Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 22 de março de 2016

Páscoa – celebrar ou gozar a Vida?


Dizem os noticiadores – isto é, os que fazem e fornecem as notícias, que é muito mais do que os factos reais – que os hotéis da capital e do norte do país estão esgotados para as ‘férias da Páscoa’… com nacionais e estrangeiros, numa simbiose de interesses e de sucessos.

Sobre este fenómeno crescente de ‘férias’ por ocasião da Páscoa, poderemos elencar algumas questões: isto significa que se está a criar uma nova onda de recuperação económica ou está-se a lançar mais um estado de descontração psicológica? Tenta-se arranjar distrações humanas e ‘culturais’ ou divergem-se as fontes de ocupação do tempo, quando Deus pode não ter espaço nem oportunidade? Estar-se-á a fazer uma cultura sem culto ou a gerir um culto à revelia duma certa cultura cristã?

Num mundo algo atemorizado com manifestações de terrorismo em várias latitudes e confrontos, este nosso país ainda vai usufruindo dalguma pacatez, servindo quase de alternativa a outros destinos mais apetecíveis, mas, por agora, perigosos. Até a confusão político-social do Brasil se conjuga para que as nossas terras sirvam de refúgio para os mais acautelados…

Dizem que os mais díspares espaços de lazer (com praias incluídas) estão preenchidos quase na totalidade, tanto dentro como fora do país… Parece que não há crise nem as contenções mínimas têm lugar para uma razoável maioria… de cidadãos normais.

= Certamente todos sabemos como se calcula a data da celebração da Páscoa, em contexto católico! Recordamos: ocorre no primeiro domingo depois da lua cheia após o equinócio da primavera (no hemisfério norte)…tendo como data mínima o dia 22 de março e como máxima o dia 25 de abril. Por isso, se verifica a variação e as contingências climatéricas, aliadas às razões mais ou menos espirituais, sociais, culturais e/ou circunstâncias de cada lugar ou em cada tempo.

Com que facilidade vemos surgirem simbologias que se referem à vida, como os ovos (pintados ou com outros adereços e significações), pululam coelhos…numa representação da vida nova e da fertilidade. Outros símbolos configuram uma leitura mais religiosa, como o cordeiro – numa alusão ao ‘cordeiro pascal’ da páscoa judaica – e até como elemento de culinária; também as velas – círio pascal ou velas batismais – nos fornecem elementos de reflexão e com conteúdo espiritual… Até mesmos as doçarias têm algo a ver com a festa e a confraternização humana… Poderemos ainda incluir na lista de símbolos pascais, com incidência mais cristã, a cruz – sobretudo florida, sinal de amor e de ressurreição – pão e vinho, bem como outros sinais de conteúdo cristão e católico em particular…

= Por agora vamos sentindo uma nota de algum afastamento das pessoas (ditas) praticantes da sua fé, sobretudo, em contexto de vida paroquial mais ou menos habitual. Por estes dias um senhor bispo até referiu que a páscoa não se pode reduzir a amêndoas e folares!...

Tudo isto soaria a prevenção, se as pessoas escutassem as advertências, mas como uma parte significativa vive ao seu ritmo religioso, escutando mais as memórias de experiências passadas do que se deixa conduzir pelo compromisso de vida cristã comunitária, vemos esvaziarem-se as paróquias, escoarem-se os mais novos, inventarem-se ocupações e diversões… para estes dias, que deveriam ser fundamentais para celebração da Vida em Cristo na Igreja.    

Deixamos, por isso, algumas inquietações sobre se a celebração da Páscoa, este ano em particular, é para celebrar a Vida – a de Jesus por nós e a nossa de uns pelos outros – ou se preferimos gozar a vida, mais como vidinha imediata e hedonista – mesmo que nos fervores religiosos mais ou menos individuais e talvez egoístas – que vai dando sinais complicados e delicados.

