiva cristã mais básica. Expurgar o que não interessa e retirar o que desvirtua a procissão como manifestação de fé cristã é tarefa de quem organiza, dinamiza e conduz.

Como refere o Diretório sobre a piedade popular e a liturgia: «para que a procissão conserve o seu caráter genuíno de manifestação de fé, é necessário que os fiéis sejam instruídos sobre a sua natureza, do ponto de vista teológico, litúrgico e antropológico» (n.º 246). 

= Retomando a novena, em concreto deste ano, de preparação da festa de Nossa Senhora da Boa Viagem, será preciso ter tempo para aprender, meditar e levar à vida aquilo que os painéis de azulejo da igreja matriz da Moita nos querem comunicar. Desde há trezentos anos que eles ali estão para os contemplarmos com olhos de fé e não de meros visitadores; para nos deixarmos referenciar a algo que nos comunica alguns dos mistérios da vida de Nossa Senhora; para nos deixarmos esclarecer por elementos contidos na sua exposição, mas que precisam de ser descodificados com simplicidade, argúcia e fé. Esta será tanto mais esclarecida quanto nos detivermos a observar cada um deles e daquilo que nos falam do mistério de Deus em Maria.

Depois de aprendermos, poderemos rezar, mesmo o Rosário, agora com novo significado, não de mero conhecimento de umas coisas acerca dos azulejos, mas daquilo que querem comunicar de fé professada, celebrada e testemunhada.

Queira Deus que esta novena nos ensine a conhecer para amar mais a arte exposta na igreja matriz da Moita através dos azulejos. Daí poderá advir maior respeito, cuidado e atenção dada àquilo que nos foi legado pelos antepassados… sabendo transmiti-lo aos vindouros. 

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Homenagens na saída, não, obrigado!


Quando alguém está prestes a terminar um determinado trabalho, que exerceu durante algum tempo com maior ou menor eficiência, podem gerar-se movimentações para que possa haver alguma ‘homenagem’ antes da sua saída. Deste modo como que se pretende dar a entender, a quem sai, algo que possa ter a ver com o reconhecimento pelo que foi feito.

Poderia haver muitos campos de intervenção para analisarmos este tema da homenagem à saída de alguém de um trabalho/tarefa/função feito, mas cingiremos a nossa observação sobre o setor eclesiástico, que nem sempre significa especialmente eclesial, mas antes reduzido a algum afunilamento para com os padres…em maré de mudança de serviço, de paróquia ou de espaço de presença pastoral mais visível.

Talvez iniciativas desta natureza da homenagem pretendam mais camuflar do que reconhecer qualquer trabalho realizado, pois, na hora da despedida podem-se cometer exageros e muitos deles parecerão ainda desculpa para algum descompromisso recauchutado de pseudo-arrependimento.

Efetivamente custa muito ver enquadrado no caixilho da homenagem aquilo que deveria ser o contentamento do dever cumprido, esse que faz de nós cidadãos/ministros que servem os outros e que não necessitam de certas adulações para continuarem a dedicar-se àquilo que é a razão de ser disso que se pretende ser, de verdade. 

= Nunca aceitei qualquer festa ou festinha por ocasião da cessação de algum serviço e, se tolero que possam promover no começo, é porque não está nas minhas capacidades diretas, evitá-lo. Com efeito, a nossa capacidade de servir deveria estar mais acertada com essa norma do Evangelho: ‘quando tiverdes cumprido tudo o que vos mandarem fazer, dizei – somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer’. É nesta frase provocadora das conveniências com que vemos ou podemos ser vistos que deveríamos ancorar o nosso comportamento, não permitindo – direta ou indiretamente – que sejam feitas homenagens e tão pouco dadas ou recebidas comendas, condecorações ou promoções…por mais aplaudidas ou desejadas que forem.

Em certas circunstâncias encaixa com simbolismo redobrado a frase latina –‘asinus asinum fricat’ – de tradução: ’um burro coça outro’, numa interpretação de que ‘quem não presta, elogia quem lhe faz o mesmo’. Ora, certos momentos de homenagem ou propostas de reconhecimento de tarefas quase poderiam ser enquadrados nesta simbologia, pois alguém fará o mesmo para com quem lho fez antecipadamente… e andaríamos à volta ou à procura de idênticos argumentos para voltarmos ao princípio. 

= A melhor homenagem ou reconhecimento – no caso de trabalhos que envolvam a presença de outros – é esse da participação, quando se é chamado ou se deve prontificar para fazer parte da solução e não poder continuar a ser fator de problema pelo desinteresse ou a recusa em participar. Em quantos dos momentos da vida de uma paróquia, de uma associação ou de um grupo organizado se pode e deve fazer parte e não ficar a assistir para ver quando falha, periga ou colapsa. Quantas oportunidades são desperdiçadas para construirmos em comum, sem reclamar protagonismo, com esses que temos e não com os desejáveis que nunca chegam ou se interessam. Em quantas das etapas poderíamos usufruir dos dons e qualidades de cada um em vez de nos atermos a viver da crítica, da maledicência e até da má-fé. Enquanto as nossas paróquias, grupos ou associações forem espaços não de comunhão, mas de competição, estaremos a perder o tempo…na programação de festas e de homenagens que soam a oco, porque falsas e falseadoras daquilo que somos e do que devíamos ser todos…cristãmente.  

Urge, por isso, purificar com critérios do Evangelho tantos dos nossos comportamentos eivados de sinais mundanos e fabricados à semelhança de outros interesses que não os do serviço desinteressado, fraterno e solidário.

Com todo o gosto preferiria dizer ter recusado uma condecoração/comenda do que ostentá-la por mais simbólica que fosse… Custa muito ser cristão de vida!        


 
António Sílvio Couto

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Sinais para avaliar quem diz que serve


Há dias recebi esta estória. Por muito rude que pareça, talvez possa falar o bastante daquilo que temos estado a viver e, sobretudo, poderá ser uma prevenção para com tantos que nos tentam cativar…até para as próximas eleições. 

