Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 31 de dezembro de 2022

Profeta sereno e convicto



Na abertura à ‘Introdução ao cristianismo’ (1968), Joseph Ratzinger apresenta-nos uma pequena alegoria da sua longa vida (95 anos). Numa certa povoação dinamarquesa um circo ambulante estava prestes a começar a sua atuação, quando deflagrou um incêndio. Apesar da região ser verdejante era verão e os campos em redor estavam secos. Para avisar a população do facto e como forma de pedir também ajuda naquela aflição, o responsável do circo mandou o palhaço – era o único que estava já preparado – procurar ajuda. Vendo o episódio, os habitantes da cidade julgaram que era uma forma diferente da companhia atrair ao espetáculo, mas quanto ele mais gritava, mais os outros se riam... e fogo chegou, pelos campos ressequidos, à cidade e houve grandes estragos no circo e na cidade... Ora, Joseph Ratzinger considerava, então, que o teólogo – isso que que ele foi toda a vida (nas várias etapas, que desenvolveremos em resumo) – é como um palhaço, que grita, gesticula, chama a atenção para Deus, mas poucos (ou quase nenhuns) lhe ligam ou levam minimamente a sério!

1. Raízes, flores e frutos
Nascido em 1927, numa cidade da Baviera, na Alemanha, passou a adolescência numa outra cidade próxima da fronteira com a Austria... daí a sua afinidade musical a Mozart, do qual é exímio executante em piano. Já tinha começado a segunda guerra mundial, quando, em 1939, entrou no seminário menor, sendo aos catorze anos sido inscrito à força nas fileiras da juventude hiteleriana. Dois anos decorridos foi integrado compulsivamente nas forças militares do regime nazi, de onde foi liberto só após o final da guerra, de um campo de concentração com mais de quarenta mil prisioneiros. De 1946 a 1951 estudou filosofia e teologia na Escola superior de filosofia e teologia de Frisinga e na Universidade de Munique. Com o irmão George foi ordenado padre, em 1951, pelo arcebispo de Munique.

2. De professor a Prefeito

Um ano mais tarde, Pe. Joseph Ratzinger iniciou a sua actividade didáctica na Escola de Frisinga onde tinha sido estudante. Em 1953 formou-se em teologia com uma dissertação sobre o tema: "Povo e Casa de Deus na Doutrina da Igreja de Santo Agostinho".

Depois de um cargo de dogmática e de teologia fundamental na Escola superior de Frisinga, prosseguiu a sua actividade de ensino em Bona (1959-1969), em Monastério (1963-1966) e em Tubinga (1966-1969). A partir de 1969 foi professor de dogmática e de história dos dogmas na Universidade de Ratisbona, onde desempenhou também o cargo de Vice-Reitor da Universidade.
A sua intensa actividade científica levou-o a desempenhar importantes cargos no âmbito da Conferência Episcopal Alemã, na Comissão Teológica Internacional.
Entre as suas publicações, numerosas e qualificadas, teve particular eco a "Introdução ao cristianismo" (1968), uma colectânea de lições universitárias sobre a "profissão de fé apostólica". Em 1973, foi publicado o volume: "Dogma e Revelação", que reúne os ensaios, as meditações e as homilias dedicadas à pastoral.
Teve grande ressonância a sua conferência pronunciada na Academia Católica da Baviera sobre o tema: "Por que é que eu ainda estou na Igreja?". Nesta ocasião declarou com a sua habitual clareza: "Só na Igreja é possível ser cristãos e não ao lado da Igreja".
De grande valor, central na vida do pastor-professor Joseph Ratzinger, foi a experiência proveitosa da sua participação no Concílio Vaticano II, na condição de "perito", experiência que ele viveu também como confirmação da própria vocação por ele mesmo definida como "teológica".
A 25 de março de 1977 o Papa Paulo VI nomeou-o Arcebispo de Monastério e Frisinga. Escolheu como lema episcopal: "Colaboradores da Verdade". O mesmo Papa fê-lo, em junho também desse ano, cardeal.
A 25 de novembro de 1981, João Paulo II nomeou-o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que ocupou durante vinte e três anos. Foi também Presidente da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional. A 15 de fevereiro de 1982 renunciou ao governo pastoral da Arquidiocese de Monastério e Frisinga. A sua obra como colaborador próximo e dileto de João Paulo II foi contínua e preciosa.
Participou do Conclave de agosto de 1978 que elegeu o Papa João Paulo I e do conclave de outubro deste mesmo ano que resultou na eleição de João Paulo II.

3. De pensador a Pontífice
Entre os numerosos pontos firmes da sua obra, destaca-se o papel de Presidente da Comissão para a Preparação do Catecismo da Igreja Católica.
A ele foram confiadas as meditações da Via-Sacra de 2005 celebrada no Coliseu. Nesta inesquecível Sexta-Feira Santa, João Paulo II, estreitando a si o Crucifixo, num "ícone" comovedor de sofrimento, ouviu em silencioso recolhimento as palavras daquele que iria ser o seu Sucessor na Cátedra de Pedro...
Aos 78 anos, o Cardeal Joseph Ratzinger foi eleito papa pelo colégio de cardeais. O conclave findo em 19 de abril de 2005 foi um dos mais rápidos da história, tendo apenas quatro votações e duração de apenas 22 horas. No dia 24 de abril do mesmo ano tomou posse em cerimônia na Basílica de São Pedro em Roma.
A escolha do nome Bento (do latim Benedictus: bendito) é uma provável homenagem ao último papa que adoptou o nome Bento, que foi o italiano Giacomo della Chiesa, entre 1914 e 1922. Conhecido como o "Papa da paz", Bento XV tentou, sem sucesso, negociar a paz durante a Primeira Guerra Mundial. O seu pontificado foi marcado por uma reforma administrativa da igreja, possuindo um caráter de abertura e de diálogo. Além disso, Bento XVI sempre foi muito ligado espiritualmente ao mosteiro beneditino de Schotten, perto de Ratisbona, na Baviera.
Bento XVI realizou 24 viagens ao estrangeiro, incluindo uma visita a Portugal, entre 11 e 14 de maio de 2010, com passagens por Lisboa, Fátima e Porto; assinou três encíclicas – Deus Caritas Est (2006), Spe salvi (2007) e Caritas in Veritate (2009) – e presidiu a três Jornadas Mundiais da Juventude, para além de ter convocado cinco Sínodos de Bispos e ainda um Ano Paulino (2008-2009), um Ano Sacerdotal (2009-2010) e um Ano da Fé (2012-2013).

Quando estava ainda na cátedra de Pedro foram publicados três importantes e belos livros de reflexão sobre Jesus Cristo: Jesus de Nazaré (2007), da entrada em Jerusalém até à ressurreição (2011) e a infância de Jesus (2012)...

Desde o início do século que a Igreja católica foi assaltada por notícias de ‘abusos’ de alguns dos seus membros, sobretudo clérigos. Isso se intensificou no pontificado de Bento XVI com escândalos em quase todas os países...Como responsável cimeiro foi atingido de forma rude e, por vezes, escabrosa!

4. Do patíbulo ao recolhimento
No dia 11 de fevereiro de 2013 o para Bento XVI disse aos cardeais, já anunciando a sua renúncia, a frase que ficou gravada na história: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência perante Deus, cheguei à conclusão de que as minhas forças, devido a uma idade avançada, não são capazes de um adequado exercício do ministério de Pedro”.
No dia 28 de fevereiro de 2013, o papa Bento XVI deixou o cargo, tornando-se papa emérito. Depois de renunciar, o papa embarcou num helicóptero rumo ao palácio de verão na cidade de Castel Gandolfo, onde permaneceu recolhido, aguardando as reformas do convento onde foi residir. O papa Bento XVI morou, desde então, no convento Master Ecclesiae, dentro do Vaticano, sendo visto raras vezes.



António Silvio Couto




quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Juntos recomecemos sendas de paz

 

«Ninguém pode salvar-se sozinho. Juntos recomecemos a partir de covid-19 para traçar sendas de paz». É este o tema do 56.º dia mundial da paz, que se celebra no próximo dia um de janeiro.

Como habitualmente o Papa Francisco escreveu uma mensagem cheia de propostas, desafios e perspetivas, tendo em conta os anos recentes de pandemia que vivemos.

