Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Amigos da onça… nos assediam!



A expressão ‘amigo da onça’ vem duma anedota, foi estampada em caricatura e significa: alguém que se mostra amigo e ao mesmo tempo é uma pessoa em quem não se pode confiar, pois é falso, que trai as amizades, hipócrita e infiel!..

A anedota: dois caçadores conversavam, num acampamento, sobre hipóteses da vida da caça. Diz um: o que é que farias, se, na selva, fosses surpreendido por uma onça… Diz o outro: Dava-lhe um tiro!.. Ripostou o outro: e se não tivesses arma de fogo? Respondeu: usava uma faca!... E, senão tivesses faca? …Usava um pedaço de madeira para me defender… E se não tivesses esse pedaço de madeira... Fugia para cima duma árvore. E, se paralisado com o medo, não conseguisses fugir… Já irritado o que ia respondendo, disse: mas tu és meu amigo ou amigo da onça?

A personagem ‘amigo da onça’ foi criada por um cartoonista brasileiro, na década de quarenta do século passado, em que procurava satirizar e desmascarar situações mais ou menos embaraçosas com os seus interlocutores.

Vem esta conversa a propósito das posições de algumas figuras da nossa vida – públicas ou mesmo privada – em que fazem essa figura de ‘amigos da onça’, desses em que tê-los por amigos não será preciso ter inimigos…

Eis breves exemplos de ‘amigos da onça’ que nos assediam, invadem e andam por aí:

- Quando vemos pessoas trocarem de posição política para ser perfilarem ao lado dos vencedores, no futuro;

- Quando observamos pessoas que ora têm uma posição social, ora se pretendem colocar onde possam ganhar favores e protagonismo em breve;

- Quando, em grupos, associações e coletividades (de vária índole e natureza) vemos posições sem coluna nem verdade;

- Quando percebemos em pessoas palavras que soam a oco, mas que cativam facilmente os incautos;

- Quando vemos oportunistas a adularem os superiores, tentando com isso ganhar protagonismo sem mérito nem preparação adequada;

- Quando na hora de tomar posição se fica só…embora tenha sido prometida colaboração;

- Quando se partilha com alguém algo de sensível e esse tal difunde o que nós dissemos em segredo ou como desabafo em confiança;

- Quando vemos pessoas que pouco ou nada fazem, mas que aparecem como executores de algo em que não têm mérito nem preparação mínima;

- Quando se faz desgastar pela insistência naquilo que só vence pela distração dos outros… sobretudo em contexto de natureza ética/moral;

- Quando se pretende chegar a postos de poder, mas se é fraco para ser mandado…

Sem pretendermos enumerar todas as situações de ‘amigos da onça’ podemos ver que no nosso trato social temos imensas situações de alçapão, onde as relações humanas podem perigar e as palavras nem sempre correspondem às atitudes…

Não deixa de ser revelador desta sociedade de ‘amigos da onça’ que a palavra mais votada para ser a ‘palavra do ano’, em 2014, tenha sido a corrupção… Por aqui se pode evidenciar que muito do que nos acontece possa ser devido aos tais ‘amigos da onça’…

Quem pode assegurar que não tem ou pode não ser considerado ‘amigo da onça’? Por isso, saibamos ser sinceros, leais e verdadeiros para connosco mesmos e uns para com os outros.  

 

António Sílvio Couto


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

8 euros à hora…limpos!


Na recente troca de palavras entre os responsáveis dos médicos e a tutela ouviu-se, por parte do bastonário da Ordem, esta frase: como podem os médicos sentir incentivo ao trabalho se lhes querem pagar oito euros à hora… limpos! Ao que o ministro ripostou que o Estado não paga aos seus funcionários segundo aquele quadro de remuneração…

Se atendermos ao coeficiente do ‘ordenado mínimo’ e dentro das trinta e cinco horas semanais, cada trabalhador que receba por este parâmetro receberá cerca de três euros e meio por cada hora de trabalho… Dentro deste (possível) cálculo apresentado pela classe médica, cada hora de trabalho neste setor teria o dobro da remuneração de salário do ‘ordenado mínimo’!

Quando vemos certas questões a serem discutidas na base do económico como que ficamos confundidos, pois há profissões que são muito mais do que fontes de rendimento e cuja função social ultrapassa a mera troca economicista. Talvez seja utópico da minha parte ver as coisas por esta perspetiva, mas a atividade médica vejo-a mais como vocação/missão do que como regalia social ou preponderância sobre os outros… mais fragilizados.

Que me desculpem os médicos/as que possam ter paciência para ler isto que estou a (tentar) dizer, mas vejo nos médicos/as, alguém com uma certa capacidade de altruísmo, que não se regula (só) por fatores de produção nem é aquilatado/a pelo pagamento dos seus atos profissionais… É claro que não sou inocente e já paguei bem caro algumas consultas – com ou sem recibo! – e fico um tanto confundido com aquelas palavras do bastonário… Será que os tempos mudaram tanto assim para que tenhamos de escutar estas observações de quem cuida da nossa saúde?