E, se de repente, tivéssemos de mudar os nossos projetos pessoais, se algo de grave acontecesse, como uma calamidade, um atentado terrorista, um acidente, uma doença… Talvez ao vermos isso ao perto ou ao longe tenhamos de questionar-nos muito mais do que, habitualmente, fazemos.

Celebrar a Páscoa é, essencialmente, celebrar a vida como dom e como mistério!

 
António Sílvio Couto


segunda-feira, 21 de março de 2016

Celebrar a Páscoa




Ao entrarmos na Semana Santa – a ‘semana maior’ como é designada nalgumas situações e liturgias – podemos e devemos deixar-nos iluminar pela luz da meta, isto é, a Páscoa da Ressurreição, que o tríduo pascal nos ajuda a viver, aprofundar e celebrar… comunitariamente.

. O que é, então, celebrar a Páscoa, numa vivência preparada pela Quaresma e prosseguida no eterno Tempo Pascal?

. Com que sinais podemos e devemos celebrar, neste ‘ano jubilar da misericórdia’, a verdadeira Páscoa da Ressurreição de Jesus e nossa?

. Os ‘aleluias’ – e nalgumas regiões o estralejar dos foguetes e campainhas – festivos da Páscoa significam, verdadeiramente, essa explosão de alegria com que vivemos pessoal e comunitariamente a Páscoa do Senhor?

. Com tantas sugestões exteriores – sociais e de lazer, mais de passeio e menos de comunhão em fé – ainda será fácil celebrar a Páscoa, onde O festejado seja o centro e não a mera oportunidade de fruição hedonista?

. Temos já uma consciência de cristãos fiéis, que sabem escolher o essencial, sem se deixarem seduzir pelo secundário mais ou menos imediatista?

= Agora, olhando para a meta da eterna Páscoa, ousamos considerar que:

- Celebrar a Páscoa é deixar-se tocar pelo poder de Jesus, vivo e ressuscitado;
- Celebrar a Páscoa é desafio a deixar o túmulo do comodismo e correr o risco de viver na vida reconciliada e reconciliadora;
- Celebrar a Páscoa torna-se uma experiência de passagem do espaço do medo para a entrega ao serviço de Deus, na força do Espírito Santo;
- Celebrar a Páscoa implica viver a alegria da ressurreição, que derrota as múltiplas peias do mal em nós e à nossa volta;
- Celebrar a Páscoa exige que nos submetamos em obediência à força do amor contra as insídias do mal e do pecado… claro ou difuso, pessoal ou social, interior ou exterior;
- Celebrar a Páscoa é assinar um pacto com a vida, com o perdão e a com a confiança...em Deus e nos irmãos em comunidade;
- Celebrar a Páscoa é estar presente e disponível sempre...para a Igreja do Senhor;

- Celebrar a Páscoa é deixar-se tocar, no mais íntimo e profundo do nosso ser, pela razão essencial da fé cristã: passar da morte para a vida… assumindo o mais fácil e o mais difícil;

- Celebrar a Páscoa é fazer esse caminho simples e exigente de passar do meu egoísmo e subjetivismo – mesmo religioso e mais ou menos de conforto – para a caminhada comunitária… mesmo que incómoda e não tanto acomodada ao ritmo do que me dá gosto;

- Celebrar a Páscoa é dispor-se a sair dum certo casulo religioso com os ‘meus’ mais próximos para estar à disposição dos outros menos agradáveis e com quem me confronto na caminhada…de vida num espaço, numa Igreja e num tempo concreto, que é este que estamos a viver.

= Será na vivência do percurso do tríduo pascal – Paixão, Morte e Ressurreição – de Jesus em Igreja católica que poderemos apreciar a espiritualidade anual e semanal destes mistérios de fé, pela esperança e na caridade.

Para conseguirmos viver e celebrar a Páscoa, com genuíno espírito cristão, temos de estar em contínua capacidade de conversão, sem menosprezarmos quaisquer sinais que Deus nos dá para sabermos aferir a nossa fé à fé dos outros, tendo por critério a Tradição da Igreja e empenhando-nos em construir uma renovada comunidade inquieta sem ser irrequieta, inquietada pelo Espírito Santo sem se deixar acomodar ao já visto ou feito… mesmo que com proveito noutras épocas.