Respigamos algumas das ideias, seguindo os cinco pontos da mensagem papal:

1. ‘Embora apareçam tão trágicos os acontecimentos da nossa existência sentindo-nos impelidos para o túnel obscuro e difícil da injustiça e do sofrimento, somos chamados a manter o coração aberto à esperança, confiados em Deus que Se faz presente, nos acompanha com ternura, apoia os nossos esforços e sobretudo orienta o nosso caminho’.
Nas sombras e penumbras da vida pesosal e social devemos ser sentinelas, isto é, verdadeiros cristãos.
2. ‘A Covid-19 precipitou-nos no coração da noite, desestabilizando a nossa vida quotidiana, transtornando os nossos planos e hábitos, subvertendo a aparente tranquilidade mesmo das sociedades mais privilegiadas, gerando desorientação e sofrimento, causando a morte de tantos irmãos e irmãs nossos (...) A par das manifestações físicas, a Covid-19 provocou – inclusive com efeitos de longa duração – um mal-estar geral, que se concentrou no coração de tantas pessoas e famílias, com implicações não transcuráveis, incrementadas por longos períodos de isolamento e diversas limitações da liberdade’.
A pandemia atingiu pontos sensíveis da ordem social e económica, ameaçou a segurança laboral, agravou a solidão de muitas pessoas e pôs a manifesto inumeráveis vulnerabilidades. Será que já aprendemos alguma coisa com tudo isto?
3. ‘Passados três anos, é hora de pararmos um pouco para nos interrogar, aprender, crescer e deixar transformar, como indivíduos e como comunidade; um tempo privilegiado para nos prepararmos para o «Dia do Senhor». (...) Hoje somos chamados a questionar-nos: O que é que aprendemos com esta situação de pandemia? Quais são os novos caminhos que deveremos empreender para romper com as correntes dos nossos velhos hábitos, estar melhor preparados, ousar a novidade? Que sinais de vida e esperança podemos individuar para avançar e procurar tornar melhor o nosso mundo?’
O escabroso slogan - ‘vai ficar tudo bem’ - tentou iludir, mas não resolveu as questões de fundo. Para além da fragilidade humana, urge cultivar a fraternidade entre todos, onde a humildade, mesmo na desgraça, é mais do que uma intenção, pois será ‘juntos’ que haveremos de vencer e de construir a verdadeira paz...
4. ‘Quando já ousávamos esperar que estivesse superado o pior da noite da pandemia de Covid-19, eis que se abateu sobre a humanidade uma nova e terrível desgraça. Assistimos ao aparecimento doutro flagelo – uma nova guerra – comparável em parte à Covid-19 mas pilotado por opções humanas culpáveis. A guerra na Ucrânia ceifa vítimas inocentes e espalha a incerteza, não só para quantos são diretamente afetados por ela, mas de forma generalizada e indiscriminada para todos, mesmo para aqueles que, a milhares de quilómetros de distância, sofrem os seus efeitos colaterais: basta pensar nos problemas do trigo e nos preços dos combustíveis’.
Se quisessemos usar um refrão da nossa sabedoria popular, diríamos: um mal nunca vem só! No entanto, se para a Covid-19 foi encontrada vacinação, para a guerra ainda não foi encetado o processo de resolução... Com efeito, o virus da guerra é mais difícil de derrotar do que outros...
5. ‘Não podemos continuar a pensar apenas em salvaguardar o espaço dos nossos interesses pessoais ou nacionais, mas devemos repensar-nos à luz do bem comum, com um sentido comunitário, como um «nós» aberto à fraternidade universal. Não podemos ter em vista apenas a proteção de nós próprios, mas é hora de nos comprometermos todos em prol da cura da nossa sociedade e do nosso planeta, criando as bases para um mundo mais justo e pacífico, seriamente empenhado na busca dum bem que seja verdadeiramente comum’.
Apesar do caminho já percorrido ainda nos falta fazer o mais difícil: sair do nosso egoísmo – pessoa, de grupo, nacional ou outro – e darmos um passo em frente em direção do outros, que está ao nosso lado e de quem nos devemos fazer – como o samaritano – próximo! A pandemia ajudou?



António Sílvio Couto

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Guiados pela trela condutora

 


É cada vez mais recorrente vermos alguém a ‘passear’ o seu cão (de pequeno, médio ou grande porte), a qualquer hora do dia (ou da noite), deambulando o humano guiado pelo canino, ora fintando obstáculos, ora seguindo as tendências farejadas do dito, ora ainda sustendo a marcha com uma qualquer distração para com outros animais em idêntica tarefa… Deste modo quem guia é quem estaria condicionado pela trela, se fosse seguido o normal.

Que lições poderemos colher destes episódios de quase luta entre humanos e os outros? Quem é quem e por quê? Não andaremos subvertidos nas tarefas, mesmo que entretidos nas ações? Quem é o guia e/ou o conduzido?


1. Mesmo que de uma forma sucinta nota-se uma mudança – nalguns casos poderá ser mesmo viragem – no trato entre os humanos e os animais, com especial referência aos caninos. Dá a impressão que a qualidade, o porte e mesmo a aparência do dito animal como que qualifica o ‘dono’ ou pelo menos quem o passeia. Numa sociedade tão guiada pela aparência, certos pormenores contam para ascender na potencial escala social…Sem pejo de jocoso seríamos tentados a rifonar, dizendo: diz-me o cão que tens (ou mostras), que dir-te-ei quem tu és! Diga-se o que quiserem: os animais – de estimação, de companhia ou até de exibição – foram ganhando estatuto e quase não há quem não tenha o seu cãozinho para trazer à rua, arreado com todos os quês e erres da moda e afins.


2. Em paralelo temos assistido à valorização do ‘estatuto do animal’ na nossa cultura ocidental, nalgumas situações quase em concorrência com as crianças e os mais velhos…em prejuízo, claro, dos humanos. Em qualquer cidade, vila ou aldeia deste país se pode encontrar uma associação relativa aos animais e à sua defesa, cuidado e proteção. Numa espécie de sincronia politico-ideológica os ‘direitos dos animais’ foram conquistando espaço, estatuto e dignificação…numa quase competição com os direitos de cidadania dos humanos, tornando estes cada vez mais negligenciáveis ou mesmo descartáveis. A luta está em aberto e vai prosseguir por algum tempo ainda.


3. Evidentemente que os exageros sempre foram maus conselheiros, sobretudo se neles houver visões em defesa dos interesses de grupos e/ou de fações ideologizadas, como temos visto em certos agrupamentos partidários mais ou menos identificados. Outros há que se escondem capciosamente sob o manto de causas da moda e eivadas de tendências materialistas ou contra a visão espiritual das pessoas. Num tempo em que nichos de interesses se sobrepõem à visão mais global, torna-se essencial perceber a meta para onde caminhamos de modo a que não se percorram etapas inquinadas e menos sérias na forma e no conteúdo.


4. Já nos interrogamos de onde vem os meios para suportar certas campanhas e outras tantas contestações? Já percebemos que, nada sendo gratuito, alguém pagará a fatura dessas iniciativas que têm tanto de lúdicas quanto de insidiosas? Por que será que ainda nunca vimos o rosto de quem conduz determinados projetos? Não será que ao esconderem-se dão bem de si o crédito que não merecem? Não será útil parar para refletir, tentando ver para onde caminhamos, quase inconscientemente?


5. Não deixa ainda de ser quase esquizofrénico socialmente que, quem defende tão afanosamente os animais, seja promotor explícito da eutanásia e do aborto… na lei e na sua despenalização. Dá a impressão que a vida humana é de menor qualidade ou de inferior qualificação do que a dos animais, numa inversão cultural de séculos em que se considerava que os animais estavam em plano subalterno aos humanos: agora é claramente o contrário, pelo menos para certas cabeças pensantes e executantes de ideias mais vegan…


6. Até agora fomos sabendo como as coisas começaram, será que vamos a tempo de não nos deixarmos animalizar e, consequentemente, desumanizar?



António Sílvio Couto

sábado, 24 de dezembro de 2022

A quem interessa esvaziar o Natal… de Cristo?

De muitas e variadas formas e feitios temos vindo a assistir – progressiva, sistemática e acintosamente – a tentativas de esvaziarem as referências a Cristo no Natal. Em tempos, por estes dias, a comunicação social aludia a eventos natalícios de índole cristã, hoje vemos certos jornais a darem enfâse à não-celebração do Natal, tanto ao nível pessoal como familiar e social: ‘Natal, escusam de vir festejar comigo’ (manchete do ‘i’), relatando diversas posições anti-Natal, numa promoção quase ideológica, sem pejo de destoar e num misto de contentamento e provocação…aos crentes em geral e aos cristãos em particular.

* Que dizer ainda dos enfeites – dizer arranjos seria classificá-los de mau gosto e de deficiente qualidade – que observamos nas nossas ruas, cidades e vielas? De tão pindéricos, sem cor e anódinos sem referências cristãs podemos considerar que é preciso ser pouco inventivo para fazer do Natal uma festinha tão norma, sem vida e a derrapar para a insignificância.

* O que vimos a assistir tem sido tentado noutros quadrantes da pretensão do ‘sem-Deus’ ou contra Ele, como nos regimes marxistas de antanho e de hoje: na velha e estrebuchante União Soviética, na vencida Albânia, nas paragens de Cuba, nos gelos da Coreia do Norte ou nos regimes da China continental… quase sempre nas tentativas das chefias, embora não obedecidas nas fés profundas das populações, marcadas indelevelmente pela expressão de cristianismo mais arreigado na alma dos povos, nações e culturas.

* Não deixa de ser quase aberrante que muitos dos cultivadores do anti-Natal não se descudem de usufruir dos feriados a ele apensos, das iguarias a ele associadas e mesmo dos fetiches sociais adstritos. Se bem que alguns se arroguem de mais fundamentalistas do que os que se guiam pelo ritmo natalício ao querem desenvolver uma espécie de subcultura com laivos de faz-de-conta, quando combatem o espírito do Natal, mas usam uma linguagem para fazerem propaganda e difundirem as suas ideias menos bem acertadas, senão mesmo confusas.

* Alguns ainda tentam trajar com subtilezas, mas de tão pouco acertados nas palavras, que trocam o dito pelo que não queriam dizer. É disso parangona a tal citação barata: ‘Natal é quando um homem quiser’… Como se cada um pudesse fazer das datas o que lhe convém ou usar as terminologias segundo as pretensões de cada humor…

* A força do consumismo é hoje, mais do que no passado, algo que cativa frequentadores, na medida em que se propaga uma mentalidade das coisas que satisfazem as dimensões materiais, obnubilando quanto se refere às questões espirituais e, sobretudo, se alicerçadas na proposta cristã. Parece que continuamos a reger-nos por valores medievalescos da proibição, do medo, do condicionamento à consciência de não fazer ou de rotular de pecado quanto é natural, possível e necessário. Se bem atendermos veremos que o cristianismo em geral e catolicismo em particular não proíbe nada, embora aconselhe moderação e temperança de tudo e em tudo.