= Quem cuida ou deve cuidar da saúde?

Recorrendo novamente a expressões que foram ouvidas por estes dias a propósito da saúde, houve quem tenha dito que antes do um ‘serviço nacional de saúde’ precisamos de um ‘sistema nacional de saúde’… Embora as siglas sejam as mesmas (SNS) o significado é muito diferente, pois o ‘serviço’ atende sobretudo nos espaços públicos (hospitais, centros, etc.), enquanto o ‘sistema’ poderia abranger também os privados que fazem atos de saúde e em que os utentes pagam duas vezes, para o ‘serviço’ público e para os cuidados privados!

Talvez aqui possa estar uma (possível) solução para tantos pruridos político/ideológicos das questões de saúde, dando liberdade de ser atendido onde se quer e se pode e não vivendo sob um regime de ditadura de todos a monte no ‘serviço nacional de saúde’ e uns tantos privilegiados, tendo assistência e cuidados diferenciados… mais caros!

Como diz o povo e com razão: ‘com a saúde não se brinca’. Ora, alguns senhores ligados a este setor da saúde e outros que influenciam esta área da atividade têm vivido como se fossem donos da nossa saúde, gerando, sugerindo e gerindo questões, projetos e problemas que só se descobre depois que tiveram algum fator de manipulação. É precisa mais verdade no trato com tudo aquilo que tem relação com a saúde, pois duma população saudável se podem colher frutos para o futuro… enquanto da doença todos saímos a perder de imediato… e a longo prazo.

Agora que as notícias nos falam tanto de saúde – ou melhor dizendo, nos cuidados para que da doença venha a recuperação da saúde – é urgente por o dedo na ferida, por forma a que seja bem tratado este vetor fundamental da vida humana, sem descuidar as diversas sinergias em que a pessoa humana está envolvida. As condições de natureza espiritual não podem ser desatendidas, pois, em muitos casos a fé dos pacientes e a confiança nos e dos agentes de saúde, podem ajudar a fazer milagres, no sentido lato e também estrito do termo. Com efeito, há vertentes da nossa condição humana que são muito mais tocadas por uma boa conversa/diálogo do que com o receituário químico/medicamentoso…

E os tais oito euros à hora… líquidos podem ser multiplicados em bênção e resgate de vidas. Oxalá, o sistema de saúde possa vencer em arte e engenho o que pode faltar às condições humana e técnica… atuais!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Fait-divers da regionalização, agora!

Numa conjugação de intervenções – ou será de intenções, de projetos ou de missões… de ideologia? – dois políticos/partidários fizeram ressurgir, por estes dias, o tema da regionalização. Têm em comum bastante experiência autárquica – um de saída, outro que já saiu – em metrópoles nacionais; embora de correntes partidárias diferentes têm aparecido como próximos… senão na forma ao menos nalgum conteúdo; perfilam-se como arietes no xadrez público em campos complementares… e/ou concorrenciais…agora ou no futuro próximo.

Não se sabe – clara e distintamente – se esta proposta de incluir na discussão política em breve a regionalização faz parte de um plano, se foi concertado nalguma loja ou se está a ser preparado um novo programa de distração – o tal ‘fait-divers’ – das coisas essenciais com aspetos laterais… um tanto fraturantes e/ou potenciais geradores de lutas de interesses!

= Ressuscitar fantasmas ou alimentar lóbis?

Em novembro de 1998, o eleitorado (que é muito menos do que o venerável conceito de povo) português foi chamado a pronunciar-se sobre um certo modelo de regionalização. Menos de metade dos eleitores foram votar, tendo sido considerado não vinculativo o resultado, desde este item de credibilidade e dois terços dos votantes opuseram-se àquela proposta referendada… Só o Alentejo, uma parte do algarve e outra na zona do Porto aprovaram esta (pretensa) reorganização do nosso mapa sócio/geográfico. 

No modelo apresentado há pouco mais de dezassete anos tentaram incluir no mesmo espaço figuras e figurões (políticas e económicas) diametralmente opostas – mesmo que da mesma área político/partidária – envolvendo naquela luta de protagonismo egos muitos sensíveis à disputa de lugares reinantes e de estratégias obedecidas…

Naquele tempo pareceu que se estava a arranjar novo emprego para rejeitados da cena nacional, tentando impingi-los ao âmbito mais restrito de parcelas regionalistas… Nessa época foi um tanto subtil misturar a migração de certos candidatos como que empurrados na hora de elaborar as listas a deputados… Assim o processo de regionalização do século XX soava a ficção mais ou menos elaborada à socapa dos eleitores… E a resposta foi dada com uma significativa abstenção e a rejeição dos votantes do modelo então levado a sufrágio: morreu e prescreveu a pena!

= Dividir para reinar ou reinar na divisão?

Vindo de quem vem, este novo processo de regionalização sofre duma doença congénita: os proponentes querem vencer, dividindo e, através dessa divisão, poderão ir reinando… nos seus partidos e no país! De fato, Lisboa e Porto são ardilosos nas considerações de que o resto é paisagem mais ou menos tolerada, criando a sensação de que a massa popular está silenciosa e acomodada.

