Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 30 de março de 2015

Qualidades da família e na Igreja


Num tempo em que se veem as coisas mais pelos aspetos negativos do que pela dimensão positiva, tentaremos abordar a temática da família e ainda da Igreja em razão das qualidades ou mesmo virtudes de uma e de outra… mesmo que apresentando alguns aspetos, por contraste, das qualidades referidas.

Em enunciado as virtudes/qualidades da família/Igreja: comunhão, perdão, vida, confiança, partilha, trabalho e história...

1) Comunhão – aceitação entre os membros da família, marido e esposa, pais e filhos, união entre os vários componentes do tecido familiar… o mesmo se dirá dos elementos da Igreja, onde todos: leigos e clérigos, casados ou celibatários, mais novos, adultos, e anciãos… numa comunhão de fé e de vida.
Seria, no entanto, não ter a noção das realidades se não víssemos, na família e na Igreja, sinais de discórdia e de divisão… umas vezes mais acentuados e noutras circunstâncias mais emergentes e dilacerantes…
É urgente fazer o diagnóstico dos problemas, mas é muito mais importante cada um comprometer-se em viver a unidade e a comunhão, desde logo consigo e em si mesmo, manifestando-o aos outros e dando-lhes novas oportunidades…

2) Perdão – reconhecimento dos próprios erros e dos outros como suscetíveis de errarem… mais do que estar a acusar os demais, pois, muitas das ofensas são resultado da não-assunção das falhas próprias divergindo para ver nos outros os defeitos que nos invadem e ofuscam a correta visão deles… Isso precisa de acontecer na família e na Igreja, devendo ser uma e outra ‘escola de perdão’ em exercício de perdão dado e recebido.
Precisamos, urgentemente, de perder as nossas razões feridas e de curar os corações magoados!

3) Vida – cultivada com opções de abertura à vida nascente, numa sexualidade amadurecida e adulta… tanto na família como na Igreja… Não podemos valorizar mais a morte do que a vida e os seus sinais nem podemos continuar a viver num certo comodismo de opções egoístas e interesseiras… até religiosas.
A vida – em família e na Igreja – é para ser colocada ao serviço de uns aos outros por amor!

 4) Confiança – pela presença uns aos outros e através de gestos de carinho e de estima se cresce na confiança mútua, seja na família, seja na Igreja, pois temos de combater uma certa tendência em que cada um se fecha no seu mundo, olhando mais para si do que para o rosto dos outros…
Na medida em formos crescendo na confiança, pelo desenvolvimento dos nossos dons e qualidades, poderemos ir construindo uma família mais atenta e uma Igreja mais acolhedora… a começar pelos que nos são mais próximos!

5) Partilha – através do diálogo entre as várias gerações na família e na corresponsabilidade poderemos ir descobrindo novas atitudes para sairmos do isolamento psicológico em que tantas vezes nos podemos refugiar. Com efeito, os sentimentos de rutura – que levam a empolar mais o que divide do que aquilo que une – não são bons conselheiros nas horas de crise, seja familiar ou na Igreja… Precisamos de cair do nosso pedestal de certezas pessoais para criarmos sinergias de participação humilde e sincera.

6) Trabalho – esse fator de desenvolvimento e de sustento (alimentação, habitação, bens pessoais e comunitários) torna-se um vetor de realização humana, por isso, o desemprego desumaniza e magoa tantas famílias… Mais do que um emprego está em causa a força humana de concriação com Deus e a edificação da cidade terrena. Precisamos de trabalho justo, correto e remunerado e/ou voluntário, onde todos crescem e se dignificam… Que Igreja teríamos se a família não funcionar corretamente?

7) História – todos temos um passado e um presente, onde Deus conta e está… Não será construindo uma sociedade sem valores e quasi-amoral que teremos futuro… Este deve incluir Deus e a família.

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quinta-feira, 26 de março de 2015

Aprendemos a banir sacos-de-plástico

Em menos de um mês de vigência da legislação, os sacos de plástico – designados de ‘leves’ – foram retirados da circulação numa percentagem significativa, regressando-se, em muitos casos, ao uso de sacos de pano ou de outro material menos poluente e/ou biodegradável.  

Dá a impressão que não foram os dez cêntimos que tinham de ser pagos – de forma indireta – ao Estado, que fizeram com que mudassem os hábitos dos portugueses, mas antes uma crescente consciência mais ecológica e mais sensata no abuso desses materiais… que deixam marcas no Planeta Terra.