* De todas as artimanhas de esvaziamento do Natal a mais comum e quase repugnável é essa de reduzir o Natal à dimensão de ser uma festa para as crianças, como que infantilizando uma vivência que tem mais de maturidade do que se possa considerar. É verdade que os olhos das crianças captam do Natal algo mais profundo do que será pensável. Disso bastará recorrermos à nossa memória de criança, mesmo sem fazermos de tal mera nostalgia. Ai de nós se perdermos o espanto das crianças, mesmo em relação ao Natal, hoje!

* A maior das atoardas sobre o Natal é essa de fazer dele a ‘festa da família’, sobretudo num tempo em que esta é combatida, perseguida e quase-amesquinhada com leis, regras e propostas que fazem dela uma espécie de jardim zoológico, no qual as pessoas não se cuidam, não se respeitam nem se amam. Seria a família um espaço de dignidade para todos, se Deus nela tivesse espaço e onde cada pessoa cultivasse o dom da vida…



António Sílvio Couto

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

O último dos moicanos (*) ... da diocese de Setúbal


    
No segundo dia da ‘novena’ do Natal, bem pela noite, faleceu o senhor padre Francisco de Jesus Graça, com a vetusta idade de noventa e um anos.

Nestes vinte cinco anos, que levo de presença nesta diocese de Setúbal, vi partir (pelo falecimento) e chegar (pela ordenação sacerdotal) alguns dos mais significativos padres na segunda metade para a celebração do cinquentenário da sua ereção canónica.

Atendendo ao significado deste Padre que é como uma espécie de último ‘moicano’ da construção e afirmação da diocese no conspecto nacional da Igreja em Portugal, ouso escrevinhar umas palavras de referência, de admiração e de saudade deste senhor Padre que marcou indelevelmente Setúbal (cidade e diocese) e quanto a ela se possa referir.

1. Recordo, mesmo que forma sucinta, outros padres que faleceram – sem ordem cronológica nem de importância humana, antes só por memória – e que tanto me marcaram: Agostinho Gomes, Júlio Nogueira, Manuel Frango, Ricardo Gameiro, Alfredo Brito, Manuel Marques, António Sobral, David Pinho, Manuel Gonçalves, Jaime da Silva, Adalberto Tacanho, Manuel Vieira, José Esteves, Carlos Alberto, Domingos Morais, Álvaro Teixeira ... todos com razoável idade e, mais na ‘flor da vida’, João Luís Paixão.

2. Que dizer – de forma límpida e em jeito de testemunho – do senhor Padre Francisco de Jesus Graça, que partiu de forma madura e amadurecida? Como o poderemos enquadrar na construção da diocese de Setúbal, nestes quase cinquenta anos? Quais as lições humanas e eclesiais, de vida e de presença no mundo, sacerdotais ou católicas poderemos colher da longa vida de serviço à Igreja do senhor padre Francisco Graça?

Nos tempos mais recentes tornei-me comensal do almoço da quinta-feira santa, na casa episcopal do senhor Padre Francisco Graça. Pelo significado desse dia – instituição do sacerdócio ministerial – tal momento revestia-se grande simbolismo: ano após ano fomos percebendo o tempo a passar por todos e a vermos chegar novos, no ministério e na idade.

Sobretudo depois de retirado das lides paroquiais mais ativas, íamos captando o à-vontade de querer estar em conversa descontraída e atenta aos problemas e vivências dos outros padres mais novos, que éramos.

3. De uma forma quase emblemática do seu coração de padre foi marcante essa época, há cerca de dez anos, em que foi confrontado com a saída intempestiva do ministério sacerdotal de um jovem. Ouvi-lhe num tom dramático: em que é que eu falhei... Por mais que o tentássemos dissuadir de que nada teve a ver com o assunto, o senhor Padre Francisco Graça matutava naquela questão... Por aqui pude aquilatar do seu coração sacerdotal que lancinava de dor e de quase crise de homem de Igreja.

4. Nesta hora da sua partida, certamente, todos têm recordações e memórias agradáveis do senhor Padre Francisco Graça. Ele que, nesta diocese, serviu com três bispos, possa alcançar-nos do Céu o dom de um novo pastor tão zeloso, simples e culto como ele foi. Setúbal precisa e merece!

(*) América colonial, 1757. Franceses e ingleses, aliados a diversas tribos índias, lutam pelo novo continente. O batedor Olho-de-Falcão não pertence a nenhum dos lados. Criado pelos moicanos depois da morte dos pais ingleses, e mais à vontade na floresta do que nos colonatos, viaja com o moicano Chongachook quando salva duas irmãs inglesas, que escoltará até ao forte onde são esperadas pelo pai. No decorrer dessa perigosa jornada, e nas dificuldades que daí em diante se sucedem, vão-se fortalecendo os laços entre os dois homens, o batedor e o índio, cada um com sua filosofia de vida e a sua independência, nutridas e formadas pela silenciosa floresta virgem e confrontadas com o clamor da batalha pela posse do território.



António Silvio Couto


segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

‘Dizer tudo’ – direito sem ponderação?

 Temos vindo a assistir a um exercício desabrido de cada um dizer - falando ou por escrito – o que lhe apetece, por vezes, sem medir nos termos e tão pouco na forma. Esta tendência andava pela populaça quase-anónima, mas agora também as cúpulas entraram na onda e deixam sair sem filtro o que talvez estivesse no pensamento ou andasse pelos comentários dos apaniguados…

Qualquer dia já só falta voltar ao desafio dos duelos para limpar a honra ou de ser criada uma polícia de costumes para aferir da legitimidade em proferir (averiguar, classificar e julgar) impropérios e onde se verifique qual o castigo para os infratores, com lesados e ofensores…

 1. As ditas redes sociais vieram trazer à luz do dia tantos desses macabros desejos de falar de tudo e de todos, maldizendo e conjugando a indisfarçável vontade tão lusitana ‘de enterrar vivos e desenterrar mortos’. Ai de quem caía sob a alçada das ‘redes sociais’, terá um longo e penoso caminho para se reabilitar, mesmo que seja tudo mentira e ninguém consiga comprovar seja o que for. Com que facilidade se levantam ‘famas-e-mentiras’, normalmente depreciando de quem se fala. Com que facilidade as pessoas entram em desgraça, só porque alguém, querendo-lhe menos bem ou até mal, se lembra de algo que a possa prejudicar, ofender ou difamar. E anteriormente o visado era dos últimos a saber, agora dá a impressão que querem que seja o primeiro, mesmo para o deitar mais abaixo do que seria expetável.

 2. Foi com surpresa – ou talvez não – que ouvimos de um responsável investido em poder e autoridade a referir-se a alguns dos seus opositores: ‘quando tentam guinchar os queques ficam ridículos’! Será admissível este tipo de conversa numa entrevista, mesmo que possa ser usada à mesa do café? Quem isso afirma está ciente do alcance de tal frase ou quis dar a entender que, em matéria de piadas, não tem muita habilidade? Como se poderá elevar o discurso, quando se não teme que possa ofender quem ouve ou quem discorde? Com estas e outras tiradas não andaremos a crispar mais a vida pública e política, já de per si pouco creditada?

Se fosse de um humorista aquela frase ainda seria admissível – e mesmo assim necessitaria de capacidade encaixe dos visados – mas vindo de quem veio, talvez possa denotar algum exagero na forma e, sobretudo, no conteúdo vazio e sobranceiro do exercício do poder…absoluto. Isto pode trazer dissabores na hora da avaliação final.

 3. Voltemos à democratização da maledicência, pois esta cria mais avarias do que as frases de alguém mal dormido ou cheio de reuniões prolongadas. O pretenso direito de ‘dizer o que penso’ deveria ser caldeado com o salutar princípio de ‘pensar bem o que digo’, pois o meu hipotético direito colide com os direitos dos outros e coloca-me obrigações ético/morais e de cidadania.  Não podemos considerar benéfico que, numa sociedade com valores e em respeito pelos outros, possa haver quem diga sem responsabilidade seja o que for sobre os demais.  De outra forma entraremos num descalabro de ilicitudes e sob a alçada de inconsequentes mentais, intelectuais e sociais.

 4. Numa espécie de voyeurismo noticioso vemos proliferar gravações, imagens, comentários e tanta outra coisa que vai servindo para criar ‘casos’, denúncias, problemas ou situações que chegam aos canais televisivos, aos jornais e às rádios. Por vezes certos noticiários são um desfilar de ‘fontes de informação’ duvidosa e suspeita, pois que alimentados por pseudoinformadores senão mesmo ressabiados competidores. Assim se vai cultivando esta desresponsabilização da tarefa de jornalista, passando a ser mais de jornaleiro, isto é, de vendedor de tiradas – muitas delas em bolha – não confirmadas, mas que entretêm quem vê, escuta ou lê.