Depois do ferrete da austeridade com que tivemos de viver nos três últimos anos querem abrir a folga – se existe ou se é pretendida – para o esbanjamento e na imitação doutros países maiores e melhor organizados administrativamente.

Agora, como há cerca de vinte anos, não adianta querer gerar confusões e promover populismos, pois o povo é que vai pagar a fatura das pretensões de certos iluminados… mas tão pouco iluminadores. E nem sequer a aglutinação de freguesias resolveu nada de essencial nos gastos, pois são os municípios que estão em exagero e não as circunscrições mais pequenas… Os concelhos mais recentemente criados não são dos mais endividados? Os resultados de fazer surgir mais estruturas intermédias não são focos para mais caciquismo e corrupção? Os escolhidos para levar a cabo tal inovação regionalista seriam os mais credíveis ou figurantes de segunda linha no espetro político?

Há erros que não podem servir para entreter, mas devem ser corrigidos, evitando cometer más opções e deficientes decisões pouco democráticas… embora sufragadas.

Regionalização, não, obrigado!     
     

António Sílvio Couto

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Oração de D. Gilberto para os 40 anos da Diocese




(leitura e interpretação teológico-pastoral)

Pai Santo,

Somos a Igreja de Setúbal

que reúnes e animas

pelos braços do Teu Filho e do Espírito Santo

e que quer celebrar quarenta anos de Diocese.

= Somos a Igreja de Setúbal

À boa maneira paulina, se refere que a Igreja está, vive e faz-se num contexto sócio/geográfico muito concreto. Aqui se refere a realidade diocesana, onde cada um se sente parte dos outros que consigo caminham, sofrem, alegram-se, vivendo a graça do perdão e da comunidade.
As paróquias só têm sentido se estiverem em comunhão com a Diocese.

 = Que reúnes e animas...
A ‘Igreja’ é a reunião dos irmãos, cuja expressão máxima se exprime na eucaristia. Reunião e animação que não dependem só dos fatores humanos nem dos ingredientes sociais.
= Pelos braços do Teu Filho e do Espírito Santo
Na linguagem dos padres da Igreja, nós somos ‘um povo unido pela unidade do Pai e do Filho no Espírito Santo’ (cfr. LG 4). Deste modo a Igreja é o ícone da Santíssima Trindade, onde o Pai e o Filho e o Espírito santo constroem e animam a vida dos cristãos e a comunhão das instituições.
= Que quer celebrar 40 anos de Diocese
Somos uma Igreja no espaço e no tempo, com história e com memória...no passado e com presente!

Pai santo,
nesta hora feliz, damos-te graças
por tantas pessoas, instituições e acontecimentos,
que são sinais do Teu amor por nós.

= Pai santo, nesta hora feliz, damos-te graças
A celebração dos 40 anos da Diocese de Setúbal é um momento de felicidade de índole espiritual e motivo de ação de graças… sendo a eucaristia uma dos expoentes máximos dessa vivência de gratuidade e de agradecimento pela ação da graça de Deus nesta porção do povo de Deus.
= Por tantas pessoas, instituições e acontecimentos
Eis uma pequena (mas significativa) lista de motivos para esta ação de graças, como diocese: as pessoas que habitam entre o Tejo e o Sado que se esforçam por fazerem parte desta Igreja; as instituições tanto de natureza civil como eclesial ou mesmo associativas e imensos acontecimentos que decorreram nestes 40 anos, tantos agradáveis como difíceis… tudo faz parte da vida e fez caminho de vida nesta e para esta Igreja.
= Que são sinais do teu amor por nós
Eis uma leitura urgente a fazer: ver tudo como sinal de Deus, nada é desperdiçado nem ninguém é excluído da nossa história pessoal e familiar, social e eclesial. Se tivéssemos, assim, uma visão de fé, pela esperança e na caridade tudo seria bem interpretado em Deus… para louvor d’Aquele para Quem tudo concorre para o bem daqueles que O amam!

E pedimos-te

a paixão pela santidade,

a fé viva alimentada pela Palavra e pela Eucaristia

e um coração acolhedor de todos, sobretudo dos pobres.