Numa da suas reuniões, Hitler pediu que lhe trouxessem uma galinha. Agarrou-a fortemente com uma das mãos enquanto a depenava com a outra. A galinha, desesperada pela dor, quis fugir mas não pode.
Assim, Hitler tirou todas suas penas, dizendo aos seus colaboradores: “Agora, observem o que vai acontecer”.
Hitler soltou a galinha e pô-la no chão e afastando-se um pouco dela. Pegou num punhado de grãos de trigo, começou a caminhar pela sala e a atirar os grãos de trigo ao chão, enquanto os seus colaboradores viam, assombrados, como a galinha, assustada, dorida e a sangrar, corria atrás de Hitler e tentava agarrar algumas migalhas.
A galinha o seguia fielmente por todos os lados.
Então, Hitler olhou para seus ajudantes, que estavam totalmente surpreendidos, e disse-lhes: “Assim, facilmente, se governa os estúpidos. Viram como a galinha me seguiu, apesar da dor que lhe causei?
Tirei-lhe tudo..., as penas e até a dignidade, mas, ainda assim ela segue-me em busca de farelos”.
Assim é a maioria das pessoas, segue os seus governantes e políticos, apesar da dor que estes lhes causam e, mesmo que lhes tirem a saúde, a educação e a dignidade, pelo simples gesto de receber um benefício barato ou algo para se alimentar por um ou dois dias, o povo segue aquele que lhe dá umas simples migalhas. 

Poderemos mudar o sujeito da estória…para um qualquer outro no tempo, no espaço e na história, mas muito do que nela se revela conjetura-se para além de mera ’fake news’…daquela como desta época.

- Não é verdade que o povo segue e vota em quem lhe dá, ao menos, uns trocos, mesmo que embrulhados em enganos e meras suposições?

- Não é verdade que temos estado a ser aliciados com vitórias e ganhos económicos, mas à força de sermos espremidos até ao tutano – em impostos indiretos – pela simples razão de podermos gastar agora o que amanhã nos vai fazer falta?

- Não é verdade que vai percorrendo o país uma onda de otimismo enganador, mesmo que à custa de mentiras e de bastantes inverdades, desde que bem doseadas com festas e celebrações de fachada?

- Não será verdade que a plêiade de habilidosos se esgota quando se descobre que as artimanhas têm perna curta e que os ganhos depressa se tornarão pesadelos para muitos menos do que seria aceitável?

- Não será questionável que continuem a surgir nas listas para votação – seja qual for o partido – figuras que não passam de elementos decorativos e de cedilhas ou de vírgulas colocadas a esmo num texto que não está escrito com a grafia mais adequada?

- Não será, no mínimo vergonhoso, que surjam quotas para mulheres sem competência ou figurões sem qualquer relevância, desde o passado, no presente e para o futuro? 

Dá a impressão que não temos aprendido nada com as lições do passado – mais recente ou mais longínquo – na medida em que dizemos confiar nos mesmos que levaram o país à bancarrota e à ruína, que não somos desconfiados o suficiente para colocarmos fortes reservas a quem promete tudo a todos e não faz nada a ninguém, à exceção dos que são da sua cor, da sua ideologia ou mesmo do seu grupo subterrâneo.

Pior do que tudo isso é a insuficiência de liderança com que temos estado a conviver: os melhores não se deixam submeter à arruaça de uns tantos que só conhecem a adulação, a conveniência ou os estratagemas para irem deambulando por entre a mediocridade, pois dela são corifeus e servidores. Começa a ser, para além de vergonhoso, preocupante que se vão perpetuando no poder – central, autárquico ou em setores intermédios – os que menos valem, deixando um rasto de incompetência, de banalidade e, em muitos casos, de boçalidade. Cada terá o preço com que se deixar comprar…agora ou no futuro!

 

António Sílvio Couto

sábado, 24 de agosto de 2019

Ditadura das minorias


Mais uma vez um grupo minoritário foi alçado à categoria de grande interveniente na sociedade… portuguesa.

‘Temos a estimativa de cem a duzentas as crianças e adolescentes transgénero num universo de um milhão e duzentos mil estudantes no ensino secundário’. Foi desta forma simplista que um elemento do governo, ligado à educação, explicou uma alteração prevista entrar em funcionamento dentro de dias nas centenas de escolas do país.

A questão liga-se à diferenciação entre a identidade de género e o sexo atribuído.

Algo do foro pessoal, íntimo e reservado passou a ser bandeira de certos grupos minoritários, que, afinal, querem impor a sua diferenciação à maioria e com isso poderem vir a ser maioritários nalguma qualidade, embora não o sejam ainda na residual quantidade… 

= Efetivamente tem vindo a crescer a imposição de setores minoritários àquilo que se convencionou chamar maioria, muitas das vezes mais silenciosa e negligente do que representativa seja de que posição possa ser.

Se nos ativermos às manifestações verificadas no século vinte e um poderemos encontrar a área da pessoa e da sua moralidade/ética como um dos âmbitos mais infiltrados de questionamentos sobre a sexualidade – nalguns casos quase se reduzindo tudo à mera genitalidade – e onde os direitos individuais tentam impor-se aos comunitários, isto é, uma pessoa considera-se no direito de que lhe sejam respeitadas as suas especificidades, mesmo que isso implique colidir com a organização social, educativa, laboral ou mesmo associativa…do resto.

Isto é ainda mais sintomático quando vemos forças partidárias/ideológicas de índole coletiva – marxistas, leninistas, trotskistas ou anarquistas – a serem os promotores, difusores e cultivadores dessa incongruência mental… De facto, tornam-se os militantes de causas fraturantes, mas que não passam de colagens de grupos de interesses mais ou menos subterrâneos, trazidos à luz da política por manifesto combate à cultura judaico-cristã nos campos da família e da ética pessoal e/ou social. 

= De algum modo certos nichos ou bolhas de cumplicidades têm-se organizado em partidos – alguns como conglomerações mal-amanhadas – que cativam a atenção de franjas mais ou menos pretensamente instruídas, embora lendo por cartilhas de séculos anteriores e com projetos próprios de épocas de laxismo moral e de alguma devassidão de valores, de critérios e de comportamentos. Em bloco ou em coligação, sob a capa de intuitos difusos ou de forma mais combativa e acintosa, com razoável cobertura dos mass media, muitos deles suportados exatamente por lóbis de tais interesses.