Já pouco falta que nos darmos por contentes se escaparmos a esta onda de ‘notícias’ plantadas por quem nos possa desejar mal ou que descontextualize algo que possamos dizer ou parecer fazer. Precisamos, urgentemente, de encontrar meios para suster esta vaga de maledicência favorecida…     

 

António Sílvio Couto      

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Lições do futebol em tempo de Natal

 


A realização do ‘mundial de futebol sénior masculino’, no Qatar, desembocou nas vésperas do Natal. As mais diversas incidências do fenómeno como que nos podem permitir algumas pistas de reflexão sobre o sentido do Natal (como o vemos, o sentimos e o vivemos), as peripécias da indústria/comércio do futebolês (linguagens, intérpretes ou manigâncias), à mistura com aspetos da vida real, essa sim, com problemas que urge enfrentar com verdade e serenidade…

1. Foi como que uma fatalidade: quem perdeu mudou de selecionador, por muito ou pouco competente que parecia ser. As culpas dos insucessos caem sobre quem dirige e não sobre quem é (dito) artista. Pudera é mais fácil mudar um do que vinte e tal, na sua maioria vedetas bem pagas e com razoáveis tiques de casta superior. Será que, quem ter jeito para manipular a bola, faz dessas pessoas dotados com qualidades quase-divinas? A ver pelo percurso da maioria dos futebolistas, as habilidades com os pés superam os dotes de inteligência do resto dos mortais? Até onde poderá ir este endeusamento dos rapazes da bola – a idade conta e passar dos trinta e cinco é faculdade de poucos – quando caírem em desgraça ou não-sucesso, de forma normal ou provocada?

2. A avaliar pelos ganhos e gastos económicos, no mundo do futebol – dirigentes, técnicos e staffs, jogadores – nota-se uma cultura muito específica e que cativa cada vez mais pessoas. Repare-se nos canais televisivos e do tempo gasto, dos jornais e jornaleiros entretidos, dos espaços de desporto nas grandes superfícies, dos estádios e academias de treino… dos milhões envolvidos. Este mundo quase-à-parte foi criando as suas regras e métodos de conduta e, cada vez mais, as gerações jovens preferem entregar o seu tempo e porque não a vida ao desejo de vir a ser jogador de futebol… mais até do que qualquer outro desporto. Os exemplos atraem, o dinheiro arrasta e tudo se torna relativo àquilo que fascina e reluz…no mais imediato!

3. Cada vez mais o espaço do futebol se foi tornando um ‘mundo do espetáculo’, não só pelos meios usados e os artistas mostrados, mas também pelos ingredientes a ele associados, tanto de natureza política/económica como de índole ético/religiosa. Estes dois binómios parecem estar conjugados, mas a artimanha dos organizadores mundiais e europeus foram descartando uns e sobrepondo outros. Assim, a ‘política’ foi abjurada para não privilegiar certos setores menos adequados aos interesses de alguma esquerda, tornando-se mais incisiva a dimensão ‘económica’ desse tal capitalismo encapotado. Por outro lado, foi sendo exorcizada a alusão ao ‘religioso’, sobretudo quando eram visíveis sinais cristãos (consta que no mundial da África do Sul, em 2010, foi proibido benzer-se à entrada no terreno de jogo), enquanto foram sendo impostos clichés de teor ‘ético’ (favorável a certas orientações sexuais) e antirracista (em favor de uma determinada coloração), com alguns espetáculos dentro da representação ‘teatral’ internacionalista… De algum modo o espaço do futebol – nos mais diversos âmbitos, escalões e modalidades – tem sido aproveitado para ser bandeira de causas, de projetos de ambição e mesmo de quase lavagem de interesses mais ou menos obscuros. Será ainda lugar de desporto? Este ainda será causa ou só já consequência?

4. Fixemos a nossa atenção na análise a aspetos positivos que deste mundo desportivo podemos e devemos colher. Antes de mais é uma expressão trabalho em equipa e quando não o é com facilidade as vitórias são trocadas por derrotas. É preciso entrar na construção de um projeto comum, onde quem dirige tem de ser respeitado e obedecido. Não basta ufanar-se nas vitórias e debandar nas derrotas, por vezes, estas dão-nos mais lições do que aquelas. Sobretudo em maré de seleção nacional há que despir clubismos e jogarem todos para a mesma baliza. Quando há sucesso, os protagonistas não se devem tornar as vedetas, mas antes assumirem-se como partes de um todo. Não virá mal a ninguém reconhecer que Deus pode fazer parte do processo de aprendizagem. Um breve à parte: quem se recorda de ver a suprema vedeta lusa (CR7) benzer-se ao entrar em campo? Por que haverá tanto medo – se de ignorância não se tratar – de se assumir como crente em Deus e na sua expressão cristã? Em tempo de Natal, podemos avaliar o ‘nosso’ futebol!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Neste Natal, ofereça atenção!

 

Este é um slogan de uma campanha publicitária: ‘neste Natal, ofereça atenção’, deixando várias sugestões para que o público cumpra esta pretensão naquilo que tem de mais profundo, sincero e desafiador.

De facto, com tantas preocupações interesseiras e egoístas – nossas e que vemos nos outros – esta provocação é mais do que uma mensagem de consumismo ou de chamada de atenção em maré de doença mais ou menos grave, mas até de profundo cristianismo…assim captássemos o seu lídimo significado.

1. Depois dos anos atribulados pela pandemia, onde nos fomos refugiando do contacto com os outros, agora corremos o risco de nos excedermos em querer recuperar o ‘tempo perdido’, mesmo sem atendermos convenientemente àqueles/as com quem vivemos, quem precisa de nós (mesmo sem no-lo dizer) e quem reclama (inconsciente e atrozmente) a nossa atenção. Depois do tempo exacerbado de higienização pessoal, precisamos de atender à convivência social com recato, ponderação e cuidado. Depois do tempo da precaução parece chegada a hora de sabermos estar de forma nova, diferente e atenta aos outros.

2. Mais do que ansiar pelas prendas precisamos de atender aos presentes, isto é, mais esperar o que se quer receber, é urgente atender ao que devemos dar. Por vezes toca-me certas desatenções, que nunca serão colmatadas. Deixo dois exemplos de casos do dia-a-dia. Esse de uma filha com família (marido e filhos) que trocou um jogo de futebol dos rebentos pela ausência ao almoço de páscoa com os pais… foi a última vez, pois, a mãe morreu dois meses depois. Esse outro episódio em que uma neta preferiu uma aula de ginástica ao jantar de aniversário do avô septuagenário… e se for o último a que ela faltou? De facto, não andaremos a trocar o urgente pelo necessário?

3. De entre tantas formas possíveis e imagináveis de viver o Natal talvez haja algumas que, por parecerem tão óbvias, quase as negligenciamos:

* Natal do fazer-se presente ao dos presentes e prendas – uma simples palavra de atenção pode valer por milhares de ‘gostos’ nas redes sociais;

* Natal fraterno ao do pagamento das trocas de favores, sejam quais forem ou que possam parecer graciosos por interesse e deixar boa impressão;

* Natal solidário ao que pretende mostrar-se com enfeites descartáveis como papel de embrulho, em feira de trocas-e-baldrocas, com emojis de sensibilidade variada;

* Natal do perdão ao do ressentimento por suposições de não nos agradecerem, quando só cumprimos o dever;

* Natal de paz consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com Deus, em vez desse tão ecológico que quase deixou de ser humano;

* Natal de consolação mais do que de mera consoada de coisas, comidas e bebidas favoráveis e favorecidas pela sociedade de consumo;

* Natal de luz mais do que das luzes a reluzir em época de esconjurar tantos medos interiores e exteriores pessoais ou sociais;

* Natal de partilha mais em continuidade subtil e quase-escondida do que de solenidade (pública e publicitada) só por esta ocasião de faz-de-conta;

* Natal da vida por contraste com o culto da morte, sobretudo em maré de proclamação do direito a matar, quando alguém possa incomodar… Seria eufemístico – porque de grave coincidência – que o PR possa assinar a lei da despenalização da eutanásia por estes tempos natalícios!

* Natal dos pequeninos – que não dos meramente infantis – daqueles que se extasiam perante o presépio e nele veem um Deus que tomou forma humana para nos humanizar a todos para sempre.

4. Um Natal de Jesus, o festejado, que merece a nossa atenção, sempre e mais atentamente!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Fogos (dos rurais) – cheias (dos urbanos): que relação?

 

Estamos sob forte tensão (atmosférica e social): depois da seca do verão passado – com milhares de fogos florestais – estamos, neste mês de dezembro, sob as crescentes notícias de cheias, num outono algo complexo e com sinais de preocupação…quanto a pessoas e bens.

Os ditos intelectuais refugiam-se nas desculpas das ‘mudanças climáticas’, os mais simplistas tentam entende como se lida com os incêndios e agora com o excesso de chuva, enquanto outros olham para os extremos e se perguntam: haverá relação de causa-efeito entre tudo isto ou como entender estes excessos descritíveis, mas algo complexos de entender ou de explicar… razoavelmente? Será que, com tanta chuva, já se pode afastar o cenário de seca? Não será que estes dois ingredientes – seca e chuva – são partes do mesmo processo?


1. Vejamos aquilo que se poderá designar de consequências da ruralidade: os incêndios florestais, que tanto ocupam os que habitam fora das cidades, em tempo de verão, de calor ou de seca. Que impressão me deixa ver que os da cidade se estão a marimbar para os do campo quando estes são fustigados, semanas a fio, com os incêndios. Que falta de consideração pela vivência alheia ver os da cidade a irem para as praias e outos lugares de veraneio, quando os da zona rural se afadigam com o tormento dos incêndios. Dá a impressão que não somos um mesmo país, comungando das desgraças alheias, quando estas nos batem à porta com maior ou menor clamor.