= Pedimos-te a paixão pela santidade
Iniciamos uma série de ‘pedidos’ (intercessões e petições) para todos como Igreja e não meramente para cada um de forma isolada. Somos um corpo de Cristo santificado pelo poder do Espírito Santo. É, por isso, que solicitamos ao Pai que derrame o seu Espírito de santidade em nós, como diz o concílio Vaticano II, ‘santa Igreja dos pecadores’ (LG 48), isto é santa na sua natureza embora pecadora nos seus membros.
Mais do que uma qualidade da Igreja, a santidade que suplicamos é uma condição de afirmação dos cristãos no mundo: santos embora sujeitos à condição terrena de tentados e de pecadores.
Temos de assumir a ‘paixão pela santidade’ e isso fará de cada um de nós e de todos nós um povo marcado pela unção da santidade na vida de cada dia.
= A fé viva alimentada pela Palavra…
O cristão alimenta-se do ‘pão da vida’ seja na Palavra de Deus, revelada na Sagrada Escritura, seja pelo anúncio evangelizador da mesma Palavra na Igreja. Precisamos de ultrapassar o défice de conhecimentos da Bíblia, lendo, escutando, meditando e rezando a Mensagem da salvação que nos é comunicada na Palavra de Deus escrita e na Tradição. Não podemos continuar a ser ignorantes daquilo que Deus nos diz na Sua Palavra.
Em cada idade temos de acertar com o ritmo da nossa consciencialização humana e a aferição do nosso viver com a Palavra de Deus viva e eficaz… Certamente já crescemos muito, mas ainda nos falta muito mais.
= … e pela Eucaristia
À boa maneira dos primeiros cristãos precisamos, hoje, de dizer e viver: não podemos viver sem a eucaristia, sobretudo dominical. Os dados de afastamento da prática da eucaristia de domingo são preocupantes: seremos cerca de 4% em relação à população residente na área da diocese – 31.413 praticantes em 779.373 habitantes…
A chama do encontro com Cristo está muito fragilizada e, por isso, com muita facilidade se deixa ou abandona a missa de domingo… De fato, há mais igrejas, nestes 40 anos de diocese, mas os praticantes não cresceram tanto quanto era suposto… Há muita coisa a corrigir com verdade e humildade, dando testemunho da celebração da missa dominical, que dá sabor e alegria à nossa vida.
= Um coração acolhedor de todos…
Numa igreja minoritária há que mudar de estratégias, pois quem chega precisa de ser acolhido. Falta-nos. Normalmente, um serviço de acolhimento – desde a sua expressão mais simplista até à mais delicada – de quem nos procura, inserido numa visão de saber receber, aprender a escutar, ter tempo para explicar, incluir e enquadrar quem chega… Mais do que um cliente, esse/a que nos procura é um irmão ou uma irmã em quem Cristo está presente… seja conhecido ou desconhecido!
= … sobretudo dos pobres
Estes são os mais frágeis, os vulneráveis, os desempregados, as vítimas dos vícios, do desprezo… sem comida, sem casa (ou com a renda em atraso), sem água nem eletricidade… Esse pobre tem de ser acolhido com coração compassivo e misericordioso, não atendendo a quem é, mas a Quem ele represente, Jesus pobre e necessitado.

Pedimos-te

a graça de crescer como comunidade,

onde cada um se sinta amado

e se torne pedra viva e lugar de acolhimento.

= A graça de crescer como comunidade
Desde logo vale a pena ver a composição desta palavra: comum – unidade, isto é, tentarmos viver na comum unidade de irmãos na mesma fé a partir do mesmo Cristo em Igreja… Embora se possa dizer muito esta palavra, ela é, antes de tudo, uma dinâmica que se alicerça num coração convertido a Jesus e aos outros. Pois, os outros são a nossa componente de caminhada para crescermos – claro com atritos e diferenças – e não para nos ofendermos ou melindrarmos…
‘Crescer’ implica vida e dificuldade e, por vezes, esse crescimento traz crises, tendo em conta a etimologia desta palavra: momento de decisão, faculdade de distinguir, decisão… Todos nós temos de passar por crises de crescimento – na idade, na personalidade, na maturidade – e, se acontece nas pessoas, também acontecerá na convivência com outros.
Temos consciência de crescer como comunidade? Ou será que vivemos num certo ambiente tão pacato que mais parece um cemitério?
Crescer como comunidade implica conversão contínua e humilde… e precisamos de pedi-lo a Deus.
= Onde cada um se sinta amado
Ninguém se sente bem, seja onde for ou com quem for, se não se sentir amado, que é muito mais do que tolerado ou aturado… Ora, nós pedimos que, em comunidade, vamos crescendo em atitude de estima e acolhimento e ainda onde cada pessoa seja vista como é e não a partir dos adereços sociais, de instrução ou até de pretensão.
O desafio é alto e urgente, mas as etapas estão-nos acessíveis e à nossa disposição: à semelhança de Jesus temos de amar e de ser amados, ou como tem dito o Papa Francisco: cuidar e deixar-se cuidar… aprendendo a perdoar os erros e falhas dos outros para sermos também nós perdoados pelos outros, sobretudo pelos que nos conhecem (ou vão conhecendo) melhor.
= E se torne pedra viva…
Ser pedra viva do templo do Senhor, que é Igreja, é estar consciente da sua vocação e missão na Igreja e mesmo no mundo, pois só assim nos sentimos parte uns dos outros e criadores de comunhão à nossa volta. Não pode haver cristãos-sanguessuga, isto é que vivem à custa dos outros, nada fazem e quase tudo e todos criticam. Temos de descobrir e exercer os carismas que Deus nos concedeu para o crescimento da comunidade-Igreja.
=… e lugar de acolhimento
Tendo sido acolhido, agora se reveste a mesma atitude: mais do que retribuir o que nos deram, devemos estar de coração aberto para acolher como Jesus. As figuras do samaritano (Lc 10,29-37) e da samaritana (Jo 4,1-42) podem servir-nos de modelos para viver este exercício contínuo de acolhimento: como cuidado pelos mais frágeis e como anunciadores do encontro com Jesus, que nos mudou a nossa vida.  