Não deixa de ser impressionante a rápida difusão de questões anteriormente resguardadas no seio familiar, que agora se tornaram fatores de discussão, motivos de petições (a nova versão da vergonhosa recolha de assinaturas de antanho), ajuntamentos ruidosos e vistosos, onde os problemas se banalizam e o folclore dos assuntos toma a forma de quase anedótico, embora não se devesse expor quem sofre e que precisa de compreensão e não de aviltamento dos seus casos…

No palco do faz-de-conta surgem as mais díspares posições, muitas delas reclamando respeito, mas desrespeitosas para com quem pensa, vive e se comporta de modo diverso dos modelos a serem seguidos…por eles/elas. Eis pequenos tiques de ditadura de ‘ou pensam como eu ou são retrógrados, homofóbicos, xenófobos e racistas’… Deste modo estaremos a criar condições para que os pequenos ditadores se imponham não pela convicção, mas pela coação.

É tempo de dizer basta a tais ‘intelectuais’ do submundo da ignorância, pois foi deste modo subtil que outros fizeram do seu combate as armas de conquista à força e sem razão.

Saídos dos armários da intransigência, eis que temos de aprender a não dar a importância que tais ditadores de minorias se nos querem impor…até à exaustão como noutras circunstâncias de menos boa memória.

Acordemos da letargia onde nos têm embalado e tantas vezes enganado…Uma mentira dita com convicção nunca se poderá tornar verdade, nem que seja recorrida à custa da manipulação!

 

António Sílvio Couto

 

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Por que têm (tanto) medo de Salazar?


De forma recorrente emerge na discussão pública algo relativo a António de Oliveira Salazar. Falecido em 1970, ainda atormenta muita gente. Por diversas vezes têm surgido iniciativas sobre a sua figura e ação política. Mais um momento em que tal recurso está colocado e com vozes, opiniões e posições a roçar o quase irracional.

Consta que pretendem construir um ‘museu interpretativo do estado novo’, que será, certamente, bem mais do que configurar tudo à volta de Oliveira Salazar, tanto no tempo como no espaço e, sobretudo, no significado das coisas, das ideias e dos resultados.

É compreensível que uma franja perseguida, aprisionada e combatida, pelo regime que se pode considerar de ‘2.ª república’, tenha para com Salazar uma atitude quase obsessiva, dado o peso da memória fantasmagórica que lhe está associada… por esses bem mais septuagenários do que na idade. Alguns se algo valem – social e culturalmente – é por ainda viverem nesse passado que não-volta-mais…

Circulam petições – uma contra a iniciativa e, pasme-se, outra a favor – com razoáveis números de assinaturas de ambos os lados. Desde logo isto pode significar que já não há tanto medo como, por exemplo, em 2007, quando os opositores tentaram silenciar quem ousasse destoar da onda…de estar contra. 

= Apesar de tudo a figura de Salazar é alguém incontornável na história do nosso país. Como todos e cada um teve qualidades e defeitos. Como é habitual foi criando admiração e controvérsia. Soube recuperar o país de uma fase muito complicada que foi a 1.ª república e na sua 2.ª etapa esta foi passando por entre os pingos das dificuldades de muitos acontecimentos mundiais, como guerras e conflitos económicos à mistura com convulsões ideológicas na Europa e no mundo.

Olhando o percurso da história desde a década de trinta até à década de sessenta do século passado, Portugal continuou fechado a muito do que foram as inovações antes, durante e depois da segunda guerra mundial. Isso atrasou-nos em muitos aspetos e não só no âmbito político. Fomos – se é que ainda não somos, ao menos na mentalidade – um país ruralista, com tiques de caciquismo acentuado, numa simbiose entre ignorância e de falta de visão para o futuro… que ainda se repercute nos nossos dias. 

= Soa, por isso, a saudosismo a acentuação do país do fado, do futebol e de alguma religião tradicionalista. Ancorados em valores de índole de conveniência temos andado ao sabor daquilo que cá chega, normalmente, com duas décadas de atraso. Já muitos países estão a rever os conceitos de natalidade e por cá defende-se o aborto como sistema de controlo da natalidade. Já em muitos países se propõe um outro sistema de trabalho e de sindicalismo e por cá vivemos aferrados a que os sindicatos continuem a ser correias de transmissão dos partidos políticos. Noutras paragens a saúde é tratada como assunto de prioridade e por cá investe-se na configuração da estatização deste setor tão fundamental à (dita) qualidade de vida das populações.

Dá a impressão que o fechamento, aludido à época de Salazar, deixou muitos tentáculos semeados nas consciências de tantos que se arvoram seus detratores, mas que conjugam, hoje melhor do que no antanho, as ideias do regime que foi deposto há quase cinco décadas.  

= Há um setor da vida coletiva que pouco mudou do tempo de Salazar para agora: as autarquias. Em muitas delas vigora um regime – contínuo, contumaz e contundente – sempre da mesma cor. Ora isso favorece o clientelismo, o caciquismo e até a usurpação de funções, tão aduzida – e bem – ao regime que caiu em 25 de abril. O problema, hoje, é que quem está no poder ainda não se apercebeu dos erros, pois o distanciamento entre o que se faz e o que devia se feito é muito reduzido. Daí vermos situações que deveriam questionar a democraticidade de certos atos, de algumas funções e de outras tantas confusões. Com alguma vulgaridade vemos os mesmos a circularem entre os diversos postos de mando, seja qual for a incidência ou o âmbito de intervenção. Será isto, democracia ou totalitarismo? Será isto, rotatividade ou corrupção? Será isto, alternância ou falta de alternativas?

Quase cinquenta anos depois falta mesmo fazer a interpretação do nosso ser português…a fundo!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Como fazer das procissões manifestações de fé cristã?