= Perante este fenómeno mais recente de aculturação como que sentimos que, por vezes, nos tratam como menos bem fornecidos de inteligência, contando que será mais pela coação que nos educam, em vez de nos saberem explicar as coisas, as matérias e os problemas. Com efeito, nesta globalização de massas há uns tantos fornecedores de notícias que menosprezam a capacidade dos outros, exaltando a sua miopia de pretensão e reduzindo a cinzas quem não se deixa conduzir pelas suas teorias. Ora, se há qualidade que os portugueses/as têm, é a de saberem ultrapassar as barreiras que tais mentores da ignorância lhes colocam… Vimo-lo – entre outros exemplos – na aferição dos números de telefone (de 01… para 21…), na mudança do código postal, na implementação da moeda única europeia, no combate à ‘gripe das aves’, no lançamento do cartão do cidadão (incluindo no mesmo vários documentos)… e em tantos outros momentos de mudança coletiva, onde nem sempre fomos tratados com educação e civismo, mas antes como menores e até incapazes.

 = Temos a certeza e a prova de que os portugueses/as são, em muitas matérias, duma capacidade de adaptação inigualável – de pouco valerá rotular essa vivência de desenrascanço ou de chico-espertismo – na medida em que, por sermos pequenos temos uma força que poucos teriam nem viveriam. Por essa Europa fora e em qualquer canto do mundo, onde se encontre um português, saberemos que está alguém que sabe reunir todas as forças para se suplantar… nem que para isso tenha de tornar-se herói à força. Podemos fazê-lo a resmungar e contrariados, mas conseguimos chegar onde outros povos e culturas não são capazes… mesmo que se pretendam mais evoluídos social e economicamente.

= Há, no entanto, uma lacuna que não se disfarça só com boas intenções e/ou razoáveis promoções: é a dos melhores intérpretes do bem comum, isto é, dos líderes e dos responsáveis que pensam e fazem fazer, congregando energias e vontades. Não abundam os/as que têm essas qualidades. Por vezes, os que as possam manifestar com facilidade são combatidos por outros que vivem dos expedientes e ocupam os lugares de poder sem mérito. Quantas vezes são os aparelhos partidários que promovem os seus infantes e arietes. Quantas vezes os melhores, são empurrados pelos incompetentes, só porque lhes fazem sombra. Quantas vezes somos governados por ineptos e cinzentos.

Neste capítulo temos muito a aprender portuguesmente pensando e falando, pois ainda nos deixamos seduzir por vendedores de sonhos e, quando acordamos, o pesadelo é maior do que a vida real. Se quisermos usar uma linguagem camiliana, temos de pensar mais com a cabeça e menos com o estômago, doseando as coisas do coração. Estamos num tempo propício à emersão de bem-falantes, mesmo que se perceba que não dizem a verdade (toda), pois interessa-lhes atingir o poder… à custa de fait-divers de listas contribuintes, de fugas aos impostos dos adversários… de milhentas tropelias para enganar o povo… votante.

= Tal como nos sacos plásticos temos de saber escolher: entre comprar barato, pagar a taxa e deitar fora; ou comprar mais caro e poder reutilizar… Precisamos de saber para onde vamos, não só agora, mas no futuro próximo…

O povo é sereno e sábio. Assim o deixemos falar, sem manipulações!   

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 23 de março de 2015

Época de vários ‘pês’


Sem pretendermos condicionar a nossa leitura deste tempo que estamos a viver social, religiosa e espiritualmente, vamos servir-nos da letra ‘pê’ para caraterizar estes dias: passos (pessoas e peregrinação), perdão (pecado e paz), paixão (presença e procura), páscoa (promessa e passagem), programa (palavra e profecia)…Com estes itens poderemos, assim, fazer uma leitura de cada um deles, na perspetiva da vivência dum tempo de graça e de comunhão… humanas e divinas.

1. Passos (pessoas, percurso e peregrinação)

É comum, por estes dias viverem-se os designados ‘Passos’ do Senhor, contemplando o Senhor dos Passos. Embora pareça simples é algo que nos faz percorrer os Passos da Paixão de Cristo… tanto na dimensão histórica como atualizados. Seria um erro ficarmos lá, no longe da história, a vermos os tais ‘passos’ de Jesus. Eles têm de ser vistos no hoje da nossa condição atual. Por que não refletirmos, este ano, nos ‘passos’ da família, dado o contexto dos sínodos sobre o tema? Deixo, pela positiva, alguns desses ‘passos’ – onde as dores de Nossa Senhora poderão estar nos contrastes – a meditar: comunhão (aceitação entre os membros da família), perdão (reconhecimento dos erros de todos e de cada um), vida (pais/filhos, sexualidade), partilha (carinho, crescimento, entendimento), confiança (diálogo inter-geracional e cultural), trabalho (alimento, habitação), história (passado/presente, lugar de Deus), etc. Que a emoção ao Senhor dos Passos não ofusque a nossa capacidade de conversão, hoje!