Pedimos-te

que, guiados pelo Espírito de Jesus,

sejamos ‘Igreja em saída’

a anunciar a todos a alegria do Evangelho.

= Guiados pelo Espírito de Jesus
Ungidos, somos enviados. Com efeito, o evangelho está contido entre duas palavras de Jesus: ‘vinde’ e ‘ide’… vinde após Mim e farei de vós pescadores de homens…E Eu envio!
Novamente pedimos ao Pai que, por Jesus, vivamos a dinâmica do envio, isto é, da missão. Não podemos ser cristãos só do templo, pois poderemos ser encurralados na sacristia, mas, partir da celebração da eucaristia, partimos para a missão. Nas palavras do Papa João Paulo II: da missa para a missão, isto é, a missa começa quando acaba a celebra-ção da eucaristia, esta faz-se presença e testemunho. Quem nos faz viver isso é o Espírito de Jesus, esse mesmo que O conduziu na sua vida pública de anúncio do Reino messiânico.
= Sejamos ‘Igreja em saída’
Esta expressão tem sido muito difundida pelo Papa Francisco. Diz-se na ‘Alegria do Evangelho’ : «Na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de ‘saída’, que Deus quer provocar nos crentes (…) Que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de ‘saída’ e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade» (EG 20.27).
Desta forma estar em saída faz com que deixemos as amarras de segurança rotineira e as certezas duma fé cristalizada, para podermos entrar na aventura de novos horizontes e diferentes campos de intervenção… sem o cheiro a cera ou a pescar no aquário.
 = A anunciar a todos a alegria do Evangelho
Este pedido é muito mais do que entender o que o Papa nos diz na exortação que nos faz ler e meditar com o mesmo nome. Este pedido é fazer com que o Evangelho seja isso que significa: boa nova para todos… sem anátemas nem excomunhões, tanto para fora como para dentro do espaço eclesial.
Há tantos campos e esferas de intervenção que só pela alegria d Evangelho poderemos penetrar com confiança e verdade. Como dizia recentemente o Papa: ‘nunca um santo teve uma cara de enterro. Os santos sempre tiveram o rosto da alegria, ou, pelo menos, o rosto da paz’!

Pedimos-te, com Maria,

um coração orante e tão cheio do teu amor

que encha de alegria as pessoas que encontramos.

Ámen.

= Pedimos-te com Maria
À boa maneira das mais recentes intervenções dos Papas, o nosso Bispo coloca, o final desta oração, aos cuidados de Nossa Senhora. Com efeito, Ela é a mãe, a protetora e a intercessora da nossa caminhada em Igreja e como Igreja diocesana, as famílias e as pessoas… tanto as crentes como todas as outras que vivem neste espaço diocesano.
= Um coração orante…
Depois de pedirmos um coração santo, um coração acolhedor e um coração ungido pelo Espírito Santo, queremos viver tudo isto com um coração orante, isto é, que vê, acolhe, aceita e contempla a presença de Deus nas coisas, nos acontecimentos, nas pessoas e na história… Rezamos com tudo e rezamos por tudo o que nos acontece.
= …e tão cheio do teu amor
É Deus quem preenche as nossas lacunas e infidelidades pela fidelidade Maria, com Ela, por Ela e n’Ela. A cheia de graça derrama sobre nós as graças e bênçãos divinas, hoje e para sempre.
= Que encha de alegria as pessoas que encontramos
Do trono da graça – que é por excelência Jesus e por participação especial Nossa Senhora – se derramam as bênçãos do Céu sobre a Terra, como lugar de provação, de anúncio e de testemunho. A paz e a alegria se derramem na nossa vida e através de nós, como portadores da bênção, se irradiem onde quer que se encontre um cristão.
Amen!


António Sílvio Couto

(10.janeiro.2015

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

De domingo…a sábado


Poderá parecer uma bizantinice qual a ordem pela qual vemos e vivemos o ritmo da semana. Nos calendários muitas vezes aparecem associados ‘sábado a domingo’ e, nalguns poucos casos, ‘domingo a segunda-feira’… No primeiro caso o tal ‘fim-de-semana’ acontece desde a sexta-feira, enquanto na outra versão se dá lugar de importância ao domingo… sobretudo no sentido cristão.

A cultura do fim-de-semana é para nossa regalia ou para acolhimento do divino em nós? Vivemos em atitude de concha ou de flor, isto é, fechando-nos no nosso círculo de proximidade ou exalando a fragância da fé vivida e testemunhada?

Como poderemos modificar a linguagem, fazendo com que os conceitos cristãos transmitam uma fé dinâmica e dinamizadora dos crentes numa sociedade em minoria?