2. Agora vemos os das cidades e zonas envolventes aflitos com as chuvas, incapazes de suportarem essas provações. Aquilo que estamos a ver não será consequência de má gestão dos solos e da ocupação abusiva de espaços que eram das chuvas, quando caiam em maior quantidade? Alguns dos atingidos pelas cheias não estarão a pagar – mesmo que inconscientemente – a fatura de um ‘boom’ de construção civil, nas últimas décadas, em volta da capital? Não faltará correspondência nas obrigações das autarquias, quando licenciam e cobram taxas de certos serviços de saneamento e de fornecimento de água? Não faltará visão mais alargada de quem governa para perceber os riscos de certos investimentos, urbanizações e compadrios mal disfarçados?

3. Diz-se e com razão: ‘Deus perdoa sempre, o homem perdoa às vezes, a natureza nunca perdoa’. É isso que estamos a pagar com maior visibilidade nestes fenómenos tão extremos do clima e das interferências dos humanos a correta regulação da natureza. Para os cristãos, a natureza é algo criado por Deus – ‘creio em Deus Pai, criador do céu e da terra’. Por isso, toda e qualquer ofensa à natureza é ofensa a Deus, seu criador.

Numa expressão de interdependência de toda a natureza, dizia-se que bastaria um simples bateu de asas de uma borboleta, na China, que se poderia verificar uma tempestade na Europa. Com efeito, nunca como agora vemos a discrepância entre estados atmosféricos onde antes nada se via, tendo em conta ainda que, por vezes, chove torrencialmente numa parte do Planeta e noutra em antípodas vemos os fogos a consumirem as florestas.

4. Em poucos meses vemos isso em Portugal: no verão fazíamos preces pela chuva, dado o estado de seca, agora assistimos ou vivemos momentos de cheias em diversos lugares…alguns deles nunca tal tinham tido tal situação.

Coisas breves e singulares, que podem e devem fazer de nós mais humildes, verdadeiros e confiantes: humildes porque por muito que pensemos saber, tanta coisa nos escapa; verdadeiros porque não passamos de pequenos nadas no conjunto da obra da criação; confiantes porque depois de nós precisamos de deixar um mundo (humano, natural e sobrenatural) mais justo.solidário e em paz!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Chorar sobre leite derramado (aprender com os erros… próprios e alheios)

 

Na nossa linguagem há expressões idiomáticas que podem e devem ser corrigidas, na medida em que a frase dita ganha outro sentido se analisada pelo seu contrário. Uma dessas frases exprime o seguinte: ‘não adianta chorar sobre leite derramado’. Deste modo se quererá exprimir que não vale a pena lamentar-se sobre algo que já passou ou que já não tem solução.

Ora é exatamente o contrário desta interpretação derrotista que gostaria de afinar neste contexto. Com efeito, o leite que foi derramado já não tem solução, mas importa aprender com o que de negativo isso pode exprimir, significar ou implicar.

1. O fundo daquela frase – ‘não adianta chorar sobre leite derramado’ – terá sido um episódio infeliz de uma jovem camponesa, que, tendo-se distraído, partiu a vasilha onde transportava o leite (todo ou em parte), lamentando-se o facto e as suas consequências. Tirando a lição do pequeno acidente, aquela frase como que envolve o desnecessário lamento sobre aquilo que já não se pode remediar. Quem use esta fraseologia poderá quedar-se pelo pessimismo, a derrota ou mesmo já não valer a pena senão deixar correr o fio do tempo, sem recuo nem forma de voltar atrás.

2. É exatamente para contestar esta dimensão fatalista que gostaria de deixar alguns aspetos que nos devem levar a aceitar o insucesso, tentando colher as lições com os erros… próprios e alheios. Com efeito, os erros – o tal leite derramado e já não útil – podem e devem servir para interpretarmos o significado de quanto nos acontece. Muitas vezes poderemos crescer mental, psicológica e espiritual com os erros que vivemos e que fazem parte da história de cada um. Os insucessos, verificados e aceites em certas circunstâncias, podem tornar-se boas oportunidades de olhar em frente e de deixarmos cair a ilusão, em que por vezes, andamos a laborar. O recente desfecho da participação do nosso país no mundial de futebol masculino, no Qatar, é um desses exemplos mais simples, sincero e humilde: agora dá a impressão que é preciso lamber o leite derramado pela incúria e mesmo por alguma sobranceria de alguns intervenientes…o futuro pode corrigir tais erros ou falhanços do passado.

3. Julgo não me enganar se disser que a maior parte de nós foi educada acentuando o negativo daquilo que fizemos, isto é, invetivando os erros e não valorizando, suficientemente, aquilo que fizemos de bom. Quantas vezes na avaliação de alguma iniciativa realizada nos fixamos, primeiramente, naquilo que ‘correu mal’, que foi menos bem ou até que foi negativo. Com dificuldade damos início a uma avaliação encontrando o mínimo de positivo e com isso valorizarmos o que foi bom. Esta vertente poderia ser mais experimentada nas diferentes instâncias em que possa estar ou participar um cristão. Deste modo esta opção de crença se poderia tornar uma forma de estar e de ser: positivo, claro e sincero. Positivo porque veríamos antes de tudo o melhor e só depois o menos bom. Claro porque seríamos portadores de luz e não de escuro ou mesmo tenebroso. Sincero porque todos temos algo melhor do que a penumbra das falhas e das mazelas, pessoais e alheias.

4. Ninguém cresce – humana, social e culturalmente – desvalorizando-se a si mesmo ou acentuando só os defeitos dos outros. Esta nuvem de suspeita em que temos andado foi criando desconfiança sobre tudo e para com todos. Valerá a pena trazer à liça mais uma vez um episódio (burlesco) daquele que estava a apanhar caranguejos: vindo outro concorrente advertiu-o de que os caranguejos poderiam sair do balde, se ele não coloca-se algo sobre o mesmo, impedindo que saíssem, ao que o primeiro ripostou: são portugueses, quando virem um a tentar sair, puxam-no logo para baixo, de modo a que não consiga fugir…

5. Desgraçadamente somos isso mesmo: temos medo do sucesso dos outros e com facilidade vemos mais o leite derramado do que aquele que ainda não foi vertido e, no fundo, parece que os insucessos e erros alheios nos dão mais alegria do que contentamento. Até quando? Assim não sairemos do fundo da Europa…



António Sílvio Couto

sábado, 10 de dezembro de 2022

Será humanista defender a eutanásia?

Aberta a ‘caixa da pandora’ quanto aos temas relacionados com a vida, estamos expostos aos mais famigerados riscos, perigos e enormidades. Depois do aborto, veio a eutanásia e surgirão outras vertentes onde a vida – sobretudo humana – será cada vez mais sucetível de ser negligenciada, senão mesmo tornada descartável, bastará que alguém se lembre de a fazer tema de não-vida...

Certos ‘brincalhões’ da linguagem foram apensando palavras mais ou menos eufemísticas para se referirem àquelas questões: ‘interrupção voluntária da gravidez’ para falarem de aborto e ‘morte medicamente assistida’ para dizerem eutanásia... No fundo quiseram ‘despenalizar’, mas não assumiram as consequências de matar – antes de nascer ou antecipando a morte – tanto num como noutro caso.

1. Vejamos uma cronologia até à última aprovação parlamentar da eutanásia. O debate sobre a ‘despenalização da morte medicamente assistida’ iniciou-se no parlamento em 2016 e desde então teve avanços e recuos, num processo que (para) já contou com dois vetos do Presidente da República.

* Em 26 de abril de 2016 foi entregue no parlamento uma petição a favor da despenalização da eutanásia, logo secundada por uma outra em sentido contrário... Estávamos no tempo da geringonça!
* Entre 2017 e o início de 2018, foram apresentados na Assembleia da República os primeiros projetos de lei sobre o tema. Em maio de 2018, quatro projetos sobre o assunto foram chumbados na generalidade... numa votação nominal.
* Após as eleições legislativas de 2019, foram apresentados cinco projetos sobre a eutanásia, sendo a 20 de fevereiro de 2020 – em plena pandemia – aprovados pela primeira vez na generalidade. Após discussão numa comissão de especialidade, foi aprovada, em janeiro de 2021, por maioria, no plenário.
* Recebido o diploma pelo Presidente da República, em fevereiro de 2021, este envia-o ao Tribunal constitucional para fiscalização, devolvendo-o este, em 15 de março desse ano, com recomendações quanto à inviolabilidade da vida humana... O PR vetou o diploma e devolveu-o ao parlamento.
* Em julho desse ano, os cinco projetos foram fundidos num texto base, sendo aprovado por maioria a 5 de novembro de 2021... No dia 29 de novembro o PR devolve o diploma ao parlamento, que foi dissolvido a 5 de dezembro, em razão da convocação de eleições, passando o assunto da eutanásia para a legislatura seguinte...esta que está a decorrer.
* Com as eleições de janeiro de 2022, foram apresentados quatro projetos – alguns deles recauchutados dos anteriores – sendo aprovados na generalidade no dia 9 de junho deste ano. Entretanto, um ‘texto de substituição’, sintetizando os vários projetos, foi aprovado na generalidade a 7 de dezembro...
* Depois do resultado da votação no plenário, de 9 de dezembro, do parlamento, o PR terá uma palavra a dizer, podendo promulgar, vetar ou enviar para o Tribunal constitucional... Esperemos!