2. Perdão (pecado e paz)

Este é o tempo favorável que nos convoca à conversão pessoal, familiar, social e eclesial. Reconhecer-se pecador é uma grande graça, pois com dificuldade aceitamos as nossas falhas e tão pouco as reportamos para com Deus, os outros e nós mesmos. A celebração do perdão, através do sacramento da penitência e reconciliação, permite-nos vivermos o acolhimento da misericórdia divina – como nos fez questão de lembrar o Papa Francisco, ao convocar-nos para a celebração do próximo jubileu, na Igreja católica – criando novos relacionamentos de vida e de participação. Que não deixemos Deus esperar muito tempo, pois pela nossa fidelidade a Ele poderemos acolher e fazer partilhar a felicidade com os outros.

3. Paixão (presença e perseverança)

É significativo que para exprimirmos o máximo da entrega de Jesus por nós usemos a palavra ‘paixão’, essa mesma que usamos para nos referirmos à envolvência total da nossa vida por alguém…apaixonadamente! Se recorrermos a S. Agostinho – um apaixonado a sério – lemos: Deus é amor ‘para alcançar a paz que é a sua’. É exponencial que para falar do momento mais trágico da vida de Cristo se possa dizer simplesmente: a Paixão…como a vivência mais audaz do amor de Deus para connosco. Como deverá ser forte a nossa paixão por Jesus, ao vivermos reconhecida e silenciosamente a Paixão de Cristo por nós e em nosso favor… em Igreja, sobretudo na sexta-feira santa!

4. Páscoa (promessa e passagem)

O centro da Páscoa – com raízes judaico-cristãs – é a vivência da passagem de Deus na nossa vida e da nossa vida em Deus. ‘Páscoa’ significa libertação da escravidão para o cumprimento do tempo da promessa e ainda a própria passagem de Deus na vida libertada… sobretudo do pecado e dos sinais da morte. Que dizer, então, de tantos cristãos (católicos em particular) que trocam a vivência da principal festa da sua fé, por umas férias de sol e praia?

5. Programa (palavra e profecia)

Olhando o futuro poderemos comprometer-nos num programa que faça da nossa vivência cristã um testemunho: da Palavra acolhida faremos anúncio profético de Jesus vivo e ressuscitado. Com efeito, a alegria pascal deve transbordar em gestos e sinais comunitários… Assim o tentemos viver, já!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quinta-feira, 19 de março de 2015

Novos intérpretes, obviamente!


«Com políticos antigos não haverá políticas novas. Tudo ficará enredado em calculismos, golpes, hesitações, sem elevação e sem futuro. Recusemos sebastianismos, populismos e justicialismos» -- disse António Sampaio da Nóvoa – putativo candidato à Presidência da República – no (auto) designado ‘congresso da cidadania’, promovido, recentemente, em Lisboa, pela ‘associação 25 de abril’. Sampaio da Nóvoa acentuou ainda que «quem gostar muito de dinheiro deve afastar-se da política. Se tiver as mãos atadas de promiscuidades, tramas e tramoias não terá condições para defender o interesse de todos».

Atendendo à plateia – e aferindo mesmos os promotores do evento – este discurso tinha, claramente, em frente os visados, pois muitos deles andam há cerca de quatro décadas pelos corredores do poder e as coisas continuam a degradar-se… pegajosamente!

Pelas reações vistas não foi esse o entendimento da sala, que – dizem as notícias – rejubilou de pé com a referência do interveniente a outros que não eles…e, claro, numa alusão com quem vai competir com eles em próximos atos eleitorais…

= Perante uma certa efabulação destas declarações surgiram-me algumas questões… onde nem todos estão imunes de acusação nem tão pouco podem dar lições a outros sem que não possam colher idênticos resultados:

- Que dizer, então, daquele ‘ilustre’ friso de personagens, que ocupam os primeiros lugares em certas bancadas do parlamento: não foram esses tais que originaram um certo descalabro das finanças públicas? Poderão ser eles os salvadores ou converter-se-ão, novamente, em coveiros… sociais e nacionais?

