Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Da chantagem…ao confronto


Com breves horas de permeio vimos duas das mais altas figuras da nossa vida política a protagonizarem as duas palavras deste título: o chefe de governo a disparar sobre os seus parceiros de geringonça: se não houver acordo/aprovação do OE2021 haverá uma crise política… Por seu turno, o chefe de estado foi confrontado por uma cidadã – ainda não se sabe a coloração – na feira do livro do Porto sobre a não-concretização de ações daqueles que deviam, em seu entendimento, fazê-lo…

Sobre a atitude do PM poderemos considerar que terá esticado a corda da viola para a festa dos seus interlocutores do passado e que ele bem desejaria que continuassem a sê-lo no futuro próximo. Só que nem todos estarão pelos ajustes de serem figurantes da farsa como anteriormente. Houve quem considera-se que não seria com ameaças que se fariam acordos… enquanto outros se vão entretendo com as tricas da ‘sua’ festa e uns tantos adereços à la carte.

Quanto ao episódio do PR poderemos considerar que, por entre milhares de selfies de simpatia, emergiu esta agridoce, que poderá colocar em maior atenção a segurança, não vá tornar-se moda de reclamação quem se pretenda pronunciar em tempos de contestação, de mal-estar e de vozearia da populaça…  

= Será legítimo e correto que se pretenda criar uma crise política, isto é, em que caia o governo a curto prazo? Qual a data limite para convocação de eleições legislativas nos próximos tempos? Em caso de cair o governo, até novas eleições, como seríamos governados? Estaremos diante de algum truque do dito ‘habilidoso’, a quem falhou o tempo mais exato de insurreição? Terá estalado o verniz da incongruência a poucos dias de decidir quem manda no quê? Quem precisa de quem para sobreviver antes que entremos no pântano? Será natural tanto azedume – nas entrevistas, nas declarações e nos tempos de intervenção pública – em tempo de pós-férias? O silêncio de tantos dos intervenientes não soa a cumplicidade ou a ‘deixar ver até onde vai’ o estendal de afundamento? 

= Vejamos dados das regras gerais da nossa República.

O atual PR termina o mandato legal a 9 de março de 2021, devendo haver eleições para o cargo talvez a 10 de janeiro de 2021, em conformidade com o artigo 125.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Segundo o artigo 172.º da mesma CRP, depois de 9 de setembro deste ano – no último semestre do mandato do PR atual – já não pode ser dissolvida a Assembleia da República. 
   

= Atendendo a estes dados, por vezes surripiados à informação do público em geral, não deixa de ser um tanto inquietante esse tal ambiente criado pelos responsáveis governamentais, sabendo que, na maior parte dos casos, terão de continuar em regime de gestação até às próximas eleições, que nunca poderão acontecer antes de junho de 2021… Isto é, durante a presidência da União Europeia e com as crises – sanitária, económica/financeira, social – multiplicadas a gerir…

Nota-se algum frenesi em certas hostes partidárias, mais pela apatia gerada nos últimos anos do que pela capacidade em fazer crescer a reflexão do projeto comum para o país. Com facilidade vemos surgirem mais fantasmas do que soluções para os problemas gerados pela pandemia. Com relativa conformidade se procura arranjar mais quem iluda do que quem traga empenho em resolver as confusões sem rosto – nada tem a ver com o uso da máscara – e mesmo sem identidade.

Desgraçadamente são mais os profetas da desgraça do que os da esperança, os pregadores do infortúnio do que da vitória, os vencedores vencidos do que os conquistadores da unidade para a paz.

Sem querer pisar na tecla do mesmo, creio que a chantagem – usada pelo PM agora e já noutras ocasiões – é uma boa arma dos ditadores, quando aflitos e sem capacidade de empenharem outros nas suas lutas.  

Vamos ter mesmo de sofrer mais sacrifícios, todos. Dizer o contrário é mentir e os mentirosos só merecem um lugar: fora do espaço de serviço aos outros…o mais depressa possível. No passado isso custou-nos vários resgates… sempre com a mesma coloração e sem-responsabilidade.

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

De rosto tapado, só com os olhos à vista


Agora que andamos todos mascarados, há algo que nos deve fazer refletir, numa espécie de quase reformulação da nossa identidade. Efetivamente foram-nos reduzindo a visualização do rosto, ficando somente os olhos a ver e a verem-se. Esta importante mutação merecer que lhe dediquemos tempo e mais atenção, não nos quedando pela vulgaridade nem entrando em conjeturas.

‘Só com os olhos à vista’ manifesta algo mais que uma mera exceção, mas é, agora, revelador daquilo que somos e de quanto os outros podem perceber. Com efeito, pelos olhos podemos (ou não) entender com quem nos cruzamos ou até passarmos desapercebidos voluntária ou inconscientemente…

Entretanto, surgiu um slogan da AIIC, dizendo: ‘não deixe que lhe tapem os olhos – os jornais não transmitem o vírus; os jornais combatem o vírus da desinformação’. Esta iniciativa pretende cativar para a causa da imprensa regional os responsáveis estatais e quantos podem viabilizar muitos dos órgãos de informação de âmbito não-nacional comercial… 

= Há toda uma aprendizagem que precisamos de fazer neste contexto de aferição ao regime de pandemia em que nos encontramos. Passado que foi o tempo de susto mais acentuado, parecia que tínhamos debelado o fenómeno aterrador de âmbito mundial. Recolhidos em casa, na rua ou com maior atenção já vivemos vários ‘estados/estádios’: emergência, calamidade, contingência e alerta… dada a gravidade, contágio, difusão ou mesmo riscos do ‘coronavírus covid-19’. Por entre altos e quedas temos vivido numa espécie de condicionamento permanente da nossa vida pessoal, familiar e social.