«Nas suas formas genuínas, as procissões são manifestações da fé do povo e têm frequentemente conotações culturais capazes de despertar o sentimento religioso dos fiéis. Porém, do ponto de vista da fé cristã, as ‘procissões votivas dos santos’ [levando processionalmente as relíquias ou uma estátua ou uma efígie dos santos pelas ruas da cidade], tal como outros exercícios de piedade, estão expostas a alguns riscos e perigos» – Diretório sobre a piedade popular e a liturgia, n.º 246.

Desde já uma declaração de interesse: sou defensor das procissões, sempre as vi e as vivi como manifestações de fé e considera-as ainda como oportunidades (aproveitadas ou perdidas) de evangelização mais do que de catequese.

Tal como se diz no documento da Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos há riscos e perigos. Neste texto gostaríamos de centrar a atenção nestes sinais nem sempre positivos ou talvez mais reveladores de algum paganismo infiltrado nas ‘nossas procissões’.

Escrevo depois de uma experiência recente menos boa ou mesmo desagradável de duas procissões na mesma tarde, no contexto da mesma paróquia, mas sob a alçada de povoações rivais, controversas e um tanto complexas…

Sem exagero encontro nas ‘nossas’ procissões os riscos seguintes:

– termos pessoas que participam, levando os andores ou outros sinais, que não têm um mínimo de prática religiosa e nalguns casos nem formação humana e de educação;

– não haver uma preparação suficiente para desempenhar essa tarefa, pois não basta ter boa vontade, é necessário que tenhamos compostura, asseio e bom senso;

– podermos, até sem disso nos darmos conta, mais exaltar a vaidade do que o serviço, o bairrismo mais do que a comunhão, a discórdia mais do que a união;

– perdermos a oportunidade de apontar para Deus, que os santos e Nossa Senhora quiseram glorificar, para realçarmos facetas mais humanas e, por vezes, um tanto pagãs ou paganizadas;

– deixarmos de rédea solta quem não sabe nem quer saber do significado das procissões e da sua relação com o divino, mais do que na convulsão do humano;

– podermos confundir estas manifestações de fé com outros momentos sociais, sindicais ou políticos, misturando ou deixando que possa haver aproveitamentos menos dignos de alguns. 

= Esta meia dúzia de riscos e/ou perigos serão tanto mais potenciados quanto os intervenientes se deixam guiar por intuitos que não servem a boa-fé nem a fé boa. Com efeito, certos bairrismos onde se quer suplantar os vizinhos pelo foguetório – antes, durante ou depois – será isso digno de sentimento religioso, que deve estar presente nas procissões? Quando os adereços de (ditos) artistas de renome – às vezes não passam de embrulho e de pacotes de agência – servem para que se meça o valor da festa, será isso dimensão cultural mínima e suficiente? Quando se pretende fazer de uma festa ou de uma procissão em particular uma tentativa de afirmação social, económica ou de grupo, não estaremos a desvirtuar a genuinidade da fé que fez surgiu tais manifestações dos crentes? 

= É neste quadro de ser manifestação de fé – simples ou esclarecida, enraizada ou adventícia, mais pessoal ou popular – que devemos fazer com que as procissões não se desviem do seu sentido original, pois isso seria ofender aqueles a quem pretendemos honrar, fazendo que os imitemos na forma como se deixaram fazer santos/as. Levar para a rua essas imagens – maiores ou mais pequenas, mais bonitas ou mais rudimentares, mais singelas ou mais ricas – é sempre um compromisso em sermos dignos de quantos nos precederam na fé e devemos transmitir aos vindouros não só uma certa tradição, mas um testemunho de vida, alicerçado nos valores do Evangelho e no seguimento atualizado de Jesus, o nosso mestre e senhor.

Pelas procissões, sim, mas que tenham beleza, organização e cristianismo… Tudo o resto pode ser rapidamente exorcizado de tantas influências malignas, tendenciosas e paganizadas…

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

8 anos depois…726 artigos


Foi a 19 de agosto de 2011 que emergiu este blogue com a simples intenção de fazer ‘partilha de perspetivas…tanto quanto (possível) atualizadas’.

À hora em que escrevo foram 133.265 os visitantes e talvez muitos deles leitores/as.

Neste tempo decorrido fui tentando ler com olhos cristãos – nunca por nunca esqueço os valores que me guiam – os acontecimentos variados do mundo, no âmbito da Igreja e mesmo na incidência local. Mais do que lições tem sido minha intenção veicular a perspetiva cristã daquilo que me é dado ver, ler ou ouvir.

Um tanto com admiração negativa foram muito poucos os comentários expressos aos textos escritos. Houve, deste modo, uma comunicação quase-unívoca, embora saiba que alguns escritos deixaram opinião em que os leu e até comentou em círculo mais restrito.

Esta breve nota pretende só assinalar a data e esperar que Deus me possa dar sabedoria, tempo e oportunidade de servi-Lo na Igreja com os possíveis dons que Ele me concedeu.
A todos: obrigado. Espero continuar ajudando e sendo ajudado.

António Sílvio Couto





sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A força do poder ou o poder da força?


O ambiente social em que temos estado a viver neste verão coloca-nos exatamente esta questão que é muito mais do que um trocadilho: perante um problema social – de segurança ou de boa convivência – não estaremos a ser induzidos a aceitar a força do poder, simbolizado em medidas de natureza excecional elevadas à categoria de normalidade ou, pelo contrário, o poder não tem estado a usar de mecanismos de força para se fazer afirmar, respeitar e governar…mesmo que isso implique serem cometidas tropelias para com direitos (pretensamente, noutros casos) constitucionais?

O silêncio de certas forças, que (ainda) se dizem defensoras dos trabalhadores, do povo e da classe operária é atroz: há um ruído de fundo que não deixa escutar quem nada diz e tão pouco nos permite perceber se a experiência de terem estado nas franjas do poder lhes calcinou os protestos… Numa linguagem um tanto saloia como que diria: bastará acenar com uns tantos tachos na governação que os protestos se calam, mais por conveniência do que por convicção. Assim, quando saírem a reivindicar já saberemos que é mais por vontade de protagonismo do que por quererem mudar – para bem do que pelo bem – seja o que for… Há chavões ideológicos que foram metidos na gaveta do sindicalismo em exercício. 