- Seremos um povo sem memória e vendível por um tal prato de lentilhas? Até onde irá a falta de senso e a irresponsabilidade em conferir o poder a quem não tem o mínimo de autoridade?

- Teremos de ter de aceitar que nos queiram vender um produto político de baixa qualidade, quando em latitudes próximas – como França – já percebemos a inoperância das ideias e dos ideólogos?

- Como poderemos levar a sério as soluções apresentadas, se elas enfermam de mera verborreia e pouca capacidade económica de vingarem… para além duma nova miséria social e de subsidiodependência?

= Vivemos, efetivamente, uma crise de liderança, seja nas coisas públicas, seja nas que (dizem) são de expressão privada. É um tanto recorrente vermos que há uns alguns/as que pretendem ascender a cargos de (co)mando, mas que não reúnem o mínimo das condições. Por outro lado, percebemos que quem deveria assumir esses lugares, apresenta escusa porque não quer ver a sua vida exposta ou devassada e muito menos correndo o risco de ter de enfrentar a oposição duma certa arruaça. Deste modo vemos que, quem quer mandar não devia, e que, quem devia estar nos lugares de autoridade, vão deixando que suas qualidades não sejam desenvolvidas… muitas das vezes por inveja, maledicência e má-fé.

= Urge que seja desenvolvida uma regeneração da democracia – no pensamento de grandes figuras, o menos mau dos regimes – por forma a que não sejam colocados no poder os mais incompetentes, os protegidos (e protetores) por interesses e lóbis, os arietes de forças subterrâneas e paus-mandados de ideologias transnacionais e tantos outros bem-falantes, mas ocos de ideias e de atitudes de serviços aos outros.

A prova de que é mais fácil dar lições do que colhê-las foi a atenção de soslaio com que foram escutadas – mas não refletidas – as advertências do senhor professor jubilado… pois quem o ouviu, não escutou e, talvez, nem ele mesmo quererá seguir o que disse, pois, se assim fosse, dada a sua idade, deixaria campo aberto para outros intérpretes e não se perfilharia ele mesmo na grelha das soluções, pois fez e faz parte do problema… ideológico de outros tantos aventalistas.

= Em tudo isto vimos e registamos o desfasamento cultural em que vivemos, pois as críticas são mais ou menos boas se atingem os adversários, mas não colhem se nos atingem… suficientemente. Assim, não!    

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 17 de março de 2015

A ofensa sente-se!


Na complexa simplicidade daquilo que somos, por vezes, vemo-nos confrontados com a necessidade de refletirmos sobre algo que dizemos e que nos marca pela experiência do nosso existir. Com efeito, a ofensa é mais da área da emotividade e não redutivamente da inteligência… embora esta possa vir a ser mais ou menos ferida, sobretudo quando a ofensa vem de alguém a quem podemos estimar…Há quem diga que ‘só me ofende quem eu deixo’… tentando com isso reportar-se a situações que têm mais a ver com quem ofende do que com as ofensas praticadas…

= Há, no entanto, situações e momentos em que pode acontecer de ser viver, dalguma forma ao nível espiritual, o perdão a quem nos possa ter ofendido e não ter sido curado ou liberto, ao nível psicológico e emocional, dos mais variados traumas conscientes ou mesmo inconscientes. Com efeito, há imensos aspetos da nossa personalidade (mais ou menos amadurecida) que precisam de ser detetados no contexto do relacionamento com os outros, mas onde Deus também conta e/ou participa, como o grande Outro, que fundamenta a nossa alteridade e a cuja imagem nos descobrimos, nos entendemos e nos aceitamos. De facto, no tropel de individualismos com que nos confrontamos permanentemente, temos de aprender a discernir as nossas feridas e a detetar as mágoas dos outros…muitas das vezes camufladas, em nós e nos outros, com roupagens religiosas mais ou menos coerentes…ou difusas.

= Com a convocação do próximo Jubileu – o 29.º na história da Igreja católica – a decorrer entre 8 de dezembro deste ano e a solenidade de Cristo Rei do ano que vem, o Papa Francisco referiu: ‘pensei muitas vezes no modo como a Igreja poderia tornar mais evidente a sua missão de ser testemunha da misericórdia. É um caminho que começa com uma conversão espiritual; e temos de fazer esse caminho. Por isso decidi proclamar um jubileu extraordinário que tenha no seu centro a misericórdia de Deus. Será um Ano Santo da misericórdia’.