Páscoa é vida e esta faz-se vivendo ao ritmo de Deus em nós e nos outros!


António Sílvio Couto




segunda-feira, 14 de março de 2016

Reverter o reverter


Depois que tomou posse – após semanas e semanas de tentativas para a sua correta e admissível constituição – o atual governo português tentou ‘reverter’ sofregamente tudo o que anteriormente tinha sido (mais ou menos) feito…

Houve situações que foram revertidas e ainda nem sequer se sabia quem era o titular da pasta ou tinha tomado posse… por exemplo na área da educação com a supressão intempestiva de exames e de avaliações trocadas à pressa… Em matérias de benefícios – alguns quase ridículos, como uns cêntimos nas reformas da segurança social – foram dados passos sem se perceber se havia fundos para continuar para além dos primeiros dados… No campo dos conselhos e aconselhamentos tivemos um responsável a dizer que, se queríamos beneficiar do anunciado, tínhamos de deixar de fumar e de não andar de carro, mas era nesses setores que previam recolher impostos e, não havendo gastos, os proventos não teriam efeito…

Por estes dias deu-se um assomo de nacionalismo, quando um senhor da área da economia disse para não irmos – quem possa – abastecer de combustíveis a Espanha, pois estaríamos a pagar impostos no país vizinho… No campo da saúde foram revertidas taxas moderadoras – com efeitos quase irrisórios – mas com leitura ideológica e sensacional em matéria de aborto… gratuito… Na justiça foi claro de ver declarações a tentarem retomar tudo e o resto anterior à governação…em exercício.

= Desculpando a imagem rural – as nossas raízes podem ser fatores profundos dalguma cultura – ao ver, ouvir e sentir tanto ‘reverter’ com efeitos quase insignificantes, vem-me à memória a imagem de uma galinha, que exercendo o seu múnus de poedeira – no tempo em que os ovos não vinham do supermercado, mas diretamente da produção – lá ia ao local do costume, passava o tempo necessário, cacarejava como se tivesse posto ovo, mas, quando íamos ver, não havia nada… dizíamos, então, que ‘pôs ar’… Assim avalio os meses – parcos embora, mas barulhentos quanto baste de intenções e reversões – da atual governação: ar e mais ar, sem efeito nem frutos palpáveis para além da sublimação freudiana do ‘ego’ dalguns bem-falantes e servidores do avental! Muito barulho e para tão pouco resultado!

= Dado que é preciso atenuar um certo afã desconexo e à deriva dalguns intervenientes na atual vida política – pública ou privada – deixo uma sugestão que ouvi por estes dias. Aconteceu numa cidade do Brasil, onde sempre que se confrontavam as equipas da cidade, havia até mortos entre as claques rivais… tal era a agressividade e conflitualidade. Alguém sugeriu que, num dos jogos entre eles, fossem chamadas, como convidadas, a estarem no estádio, em lugar visível, as mães dos membros daquelas claques visceralmente rivais. Assim aconteceu: estando as mães presentes, no estádio, os filhos não criaram distúrbios nem houve problemas… como era habitual!

Gostaria de sugerir: convidem as mães dos nossos parlamentares para estarem, nas galerias da Assembleia, a assistirem à prestação inflamada e, por vezes, irrascível, dos filhos nas bancadas… Talvez sejam mais educados ou deixarão as progenitoras – que pensamos serem pessoas de bem e com o mínimo de educação – menos bem colocadas com os princípios que verão exercidos. Talvez possam ver mais de perto o que eles/elas fazem e lhes possam, posteriormente, corrigir o que as transmissões televisivas por vezes coartam ou manipulam… Talvez possam pôr-lhes tento na língua e no comportamento de quem, sendo maior, por vezes, se comporta como menor mimado/a…

O mesmo sugiro para outras instâncias de intervenção pública, como governo, autarquias, associações e coletividades e mesmo no âmbito da Igreja… Se as mães fossem mais respeitadas – longe de mim o prolongamento dalgum complexo de Agripina pela vida fora – talvez a sociedade fosse mais humana e compreensiva.