2. Vejamos, então, algumas das implicações da imposição sócio-cultural deste tema da eutanásia no nosso país. Como é possível escutar pessoas – algumas que dizem ser crentes – a defenderem a eutanásia, numa espécie de ‘piedade’ para com quem sofre de alguma doença, sobretudo designada de terminal? Não teremos – no âmbito da comunicação católica – perdido a noção correta de sofrimento, particularmente, nas implicações de comunhão com os sofrimentos de Cristo na sua paixão? Não andaremos a propor mais uma vivência hedonista-epicurista do que essa outra vertente de purificação através do sofrimento aceite, assumido e oblativo? Apesar da evolução da medicina e dos medicamentos por que se insiste tanto na solução mais da radical de apressar a morte e não nos cuidados paliativos e continuados? Será digno de uma civilização preferir matar a socorrer e cuidar quem sofre?

3. Pelas mais humanas razões a eutanásia é um retrocesso civilizacional, pois, forças coletivistas vieram defender, neste campo, aquilo que nunca farejaram na economia, no sindicalismo ou mesmo na reivindicação social de todos por todos. Agora impõem o direito individual a decidir em favor próprio. Os tempos mudam!



António Silvio Couto

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Devagar, amigo, que tenho pressa!

Esta frase estava escrita no suporte da bicicleta de um senhor, que faleceu por estes dias… E lá continuava a pedalar ao seu ritmo, bem diferente da velocidade com que falava, quando lhe dávamos oportunidade e tempo. Sem qualquer sentido pejorativo: era um verdadeiro ‘cromo’, no sentido de que assumia a conjugação de alguém especial com a especificidade de, com aquele breve slogan, possa ter feito mais pela prevenção rodoviária do que tantas campanhas pagas a peso de ouro e sem os resultados de que aquela ironia provocava.

1. Num tempo em que nem sempre se dá devidamente importância às coisas do dia-a-dia, precisamos de atender aos aspetos mais simples, sinceros e leais no trato de uns para com os outros. Com efeito, diz-se com alguma propriedade: quem te fala (mal) a ti dos outros, vai falar de ti (mal) aos outros, isto é, essa atitude de dizer mal dos outros propaga-se quase por osmose, na medida em que estará entranhada nesse/nessa maledicente… Torna-se, por isso, necessário sabermos as linhas com que nos deixamos coser nem que seja da forma mais subtil ou quase anódina…

2. No espetro das coisas ético-políticas tem havido um assunto que se carateriza pela artimanha da conivência naquilo que se pretende, se diz ou se faz. Trata-se do tema da eutanásia, eufemisticamente dito de ‘morte medicamente assistida’. Façamos uma resenha de alguma pressa em impor este tema, num tempo onde se verifica, concomitantemente, o ‘inverno demográfico’.

O debate sobre a ‘despenalização da morte medicamente assistida’ iniciou-se no parlamento em 2016 e desde então teve avanços e recuos, num processo que já contou com dois vetos do Presidente da República.
* Em 26 de abril de 2016 foi entregue no parlamento uma petição a favor da despenalização da eutanásia, logo secundada por uma outra em sentido contrário.
* Entre 2017 e o início de 2018, foram apresentados na Assembleia da República os primeiros projetos de lei sobre o tema. Em maio de 2018, quatro projetos sobre o assunto foram chumbados na generalidade... numa votação nominal.
* Após as eleições legislativas de 2019, foram apresentados cinco projetos sobre a eutanásia, sendo a 20 de fevereiro de 2020 - em lena pandemia - aprovados pela primeira vez na generalidade. Após discussão numa comissão de especialidade, foi aprovada, em janeiro de 2021, por maioria, no plenário.
* Recebido o diploma pele Presidente da República, em fevereiro de 2021, este envia-o ao Tribunal constitucional para fiscalização, devolvendo-o este, em 15 de março desse ano, com recomendações quanto à inviolabilidade da vida humana... O PR vetou o diploma e devolveu-o ao parlamento.
* Em julho desse ano, os cinco projetos foram fundidos num texto base, sendo aprovado por maioria a 5 de novembro de 2021... No dia 29 de novembro o PR devolve o diploma ao parlamento, que foi dissolvido a 5 de dezembro, em razão da convocação de eleições, passando o assunto da eutanásia para a próxima legislatura...
* Com as eleições de janeiro de 2022, foram apresentados quatro projetos – alguns deles recauchutados dos anteriores – sendo aprovados na generalidade no dia 9 de junho deste ano. Entretanto, um ‘texto de substituição’, sintetizando os projetos, foi aprovado na generalidade a 7 de dezembro...
* Seja qual foi o resultado da votação no plenário do parlamento, o PR terá uma palavra a dizer, podendo promulgar, vetar ou enviar para o Tribunal constitucional...

3. Mesmo que de forma um tanto simplista poderemos incluir este assunto da eutanásia sob a alçada do título deste texto: devagar, amigo, que tenho pressa! De facto, este tema tem tanto de inoportuno quanto de precipitado, pois mal vai uma cultura – senão mesmo uma civilização – se prefere a opção da morte contra a decisão sobre a vida… Maldiremos do nosso futuro se não conseguirmos perceber no presente que estamos a cavar a sepultura da condição humana, na medida em que estamos a dar condições para sermos vítimas de morte, quando estivermos a ser empecilhos numa cama, num determinado lugar ou, por não, de alguém a quem possamos fazer sombra… Será isto dramatismo? Abriu-se a caixa de pandora, tudo pode acontecer…



António Sílvio Couto

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Dinâmica da oração (oficial) das JMJ 2023

 

Nossa Senhora da Visitação, que partistes apressadamente para a montanha ao encontro de Isabel, fazei-nos partir também ao encontro de tantos que nos esperam para lhes levarmos o Evangelho vivo: Jesus Cristo, vosso Filho e nosso Senhor!

Iremos apressadamente, sem distração nem demora, antes com prontidão e alegria.
Iremos serenamente, pois quem leva Cristo leva a paz, e o bem-fazer é o melhor bem-estar.
Nossa Senhora da Visitação, com a vossa inspiração, esta Jornada Mundial da Juventude
será a celebração mútua do Cristo que levamos, como Vós outrora.
Fazei que ela seja ocasião de testemunho e partilha, convivência e ação de graças, procurando cada um o outro que sempre espera.
Convosco continuaremos este caminho de encontro para que o nosso mundo se reencontre também, na fraternidade, na justiça e na paz.
Ajudai-nos, Nossa Senhora da Visitação, a levar Cristo a todos, obedecendo ao Pai, no amor do Espírito!

Esta oração dita ‘oficial’ das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) de 2023, em Lisboa, tem uma dinâmica muito própria, que será útil e conveniente captar, entender e viver.
Desde logo está construída sobre a passagem que serve de tema ao evento - a visitação de Nossa Senhora a santa Isabel, no evangelho de São Lucas 1,39-45. Disso se dá conta pelo uso dos advérbios de modos - apressadamente, serenamente - tão típicos da teologia de São Lucas, naquilo que tem de ‘pressa’ de acolhimento e anúncio de Jesus e do seu reino.
Vejamos algumas pistas desta oração:

* Dinâmica de saída - ‘Fazei-nos partir também ao encontro de tantos que nos esperam’. Como se tem visto pela peregrinação dos símbolos da JMJ - a cruz e o ícone de Nossa Senhora - há um apelo a ir ao encontro de tantos que, possivelmente sem o saberem, esperam algo, não só da vida como deste acontecimento que está, mesmo sob ameaças várias, a mobilizar os jovens. Sair implica desinstalação e capacidade de levar algo, que seja novo e com novidade.

* Urgência do anúncio - ‘Iremos apressadamente, sem distração nem demora, antes com prontidão e alegria’. Eis qualidades a ter em conta, neste ambiente narcotizado em que vamos vivendo: sem distrações - o essencial; sem demora - o necessário; com prontidão - hoje, que amanhã já é tarde; com alegria - verdadeira e contagiante.

* Comunicação de um Cristo (Evangelho) vivo - ‘Levarmos o Evangelho vivo: Jesus Cristo, vosso Filho e nosso Senhor!... ‘Quem leva Cristo leva a paz, e o bem-fazer é o melhor bem-estar’. As JMJ não são um encontro de cariz social nem político, mas tem presente uma pessoa: Jesus, vivo e ressuscitado, que continua a interpelar o nosso tempo. Os símbolos são algo que faz perceber a história de ontem e de hoje: quantos milhões de pessoas, nestes quase quarenta anos de jornadas, rezaram, choraram, tocaram e se deixaram tocar por eles. Assim, nós, hoje, temos uma mensagem que continua a ser urgente levar a tantos infelizes e necessitados da presença de Jesus nas suas vidas, como queremos que esteja mais e mais nas nossas...

* Oportunidade de testemunho - ‘Fazei que ela [a JMJ] seja ocasião de testemunho e partilha, convivência e ação de graças, procurando cada um o outro que sempre espera’. A preparação da festa dirá do nível da mesma. Assim as JMJ são uma oportunidade de fazer ver e crer que os jovens continuam atraídos e fascinados por Jesus. Mais uma vez poderá ser útil trazer para esta partilha a frase do Padre Tardiff: ‘não importa qual a razão pela qual vem, interessa saber como vão’! Portugal está a viver um tempo de graça, assim o saibamos ver e viver...

* Confiança e entrega - ‘Convosco [Maria] continuaremos este caminho de encontro para que o nosso mundo se reencontre também, na fraternidade, na justiça e na paz’. Se Nossa Senhora é a guia destas JMJ, assim devemos confiar-lhe os frutos deste acontecimento de Igreja, pois n’Ela e por Ela saberemos escutar o que o Espírito de Deus nos diz sempre em maior fidelidade à vontade de Deus.

Que consigamos rezar com maior fervor, atenção e compromisso - diário, pessoal e comunitário - esta oração, de modo a que se cumpra o que nela pedimos.