Mais um gesto profético do Papa Francisco, que nos vem incomodar nas nossas certezas religiosas e nessas outras convicções com que tantas vezes nos tratamos a nós mesmos e com alguma rigidez de doutrina invetivamos os demais…

Esta provocação do Papa Francisco foi, aliás, feita no contexto duma celebração penitencial, no dia do aniversário (segundo) da sua eleição e em que ele mesmo se confessou e atendeu de confissão outros penitentes como ele.

Temos ainda de recolher os mais diversos indícios de que algo estava para acontecer, pois o Papa nos tem vindo a alertar para a cultura da indiferença – a Deus e uns aos outros – bem como para que sejamos dignos de acolher Jesus na Igreja e nas periferias humanas e sociais.

= No contexto ainda da caminhada da Quaresma e também da preparação para o sínodo ordinário – depois do extraordinário do ano passado – da família, durante o mês de outubro, é essencial que não nos fiquemos na espuma dos problemas – com tantos dos nossos contemporâneos se entretêm – nas que sejamos capazes de nos questionarmos a nós mesmos e a quanto em nós precisa de conversão à misericórdia divina e nas relações humanas. Efetivamente, quando nos deixamos tropeçar mais na ofensa do que na misericórdia, já estaremos abertos às condições de a acolher, humildemente? Quando nos nossos ambientes – humanos e sociais, religiosos e culturais – se cultiva mais o ressentimento e a vingança, não estaremos ainda mais necessitados de sermos envolvidos e aconchegados pela misericórdia divina?

Há instituições que, historicamente, são designadas de ‘misericórdias’, mas sê-lo-ão? Ou não serão antes plataformas de interesses e de vaidades?...Infelizmente – até por que sou ‘irmão’ de uma – muita coisa ocorre que desvirtua a identidade! Está na hora de aproveitar o tempo de jubileu… para a conversão pessoal e comunitária.

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 10 de março de 2015

Pundonores (des)agravados




Um estudo recente, publicado na revista da academia americana das ciências (PNAS), referia que os pais a cujos filhos é dito que são ‘mais especiais do que as outras crianças’ ou ainda que ‘merecem algo extraordinário na vida’ tinham maior probabilidade de serem mais narcisistas do que outras crianças que não recebiam tantos elogios…
O mesmo estudo valoriza ainda a estratégia dos pais em influenciarem os filhos com palavras e gestos de apoio e carinho… mas na correta medida, tendo em conta a correlação entre autoestima e o narcisismo, pois este pode criar pontos de conflito com os outros, enquanto aqueles ‘não acreditam serem melhores do que os outros’…a todo o custo.

= Dos pundonores… à autoestima
Ser recorrermos à linguagem cultural e espiritual de autores e santos veremos que usam, muitas vezes, a necessidade de que o nosso ‘eu’ seja corrigido, tendo em conta os nossos ‘pontos de honra’, que com alguma (ou bastante) dificuldade aceitamos que toquem, pois como que são intocáveis, senão na forma ao menos no conteúdo. Com efeito, há pessoas que não admitem – nalguns casos até mesmo por atitude inconsciente – que as melindrem naquilo que lhe é muito estimado… há facetas que são essenciais na sua ‘personalidade’ e que se ofendem se tal parecer invadir a sua (pretensa) identidade.
Santa Teresa de Ávila faz-se eco, em si mesma, desses pundonores que a vulnerabilizavam, embora fossem aspetos da sua vida a corrigir pelas mãos daqueles/as que com ela caminhavam… De facto, seria como que podar as excrescências do seu eu mais inchado e a precisar de correção.
Nos tempos mais recentes surgiu a vaga – muito por influência da visão holística da ‘nova era’ – da promoção, incentivo e culto da autoestima: aí onde cada qual não pode ser tocado porque invadido pelos outros…e, portanto, violentado no que há de essencial e mais identitário.
Ora, muita de promoção da autoestima – mesmo em contextos cristãos e católicos – tem trazido uma razoável confusão à educação segundo os valores mais básicos. Quantas vezes a autoestima se confunde com defeitos de personalidade, mas porque intocáveis têm de ser respeitados, embora sejam dispensáveis e a exigir correção. Quantas vezes essa autoestima colide com outras autoestimas e criam-se conflitos de interesses senão mesmo de egos mais ou menos sob a capa de fortaleza disfarçada ou encapotada de virtudes… embora defeituosa.
A autoestima resolveu, em certas situações, alguns problemas psicológicos, mas trouxe-nos outras questões interiores e de relacionamento entre as pessoas… Muitos egos em confrontos colidem pela conquista de protagonismo, senão claro, ao menos tácito!... 