Mais do que desejarmos ‘bom fim-de-semana’ uns aos outros, ao final de 6.ª feira, precisamos de ajudar-nos a viver em atitude – dentro e fora do templo – de bom domingo ressuscitado e ressuscitador… na fé e na vivência da nossa páscoa semanal em cada domingo.

= Do tempo do ‘homo faber’….à situação do ‘homo spiritualis’

Uma das conquistas sociais mais importantes da sociedade ocidental, após a paz de Constantino (século IV) e que foi estendida a toda a sociedade (dita) cristã, foi o preceito de descanso ao domingo. Através desta ordem todos poderiam estar disponíveis para viverem o grande anseio de fazer do domingo o momento mais importante da história de cada um e de todos, nessa tão bela expressão dos padres da Igreja: ‘não podemos viver sem o domingo’, isto é, celebrar a missa era essencial e fundacional da identidade duma sociedade, que haveria de ser designada de cristandade.

Durante séculos vivemos nessa rotina de usufruirmos dos benefícios duma certa fé feita social até que chegamos à assunção do rompimento progressivo da tutela do religioso nas ações coletivas… sobretudo na nossa sociedade ocidental. Um pensador francês de meados do século XX, Jacques Maritain, cunhou esta expressão – ‘cristandade profana’ – para caraterizar uma certa discrepância entre os atos em que vivemos e os valores com que nos conduzimos… nem sempre condizentes na forma e, sobretudo, no conteúdo.

= A inversão de critérios fará acontecer uma certa ‘morte de Deus’?

Perante a crescente laicização da nossa sociedade como que podemos interrogar-nos sobre o sentido da maior parte dos feriados religiosos, pois muitos deles são usufruídos no descanso e não na santificação dos dias e dos mistérios que neles celebramos.

A modificação governamental de alguns dos feriados religiosos – corpo de Deus e Todos os santos – poderá dar mais verdade àquilo que uns tantos beneficiam, mas nem sempre vivem. Tudo será ainda mais agravado se atendemos a que se querem servir da tal marca religiosa, mas abjuram quem lhe concede tais prerrogativas. Isto não invalida, antes pelo contrário, a correta e consciente obrigação da celebração da fé comunitária… numa força de testemunho e de provocação.

Não deixa de ser sintomático que vivamos nas nossas paróquias ao ritmo das emoções de muitos dos praticantes que preferem o consolo da sua fé ao compromisso; que atendem mais ao que fazem do que àquilo que vivem ou poderiam vivenciar; que deambulam entre lugares de culto em vez de fazerem do culto um lugar de participação.

Já Enzo Bianchi (um teólogo italiano) dizia num dos simpósios do clero, em Fátima, há anos, temos na nossa Igreja muitos cristãos itinerantes (que andam onde lhe dá gosto e até convém) e outros tantos intermitentes, que frequentam a fé (social) quando lhe convém, que lhes dá vontade e talvez projeção.

O ritmo pascal de cada semana poderia ser um bom desafio a vivermos a nossa caminhada de fé onde mais nos custa e, possivelmente, faz doer, pois aí estávamos por missão e não por agrado e boa disposição. Até quando vamos continuar assim… ao sabor da crença e não da experiência com Jesus em Igreja católica?

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Pode-se caricaturar tudo?


Mais de uma dezena de mortos, muitos feridos e uma cidade em colapso…foi como se viu Paris, após um pequeno comando terrorista ter atacado um jornal semanário humorístico francês…ao que parece por o dito jornal ter publicado caricaturas alusivas à fé muçulmana…

O fatídico atentado em Paris, no passado dia sete, veio colocar em risco muita coisa: a segurança, a liberdade de informação, a capacidade de entendimento, a razoabilidade das reações à ofensa, a perceção do que vale e do que não interessa, uma certa vulgaridade da vida humana, as consequências de estarmos num mundo onde uns podem dizer (quase) tudo e outros se ficam pela teoria do poder da força em confronto com a força do poder…

= Houve vozes que clamaram pelo direito à liberdade de expressão, mas que se esqueceram – por acaso ou por lapso intelectual – de referir a necessidade de serem respeitados os ofendidos, sejam de que religião, economia, sociedade ou setor profissional…forem.

Não está em causa defender seja qual for a forma de atentar contra a vida humana, mas poderemos considerar que a reação duns tantos ultrapassou a moralidade de querem impor um sistema cultural onde quem não concorda tem a vida a prémio. No entanto, numa certa condição de vida social, parece que se pode ter o direito de exprimir alguma provocação, desde que tenha um certo rótulo de arte.

= Ora, numa sociedade ocidental, refém duma difundida visão agnóstica e ateia, ofender as convicções dos outros poderá não ser obstáculo a que se diga, se escreva e se fale de tudo sem olhar a meios… desde que incluam uma tal abjuração do conceito de Deus e da sua vivência como expressão religiosa. Se os cristãos já nem se ofendem, outros há que levam muito à risca as mais pequenas tentativas de denegrir a sua fé e quem dela é considerado seu promotor.