Desde a primeira hora a máscara passou a ser uma peça da nossa indumentária de sair à rua. Mais do que a chave de casa ou do carro, a máscara torna-se adereço fundamental para estarmos em contato com os outros, particularmente com quem não conhecemos. Foi-se criando, na maior parte dos casos, uma cortina de suspeita sobre a pessoa com quem nos cruzamos ou com que falamos, de forma necessária ou recorrente. Em muitos casos perdeu-se a perceção sobre as reações faciais dos nossos interlocutores e quedamo-nos pelo pouco que nos podem dizer os olhos. Estamos mesmo numa fase delicada da nossa história coletiva, talvez gerando mais a desconfiança do que a empatia, provocando mais o medo do que a sinceridade, gerindo mais o que devemos do que aquilo que podemos… 

= Ousamos, por isso, sugerir breves atitudes de comportamento – ético, moral, social, conjuntural ou mais difuso – daquilo que é nos tem sido dado ver, entender ou mesmo questionar:

- Haja coragem, por parte de quem nos governa, de dizer ‘olhos-nos-olhos’ que o país está falido, o desemprego é dez mais do que aquilo que se divulga e que teremos de fazer sacrifícios a sério e a muito curto prazo.

- Haja lealdade entre todos para que não nos entretenhamos a tentar enganar os demais com subterfúgios saloios, quando o que precisamos é de verdade e de assunção dos erros por parte de todos.

- Agora que já está anunciado um novo ‘estado de contingência’, a partir de 15 de setembro, em todo o território nacional, não é tempo de explicar com clareza máxima o que fundamenta esta decisão no seu mínimo?

- A quem interessa a dança de números de infetados ou de falecidos entre Lisboa e Vale do Tejo e o Norte do país? Isto será sério ou tenta esconder algo mais do que bairrismos bacocos e inúteis?

- A retoma das reuniões – já no dia 7, data posterior ao evento dos comunistas – no organismo oficial do medicamento, não deveria avivar os tímpanos dos jornaleiros de serviço ao reino do faz-de-conta? A quem interessa não questionar? Este palco não será usado para outras façanhas e voos?  

= Deixemos que os nossos olhos vejam a realidade com realismo, sem filtros e acomodações e que saibamos avaliar tudo, retendo o que é bom e corrigindo o que possa ser maléfico!

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Entrar de chancas…em sapatinhos de fivela


Quando um alto responsável do governo se irrita, levanta a voz – mesmo que possa dizer depois o contrário – e ameaça, isso é ‘entrar de chancas’ sobre quem se lhe opõe, critica a sua atuação, vê de forma diferente da sua ou não precisa de usar truques para ludibriar.

Quando se fazem propostas para reduzir o ‘desemprego’, trocando funcionários do turismo para trabalhadores do setor social, isso é ‘entrar de chancas’ à custa de lavagem de números e/ou de venda de soluções insidiosas.

Quando se tenta usar todos e mais alguns dos argumentos para fazer uma festa política, tentando travesti-la de arranjo simbólico para angariar mais uns fundos para a agremiação, isso é ‘entrar de chancas’ sem reconhecer que os outros já se aperceberam da manha pelo regime de exceção.

Quando, afinal, se vai descobrindo que as chancas já não são feitas de tosca madeira, mas se revestem de finas películas sobre sapatinhos de fivelas – preferencialmente de marca estrangeira – subvertendo o fabrico nacional… Isso revela que as chancas dos aldeões têm agora sucedâneas artimanhas na nossa vida social, política e cultural. As chancas fazem bastante barulho, quando se caminha com dificuldade… 

= Efetivamente temos visto que o vírus maldito veio alterar o comportamento de tantos dos intervenientes nos diversos setores da vida pública e mesmo privada. Dá a impressão que congelou o raciocínio de alguns e fez com que não consigam lidar com a diferença, pois gerir com menos meios é arte, a que não estavam habituados nem sabem como se faz. Um tal habilidoso das finanças fugiu cobardemente porque teria de apertar o cinto e isso ele não consegue nem está preparado para o desenvolver…Do posto que agora ocupa vê de cima e, possivelmente, se rirá, escondendo como sempre os dentes, das tentativas de não fazer pior por parte dos seus sucessores. Os sapatinhos de fivela em que se passeia não passam de chancas enlameadas em maré de tempestade… para os outros.  

= Diante de certos sinais que vemos já na nossa sociedade, é preciso acordar para a verdade – coisa que nem todos cultivam – da situação económica, deixando que nos digam o que se passa sem medo nem aldrabice. Basta de unanimismo, que só tem favorecido os incompetentes. Basta deste clima anódino em que temos andado enredados, pois isso essencialmente favorece os oportunistas. Basta de tentativas de querer calar quem pensa de forma diferente, pois isso revela os velhos tiques da ditadura. Basta de querer estar de bem com tudo e com todos, pois essa era a arma dos manipuladores, que queriam o silêncio cúmplice dos comprados a troco do comer e da diversão.  

Dá a impressão que paira uma nuvem de desconfiança sobre muitas das pazes na nossa sociedade, pois, nalguns casos, isso é, sobretudo, resultado de que, quem manda ter na mão a torneira que alimenta tantas das obras sociais no trabalho do setor social. Com efeito, estamos a pagar a fatura dessa fatídica ilusão de fazer das paróquias e afins espaços de trabalho na área da economia social. Os ‘elefantes’ – tenham a cor que lhes quiserem dar – foram engordando e as respostas não conseguiram acompanhar as exigências do tempo… salários e regalias, contribuições e acordos, subvenções e subsídios… foram crescendo ou minguando sem que se possa considerar que estamos a salvo de crises eminentes. 

= Talvez tenhamos de fazer mais barulho, batendo com as chancas no soalho da comunicação social. Talvez se devam denunciar os apertos a que estamos submetidos. Talvez deva haver mais verdade no trato entre todos os parceiros, não favorecendo os da mesma cor nem amordaçando quem possa corretamente discordar…

Aos sapatinhos de fivela está, normalmente, associada uma indumentária e um certo cheiro a perfume caro. Desta vez parece que a indumentária foi mantida, mas esqueceram-se de retirar a toscas chancas…senão só no conteúdo, ao menos na fórmula… E não diz a bota com a pretensão!

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

‘Completa anedota’


Foi desta forma um tanto ríspida e jocosa que um dirigente sindical, ligado ao setor do turismo, reagiu à pretensão do governo em transferir os desempregados daquela área profissional para o setor social, com incidência na resposta social de ‘erpi’ – estrutura residencial para idosos – vulgo ‘lares’.

De facto, só alguém muito desatento ou fora da realidade deste tempo poderá confundir e/ou querer substituir umas pessoas por outras, isto é, deixar de servir às mesas de cafés e restaurantes por mudar fraldas e atender às necessidades (higiénicas e de saúde) dos mais idosos! Como será, colocar as pessoas nas camas e em cadeirões geriátricos tem a mesma técnica de aprontar mesas, mudar talheres e fazer contas ao final do serviço?