… Passando pelo reconhecimento dos seus erros… perdoados
Ora, um cristão, que procura conhecer-se, sabe (ou deve saber) que tem dons e qualidades, mas também defeitos e pecados. Estes não podem ser resguardados pela autoestima, mas reconhecidos, confessados e convertidos… mesmo pelo sacramento da Penitência e reconciliação.
Nós sabemos e aceitamos que o perdão dado e recebido faz com que os nossos erros e pecados sejam submetidos à misericórdia de Deus e, por seu turno, assumimos a decisão de os corrigirmos com a ajuda de Deus e dos outros em Igreja. É isso que nos distingue da mentalidade da ‘nova era’, pois não é na nossa confiança exacerbada pela autoestima que cremos, mas na força de perdão do amor de Deus derramado em nós, sobretudo, pelo e no sacramento da compaixão de Jesus.
Num tempo tão ávido de vitórias pessoais, torna-se exigente ser humilde, deixando-nos corrigir pelas mãos uns dos outros e pela palavra de carinho dado e recebido.
Quais são, afinal, os meus pundonores que precisam de conversão?

António Sílvio Couto

segunda-feira, 9 de março de 2015

Viver acima das possibilidades


Numa entrevista a um jornal económico, um deputado – ex-governante e responsável duma comissão de inquérito a um banco que faliu – referiu que o colapso dessa instituição bancária ‘marca uma época no nosso país’ endividado e ‘que vivia acima das suas possibilidades’, alimentando desigualdades sociais e favorecendo as elites.

Haja alguém que ponha a claro o país que somos! Pois, muitos tentam disfarçar o incómodo de termos de assumir as nossas façanhas de pretendermos ser aquilo que não temos possibilidade de ser… verdadeiramente. O tempo do dinheiro barato acabou e a realidade é bem mais séria do que uns tantos pretendem vender… nem que para isso tenham de mentir aos outros e, sobretudo, a si mesmos.

= Numa outra polémica que tem envolvido o atual responsável do governo português, este viu-se na necessidade de se autodeclarar um cidadão que não é perfeito, mas que tenta cumprir as suas obrigações para com o fisco e a segurança social. Os valores ainda não foram devidamente apurados e as infrações parece que não foram todas corretamente detetadas!

Na tal declaração de intenções e/ou de desculpas, o PM quis lançar uma espécie de labéu sobre o seu antecessor, rejeitando que tenha enriquecido, favorecido e promovido outros…no exercício do tempo de poder… Ora, o visado (sem nunca ter sido nomeado) logo veio a terreiro defender-se e acusar as referências subtilmente emitidas a seu respeito e dos demais envolvidos…

= Vivemos, de facto, num tempo e num país que se pretende nivelar pelo sucesso de outros países e nações europeias, nem que para tal se tente subverter os meios para atingir os tais fins… Olhamos para o sucesso de povos que conseguiram recuperar em meio século o que ficou destroçado no final da II guerra mundial… Só que nos esquecemos que foi através do trabalho e não dos meros subsídios para a preguiça que tal foi alcançado. Malgrado a nossa participação nessa epopeia económica, através da ação de milhões de emigrantes, que venderam a sua força de trabalho para escaparem à míngua de pão com que fomos espezinhados… nessas mesmas décadas.

= Efetivamente nós, os que ficamos por cá, temos de aprender a lidar com a mentalidade – muitas vezes pequenina na forma e no conteúdo – que pulveriza a nossa sociedade e mesmo a nossa cultura. Com efeito, os sentimentos de inveja e de maledicência estão inscritos na nossa génese mais profunda. Quantas vezes, se alguém tem sucesso – muitas vezes sem trabalho que se veja – logo está sob a alçada da suspeita pela forma como enriqueceu… Como é viral a observação de que ‘com o mal dos outros, podemos nós’ em vez de conjugarmos essoutra posição de que ‘com o bem dos outros todos beneficiamos’!