Talvez estejamos num quadro intelectual de complexa gestão desde os conceitos até à forma emocional como os tratam e exprimem. Deste modo certos exageros podem colidir com um razoável amorfismo com que a nossa sociedade ocidental convive com a diferença.

= A segurança das pessoas e dos Estados – na Europa em particular – começa a ser posta em causa, quando do espaço de convivência social surgem expressões de insegurança, pela mesma razão pela qual se permite cada um ser o que é, sem ter condicionalismo de poder fazer perigar a sua conduta para com os outros. Digamos que a sociedade ocidental tem deixado emergirem em vários países e em diversas regiões possíveis detratores da sua tolerância e dum suficiente permissivismo.

As armas – morais e bélicas – não podem ser as mesmas para estarmos em pé de igualdade, pois os que não respeitam as regras dos outros, tentam impor as suas regras pela força dalguma irracionalidade, pretendendo que os seus fundamentalismos vinguem contra aqueles que os toleram. Não se pode ser condescendente com quem usa meios que podem afundar a mais ténue segurança… E isto não pode acontecer só quando há fatos excecionais, mas sempre devemos estar vigilantes à liberdade e ao respeito por todos e por cada um… onde a liberdade religiosa não pode ser considerada uma exceção, mas uma regra em qualquer parte do mundo…

= Numa palavra: eu não sou nem quero ser ‘charlie’ – nome do semanário parisiense que sofreu os atentados, no passado dia sete – pois quero ser respeitado na minha fé e não gostaria de ser usado para o sarcasmo nem àqueles que eu estimo. É preciso que esta sociedade, que quer viver sem Deus, saiba respeitar quem acredita em Deus, tenha Ele a expressão cultural com que se entender exprimir…

Urge retomar uma cultura cívica que não viva na tendência mais ou menos consensual de que o igualitarismo pode criar fraternidade. Não, esta é que só acontece porque nos sabemos respeitar como irmãos/ãs da mesma humanidade… para o bem e para o mal.

Coerência, a quanto obrigas!     

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O ‘presépio’ tornou-se mais atrativo?


As notícias fazem-se eco dos acontecimentos e, por estes dias, temos visto e ouvido referências a que o presépio se tornou atrativo – turístico/folclórico/etnográfico – cultural em várias partes do nosso país. Foi como se, de repente, acordássemos duma letargia para a realidade: o presépio fez-se real, não virtual!

Na origem etimológica o termo ‘presépio’ quer dizer curral ou estábulo onde se recolhem os animais. Na linguagem cristã terá sido num local com estas características que se deu o nascimento de Jesus em Belém. Embora um tanto romântico – talvez se possa dizer mais nostálgico – esta referência ao local de pernoita dos animais é-nos acentuada pela alusão à manjedoura, onde foi colocado Jesus, após o seu nascimento…

Não vamos tentar elencar os locais de apresentação do presépio ao público, pois cada um tem a sua história e alguns com largos anos. Também não queremos apreciar os modos de construção… desde os materiais até à presença humana – os pretensos ‘presépios ao vivo’ – e tão pouco os objetivos que cada uma das iniciativas pretende atingir.

Talvez seja melhor levar-nos a refletir sobre o sentido do presépio na dimensão cultural dos nossos dias ou como poderá esta iniciativa contribuir para a possível recristianização da nossa sociedade, que anda um tanto avessa à presença de Deus nas coisas públicas…

= Leituras e lições do presépio

Desde logo nos deve ficar a informação de que o feriado (civil e religioso) de 25 de dezembro – com tudo o que lhe está adstrito antes, durante e depois – tem uma razão de ser: Jesus nasceu e Ele é O festejado do Natal. Embora o (dito) ‘pai natal’ seja a presentado como o protótipo dum outro natal comercial, não podemos deixar de atender a que mesmo esta figura simboliza um tal bispo São Nicolau nas suas ações benfazejas para com os mais necessitados.

Através do presépio podemos ainda perceber a comunhão entre a pessoa humana e as várias formas de natureza: animal ou zoológico/mineral, pois a vaca e o jumento representam aquele mundo animal e as agruras da caverna são como que a referência ao espaço das coisas ‘feitas’ pela evolução da natureza…Com efeito, a gruta ou curral onde os animais eram guardados é – segundo alguns estudiosos – mais uma obra da natureza do que da ação humana…

Ora, num tempo com bastantes tendências ecologistas – nalguns casos mais ideológicas do que desapaixonadas – a vivência do presépio torna-se numa espécie de desafio à correta relação com a natureza, enquanto criada por Deus e a Ele submetida e não como uma tentativa de endeusamento numa certa vaga de ‘nova era’.

Certamente que muitos dos promotores da revitalização do presépio – ruralista, etnográfico ou revivalista – não terão advertidos estes e outros ‘perigos’. Mas quem tem a obrigação de discernir os ‘aproveitamentos’ – mesmo de índole económica e/ou de promoção das autarquias – desta faceta genuína da fé cristã deverá advertir os tentáculos insidiosos de desvirtuamento da simplicidade do Menino-Deus… ontem como hoje.