Afinal, o reverter do reverter pode não solucionar nada, mas deveríamos ser todos muito mais responsáveis e respeitadores daquilo que outros fizeram… É escusado tentarmos contar só com a nossa esperteza, sem termos em conta a inteligência dos outros! Bom-senso, precisa-se!


António Sílvio Couto



quinta-feira, 10 de março de 2016

Neste nacional-porreirismo…


O ambiente criado em volta da tomada de posse – e consequente início de atividade – do novo Presidente da República, no dia 9 de março, poder-se-á considerar que trouxe à tona da vida mais ou menos coletiva portuguesa uma nova sensação: o nacional-porreirismo.

Agora parece que todos estamos a dar-nos bem, pois o inquilino do palácio de Belém fez saltar de alegria quantos andavam cabisbaixos, tristes e até mesmo – segundo se diz correntemente – crispados.

Nalguns casos pretendem enterrar uns certos machados de guerra, fazendo crer que nada se passa e que será preciso esquecer, rapidamente, agravos, ofensas e achaques. Outros tentam fazer acreditar que temos de ser todos ‘boas pessoas’, pois as diferenças só conseguirão atrair mais azedume.

O discurso académico-popular do recém-empossado Presidente tentou tocar focos de identidades, que pareciam ter sido esquecidas nas refregas eleitorais mais recentes… duas em menos de quatro meses. Se bem que uns tantos não assumiram os gestos da educação mais elementar, continuando a fazer a sua travessia no deserto da vitória presidencial…

= Ao longo dos dias precedentes à tomada de posse, vieram-me à consciência algumas questões… agravadas com outros momentos decorridos no próprio dia de ‘festa’:

- Que esperamos deste ambiente? Será que iremos iniciar uma nova etapa de tratamento ou continuaremos a fazer-de-conta que se está no intervalo de algo mais sério?

- Poderemos dar já por adquirido que será com estes episódios que faremos do país uma pátria saudável e benfazeja?

- Os auspícios de que tudo corra bem será conciliável com a prosperidade, o compromisso e o trabalho comum e articulado com a justiça, a solidariedade e a paz?

- Até onde irá a bonomia de quem agora assume a mais alta magistratura de Nação, se o governo tiver de tomar, a curto ou médio prazo, medidas de austeridade?

- Ser por todos e não contra ninguém, chegará para criar consensos na hora de maior tensão entre os componentes das forças parlamentares de apoio à governação?

- Será entendido como diálogo inter-religioso aquilo que reuniu representantes dos diversos credos, na mesquita de Lisboa, ou não será, antes, entendido como mescla de fés à custa de sinais confusos e algo controversos?

- As pessoas serão tão desmemoriadas – desde os concorrentes até aos adversários – que irão esquecer o que disseram antes desta nova fase da vida política nacional, concretamente da volatilidade do vencedor?

= Há, no entanto, aspetos que gostaria de ver respondidos e que foram, em meu entendimento, sagazmente ignorados pela maior parte dos participantes.

- Por onde andou a referência à cultura cristã/católica, tanto do Presidente empossado como de outros apoiantes e sequazes? Houve medo ou foi estratégia?

- Para quem até já fez comentários litúrgicos, deixou um pouco a desejar que não tenhamos ouvido alguma alusão à dimensão mais comprometida da crença, que é muito mais do que espiritualidade ou referência aos mitos, seja o de Ourique ou das conquistas à época dos descobrimentos!

- Houve uma forte denúncia da qualidade social da intervenção cívica – com a pobreza e a ação das instituições de caráter social – mas isso terá repercussão junto do setor do governo, que nem sempre tem atendido às urgências no terreno?