= Parece que os mais de três anos de ajuda do exterior à nossa recuperação não serviram para nos educarmos para uma contenção de despesas… pessoais, familiares, autárquicas, estatais… Quem tem medo da ‘austeridade’ prova que aprendeu pouco com o passado recente, julgando que tudo vai ser igual ao antes da crise, que vivemos desde 2008. Se tudo voltar a ser igual, então, perdemos o tempo e a forma de sermos bons aprendizes com os erros cometidos… Os gastos supérfluos não podem voltar… As benesses dos bancos não podem surgir novamente… As despesas incontidas e ilógicas precisam de ser cortadas, pois todos não têm de suportar os desvarios duns tanto, que pretendiam viver acima das suas posses e pretensões… megalómanas.

= Há valores que se aprendem no berço e não na escola. Há critérios de conduta que se bebem com o leite materno e não na cantina. Há vivência que se fazem em determinadas épocas da nossa educação que não se recebem nos bancos da universidade… Falta, verdadeiramente, capacidade de transmissão desses valores, de tais critérios e de experiências amassadas com o suor e não com a mesada… Cristãmente dizemos: temos de aprender a ser e a viver como pobres, o que é muito mais do que ser empobrecido… Este sentimento azeda, aquela conduta liberta!      

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

sexta-feira, 6 de março de 2015

Uma petição… ao Papa Francisco


Chegou-me, por estes dias, à caixa de correio eletrónico, a informação de uma petição intitulada: ‘súplica dos filhos a sua santidade Papa Francisco sobre o futuro da família’.

Apresentando-se como tendo já recolhido mais de cento e vinte mil assinaturas, manifesta – diz-se o email – que ‘esta petição é fruto da confusão instalada pelo próprio Papa Francisco no último sínodo. Os católicos estão apreensivos com as palavras e os atos do Papa’.

Nos objetivos desta petição ‘Súplica filial’ refere-se ainda que ‘a sua assinatura é uma forte oração para Francisco não criar um cisma na Igreja de Cristo’… propondo – citamos ainda palavras do dito email – pedir ‘a Francisco para ser fidelíssimo e verdadeiro católico’.

Consultando, posteriormente, o tema na internet percebemos que o assunto reveste-se de outra amplitude com uma certa conotação ‘conservadora’ – os proponentes assim se autoapelidam – e fazem uma razoável lista de ‘desvios’ da Igreja católica, tais como a supressão da missa tridentina, a forma de comungar (na mão e de pé e ministrada por leigos), momentos de contacto e de diálogo ecuménico e inter-religioso… à mistura com acusações de âmbito teológico, tendo em conta a questão do diabo (pessoal ou institucional) e um pretenso menosprezo – na visão destes críticos – para com Nossa Senhora e os santos… Recorrem ainda a ‘manifestações’ de Nossa Senhora… tentando encontrar a confirmação das suas teses condenatórias para com a Igreja pós-Vaticano II e, sobretudo, do Papa Francisco, naquilo que lhes soa a menos correto… segundo o quadro semântico das suas leituras… chegando até à ousadia de classificar algumas intervenções e gestos do Papa atual como ‘fumaça de Satanás’!

Quem conhece, minimamente, a história da Igreja sabe que sempre se verificou esta tensão entre setores – nalguns casos bastante extremados – que criaram etapas de cisma. Este comporta, normalmente, mais facetas de disciplina e menos de doutrina, embora a heresia possa vir a dar forma a estes movimentos refratários. Digamos que para se ser ‘herege’ é preciso ser inteligente, pois aspetos de natureza doutrinal têm de estar bem fundamentados e intelectualmente consistentes… até para poderem seduzir outros participantes. Por seu turno, para se ser ‘cismático’ bastará ser rebelde e teimoso, pois dessas qualidades pode até inferir-se a falta de inteligência… e a conveniência em resistir à mudança.

Ora, o que podemos considerar desta petição – ‘súplica filial’ – insere-se mais no quadro de rebeldia – para ser cisma não bastarão umas centenas de milhares de assinaturas – pois talvez não sejam capazes de compreender o Papa Francisco (como pessoa e como responsável máximo de quase dois biliões de crentes) que o Espírito Santo deu à Igreja católica há cerca de dois anos. Com efeito, foi a 13 de março de 2013 que o arcebispo de Buenos Aires foi escolhido por Deus para conduzir a Igreja neste tempo…

Deixem que pergunte com algum incómodo eclesial:

- Com estas divisões a quem servirmos? A Deus, certamente, não é. Então, o diabo não se estará a aproveitar do descontentamento duns tantos para ser fazer presente numa pseudo-ortodoxia?