= Nesta balbúrdia de interesses, em conluio misturado à la carte, há questões que emergem, numa tentativa de entender o cenário, de compreender os atores e de decifrar a mensagem.

Em tempo já de campanha para as próximas eleições legislativas, este conflito socio-sindical tem aparecido como uma razoável oportunidade de fazer sobressair o partido que governa, havendo quem protagonize que pode ser uma rampa de lançamento para uma vitória maioritária, que até agora não se refletia nas recentes sondagens. Por outro lado, a posição displicente do resto dos partidos – tanto os da geringonça como os da putativa oposição – meteram férias, deixando campo aberto a que, quem manda, se torne ‘rei e senhor’ de tudo e do resto. Estamos perante um gritante abuso de poder, sem olhar a meios para atingir os fins…sejam lá quais forem os pretendidos!

De facto, as pretensões dos agora grevistas surgiram de forma nebulosa, pois não se entendeu logo se queriam parar o país ou se desejavam que olhássemos para eles como trabalhadores mal pagos, embora sem conhecermos, verdadeiramente, as contas pelas quais se regem, ganham e são remunerados. Por seu turno, os empregadores – pulverizados numa associação que envolve múltiplas funções e diversas marcas de corporativismo – sentem que não devem entregar, de forma tão simples e rápida, a garantia de aumentos para vários anos de exploração laboral. Eles sabem que nesse intervalo poderá surgir uma nova crise económica – daqui a dois anos (2021) – e os aumentos pretendidos serão inexequíveis…  

= Se atendermos aos sinais que nos foram dados por estes dias como que podemos começar a conjeturar: se o governo ainda não tem maioria e já se comporta desta forma minimamente despótica, o que será se atingir a maioria absoluta: irá tratar os contestatários – sindicalistas ou outros – do modo mais cilindrado que lhes for possível; reduzirá à utopia a ‘consagrada’ lei da greve; será implacável para com quem se lhe oponha, usando requisições civis ou serviços mínimos com fartura…

Efetivamente a máquina de propaganda – na sua maioria servida por uma razoável comunicação social seguidista – está a trabalhar com todo o empenho para que sejamos reduzidos à portugalândia mais etérea, pois não ser, mesmo que camufladamente, por quem governa soará quase a traição aos ideais sempre anunciados, mas ainda não atingidos…

Resta-nos esperar que por cá aconteça o mesmo fenómeno que percorreu o resto da Europa (e não só) da falência das teias de índole socialista/trotskista/comunista… Desde 1989 foram caindo como peças dum espetáculo mais ou menos insonso…nos mais diversos países onde mandaram e foram peias no poder. Por cá – como sempre atrasados duas décadas – ainda vigoram com teorias sociais, projetos económicos e tentativas financeiras. De verdade a força do poder quase sempre se esboroa quando se pretende impor como poder pela força. Oxalá o povo tenha memória no espaço mais curto possível!     

 

António Sílvio Couto

Qual a conexão entre Assunção e ser padre?


A lista de padres ordenados em 15 de agosto é significativa. Talvez seja a data em que se verificam – desde há longos anos – mais aniversários de ordenação de padres e até de alguns que agora são bispos (6). O número global é de 241… na sua maioria das dioceses de Braga, Viana do Castelo, Coimbra, Porto, Leiria-Fátima e Lisboa…à mistura com alguns de Lamego e de Santarém. Neste ano nota-se a ocorrência de diversas efemérides de jubileu, sobretudo de ‘bodas de ouro’ sacerdotais.

Apesar de esta data ter sido escolhida, sobretudo, na década de 60 do século passado – na maioria dos casos por ocasião do Concílio Vaticano II – haverá alguma simbologia na preferência e no seu significado? Como se pode fazer a correlação entre o mistério celebrado e o ministério exercido? Como poderemos articular as diversas incidências entre a dimensão mariana e a expressão de sacerdócio ministerial?

Deixo aqui a reprodução de um texto medieval sobre o ministério sacerdotal, encontrado em Estrasburgo, França, tentando colocar as linhas essenciais sobre aquilo que, envolto em consonância, poder-nos-á aferir à mais profunda conexão teológica, espiritual e cultural…entre a Assunção de Nossa Senhora e o ser padre.

«Ser padre é ser grande e pequeno

Nobre de espírito como sangue real,

Simples e natural como de húmus camponês.

Um herói na conquista de si,

Um homem que se bateu com Deus,

Uma fonte de santificação,

Um pecador perdoado,

Um homem mestre dos seus desejos,

Um servidor para os tímidos e os fracos,

Que não se humilha diante dos poderosos

Mas se curva diante dos pobres».

Respiguemos, agora, aspetos contidos em mensagem neste texto.

Desde logo o grande mistério de um ser humano ter sido chamado a exercer funções de incidência divina. Com efeito, ser padre é uma graça, um chamamento e uma vocação… onde o mistério divino como que suplanta todas as condicionantes humanas, muitas delas bem mais profundas do que é percetível à compreensão natural. Quantas vezes Deus chama alguém que até nem é o mais dotado – humana, intelectual ou economicamente – e, ao lado, fica outro (ou outros) que teria mais condições de ser isso que se pensava poder preencher os requisitos de tal tarefa… Quantas vezes uma família acolhe esse dom de um filho chamado ao seminário com tantos e heroicos sacrifícios, enquanto outros mais abonados até ao nível financeiro se retraem coartando uma possibilidade de discernimento vocacional a longo prazo… Quantas situações vi, conheci e senti de rapazes bons para poder vir a ser padres e foram ficando pelo caminho, embora fazendo, hoje, em muitas localidades, as referências humanas e culturais…

Efetiva e afetivamente a conexão entre a celebração da Assunção de Nossa Senhora e o ministério sacerdotal faz-se nessa imensa visão de estarmos de olhar voltado para o Além, numa tentativa de sermos nesta condição terrena as sentinelas divinas e os mensageiros da profecia de Jesus Cristo.