António Sílvio Couto

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Concursos enganosos de culinária

 

Parece que não há canal de televisão que se preze que não inclua na sua programação algo que tenha a ver com culinária – essa arte de bem cozinhar com engenho, argúcia e astúcia. Seja qual for a hora sempre surge no écran alguma coisa que possa entreter, divertir e, porque não, ensinar.
Se isto era já recorrente, torna-se significativo que surjam, sobretudo, nos programas de concurso, as mais díspares profissões em confronto, como se a capacidade de se desenrascar na cozinha seja mais do que para quem disso faz atividade profissional.

1. O que leva estudantes ou padeiros, desempregados ou gestores de património, agente imobiliário ou gerente de loja, doméstica ou criador de conteúdos, educadora de infância ou bailarina…a entrarem num concurso desta natureza? O que leva a exporem-se, sendo apreciados, criticados e excluídos, por aquilo que tentaram fazer o melhor que conseguiam? Pretendem mostrar o que sabem fazer (cozinhar) ou correm o risco de serem cilindrados pelo insucesso? Querem mostrar as suas habilidades culinárias ou desejam mudar de ramo de atividade, para algo que lhes dê mais prazer do que trabalhar? Quem julga – nalguns casos figuras de sucesso no mundo da restauração – não estará a expor a sua profissão à apreciação de outros que não quiseram entrar naquele ‘jogo’? Os juízos sobre os cozinhados podem suscitar lembranças para os seus restaurantes e modos de vida?

2. A ver pela anuência a este tipo de concursos parece que estamos perante uma espécie de dilema: ou há muito talento encoberto ou algo leva a sair do anonimato para uma exposição tão pública. Apesar de quaisquer outras interpretações, dá a impressão que se tem vindo a gerar uma tendência de querer aparecer, seja qual for a questão e a vertente da comida leva a palma a outros campos e setores. Os diferentes ‘concursos’ dão a impressão que tentaram cativar público para os canais difusores, mesmo que isso possa tornar-se fastidioso, pois quase todos exploram o mesmo formato.

Ouvi dizer que as ‘comidas’ levadas a concurso só servem para fazer vista, pois, quando precisam – os concorrentes e os jurados – de se alimentarem recorrem a outros que cozinham coisa que se coma… A ser verdade estaremos, mais uma vez, diante de criadores televisivos de patranhas para bacoco ver!

3. Agora que a luta pela sobrevivência está mais explicita – veja-se a enfâse dada ao cabaz de bens essenciais sempre a aumentar nos custos – estes programas alusivos aos temas de culinária, podem servir de lenitivo no ensino sobre o modo de confecionar a comida, com as melhores receitas e mesmo a forma de aproveitar o mínimo para tirar o máximo, sobretudo a baixo gasto… Está na hora de deixarmos de andar a fazer-de-conta que somos ricos, quando não passamos de uns pelintras que nem se assumem, quando precisam de ajuda. Com efeito, urge saber como poupar – nisto da comida, mais do que nunca – na medida em que certos desperdícios, para além de não serem compreensíveis, são ofensivos de quem passa dificuldades e, se levados a sério, podem ser considerados ‘pecados’ contra quem passa fome ou não tem o suficiente para se alimentar.

4. Ora, estes programas de culinária mais parecem incentivos ao novo-riquismo do que à assunção da nossa triste e concreta realidade. Para além da publicidade a empresas e produtos, pouco mais ficará do que a sensação de que desejamos nivelar-nos pelos países ricos – veja-se a importação de programas de outros países mais favorecidos e descontextualizados – em vez de sermos o que somos: os mais pobres da Europa, onde meio milhão de pessoas se socorre de ajudas habituais ou ocasionais para equilibrar a alimentação pessoal e familiar. Com este panorama de fundo, seria mais correto ensinar a aproveitar o que não se gastou numa refeição em ordem a não deitar fora nada ou o menos possível do que fazermos crer que temos posses capazes de comprar aqueles produtos desfilados nos concursos.

5. Para além do engano, aqueles programas pouco têm de culinária, pois mais parecem um desfile de vaidades em maré sucesso, coisa que não acontece por estes dias nem a curto prazo. Haja verdade, sempre!



António Sílvio Couto

sábado, 3 de dezembro de 2022

Da riqueza da fé partilhada…ao desinteresse injustificável


 Por estes dias decorreu na Moita um singelo colóquio sobre a devoção a Nossa Senhora da Boa Viagem em vários pontos do país: Aguçadoura (Póvoa de Varzim), Ílhavo, Constância, Peniche. Sesimbra e Moita. Representantes destas localidades estiveram durante quase três horas coloquiando na biblioteca municipal.

O cartaz anunciado previa a presença ainda de outros intervenientes de Ericeira e de Marinha das Ondas (Figueira da Foz).

Participaram nas comunicações pessoas de diferentes estádios sociais e religiosos: dois padres, um seminarista e três leigos – um médico, uma funcionária escolar e um professor-investigador.

Deste evento – diga-se: merecia mais atenção, presença e cuidado – colhi várias lições:

1. Boa parte dos ‘palestrantes’ não se conhecia: isso aconteceu nesse dia e, sobretudo, naquela tarde ao partilharem coisas – vivências, festas, atitudes, comportamentos ou iniciativas – onde o sujeito da frase era ‘Nossa Senhora da Boa Viagem’. Deste modo se pode perceber que a fé, quando partilhada, se faz comunhão, gera entendimento e promove novas formas de participação. De uma forma simples, sincera e aberta foi possível enquadrar ‘festas’ em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem tendo como cenário o mar – Ílhavo, Peniche e Sesimbra; os rios – Constância e Moita; e mesmo em terra – misto na Aguçadoura. Cada figuração de Nossa Senhora fixou dados ancestrais e assumiu aspetos algo comuns, se bem que diferenciados no tempo e no espaço. Esta riqueza ajudou todos a escutarem-se, a sentirem que tinham mais a dar do que a receber…

2. Quando há simplicidade temos mais a aprender do que a ensinar, pois assumimos que não passamos de breves centelhas de uma grande chama que fumega, cresce e se gasta em tantos outros lugares. Mal vamos se não sabemos ouvir, se não temos capacidade de querer conhecer outras realidades, mesmo que possam ser idênticas à nossa – ao menos na designação – ou se ainda achamos que não possa haver algo em que poderemos ajudar-nos a modificar.

3. Dizem, com propriedade, que só faz falta quem está! No entanto, por vezes, há ausências que revelam mais do que aquilo as pessoas pensam, na medida em que o tal desinteresse pode manifestar – mesmo inconscientemente – algo de mistura entre a ignorância e a nesciência, em razão de esta poder revelar que não há desculpa para que se continue a querer fugir da assunção das responsabilidades pessoais, sociais e mesmo de grupo. Quantas pessoas, na linha da fé cristã, continuam a deixar-se levar pela rotina, não se cultivando, ao menos, na linha da instrução humana e talvez científica. Quantas pessoas deambulam pelos espaços da igreja ao ritmo de quem prefere o consolo (quando dele necessitam) ao compromisso. Quantas pessoas querem responder às questões de hoje com o ‘fatinho’ da primeira comunhão… de antanho!

4. Não haverá por aí muitas capas – de procissão e não só – que não passam de encobrimento de ignorância, com receio que se descubram lacunas e defeitos? Não será que, quem está inseguro daquilo que faz, se entrincheira nas suas certezas, temendo o confronto leal com outros? O recurso ao chavão ‘tradição’ não servirá para continuarem uns tantos habilidosos a ludibriar os outros mais crédulos e manipuláveis? Não será que uns tantos fogem de aprender, com outros, na medida em que já parecem incapazes de se aferirem a novas realidades mais simples, e, porventura, mais verdadeiras?

5. Há dois tipos de pessoas que não consigo tragar: os malcriados (isto é, sem o mínimo de educação humana e social) e os autoconvencidos (numa linguagem mais elaborada asininos e afins). O pior é quando estes dois se aglutinam numa mesma pessoa. Infelizmente esta conjugação de adjetivos sincroniza-se em demasia em certas figuras: é bom de ver quem rudemente se comporta com arrogância, própria desses defendidos por estarem em vias de extinção…só no mundo animal!

Este segundo colóquio na Moita trouxe à luz do dia aspetos que precisam de ser cinzelados com arte…



António Sílvio Couto

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Culto a Nossa Senhora da Boa Viagem na Moita (*)

 


1. Uma resenha histórica da devoção na Moita


Recolhemos dos dados publicados por quem se tem dedicado a estudar a Moita e as suas origens:
A ermida, atual igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, foi construída à custa dos moradores do lugar de Mouta, em 1631, a primeira missa ali celebrada aconteceu no dia da Natividade de Nossa Senhora (8 de setembro), pelo padre-cura Rodrigo Afonso.
Num assento de óbito, com data de 19 de setembro de 1680, já se alude à igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem; por isso não nos repugna acreditar que essa invocação indique a instituição do novo orago da freguesia da Moita ainda que oficialmente seja apontado o mês de julho de 1697 como sendo aquele em que se deu a respetiva mudança.
As festas em Honra de Nossa Senhora da Boa Viagem em 28 de setembro de 1826 e as tradicionais corridas de toiros, tiveram o seu início em 8 de setembro de 1734.