É notório que os serviços de emprego (IEFP) não conseguem encontrar candidatos para colocar nos serviços de lares e de centros-de-dia, quando solicitam tais aconselhamentos e mesmo o preenchimento de lugares. Há meses que essa necessidade continua. Será agora, por uma espécie de golpe de sorte, que surgirão não só candidatos, mas pessoas preparadas correta e convenientemente? Isto não passa mesmo de uma anedota, que, por ser triste, faz chorar e não rir!

Esta pretensão do governo em iludir o povo quase-pacóvio só pode emergir de alguém que, no gabinete sem conhecimento da realidade, deseja mostrar serviço sem as mínimas condições de exequibilidade. Efetivamente quem vai pagar esses ‘novos empregados’? As instituições estão, na sua maioria, pelo limite financeiro e, agora, atiram-lhes novos encargos sem terem feito, devidamente, as contas? Mesmo que facultem a cada um dos ‘reconvertidos profissionais’, o equivalente ao ‘ordenado mínimo’ (635 euros), haverá quem queira ir trabalhar, se, no ‘fundo-de-desemprego’, aufere quase o mesmo e não tem de sair de casa? 

= Mais uma vez o setor social está numa espécie de leilão, só porque emergiram tantos e tão variados problemas que as soluções são algo confusas e quase-contraditórias. Os velhos não dão votos, mas podem criar problemas. Muitos deles nem têm opinião política, mas podem colocar empecilhos na engrenagem da ‘política de sucesso’ com que nos andaram a ludibriar nos tempos mais recentes. Ninguém quer assumir que estamos mal e que vamos piorar mais rapidamente do que era desejável.  

A quem queira dizer a verdade – escassos políticos e ínfimos jornalistas – ser-lhe-á dado o epíteto de ‘populista’, só porque não deseja ser popular a qualquer preço. Enquanto os ditos defensores do povo e dos trabalhadores – com ou sem política nacionalista – trocarem os postos de relevo pela não-verdade ou pela mentira quanto baste (q.b.), andaremos em manifestações pelo mais, quando não conseguiremos atingir o mínimo.

Agora que andamos todos mascarados, haja coragem de dizer ‘olhos-nos-olhos’ – esse pouco que ainda se vê no nosso rosto e no dos outros – que o país está falido, o desemprego é dez mais do que aquilo que se divulga e que teremos de fazer sacrifícios a sério a muito curto prazo.

E não venham com cantilenas baratas que a culpa é da Europa, pois se não fosse essa UE onde nos encontramos há quase quatro décadas, estaríamos ainda pior. Ou só interessa estar lá, quando se colhem favores e benesses? Que os milhões prometidos cheguem a todos e não sempre aos mesmos, isto é, aos que deambulam pelos ‘passos perdidos’ e afins. Ou teremos de concluir: só mudam as moscas… se é que chegam a mudar!   

= Números a reter para reflexão:

407.032 desempregados no final de julho de 2020; casais no desemprego – 22% na mesma data.

6,9 milhões de doses da vacinas ‘covid-19’ para Portugal, com o custo de 20 milhões de euros;

26 milhões de euros para criar infraestruturas nos cuidados intensivos;

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 18 de agosto de 2020

‘Carta aberta’ aos responsáveis dos ‘lares’ (erpi’s)


O ensejo de endereçar esta missiva foi sendo amadurecido ao longo destes meses de pandemia, pois, desde a primeira hora, este setor esteve/está em alto risco.

Os ‘responsáveis’ aqui englobados são de diferente índole desde a base até ao topo – estruturas residenciais para idosos, desde funcionários até às chefias e dirigentes das instituições/casas até à organização da tutela, neste momento sob a alçada do ‘trabalho e segurança social’, passando pelas organizações de associados e linhas intermédias de negociação com as entidades governamentais…

Nesta despretensiosa missiva organizaremos as ideias de forma descendente, isto é, das cúpulas – que parece só agora se aperceberam que têm vários problemas a resolver com um setor significativo da sociedade portuguesa – até às famílias, muitas delas descartando os velhos, que deviam mais proximamente cuidar.  

= Aos senhores/senhoras da segurança social (desde o ministério até à imensa burocracia mais básica)

A vossa tarefa é importante e essencial para que os milhares de anciãos e anciãs – muitos velhos e velhas com idades superiores a oitenta e mesmo a noventa anos – continuem a ter uma vida digna e uma velhice menos atrapalhada pelos achaques, doenças e medos. Das vossas decisões com os parcos 400 euros de subvenção estatal por cada um deles se podem inferir as condições de manutenção nos espaços que os acolhem. Segundo o cálculo do custo médio por utente – a palavra ‘cliente’ parece reduzir os velhos a produtos de compra-e-venda – que anda pelos mil e cem euros, essa ajuda – de cerca de treze euros/dia – está muito aquém dos quase de cinquenta euros/dia de cada recluso. Isto não nos deveria envergonhar: a quem trabalhou toda a vida dão umas migalhas, enquanto com os delinquentes ‘gastam’ quatro vezes mais?

Muito mais do que coisas económico-financeiras, gostaríamos de abordar problemas psicológico-emocionais que envolvem os mais velhos, que estão sob a vossa tutela: deram-lhes confiança em todo este processo de pandemia? Mais do que fiscalizações quase pidescas, conseguiram que os velhos sentissem que estavam a salvo das consequências que iam vendo naqueles que morriam? Mesmo que não seja um setor que dê votos a curto prazo, porque foram atirados para fora da leitura dos relatórios, das inquietações e das respostas necessárias…no devido tempo? 

= Aos negociadores entre o setor estatal e as associações de trabalho no terreno

Dá a impressão que hibernaram em tempo de primavera-verão. À exceção da catadupa de documentos que iam saindo das instâncias estatais, pouco vimos de proximidade nem sequer, claramente, na atrapalhação do recurso ao lay-off simplificado. Os dirigentes intermédios desapareceram…quais surfistas em maré de treino.