O cântico do Magnificat (Lc 1,46-55) resume tanto a vivência de Maria, na sua expressão máxima pela solenidade da Assunção, como é (ou pode ser) projeto de vida para qualquer padre ao longo do exercício do seu ministério. Assim o consigamos entender, viver e testemunhar!    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

O que é a ‘ideologia de género’?


Desde há uns tempos a esta parte – ocidental e, sobretudo, europeia – que temos vindo a assistir à substituição da referência ao sexo (masculino ou feminino) pela palavra ‘género’, parecendo com isso estarmos a falar de algo diferente/igual, misturando-se conceitos, terminologias e vivências com algo mais abrangente e, talvez, menos concreto porque um tanto irreverente.

Para abordarmos este tema vamos servimo-nos de um documento (carta pastoral) da Conferência Episcopal Portuguesa sobre o assunto, com data de 14 de novembro de 2013, intitulado: ‘A propósito da ideologia de género’.

«Difunde-se cada vez mais a chamada ideologia do género ou gender. Porém, nem todas as pessoas disso se apercebem e muitos desconhecem o seu alcance social e cultural, que já foi qualificado como verdadeira revolução antropológica. Não se trata apenas de uma simples moda intelectual. Diz respeito antes a um movimento cultural com reflexos na compreensão da família, na esfera política e legislativa, no ensino, na comunicação social e na própria linguagem corrente (...) Opõe-se radicalmente à visão bíblica e cristã da pessoa e da sexualidade humanas (...) Trata-se da defesa de um modelo de sexualidade e de família que a sabedoria e a história, não obstante as mutações culturais, nos diferentes contextos sociais e geográficos, consideram apto para exprimir a natureza humana».
* O que é, essencialmente, a pessoa humana?
Perante certos interesses de grupo – comummente chamados de lóbis – como que precisamos de ir ao essencial. O documento da CEP refere «porque a pessoa humana é a totalidade unificada do corpo e da alma, existe necessariamente, como homem ou mulher. Por conseguinte, a dimensão sexuada, a masculinidade ou feminilidade, é constitutiva da pessoa, é o seu modo de ser, não um simples atributo. É a própria pessoa que se exprime através da sexualidade. A pessoa é, assim, chamada ao amor e à comunhão como homem ou como mulher. E a diferença sexual tem um significado no plano da criação: exprime uma abertura recíproca à alteridade e à diferença, as quais, na sua complementaridade, se tornam enriquecedoras e fecundas».
Os tais grupos de interesses, muitos deles bem estruturados no âmbito mesmo transnacional, «afirmam que o ser masculino ou feminino não passa de uma construção mental, mais ou menos interessada e artificial, que, agora, importaria desconstruir. Por conseguinte, rejeitam tudo o que tenha a ver com os dados biológicos para se fixarem na dimensão cultural, entendida como mentalidade pessoal e social
».
A carta pastoral da CEP, resume deste modo aquilo de que consta a ideologia de género: «como uma antropologia alternativa, quer à judaicocristã, quer à das culturas tradicionais não ocidentais. Nega que a diferença sexual inscrita no corpo possa ser identificativa da pessoa; recusa a complementaridade natural entre os sexos; dissocia a sexualidade da procriação; sobrepõe a filiação intencional à biológica; pretende desconstruir a matriz heterossexual da sociedade (a família assente na união entre um homem e uma mulher deixa de ser o modelo de referência e passa a ser um entre vários)».
* Quais os pressupostos da ideologia de género?
Nesse desejo de desconstruir os conceitos, a sociedade e os compromissos alicerçados na cultura judaicocristã, a ideologia de género – no resumo da carta pastoral da CEP – apresenta os pressupostos seguintes:
– parte da distinção entre sexo e género, forçando a oposição entre natureza e cultura. O sexo assinala a condição natural e biológica da diferença física entre homem e mulher;
– o género deve sobrepor-se ao sexo e a cultura deve impor-se à natureza;
 o género não tem de corresponder ao sexo, mas pertence a uma escolha subjetiva, ditada por instintos, impulsos, preferências e interesses, o que vai para além dos dados naturais e objetivos;
– se é indiferente a escolha do género a nível individual, podendo escolher-se ser homem ou mulher independentemente dos dados naturais, também é indiferente a escolha de se ligar a pessoas de outro ou do mesmo sexo... com a equiparação entre uniões heterossexuais e homossexuais;
– deixa de se falar em família e passa a falar-se em famílias... não se fala em paternidade e maternidade e passa-se a falar, exclusivamente, em parentalidade, criando um conceito abstrato, pois desligado da geração biológica.
* Implicações sociais, políticas e culturais
Para ser dado corpo a estes pressupostos foi-se gerando uma mentalidade mais ou menos aceite - a discordância logo faz surgir a rotulagem homofóbico ou conservador - e traduzida em leis que favorecem este ambiente de ideologia de género.
Outro âmbito de difusão da ideologia do género é o do ensino, nomeadamente na educação sexual que pretendem ministrar em meio escolar, confundindo, por vezes de forma acintosa, os conteúdos naquilo que se refere à sexualidade e ao (tal) género. 

A ideologia de género tem tentado impor – mais pela força de alguma comunicação social da sua tendência do que pela convicção de uma grande parte da população – uma certa revolução antropológica, onde o relativismo moral se faz regra de cada um, impondo-se ao geral.

A mudança está em curso. Será que o cristianismo será capaz de não ser vencido como no dealbar da sua implantação sobre a corrupta sociedade romana? O sal não pode perder a capacidade de continuar a salgar, hoje como ontem!