. Uma coisa é começar com boa aceitação popular – pudera assim não ser, dado que muito disso tem a ver com cobertura da comunicação social, normalmente, favorável já antes! – outra bem distinta será querer não criar ondas. Com efeito, a magistratura da palavra pode e deve ser acutilante, séria e profética… sem ser morna, recorrente e deixando-se ir na crista popular!

Nem tudo está bem, quando dizem só bem de nós – refere Jesus no Evangelho… O tempo dirá se este nacional-porreirismo vai tornar-se moda e por quanto tempo!


António Sílvio Couto


segunda-feira, 7 de março de 2016

Pirâmide ou círculo?


Na catequese quaresmal que, neste domingo, proferiu, em Cristo Rei (Almada), o senhor Bispo de Setúbal questionou a assembleia ouvinte: que modelo de Igreja queremos – uma Igreja-pirâmide ou uma Igreja-círculo?

D. José Ornelas falava para uma assembleia de mais de sete centenas de pessoas, que escutaram um aprofundamento teológico-pastoral da passagem bíblica do lava-pés (cfr. Jo 13,1-17).

Esta iniciativa das ‘catequeses quaresmais’ tem percorrido as igrejas jubilares do ano da misericórdia na diocese de Setúbal, abordando o senhor Bispo facetas da sua cruz-peitoral e das insígnias do seu báculo.

= Respigamos algumas referências da catequese de D. José sobre o serviço, simbolizado no trecho do lava-pés:

- O lava-pés exprime o sentido da vida e da morte de Jesus, é um gesto de afeto e de serviço;

- Os discípulos não estão preparados para acolher o Messias que serve, que entende servir quem manda;

- A grandeza está em colocar-se ao serviço dos outros;

- Ajoelhar diante de Deus, em adoração, e diante dos irmãos para lhes lavarmos os pés;

- Jesus não pode com a nossa inatividade, tem de contar connosco, ultrapassando a apatia e a indiferença, fechando-nos aos outros ou com a desilusão por sermos incompreendidos;

- Não vale a pena desculpar-nos com os erros dos outros, temos de colaborar na busca de soluções, temos de aprender a colaborar;

- Serviço ou poder? Da pirâmide do poder ao círculo de irmãos;

- Temos de superar a ‘lei da selva’ – os mais fortes vencendo os mais fracos – pois a violência é a atitude diabólica por excelência;

- Na discussão sobre quem era o maior, Jesus coloca nesse círculo uma criança: o serviço de Deus passa pelo serviço aos irmãos;

- Ultrapassar o dogmatismo de grupos, quando um grupo se apodera do poder;

- Administrar os dons ao serviço de Deus;

- Atitude de serviço e de misericórdia: a importância está em mim ou na comunidade, que somos chamados a servir?

- Espetadores, utentes, consumidores… ou ativos ao serviço dos outros;

- Eu sirvo para servir? Decidir o estilo da nossa participação…

= De facto, temos de saber discernir que Igreja somos e que modelo queremos prosseguir. Podemos ter andado a falar duma coisa e a fazer o seu contrário. Podemos ter boas ideias, mas parece que temos dificuldade em concretizar os ideais. Podemos (até) ter andado a fomentar um certo ajoelhar de forma incorreta…

Mais de meio século após o Concílio Vaticano II dá a impressão que não deixamos fermentar o modelo de Igreja-comunhão, podendo ter ficado meramente na discrição duma Igreja popular, mas não convertida aos desafios do lava-pés. Podemos até fazer a ‘cerimónia do lava-pés’, na Quinta-feira santa sem termos ainda entrado no espírito de serviço do Messias servo e mestre.

= Atendendo às vertentes das ‘catequeses quaresmais’ de D. José Ornelas parece-me que ainda não entramos, na sua maioria, no sentido profundo e verdadeiro desta iniciativa, dado que não temos sido capazes de secundarizar as nossas ações paroquiais para entrarmos numa sintonia diocesana em volta do nosso Bispo. Esta graça de podermos fazer um caminho comum e complementar precisa de ser mais cuidada por todos… mesmo pelos padres e responsáveis de movimentos da Igreja…Não basta estar quando devo por razão de que a minha vigararia/paróquia ou movimento tem de estar, é preciso perceber o quadro geral desta formação diocesana, aprendendo a saber servir segundo os dons, carismas e qualidades… A Igreja de Setúbal merece e precisa!