Agora desfiam as listas de ‘lares’ mais ou menos em conexão com o razoável, mas antes pouco ou nada se soube da sua intervenção. Aqui, como noutros campos, custa pouco fazer diagnósticos ao jogo, quando ele já terminou! A batalha está, como se percebe, num dos intervalos!

Quem está no terreno merecia mais atenção por parte das autarquias, das confederações da área e até dos ‘entendidos’ da matéria, ao menos assim apelidados aquando da nomeação…sobretudo na diocese onde estou e vivo! 

= Aos agentes na prática (responsáveis, funcionárias, familiares…população em geral)

Têm sido meses de profunda incerteza, mas, com o empenho de todos, se tem conseguido quase fazer ‘milagres’. Tem havido um trabalho exaustivo e de uma seriedade incrível. Aqui se tem notado que as pessoas – especialmente os mais velhos – são o mais importante. Por eles se tem feito tudo, sem qualquer regateio por parte de ninguém…

O condicionamento das visitas tem sido rigoroso. A compreensão tem ajudado a suplantar etapas algo controversas, mas necessárias.

Porque não sabemos o que o futuro nos reserva, confiamos ainda mais a Deus aquilo que virá…

 

António Sílvio Couto

(presidente por inerência de uma IPSS, que tem um lar com 50 utentes e quase três dezenas de funcionárias…onde ainda não houve, até agora, problemas nesta matéria)

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Não acirrem os ‘ismos’


Por estes dias temos visto e ouvido setores – autoapelidados ou rotulados por outros – radicais extremistas a acirrarem-se com terminologia perigosa. Nesta como noutras situações não será totalmente necessário denunciar quem começou, até porque não parece fácil distinguir se os ditos acusados não tiveram cobertura dos promotores e/ou vice-versa...Efetivamente os extremos tocam-se ou até, por vezes, se confundem, senão nos princípios ao menos na prática. 

= À luz dos princípios e dos valores fundados no Evangelho toda e qualquer forma de racismo deve ser considerada ofensa à pessoa humana, tenha ela a tez que tiver ou possa exprimir-se no modo cultural que considere. Por isso, parece-me que os episódios mais recentes desta vaga de crepitação de ‘racismo’ não passa de um modo de iludir questões mais profundas. Com efeito, será mais fácil colar a etiqueta de ’racismo’, quando se agudizam os problemas de emprego do que ter coragem de usar a inteligência para ultrapassar as contigências de não-produção e da perda do poder de compra... Talvez possa ser mais rápido, na mentira articulada, colocar a referênca em questiúnculas de teor racista do que em assumir que já não se consegue iludir a incapacidade de responder à temática da habitação e do relacionamento entre setores sociais desfavorecidos...em bairros (ditos) problemáticos. Talvez seja mais recorrente atirar para os olhos dos eleitores a poeira das tensões de âmbito racista do que arranjar solução e saída para tantos jovens à procura de emprego compatível com a instrução recebida...    

= Apesar das teias de combate ao (dito) racismo irem funcionando, é de baixa presença (meras dezenas ou poucas centenas) e insignificante a adesão às manifestações programadas, após os surtos de conflitos. Quem nos garante que, sob a máscara do ‘ataque’ com tochas, num sábado à noite, nas ruas da capital, não estiveram os promotores-vítimas? Porque será que noutras ocasiões, sob outros ‘anonimatos’, deambularam ‘democratas’ de esquerda e não de outra coloração encapotada? Atirar pedras contra montras de produtos capitalistas não será também crime? Se formos ver os agentes de protesto não vestirão os produtos que tentam pilhar nas suas contestações? Até onde irá a manipulação informativa – preferencialmente ao serviço do ‘quanto-pior-melhor’ do passado no presente – que capta o ângulo da notícia sempre do mesmo palanque, o do olho esquerdo na mira? 

= Foi com um misto de surpresa e de bastante confusão que vi certos comentadores puxarem a culatra pistoleira da sua democracia para combaterem os ‘cobardes’ que se acoitam – dizem eles – sob a capa desse tal ‘racismo’, quando não exercem idêntica indignação por serem vilipendiados os valores mais essenciais da dignidade da família, com os velhos em regime de confinamento psciológico de longa duração e os mais novos em roda-livre de fazerem o  que quiserem antes, durante e depois dos tempos letivos daquilo que devia ser aprendizagem. Não serão estas situações sinais de racismo, de exclusão e de marginalização? A cartilha por onde ainda se guiam não estará desatualizada, tanto no índice como nas matérias mínimas e essenciais? O manual bolchevique por onde aprenderam e através do qual ensinaram não deveria ser reciclado em definitivo? 

= Duas citações...para ajudar na reflexão

«Deve superar-se e eliminar-se, como contrária à vontade de Deus, qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos direitos fundamentais da pessoa, por razão do sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião. É realmente de lamentar que esses direitos fundamentais da pessoa ainda não sejam respeitados em toda a parte» – Concílio Vaticano II, Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a Igreja no mundo atual, n.º 29.
«Criados à imagem do Deus único, dotados duma idêntica alma racional, todos os homens têm a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados pelo sacrifício de Cristo, todos são chamados a participar da mesma bem-aventurança divina. Todos gozam, portanto, de igual dignidade» – Catecismo da Igreja Católica, n.º 1934
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António Sílvio Couto

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

‘7 maravilhas’… cultura ou poder?


Decorre até final deste mês de agosto o programa ‘7 maravilhas da cultura popular’, numa parceria entre a televisão estatal e algumas empresas particulares, com a colaboração do público em geral.

Desde já fique uma declaração de interpretação: se aquilo que conhecemos e em que participamos é tratado desta forma, o que será possível conjeturar sobre aquilo em que não participamos e que nem conhecemos minimamente.

Estas ‘7 maravilhas’ colocam-nos diante de, pelo menos, duas correntes mais ou menos percetíveis na sua configuração. Efetivamente vou cingir-me àquilo que vi, que senti, que observei e que questiono no contexto da candidatura das ‘7 maravilhas da cultura popular’ no distrito de Setúbal. Vi várias forças (umas explícitas e outras tácitas) em competição; senti movimentações algo suspeitas; observei compromissos politico-autárquicos que seriam dispensáveis; questiono se aquilo que apareceu tem a ver com ‘cultura’ ou se manifesta mais tendências de um certo ‘poder’ ao nível mais subtil…

Acrescento que, neste escrito, sigo três aspetos simples: história, memória e inquietações.