 

António Sílvio Couto

 

domingo, 11 de agosto de 2019

Pardais com garras de abutre…



Lê-se numa passagem bíblica:
«Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei, e disseram à oliveira: reina tu sobre nós. Porém, a oliveira disse-lhes: deixaria eu a minha gordura, que Deus e os homens em mim prezam, e iria pairar sobre as árvores?
Então, disseram as árvores à figueira: vem tu, e reina sobre nós. Porém, a figueira disse-lhes: deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto, e iria pairar sobre as árvores?
Então, disseram as árvores à videira: vem tu, e reina sobre nós. Porém, a videira disse-lhes: Deixaria eu o meu mosto, que alegra a Deus e aos homens, e iria pairar sobre as árvores?
Então, todas as árvores disseram ao espinheiro: vem tu, e reina sobre nós.
E disse o espinheiro às árvores: se, na verdade, me ungis para rei sobre vós, vinde, e confiai-vos debaixo da minha sombra; mas, se não, saia fogo do espinheiro que consuma os cedros do Líbano
» (Jz 9,8-15).
Esta caraterização, procedente de uma leitura religiosa das coisas sociais e políticas, no contexto judaico, como que pode servir de enquadramento de certas figuras que vêm emergindo no nosso tecido político-sindical. Com efeito, se quisermos abordar algumas questões poderemos ver que algumas das ‘aves’ de serviço, que sobrevoam os nossos espaços, nem sempre o fazem com as intenções mais sinceras, honestas e leais… e não interessa o porte da espécie!
A conjuntura deste tempo de férias fez aparecer uma outra confluência de exclusão para com certas reivindicações, porventura mais aceitáveis noutra época do ano. Muitos dos usufruidores das férias consideraram uma espécie de provocação as reivindicações de alguns transportadores de recursos comerciais – matérias combustíveis, artigos de alimentação, trocas e vendas, etc. – que não souberam escolher o timing de protesto, mesmo que isso até possa ser aceitável e correto.
As forças (ditas) trabalhadoras no atual protesto foram como que encurraladas pelos patrões e por quem governa o país. A menos de dois meses de eleições tais desarranjos não vem nada a favorecer  essa tal ‘paz social’, apelidada mas não segura por quem manda... Esta intromissão na engrenagem de sucesso poderá ter efeitos nem sempre previsíveis e tão pouco favorecedores da onda pré-anunciada de vitória.  

= Nesta pasmaceira coletiva de ‘sealy season’ os acontecimentos mais recentes veiculados pela comunicação social fizeram com que deixemos de considerar que tudo é boa gente e que não há exposições públicas de certos figurões das quais não se possa tirar proveito mais ou menos político…Mas seremos todos tão broncos para não percebermos o aproveitamento de certos habilidosos de outras lutas, espraiando-se sobre a miséria alheia? Até onde irá a faltar de memória coletiva para que, por um molho de espinafres murchos, se queira servir com sucesso a refeição inteira? Merecerá confiança mínima quem usa os outros para se promover à custa das suas necessidades? 

= Voltemos à parábola das árvores que foram convidadas para reinarem umas sobre as outras. Algumas recusaram aceitar o título de ‘rei’, pois não queriam prescindir do seu fruto; somente um espinheiro aceitou ser ‘rei’ das árvores, traçando logo com aspereza como ia exercer essa pretensão para a qual foi solicitado.

Olhando as coisas da vida, mesmo pela perspetiva desta parábola, poderemos tentar compreender a jocosidade da vida, onde nem sempre quem reina é o mais eficiente ou mesmo o suficiente…

Agora que se perfilam nas listas os concorrentes para o parlamento, teremos de saber qual o seu valor e não bastará serem figuras na comunicação social, pois já vimos noutras situações desilusões, oportunistas e tantos outros que molestaram quem neles votou… Talvez tenha chegado a hora de renovar as caras e os intervenientes – muitos/as presentes há décadas e sem qualquer capacidade de fazer melhor, antes pelo contrário – bem como de surgirem novas ideias dentro dos velhos partidos. De pouco valerá pulverizar de grupelhos candidatos, se não passarem de egos interesseiros, oportunistas e quase ressabiados…

A vida política – que não só a partidária – precisa mais do que de aves de arribação! Urge seriedade.

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Porque querem excluir a Igreja da vida política?


Foi parangona de jornal de razoável tiragem: ‘portugueses querem a Igreja afastada de questões políticas’… Embora o tema seja, no texto do artigo, secundado, ele pode servir de chamariz para quem possa ver os títulos e por eles se deixar cativar.

Eis a citação do referido texto: «a interferência da Igreja em assuntos mundanos desagrada. Para metade das pessoas, deve limitar-se a temas religiosos e, para um décimo, pode pronunciar-se sobre tudo, menos política».

Dada a importância do tema – sobretudo pela proximidade às eleições legislativas de outubro – talvez isto possa parecer uma ameaça aos membros da Igreja – é abusivo dizer no sentido lato, pois hoje há muitas Igrejas em serviço e com propostas – tanto do clero como dos leigos ou ainda quem viva integrado nalgum dos partidos concorrentes.

Fazendo parte de uma sondagem – os portugueses e a religião – as considerações de natureza opinativa deixam um tanto a desejar, mas pelo preconceito do que pela leitura dos diferentes itens em análise. Com efeito, meter no mesmo âmbito a frequência dos sacramentos com a ritualidade, o leque de praticantes com as instruções morais à mistura com leituras exógenas da frequência dos santuários… pode servir para denegrir a vivência religiosa, mas não afiança da qualidade anticristã com que muita da comunicação social olha, observa e rotula a Igreja, digamos, católica, sem pretensão de defesa nem de favorecimento social. 

= Dos dados apresentados decorrentes da tal sondagem podemos respigar: 17% dos portugueses vão à missa todas as semanas; 36% vão, pelo menos, uma vez por mês; os sacramentos – de conotação mais social: batismo, casamento e funeral – fazem com que 34% dos portugueses vão à igreja com regularidade…

Diante destes números de prática religiosa (87%) será ainda mais inquietante aquela observação supra citada de que não querem que a Igreja tenha intervenção na vida política. Será porque os milhões de praticantes podem influenciar os resultados, quando certos valores vão fascinando os mais incautos? Será porque do anódino de tantos se poderá continuar a explorar a ignorância do resto? Será porque os votos dos devotos podem sacudir a consciência de mistura, de conveniência e de confusão entre a vida e a fé? Porque querem condicionar a intervenção da Igreja na vida política, será por medo ou por incapacidade de continuar a manipulação de alguma comunicação social e duns tantos interesses ideológicos subjacentes? 