António Sílvio Couto



sexta-feira, 4 de março de 2016

Futilidades (mais ou menos) perigosas


Segundo foi dado a conhecer, a razão pela qual um adolescente, no Algarve, foi, alegadamente, morto pelo padrasto, teve a ver com a vítima ter tirado dinheiro ao agressor, para comprar um telemóvel…

Outros casos há em que uma simples futilidade – isto é, algo de pouca importância, tanto ao nível material, como mesmo noutra dimensão mais afetiva ou psicológica – mas à qual se dá grande relevo, por razões subjetivas ou emocionais, se torna motivo de desentendimento, de conflito ou, desgraçadamente, com consequências fatais…

- Uma simples palavra – mal ouvida ou interpretada – pode desencadear uma reação (quase) inexplicável, sobretudo se falta racionalidade de algumas das partes envolvidas;

- Um gesto menos adequado – na estrada ou numa qualquer outra intervenção – pode lançar uma ‘guerra’ entre pessoas, sejam ou não conhecidas;

- Uma insinuação – por palavras ou por escrito, senão mesmo num trejeito ou olhar mal interpretados – pode desencadear uma catadupa de problemas, que, muitas vezes, se sabe mais ou menos como começam, mas com dificuldade se é capaz de ver como vão terminar.

= Poderemos, então, interrogar-nos:

* Porque é que certas futilidades – na forma, mas possivelmente não na repercussão que atingem – se tornam tão perigosas?

* Porque andamos todos tão suscetíveis à mais pequena observação, sobretudo, se ela for menos agradável a nós mesmos?  

* Que razões plausíveis poderemos encontrar para que pequenas areias condicionem a engrenagem do nosso ‘eu’ psicológico?

* Atendendo à razoável difusão de tantos episódios da vida privada, porque motivo se melindram as pessoas com críticas quase inofensivas?

* Quando se pensava que já éramos capazes de maturidade social, porque andaremos menos compreensivos, quando se nota (ou revela) mais a nossa vulnerabilidade não disfarçável?

* Seremos, hoje, mais melindrosos para com quem nos possa conhecer… um tanto melhor, quando deveríamos viver em confiança e aceitação sincera?

* Até onde irá a bitola da nossa autoestima e a aceitação da correção dos próprios defeitos…pelos outros de forma direta ou presumida?

* Porque seremos tão hipersensíveis, no nosso individualismo subjetivista, sobretudo, quando se põem a manifesto as máscaras reais ou virtuais?

= Os santos e santas –aceitavam ser corrigidos/as, sobretudo nos seus defeitos, tanto por Deus, nas circunstâncias da vida, como através daqueles/as de quem Ele se servia para apurar o que não estava correto no amadurecimento psicológico e espiritual.

Claro, que a linguagem de cada tempo tem de se adequar à vivência do ser cristão neste mundo. Assim, muitas das vidas dos santos e santas têm de se entendidas, hoje. Mas a mensagem do Evangelho é sempre a mesma e saber vivê-la correta e exigentemente é dom de Deus.

Valerá a pena cada um de nós analisar-se sobre o modo como reage às contrariedades da vida e às ‘provocações’ com que temos de enfrentar-nos. Corremos o risco de nos tornarmos como um balão, que vai enchendo sempre que se considera bem aceite, bem visto, elogiado, autocomprazido… e poderá rebentar quando alguém não lhe dá a importância que tem ou que pensa ter…Com tantos balões inchados com que convivemos, teremos de ser muito delicados, pois uma mera futilidade pode desencadear uma explosão com consequências inesperadas ou funestas!

Precisamos de ser mais humildes, a sério.
 