* História – as ‘7 maravilhas da cultura popular’ aparecem na sequência de outras ‘maravilhas’: do património histórico, 2007; do património português no mundo, 2009; das maravilhas naturais, 2010; da gastronomia, 2011; das praias, 2012; das aldeias, 2017; à mesa, 2018; dos doces, 2019.

Em todos estes projetos se notou competição, esmero, qualidade e empenho dos concorrentes. São milhares de horas de televisão e de tantos outros momentos de diversão…

* Memória do caminho das ‘7 maravilhas da cultura popular’, este ano: houve 504 inscritos ao nível nacional, passando a 471 nomeados até se reduzir o leque a 104 apresentados a votação, sete por distrito. As modalidades envolvidas foram: festas e feiras, música e danças, artesanato, procissões e romarias, artefactos, lendas e mitos, rituais e costumes.

Ao nível do distrito de Setúbal houve quinze nomeados e ficaram sete submetidos a votação, na sua maioria na modalidade de procissões e romarias (cinco), artefactos (dois casos) e lendas e mitos (uma situação). Três dos concorrentes eram do concelho de Setúbal, mais outros três da Moita e um do Montijo.

O resultado final consagrou a proposta do Montijo sobre Nossa Senhora da Atalaia, tendo ficado, respetivamente, em segundo e em terceiro lugar, as pinturas tradicionais em embarcações, da Moita e a festa (procissão) de Nossa Senhora da Boa Viagem, também da Moita.

* Inquietações – de tudo quanto me apercebi há aspetos que me deixam algumas inquietações, dúvidas e questionamentos:

- Foi demasiado notória a envolvência das autarquias nalgumas candidaturas e até ao serem apresentadas no programa televisivo. Para além das verbas gastas (direta e indiretamente), haveria necessidade de termos os autarcas – em três casos foram os próprios presidentes da edilidade – na linha da frente? Não há nessas associações envolvidas pessoas capazes de assumirem tais tarefas? O que faz correr por protagonismo quem deve ser suporte e não se devia fazer agente (quase) imprescindível?

- Os cidadãos destas coletividades serão tão menores, que não conseguem viver sem os subsídios autárquicos recorrentes? Por onde anda a maturidade (dita) democrática, se é preciso entregar às chefias máximas as tarefas mínimas? Perante estes episódios talvez não se resolva, a curto prazo, a falência diretiva de tantas coletividades, associações e agremiações (pretensamente) cívicas e civilizadas…

- Será que as iniciativas levadas a concurso escondiam outros interesses, mais do que culturais? A ver pelos resultados de alguns casos, fez-se uma espécie de plebiscito à aceitação popular dos projetos?

 

= Notas finais: porque acredito nas pessoas e não sou favorável à subsidiodependência…tolerando alguma ajuda, mas sem cobrança. Porque acredito que as pessoas crescem e têm de dar provas de maturidade, considero que ainda somos uma ‘democracia’ demasiado tutelada por outros interesses que não o do desenvolvimento integral das pessoas. Porque para mim as pessoas não são mera mercadoria de compra-e-venda, mas antes há valores sem preço nem mais-valias. Lamento: podemos ter princípios diferentes que dão estas visões desencontradas…As coisas podem mudar!    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Censura aos incêndios – porque não?


Este fenómeno dos incêndios – sobretudo de verão – para além de uma praga cíclica comporta algo um tanto verrinoso, pois, em muitos casos, parece estar camuflado um outro interesse: aparecer a localidade (lugar, freguesia, concelho, povoação, etc.) nas notícias e pelas piores razões…

Nesta linha de entendimento pode ir a tendência de uns tantos ‘incendiários’ (já conhecidos de outras façanhas ou a entrarem no processo) não terem cativado a atenção das autoridades de forma preventiva, mas que se descobre quase fazerem parte deste espetáculo em fase de ‘silly season’ …da política

Não seria mais útil e conveniente para o país censurar (total ou parcialmente) tais acontecimentos? Não teríamos muito a ganhar se os incêndios não surgissem (tanto ou nunca) nas notícias? Não arderia muito menos floresta, se houvesse menor exposição noticiosa, sobretudo em vaga de dramatismo e confusão?

 

= Apesar de não haver correlação causa-efeito, não deixa de ser notório que, na maior parte dos concelhos com área florestal, o responsável da proteção civil costuma ser o presidente da autarquia. Isso dá-lhe visibilidade em maré de infortúnio, logo publicidade barata quando for preciso ir mais tarde a votos. Outro tanto se poderá considerar quanto aos bombeiros: a frota em combate, a mobilização de meios e de pessoal, a intervenção em ‘teatros’ de operações…tudo isso dá-nos nota do manancial de investimento… Ainda recentemente um veículo de uma corporação da cidade-capital do país estava perfilado – como pano de fundo das intervenções televisivas – a mais de quinhentos quilómetros de distância… Não haveria outro carro dos bombeiros lá da zona para servir de pano de fundo ao cenário?

 

= Nitidamente as agendas mediáticas – especialmente televisionadas – estão sem assunto, pois a ver pelo tempo e energias gastos em tantos diretos só pode ser por falta de matéria para entreter os consumidores noticiosos. Por isso, seguir a sugestão de censurar a cobertura aos incêndios poderia soar a controlo consciente e criterioso dos temas a vender através das notícias. Agora que os ‘agentes de informação’ deixaram de ser só os (ditos) jornalistas, poderá parecer que a sugestão pretende coartar a liberdade de informação…dos pretensos profissionais. Ora não há maior engano, pois, à semelhança de outros temas – como o futebol ou as intrigas socioétnicas – não se queira esgotar o limão todo, espremendo-o sobre a ferida ou o mal-estar social em efervescência…talvez seja ainda proveitoso guardar uma pequena porção para aliviar as azias de não conseguirem suplantar os concorrentes.

 

= Mais uma vez não temos sabido aprender com os erros do passado, seja das tragédias de 2017/2018 de dezenas de mortos em incêndios, seja dos acidentes que vem vitimando, este ano, as forças de socorro, bombeiros e outros intervenientes. Esperava-se nesta época de ‘covid-19’ que as notícias fossem menos espetaculares – sobretudo na forma de serem apresentadas – e com maior contenção. Por momentos parece que nos esquecemos que ainda estamos na primeira fase desta pandemia…e que ninguém está imune a ser contaminado, infetado ou vítima. Continuamos a viver com alguma superficialidade, talvez na impressão de que isso é para os outros.