Conheço um presepista de longa data – desde o seu tempo de criança, passando pelo serviço militar e hoje com quase sete décadas de vida – que inclui no ‘seu’ presépio quatro representações obrigatórias: pombas, pastores, ovelhas e porcos… Ora é sobre estes últimos que temos uma razoável discordância… desde o primeiro momento que tal vi – e já vão quase duas dezenas de anos! O tal presepista – fazedor e vendedor de figuras para o presépio – explicou-me as tais figuras, para ele, obrigatórias: as pombas simbolizam a paz; os pastores são o sinal do povo simples; as ovelhas a concordância com a situação de cada momento; os porcos – animal impuro para a cultura judaica – são, segundo ele, os políticos… de ontem e de hoje!

Houve um tempo em que lhe contestei a ousadia, mas talvez tenha de lhe dar razão: há coisas que só pela abjuração se é capaz de denunciar e talvez de corrigir.

Com o que se vai vendo por este nosso país, o presépio continua a ser um bom retrato da nossa convivência social mais elementar… Assim se compreenderá a boa aceitação (ou razoável vivência) do presépio neste tempo do século XXI!    

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Augúrios para 2015



Para este ano de 2015 gostaria que pudessem acontecer quatro grandes vivências (pessoais e testemunhais): verdade, perdão, lealdade e bênção… numa sintonia humana e espiritual, onde cada um de nós se possa sentir em dinâmica de conversão e não de exigência para com os outros.
De fato, estas propostas não são lições para os outros, mas, sobretudo, desejos para mim mesmo e atitudes desejáveis para os outros, particularmente para os que me estão mais próximos… seja qual for a instância.
Eis os novos augúrios para este ano:
- Verdade – configuração a Jesus em humildade, vivendo numa contínua descoberta daquilo que sou e daqueles/as com quem Deus me permite caminhar. O Espírito da verdade nos guiará!
Quando vemos reclamar contra a corrupção, não será que deveríamos antes lutar pela verdade, que é mais de princípios do que uma noção moralista. A verdade serve, não se serve dos outros. Pela verdade podemos andar de cabeça levantada e não a tentar disfarçar até que descubram os nossos erros…

- Perdão (dado e recebido… interior e exterior) – sem nada ter a esconder, pois Deus nos ama e conhece-nos muito para além do que somos. Na medida em que soubermos dar perdão, seremos mais divinos e menos mundanos. Perdoar setenta vezes sete!
Como seria diferente o nosso mundo se vivêssemos numa atitude de perdão, onde cada um de nós assume os seus erros e deles perde perdão a Deus e aos outros – como será importante não ficar o perdão no foro intimista para com Deus, pois quem ofendemos são os outros e Deus nos outros! – mesmo que não tenhamos total consciência de os termos ofendido, podemos magoá-los e feri-los muito mais do que possa parecer.
Quando vemos tantos relatos de vingança e de criminalidade, por certo será por vivermos – mesmo no mais íntimo de cada um de nós – numa atitude de orgulho e de prepotência, onde o egoísmo dos nossos interesses se sobrepõe à atenção fraterna para com os outros!

- Lealdade (confiança e sinceridade) – para com Deus e uns para com os outros. Quando se vive na verdade e se aceita o perdão jorra a sinceridade e vivemos na confiança, tendo a lealdade como força dinamizadora de toda uma vida…
Não deixa de ser sintomáticos que, nos brasões de armas de várias cidades, apareça a palavra ‘leal’, como referência à capacidade de estar com as autoridades do país. Ora, nem sempre vemos as pessoas a serem leais umas para com as outras. Há quem considere que a lealdade revela maturidade emocional, vivendo em fidelidade para com os outros.
Quanto vemos a denúncia de casos de traição e de pessoas que abusam da confiança, talvez tenhamos de ser mais fomentadores de lealdade, começando pelos que nos são mais próximos, fazendo por eles o que gostaríamos que fizessem por nós… Parafraseando uma frase com outra palavra diria: lealdade como lealdade se paga!

- Bênção – ser portador de bênção faz com que deixemos que a vida divina seja comunicada aos outros, desde o nosso olhar, passando pelos pensamentos, pelas palavras, pelos gestos… e em toda uma atitude de vida, querendo que os outros recebam a vida de Deus que nos invade e possui.
Por estes dias líamos na missa: ‘O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz’ (Nm 6,23-26). Efetiva e afetivamente, como cristãos, somos chamados a sermos portadores da bênção de Deus, que Ele derramou em nós como verdade e em perdão. Por isso, temos uma missão neste mundo: levarmos aos outros o que há de melhor em Deus por Jesus Cristo no Espírito Santo – a sua vida infundida em nós.
Não podemos continuar a sermos difusores da maledicência, da intriga, do mau-olhado… sendo servos do mal. Temos, pelo contrário, neste novo ano, de sermos servidores do bendizer, da concórdia e do bom-olhar… Assim o vivamos e testemunhemos.

António Sílvio Couto