António Sílvio Couto


quarta-feira, 2 de março de 2016

Publicidade (talvez) enganadora


Temos vindo a assistir ao crescimento de diversas tentativas de publicidade – televisiva, radiofónica e outras – envolvendo produtos, que, segundo dizem, fazem bem à saúde: suplementos alimentares, correções ao agravamento do estado físico (mais este do que o psicológico), sistemas para emagrecimento… produtos de custo mais ou a menos acessível, propondo um melhor bem-estar… e até sugestões para o desempenho de âmbito sexual, tentando dar-nos melhor qualidade de vida… a curto prazo.

Propositadamente não fazemos qualquer lista – numa panóplia de mais de uma dezena – de tão variados anúncios, embora fiquemos preocupados com ‘receitas’ que, de tão eficazes, quase parecem ridículas e enganadoras!

Mas serão tais produtos de confiança e terão a eficácia que prometem? As entidades públicas reguladoras da saúde foram chamadas a pronunciarem-se? O recurso àquele tipo de publicidade é sério e merece crédito? Poderemos tratar a saúde como outro produto comercial? Os patrocinadores – isto é, os que dão a cara, atores, interessados ou não – estarão conscientes do risco que correm e que induzem os outros a correr?

= Antes de mais precisamos de refletir sobre esta vaga de publicidade – mais enganadora do que talvez enganosa – que nos tenta seduzir com certos mitos não-resolvidos com a evolução da humanidade: a eterna juventude, a saúde incontestável, a qualidade de vida… segundo certos padrões de valores e assente numa determinada ética mais epicurista do que sensata.

Com o crescimento progressivo da longevidade, há problemas que se colocam a toda a sociedade. Os mais velhos estão a aumentar…continuamente. A ‘sociedade grisalha’ – como alguém, num contexto político menos sério, classificou – traz-nos questões, que anteriormente não se colocavam. Por seu turno, a diminuição da população ativa em fase de trabalho, coloca-nos novos problemas, que não podemos ignorar e tão pouco disfarçar com subtilezas de mau gosto e de incompetência.

= Atendendo aos sinais que vão sendo emitidos pelo consumismo, vemos com alguma preocupação, que certas falhas (ou faixas) da população (mais ou menos) envelhecida possam ser aliciadas para métodos e propostas que, parecendo um tanto cativantes, podem acrescentar problemas aos já existentes. Com efeito, se se propõe acrescentar um produto que tenta reforçar as articulações à custa duns comprimidos milagreiros, quem não se deixará seduzir, gastando algo das suas economias, que podiam ser canalizadas para alimentos realmente benéficos e não para patranhas aliciadoras! Por que se há de favorecer certos aditivos químicos, quando o que falta são os alimentos saudáveis? Até onde poderemos ir na aceitação do tão auspicioso no bem-estar, quando ainda não conseguimos o mais fácil e benéfico?

= Atendendo à forma como uma parte significativa da nossa população já reformada vai passando o seu tempo, tais produtos como que se inserem na lista dos motivos de diversão: uns mais no ativo e outros sendo vividos no passivo. Nota-se que certos programas televisivos em canal aberto – de manhã ou pela tarde – injetam tal dose de publicidade que os mais frequentadores quererão experimentar, se mais não for para não ficarem fora de moda…

= Será possível atenuar esta onda de captação de novo público com produtos destinado a velhos? Quem poderá servir de mecanismo de controlo, se não houver bom senso e correção de condutas? Estaremos a construir uma sociedade em que vale tudo, até enganar os mais incautos, sejam pobres ou ricos? Quem irá fiscalizar para que haja segurança e credibilidade de tudo e em todos?

= Pelo muito que queremos aos mais velhos e pela estima que nos merecem, não podemos permitir que os enganem nem que os tentem ludibriar com sucessos de desempenho ou de saúde conquistada por métodos menos corretos. É urgente que aprendamos todos a saber envelhecer com dignidade e sensatez… Não à eutanásia nem à distanásia social e exploradora.


António Sílvio Couto