- Como poderemos ser semeadores e servidores da Verdade se intentamos combatê-la, usando a mentira e a manipulação?    

- Até onde irá a falta de senso se pretendermos fazer-nos defensores das nossas posições contra a autoridade do Papa e dos bispos?

- Será correto usar palavras de santos/as – desfocadas algumas do contexto histórico e espiritual – para inferir que a nossa posição está certa e a da Igreja hierárquica está errada?

 

Dizia-se, na Roma antiga, que a república não paga a traidores! Quem se volta contra o Papa que classificação – humana, cultural e espiritual – poderá ter?

Que Deus nos ajude a entender o profetismo do Papa Francisco com humildade e esperança. 

  

António Sílvio Couto

segunda-feira, 2 de março de 2015

Syrisa…mente


Este título escrevi-o passadas poucas horas desse partido (parece que é antes uma coligação de grupos e de interesses) político grego ter ganho as eleições no último domingo do passado mês de janeiro… No entanto, outros assuntos foram priorizados…enquanto se iam desenrolando as façanhas dos intérpretes daquela vitória, que, por ser na Grécia, se tornou, eufemisticamente, ainda mais pírrica!

- Syrisamente falando houve quem se quisesse ajuntar àquilo que tal formação partidária pretendia significar, desde a contestação até ao aproveitamento da onda ideológica anticapitalista, mas enraizada no mais básico do capitalismo, o poder do dinheiro.

- Syrisamente falando tentou-se gerar algo que confluía para uma espécie de sociedade onde (quase) tudo se consegue com o menor esforço possível, nem que seja o de prometer muito e não fazer o mínimo e, deste modo, se tentou galopar num certo ‘cavalo de Troia’, na medida em que se infetam as relações entre países e culturas, menosprezando os compromissos de uns para com os outros.   

- Syrisamente pensando pareceu que a Europa tremia com medo das consequências dum tal capitalismo coletivista, onde se usufrui daquilo que o poder do dinheiro nos concede, mas não se trabalha para conquistar os direitos pela assunção dos deveres, antes se vai vivendo de expedientes e habilidades por forma a tentar ganhar tempo com distrações mais ou menos orquestradas por manifestações e protestos… em diversos países.

- Syrisamente pensando não poderemos esquecer que, na Europa, já vivemos – no início da década de trinta do século passado – a emersão dum tal setor social, político e cultural que ganhou eleições, na Alemanha, com idêntica percentagem de votos deste Syrisa e que, depois, se catapultou em fomentar a guerra e o extermínio de milhões de pessoas… A memória da Europa devia ser avivada para todos os perigos e riscos e não só para uns, tentando obnubilar outros… tanto ou mais perigosos dos por agora denunciados!  

= Como podemos – note-se que um movimento idêntico ao tal da Grécia e com este nome diz ter boa aceitação popular em Espanha, embora seja, segundo informações, subsidiado pela Venezuela…a cair de pobre e de podre – encarar o futuro da Europeia se as instituições não nos dão credibilidade?

- Como podemos acreditar nas pessoas, se elas dizem uma coisa num posto e o seu contraditório quando ocupam outro… repare-se nos responsáveis da Comissão Europeia… antes e agora?

- Como podemos perceber que vamos continuar num clima de paz na Europa – após a II guerra mundial nunca tanto tempo houve de paz neste continente – se em cada esquina – onde a comunicação social é importante e essencial – se dá mais valor a quem divide do que a quem trabalha pela unidade?

- Como podemos ainda ter esperança numa Europa de harmonia se se continuar a valorizar mais a ideologia do que a Nação, a acentuar mais a preferência partidária do que o País, se se pretende servir-se dos lugares de intervenção para promover os lóbis e interesses de grupo… mais ou menos subtis?

= Não poderemos esquecer que os pais fundadores da União Europeia eram de inspiração cristã – alguns até estão em processo de reconhecimento público das suas virtudes humanas e cristãs – e que, embora, de países diferentes souberam interpretar o que de mais genuíno somos e temos. Aos promotores duma certa Europa sem Deus – ignorando-O ou combatendo-O – não lhes auspiciamos grande sucesso, pois será das raízes mais profundas da nossa identidade coletiva e pessoal que poderemos ainda ter alguma esperança no presente e para o futuro.

Afinal, o Syrisa…fala verdade ou mente aos seus e ao resto da Europa? O futuro se encarregará de fazer justiça! 

  

António Sílvio Couto