A ligeireza com que vemos serem conduzidas as coisas é aflitiva e talvez denote uma nítida falta de seriedade de tantos que deveriam comportarem-se com mais responsabilidade, desde os governantes, adiando para mais tarde o que deveria ser enfrentado agora; os autarcas mais interessados em criarem distrações e ‘festinhas’ do que em explicarem as razões; dos meios de comunicação social que, enganosa e acintosamente, pretendem mais impingir os seus produtos de baixa qualidade – big brother, concursos e entretenimentos, discussões e fait divers do futebolês – a fazerem a sua função de educação e de serviço ao público…

Levou anos, mas a quebra das audiência e a queda das vendas publicitárias, fez com que certos programas (ditos) desportivos saíssem do ar. Não será que, a ver pelos indícios, as próximas vítimas serão os noticiários, tal a baixeza de conteúdos e a falta de qualidade para onde caminham?          

 

António Sílvio Couto

domingo, 9 de agosto de 2020

Paróquia em renovação e reestruturação

«Neste processo de renovação e de reestruturação, a paróquia deve evitar o risco de cair na excessiva e burocrática organização de eventos e numa oferta de serviços, que não exprimem a dinâmica da evangelização, mas o critério de autopreservação».
Este excerto da Instrução da Congregação do Clero: ‘A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja’ (n.º 34), coloca-nos perante o desafio da conversão das pessoas à conversão das estruturas.
Tornada pública no final do passado mês de junho, esta Instrução do Vaticano procura ajudar-nos a consciencializar alguns aspetos sobre a paróquia e as suas implicações na vida atual e futura da Igreja católica.
Respigamos algumas ideias do ponto sexto da Instrução (n. os 34 a 41), fazendo os ‘nossos’ questionamentos, observações e propostas.
- ‘A conversão das estruturas, que a paróquia deve propor-se, exige “muito antes” uma mudança de mentalidade e uma renovação interior, sobretudo, de quantos são chamados à responsabilidade como guia pastoral. Os pastores e em modo particular os párocos, «principais colaboradores do Bispo», para serem fiéis ao que Cristo ordenou, devem advertir com urgência a necessidade de uma reforma missionária na pastoral’ (n.º 35). Embora o longo ponto oitavo -- com oito outros subtemas -- aborde as ‘Formas ordinárias e extraordinárias de confiar o cuidado pastoral da comunidade paroquial (n. os 62-65), aqui se faz um enunciado daquilo que se pretende que seja a ação dos párocos e seus colaboradores numa paróquia em ‘reforma missionária na pastoral’. Talvez a ousadia aqui apresentada se esbarre em questiúnculas de poderes subtis em tantas das nossas paróquias...
- ‘Os processos de reestruturação das comunidades paroquiais e, às vezes, diocesanas sejam conduzidas a realizá-las com flexibilidade e de modo gradual’ (n.º 36). Este conselho à prudência tenta fazer com que não haja rutura tanto na memória (familiar e comunitária) como no respeito pelas gerações passadas e os eventos que ‘marcaram os itinerários pessoais e familiares’. Não se pode fazer tudo como se não tivesse havido antes... Mas da prudência ao imobilismo vai pouco mais do que estar parado!
- Tenta-se depois esclarecer quem são os principais intervenientes neste processo de renovação - ‘tal renovação, naturalmente, não diz respeito unicamente ao pároco, nem pode ser imposição vinda do alto, excluindo o Povo de Deus’ (n.º 37).  Isto implica que todos - hierarquia, leigos e religiosos - queiram estar envolvidos num processo de ‘conversão que diz respeito a todos os integrantes do Povo de Deus’. Ninguém está excluído nem pode quer dar lições aos outros do seu pedestal...
- ‘É evidente quanto seja oportuno a superação tanto duma concessão autorreferencial da paróquia, quanto duma “clericalização da pastoral”... O sujeito responsável da missão é toda a comunidade’ (n.º 38). Pela fidelidade ao Espírito Santo e o exercício dos carismas recebidos acontecerá a evangelização, ‘no estilo e nas modalidades de uma comunhão orgânica’. Viveremos eclesialmente assim?
- ‘Será compromisso dos pastores manter viva tal dinâmica, para que cada batizado se perceba protagonista ativo da evangelizaçãoA comunidade paroquial na sua totalidade é habilitada a propor formas de ministério, de anúncio da fé e de testemunho da caridade’ (n.º 39). Numa paróquia dinamizada pela ação de Deus se perceberá que todos têm responsabilidade de ‘crescer e de amadurecer’ em cada etapa da sua vida em paróquia... O resto diferente disto poderá assemelhar-se a algo interesseiro...
- Daí decorre a gratuidade, expressa por excelência na eucaristia, onde ‘cada membro da comunidade se sinta responsável e diretamente envolvido a socorrer as necessidades da Igreja’ (n.º 40). Sentiremos e viveremos todos nesta dinâmica?
- ‘A missão que a paróquia é chamada a cumprir, enquanto centro propulsor da evangelização, diz respeito então a todo o Povo de Deus nos seus diversos componentes’ (n.º 41).  Não será que vemos muitos ‘desempregados’ de larga duração e desresponsabilizados nos meandros das nossas paróquias?

As paróquias têm futuro, mas com o compromisso de todos, sem exceção!

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Felizmente, calaram os papagaios!