= A intervenção da Igreja católica na política – enquanto designação da vida em público sem a conotação redutiva de natureza partidária – é decorrente do compromisso dos cristãos na sociedade. Restringir, condicionar ou obstaculizar essa intervenção é coartar uma das facetas de identidade da missão dos cristãos no mundo. A ‘polis’ (cidade) é a organização da vida de todos, tendo em conta os outros e conjugando-se todos no bem comum.

O Catecismo da Igreja católica diz-nos:

«A Igreja, que em razão de seu múnus e de sua competência, não se confunde de modo algum com a comunidade política, é ao mesmo tempo sinal e salvaguarda do caráter transcendente da pessoa humana. ‘A Igreja respeita e promove a liberdade política e a responsabilidade dos cidadãos’» - n.º 2245.
«Faz parte da missão da Igreja “emitir juízo moral também sobre as realidades que dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas, empregando todos os recursos - e somente estes - que estão de acordo com o Evangelho e com o bem de todos, conforme a diversidade dos tempos e das situações» - n.º 2246.

É diante do Evangelho que temos de aquilatar da nossa intervenção política, seja qual for a vocação ou a missão de um cristão. O resto poderá ser considerado deserção, medo ou cobardia…agora e no futuro.

Não queiram amordaçar a mensagem do Evangelho. A mim não atemorizam, pois tenho tanto direito de me pronunciar sobre um assunto qualquer, quanto um outro cidadão, pois tenho os impostos em dia e todos os outros encargos de cidadania, votando sempre, de forma consciente, clara e pensando nos outros. A política –já dizia Aristóteles – é a mais sublime das artes…

 

António Sílvio Couto

sábado, 3 de agosto de 2019

Estar ‘de pé atrás’… desafio ou atitude?


No linguajar português há expressões que revelam muito daquilo que nós somos, mesmo que nem sempre o consigamos atingir na totalidade.

A expressão em análise – ‘de pé atrás’ – pode traduzir-se por sinónimos como: estar desconfiado, com medo, inseguro… tanto nas questões pessoais, como nos aspetos sociais, sem negligenciar o que se possa referir às incidências culturais mais ou menos assumidas ou até subterrâneas…

Atendendo à época em que nos exprimimos teremos subjacente essa espécie de metamorfose que percorre muitos dos comportamentos visíveis… de tanta gente (já) em férias, sem esquecermos alguns outros assuntos da vida política do passado, no presente e para o futuro.

 

= Coisas e loisas de férias: dá para perceber, nesta sociedade de papel de lustro – isto é, do faz-de-conta, do julgar os outros pela marca que vestem (ou não), de ter imagem à custa do engano – há quem se arvore em julgador pela aparência que tenta ostentar. Traduzido com a expressão ‘estar de pé atrás’ quererá significar que estaremos perante alguém que talvez seja muito mais (ou menos) do que aquilo que tenta parecer.

Neste tempo de veraneio devemos exercitar como atitude o ‘estar de pé atrás’ perante tantas e tão diversificadas situações que podemos ver nos outros – e por eles questionar-nos a nós mesmos – desde logo pelo lugar onde se diz ter ido de férias: será real, ficcionado, concreto ou virtual… pois há locais que não passam de palcos de vaidade, onde ser visto por lá como que parece dar estatuto social em maré de ‘détente’!  

= Absurdo dos absortos: na imensa incongruência da vida em política à portuguesa assistimos, nos últimos tempos, à discussão em volta dumas golas que se inflamaram mais pela palavra – dita, mal dita ou menos bem escrita – do que pelas consequências que se pretendiam obviar… Com tantas conjeturas sobre a lei em vigor houve uns tantos mais absortos – distraídos, alheados, sonhadores – que, fazendo parte da ideologia reinante e reinadora, pouco se incomodaram com aquilo que impendia sobre as cabeças dos prevaricadores, qual espada de Dâmocles do mito grego… Com efeito, será de boa recomendação que nos coloquemos de ‘pé atrás’ sobre algumas das peripécias da nossa vida partidária, pois aquilo que seria um chinfrim de contestação, agora tornou-se uma espécie da ressalva de opinião; aquilo que deveria provocar a queda dos usufrutuários, agora serve para flutuar na boa onda de reinação; aquilo que daria para que o protesto dos mais defensores do regime de estado absoluto, agora cingem-se à mudez num manto de absoluto silêncio cúmplice, concordante e hipócrita.

Porque será que alguns, quando estão no poder, se acham acima da lei, da legislação e mesmo da justiça? Porque será que se verificam tantas coincidências nas prevaricações e quase nunca há castigos nem sancionamentos? Porque será que os executores das leis se consideram fora da abrangência das mesmas e atiram para fora da sua governação os malefícios que lhes deviam ser imputados?

Este é um filme – ou mesmo uma série – ‘dejá vu’ na nossa sociedade tão complacente quando tem dinheiro para gastar, mesmo que não saiba de onde lhe veio…2011 foi há pouco tempo! 

= ‘Sealy season’ em campanha eleitoral: a dita época de descanso em que pouco acontece de relevante, este ano tem um novo figurino, pois, no início de outubro, haverá eleições e os candidatos andarão numa roda-viva a disputar a atenção dos eleitores pouco interessados nas ‘promessas’ de ontem, recauchutadas para amanhã. Temos de saber estar ‘de pé atrás’, isto é, na desconfiança com aquilo que nos querem impingir, pois a maior parte das questões são rançosas de novidade, parcas de compromisso e negligentes de sentido. Bastantes dos figurinos estão gastos de inutilidade e ainda continuam a apostar no seu contributo. Muitos dos estribilhos de propaganda estão esfarelados de conteúdo. Bastantes dos intervenientes estão fora de validade, mas, porque não há melhor, continuam a apostar nesses menos credíveis, aceitáveis e verossímeis.

De facto, estar de ‘pé atrás’ tem de ser uma atitude para com tanta gente que continua a empestar a nossa cultura com arranjos de classe ‘b’ e a promover figurinhas secundárias, sabe lá até quando. Precisamos de escolher com a cabeça e não só com o estômago…de ricos falidos!

 

António Sílvio Couto