Foi com um misto de surpresa e de algum contentamento que vimos serem suspensos os programas televisivos – em canal codificado – de confronto entre adeptos dos (ditos) três grandes do futebol nacional. De facto, aqueles programas eram da mais baixa conduta verbal, intelectual e mesmo cultural…mesmo que alguns tenham sido craques da bola ao seu tempo. Certos programas apareciam no écran nos dias dos jogos, mas outros prolongavam a discussão até meio da semana seguinte, pegando alguns com a jornada posterior e escarafunchavam tudo e todos com análises, debates, discussões, insinuações, repercussões e conversas da pior espécie, se estivéssemos a falar de assuntos minimamente sérios, credíveis ou mesmo suficientes para ocupar a vida… Eis uma lista dos ditos programas – sem identificar o canal ou mesmo a qualidade – sobre o futebol e com essa fechada linguagem do futebolês em quadro dos pretensos representantes dos ‘três grandes’: donos da bola, trio d’ataque, o dia seguinte, play off, prolongamento, pé em riste, liga d’ ouro, grande área… Outros programas se ocupam desta indústria e de tudo o que está à sua volta gira e faz rodar, pois só o objeto bola parece ser redondo, dado que até os três jornais diários desportivos – para além das seções dos outros da imprensa e tantos mais da rádio – pululam com notícias, factos, interesses e tudo o resto! = Qual terá sido, então, a razão mais essencial para esta concertação na suspensão dos programas desportivos televisivos? Teve a ver com a quebra de qualidade ou com a queda de audiências/publicidade? Foram os tempos de pandemia que fizeram pensar melhor ou já se vinha a amadurecer a decisão sobre a irracionalidade dos intervenientes? Não será que os programadores se enganaram ao permitirem que os opinadores se tenham deixado tomar pelas emoções quase-irracionais? Não seria uma tentativa insidiosa de manipulação que a maior parte dos programas era às mesmas horas e nos mesmos dias? Não se terão advertido que o zapping desfazia a contagem de audiências? À força de tanto insistirem num modelo idêntico não terão conseguido enfastiar o povo e de esgotar a deficiente qualidade’ Efetivamente perante certas intervenções nos programas supra citados era algo arrepiante perceber que a instrução de uns tantos se nivelava pelo mais básico quando se pronunciavam sobre o seu clube. Certas discussões eram ainda mais emotivas por tais figuras instruídas do que uns outros sem compreenderem uma letra, quando preenchidos pelos vapores etílicos em maré de derrota. Em certos momentos a alucinação clubística como que ofuscava a valorização sociopolítica de responsabilidade cívica e cultural. Houve casos em que membros do mesmo partido como se ‘transfiguravam’ em rudes adversários, quando se tratava de enfrentar as hostilidades de clubes diferentes… águias, leões ou dragões saiam dos seus redutos enfurecidos para combaterem, mesmo com o recurso a golpes baixos, os seus ‘inimigos’ de estimação. = Apesar do efeito um tanto malévolo de tais programas na visão do futebol no nosso país, houve casos que se foram tornando rampas de lançamento para outros projetos pessoais e sociais. Numa das situações um advogado entrou como comentador, quase diário, num canal e saiu como dirigente/deputado de um partido, confundindo-se a cor do clube com outras pretensões. Diz-se que em tempos idos a mesma coloração desse clube deu cobertura a outras formações partidárias, percebendo-se que, ainda hoje, haja tantos militantes desse partido nesse clube de futebol… Isto nos dá a possibilidade de não perdermos a oportunidade de agora tentarmos mergulhar nas razões desta suspensão/descontinuidade como podendo esconder algo mais essencial sobre o estado político das questões em que nos vamos entretendo… pois amordaçaram – a máscara é disso um bom sinal – a divergência para que possa haver concordância no amorfismo…generalizado. = Já na época de decadência da civilização romana se reduzia a cultura ao ‘pão e jogos’. Agora que acabaram com a discussão dos jogos que virá para entreter o povo? Será que a crise do pão não trará riscos de conflitualidade, que os jogos iludiam? A decisão de calar os papagaios de serviço foi boa e corajosa. O futuro nos dirá que outro fenómeno substituirá o menos mau… António Sílvio Couto

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Quem nos defende dessoutro racismo invertido?


Por não estar tanto sob os holofotes de certa comunicação social poderá parecer que não existe. Por ser ofuscado pelo barulho e a exposição de um racismo mais combativo não se percebe o seu alcance. Por ser silencioso e quase subtil não emergem os sinais da sua negligência.

Referimo-nos ao racismo exercido capciosamente sobre os brancos por outras cores – haverá mesmo essa designação de ‘cor’ para distinguir as pessoas? – de ‘raças’ – a quem interessa acirrar tais distinções? – ou até etnias – essas subdivisões artificiais são para quem pretende tirar proveito do ‘quanto pior melhor’!

Fique claro que nenhuma pretensão ideológica está subjacente a esta partilha/reflexão. Antes pelo contrário, sinto vergonha, apreensão e quase nojo que se tente trazer para a discussão pública/política/social algo que parece só servir a quem faz, na sua lide humana, o recurso a questiúnculas mais do que relacionamento daquilo que é trato substancial, adjetivando problemas que deveriam ser tratados no âmbito da educação e não das fraturas de civilização…Tenham cuidado para que não brinquem com o rastilho daquilo que os pode queimar!

= Se consultarmos alguma publicação sobre este tema do ‘racismo’ poderemos ser elucidados da natureza do problema: «racismo consiste no preconceito e na discriminação com base em percepções sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos. Muitas vezes toma a forma de ações sociais, práticas ou crenças, ou sistemas políticos que consideram que diferentes raças devem ser classificadas como inerentemente superiores ou inferiores com base em características, habilidades ou qualidades comuns herdadas. Também pode afirmar que os membros de diferentes raças devem ser tratados de forma distinta…Na sociologia e psicologia, algumas definições incluem apenas as formas conscientemente malignas de discriminação».

Este excerto da wikipédia poderia lançar alguns pontos de convergência na discussão e na apreciação de tantos dos comportamentos aligeirados na nossa sociedade (dita) democrática…

= Vejamos, então, alguns exemplos bizarros: se um negro (preto) é morto por um branco, isso é noticiado como sendo um ato de racismo; se um branco é morto por um negro (preto), tal é considerado como mero acidente. Se alguém de tez negra é protagonista de um conflito social (discussão, má vizinhança ou ruído em prédio), isso reveste com facilidade a configuração de racismo e/ou de xenofobia; se algo idêntico (altercação, desacato ou desordem) tem como interveniente alguém de cor branca ou não-negra, tal pode configurar um assunto de natureza policial. Se um indivíduo vai a uma repartição pública e tem de esperar na fila pelo atendimento, se é de um grupo não-europeu e não é atendido na pressa que deseja, o serviço arrisca-se a ser apelidado de praticar discriminação, mas se for um branco ou um europeu não-negro, sabe que tem esperar pacientemente pela sua vez ou até de voltar noutra ocasião…

= Tem vindo a crescer a sensação de que alguns setores – políticos e sociais, sindicais e partidários, de segurança ou de policiamento – reclamam para que se faça algo para atenuar o que possa haver de sinais de racismo, mas no seu comportamento pouco ou nada se vê a condizer com aquilo que proclamam. O parlamento quantos deputados/as apresenta que estejam fora do circuito de brancos e afins? Onde estão, a sério, as políticas de promoção dos não-brancos ou de etnias ‘rebeldes’ nas fileiras partidárias? Certos setores da ‘esquerda marxista e trotskista’ já se deram conta das incongruências entre o falar e o fazer? Não será que acirram os ânimos fora de portas, mas narcotizam os seus – na construção da vontade coletiva – na hora da efetiva dignificação? Não haverá uma corrente de comunicação social – televisiva, em redes sociais e de imprensa – que se tem tornado lóbi de interesses não-brancos, quando têm de relatar questões étnicas e raciais?

Há muitos ‘candés’, ‘floyds’ ou ‘giovanis’ que não são de tez negra e que sofrem de racismo em silêncio, múltiplos lugares onde vivem, trabalham ou se divertem Tantos/as de quem ninguém fala e que serão mera nota de rodapé nas notícias, sem espaço nas investigações e sem direito a manifestação…

Desgraçado mundo onde uns tantos se consideram superiores em razão da cor da pele, seja lá qual for a mais relevante ou reinante. Haja vergonha por todos os racismos do passado, do presente e no futuro!

O resultado do BB2020 não pareceu ser uma demonstração do ‘lóbi blake’ e dos seus tentáculos?

Ainda não nos percebemos do racismo invertido em que andamos todos envolvidos?

 

António Sílvio Couto

Para uma paróquia inclusiva, evangelizada e evangelizadora


«Os diversos componentes que na paróquia se articulam são chamados à comunhão e à unidade. Na medida em que cada um implementa a própria complementariedade, pondo-a a serviço da comunidade, então, de um lado se pode ver plenamente realizado o ministério do pároco e dos presbíteros que colaboram como pastores, de outro lado emerge a peculiaridade dos vários carismas dos diáconos, dos consagrados e dos leigos, para que cada um faça o seu melhor para a construção do único corpo».
Isto é escrito na Instrução da Congregação do Clero: ‘A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja’ (n.º 28), servindo-nos de referência ao comentário deste tema da paróquia que desejamos aprofundar.
Tornada pública no final do passado mês de junho, esta Instrução procura ajudar-nos a consciencializar alguns aspetos sobre a paróquia e as suas implicações na vida atual e futura da Igreja católica.  Respigamos algumas ideias do capítulo quinto da Instrução (n. os 27 a 33), fazendo os ‘nossos’ questionamentos, observações e propostas.
- ‘O sujeito da ação missionária e evangelizadora da Igreja é sempre todo o Povo de Deus... a paróquia não se identifica com um edifício ou um conjunto de estruturas, mas sim com uma precisa comunidade de fiéis, na qual o pároco é o seu pastor próprio’ (n.º 27). Nota-se neste documento da Igreja uma certa tensão entre o que se diz de forma estratificada no Código de Direito Canónico e aquilo que as mudanças da vida quase contradizem tal visão mais hermética. Como que colidem a ‘paróquia territorial’ e aquela outra alicerçada mais no âmbito da mobilidade e da era digital - vide diferenciação no n.º 8 da Instrução.
- ‘A paróquia é uma comunidade convocada pelo Espírito Santo’ (n.º 29), tendo como atributos: anunciar a Palavra de Deus, fazer renascer novos filhos na fonte batismal; reunida por seu pastor, celebra o memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor e testemunha a fé na caridade, vivendo em permanente estado de missão. Estes aspetos progressivos e interdependentes fazem da paróquia - citando o Papa Francisco, na ‘Alegria do Evangelho’ (n.º 28) - um espaço aberto à diversidade das situações e capaz de se reformar e de adaptar constantemente...
- Partindo da comparação com o ‘“estilo espiritual e eclesial dos santuários”, a Instrução incentiva a que as paróquias vivam segundo essa proposta (n.º 30), tendo em conta o acolhimento, a vida de oração e o silêncio que restaura o espírito e a celebração do sacramento da reconciliação e a atenção para com os pobres. Esta visão um tanto utópica dos santuários e a sua exemplaridade para as paróquias poderá ser útil, mas não em todos os lugares. Nalguns casos os santuários quase funcionam como refúgios de não-praticantes em maré de devoção...ou aflição.
- Nesse sentido parece abusivo que seja sugerido, na Instrução, considerar que as paróquias devem imitar os serviços dos santuários (n.º 31). Esta proposta um tanto de gabinete deveria ser confrontada com a burocracia das paróquias e a ‘leveza’ de tantos santuários...Que dizer de certas liturgias e das indumentárias seguidas em certos santuários? Veja-se a imitação quase ridícula da ‘estolinha’ atribuída aos ministros extrarodinários da comunhão, difundida a partir de Fátima... aquilo é tudo menos algo digno e sensato, mais parecendo um artefacto de grupos exotéricos!
- ‘“Santuário” aberto a todos, a paróquia, [é] chamada também a alcançar cada um, sem exceção, recorda que os pobres e os excluídos devem ter sempre um lugar privilegiado no coração da Igreja’ (n.º 32). Efetivamente as paróquias recebem, assistem e quase suportam muitos pobres, tanto do setor económico como no vetor humano. Mas será que aos pobres ajudados se faz um verdadeiro anúncio de Jesus? Não andaremos a alimentar na dimensão material e a descurar na perspetiva espiritual?
- ‘Com o olhar dirigido aos últimos, a comunidade paroquial evangeliza e se deixa evangelizar pelos pobres, reencontrando neste modo o compromisso social do anúncio em todos os seus diferentes âmbitos, sem se esquecer da “suprema regra” da caridade em base a qual seremos julgados’ (n.º 33). A dimensão real da caridade precisa de ser exercitada nas paróquias, mas sem esquecermos que da caridade deve emergir o acolhimento da Palavra e a celebração da liturgia. É assim que vivemos? As paróquias não são (nem podem ser) agências de problemas sociais com etiqueta de religioso...

 

António Sílvio Couto