2. Significância sócio-cultural

Sendo uma festa - na dimensão social - algo móvel, pois as datas decorrem entre a sexta-feira mais próxima do dia 8 de setembro e os dez seguintes longos e atribulados dias de festança, vive-se a expressão ‘festa da Moita’ antes, durante e depois do mês de setembro... propício a férias, momentos de convívio e tudo o resto que tem ligação, sobretudo, à tauromaquia.
Embora se tenham percebido algumas intenções de retirar ao cartaz a alusão à dimensão de ‘Nossa Senhora da Boa Viagem’, quedando-se só por dizer ‘boa viagem’, a marca religiosa tem sobrevivido e continuará ser a razão deste fenómeno sócio-cultural, pois envolve mais do que as coisas da diversão.
Se o cartaz de uma festa quer revelar o que dela se pretende, então, poderemos ver três aspetos configurados nos ditos cartazes: a dimensão religiosa, com algo alusivo a Nossa Senhora da Boa Viagem; a dimensão da festa dos toiros, com a representação do dito animal em maior ou menor destaque; a dimensão fluvial, com elementos integrantes do rio, diga-se, nem sempre bem tratado senão mesmo negligenciado...
Parece-me ser digno de registo que a presença da imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem no espaço público tornou-se quase um ex-libris da Moita, depois que, desde 2013, ter sido colocado um monumento público à beira-rio. Sobre este aspeto esperamos, na ocorrência dos dez anos da sua ereção, tratar o assunto com mais destaque e pormenor. De referir ainda que, em 2011, foram confecionadas centenas de réplicas de Nossa Senhora da Boa Viagem num tamanho de cerca de trinta centímetros de altura em porcelana...com boa aceitação e já esgotadas.

3. Significado religioso

Dado que este aspeto é o essencial deste colóquio, vamos aprofundá-lo em quatro referências: o hino a Nossa Senhora, a novena, o dia da festa com a procissão e os dias subsequentes, naquilo que designam de ‘semana da festa’.

a) Hino a Nossa Senhora da Boa Viagem

Nossa Senhora da Boa Viagem,
cheio de fé venero vossa santa Imagem.
Por Vós nossa alma tanto amor encerra.
Ó santa padroeira da nossa querida terra!

Padroeira da nossa terra,
pedi por ela a Jesus:
nos dê a paz em nossas almas
o pão nosso de cada dia e Sua bendita luz!

Os marítimos vão p’ró mar
sempre cheios de confiança
e nunca deixam de rezar.
Têm fé que hão-de voltar
porque Vós sois sua esp’rança.

Quando ajoelhados Vos pedimos
a Vossa doce proteção,
em nossa alma nós sentimos,
Virgem Mãe que acudis em tão grande aflição.


Surgido, segundo dados recolhidos, na década de trinta do século vinte (1931), este hino foi composto por D. Leonor de Sousa Bastos. Ora, a letra deste hino revela algo daquilo que seria a vida da Moita voltada para o rio, dizendo: ‘quando os marítimos vão p’ró mar’, querendo dizer que o Tejo era fonte de trabalho e de sobrevivência... não excluindo as vissicitudes, pois diz-se: ‘têm fé que hão-de voltar’, de olhos postos na proteção de Nossa Senhora, assim invocada de ‘Boa Viagem’, de ida e de regresso.
Quem conheça, minimamente, a música deste hino perceberá o tom menor da mesma, dando a entender que algo perpassa a alma sofrida de quem reza, suplica e espera da proteção maternal de Nossa Senhora. Como dizia alguém, este hino tem uma marca de (triste) fado religioso. Deveríamos aproveitá-lo mais nesta singular vertente religiosa e cultural...

b) Novena preparatória

Qualquer festa que se preze é preparada condignamente. Assim o deve ser a de Nossa Senhora da Boa Viagem, a 8 de setembro, ‘festa’ litúrgica da natividade de Nossa Senhora. Boa parte dos lugares onde se celebra ‘Nossa Senhora da Boa Viagem’ localiza-a nessa data, bem como outras celebrações alusivas a Nossa Senhora - por exemplo Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego - se enquadram nessa data. Na Moita celebra-se liturgicamente nesse dia e, quando não coincide com o domingo, fá-lo, mais publicamente, no domingo seguinte...nem que aconteça ter ocorrido na segunda-feira anterior.
De alguns anos vimos a tentar fazer uma ‘novena preparatória’, tendo em conta esse dia 8 de setembro. Assim a novena decorre entre 30 de agosto e 7 de setembro. Já segui vários modelos, mas considero que será mais apropriado alicerçar-nos nas ‘dores de Nossa Senhora’
(1). Deixo um desafio aos outros participantes neste colóquio: independentemente de terem ‘novena’ ou não, talvez fosse uma boa articulação tentarmos conjugar numa publicação conjunta, onde todos possam dar o seu contributo, em ordem a fazermos, por ocasião da novena, uma grande corrente de oração com e a Nossa Senhora da Boa Viagem...

c) Dia da festa - procissão

A ‘festa’ acontece, na Moita, se não for o caso de ser no dia 8 de setembro, no domingo seguinte a esta data. Consta esse dia de domingo de missa e de procissão. Desde a pandemia que temos vindo a celebrar a missa no espaço do ‘quintal’ interior da igreja, pois esta se tem tornado exígua para aconchegar todas as pessoas. Sendo um ato religioso público acolhe quem dele se aproxima, em que as autoridades civis e autárquicas podem ter um espaço reservado, quando disso se fazem avisar...
Desde há cerca de uma década que as imagens que integram a procissão são ornamentadas em dois espaços complementares: as duas maiores (Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora da Boa Viagem) na igreja e as vinte e duas outras no salão paroquial, de onde saem para a procissão... Diga-se que os vinte e quatro andores
(2) são assumidos, no que se refere à ornamentação, por aios e aias, alguns já de longa data...
Na organização da procissão tem-se vindo a fazer uma explicação de cada santo ou santa, bem de várias imagens evocativas de Nossa Senhora, por forma a ajudar os ‘assistentes’ a entenderem quem é levado na procissão. Esta é preparada por uma ‘comissão’ interna da Igreja em longos meses de antecedência. Os que levam as imagens são designados ou escolhidos com largo tempo... Há casos de ‘promessa’ nalguns andores, sobretudo, de Nossa Senhora da Boa Viagem.
A passagem da procissão pelo ‘cais’ tem algum destaque e enquadramento, tanto através de alguma palavra exortativa em jeito de ‘sermão’, quanto naquilo que carateriza a mesma procissão: longo tempo de foguetes...
De referir que os elementos externos ao tom religioso - bandas de música (pelo menos três) e charanga da guarda - são suportadas a expensas da autarquia...
Numa palavra: a procissão atrai milhares de pessoas e decorre durante cerca de duas horas e meia.
Uma nota final: nos dois anos de não-realização da festa, em razão da pandemia (2020 e 2021), houve missa, de manhã, com os cuidados exigidos e à tarde, pela mesma hora de outros anos, o andor com a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem percorreu, em veículo dos bombeiros, o itinerário habitual, tendo depois seguido a outras ruas e lugares no contexto da vila da Moita...nalguns casos com boa recetividade de pessoas nas ruas e nas varandas dos prédios.

d) ‘Semana da festa’

Depois do domingo da procissão, essa semana tem atos religiosos simples, enquanto nas ruas há diversão e convivialidade. Os horários das celebrações têm sido diversos e pouco participados.
Por vezes nessa semana a igreja paroquial é mais visitada, sobretudo por pessoas de fora ou que se deslocam à terra-natal em regime de recordação. Por estas ocasiões há oferta de velas e de outros atos de devoção...

Em conclusão
A festa de Nossa Senhora da Boa Viagem dá identidade à Moita, não deixa esquecer a dimensão religiosa das pessoas e desta terra com ligação ao rio Tejo, numa redescoberta em que o ‘Stella Maris da Moita’, recém-criado, quer participar e dar o seu contributo para a reevanglização neste tempo...  Afinal, recebemos a fé, precisamos de a viver e de a transmitir a outros com verdade e compromisso.  

 

1. Eis uma sugestão de esquema:
- A profecia de Simeão sobre Jesus (Lc 2,34-35)
- A fuga da Sagrada Família para o Egito (Mt 2,13-21);
- O desaparecimento do Menino Jesus durante três dias (Lc 2, 41-51);
- O encontro de Maria e Jesus a caminho do Calvário (Lc 23, 27-31);
- Maria observando o sofrimento e morte de Jesus na Cruz - Stabat Mater (Jo 19, 25-27);
- Maria recebe o corpo do filho tirado da Cruz (Mt 27, 55-61);
- Maria observa o corpo do filho a ser depositado no Santo Sepulcro (Lc 23, 55-56).

 

2. A lista ordenada dos 24 andores, com os respetivos patrocínios: Bíblia Sagrada, São Pedro - Papa: pescadores, São Miguel: paraquedistas, São Rafael: viandantes, São José: carpinteiros, moribundos, São João Batista: doenças da cabeça, Nossa Senhora da Conceição: padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Atalaia: alfandegários, Nossa Senhora dos Prazeres: alegria, Santa Luzia: vista, São Sebastião: fome, peste e guerra, São Lourenço: diáconos e cozinheiros, São Marçal: bombeiros, Santo Amaro: reumatismo, Santo António: coisas perdidas e casamentos, Santa Rita de Cássia: causas impossíveis, São Luís Gonzaga: estudantes, Menino Jesus de Praga: crianças e família, Santa Teresinha do Menino Jesus: missões, Nossa Senhora do Carmo: guarda, Nossa Senhora de Lourdes: curas físicas, Nossa Senhora de Fátima: penitência e oração, Sagrado Coração de Jesus: amor e desagravo, Nossa Senhora da Boa Viagem: padroeira

 

(*) Intervenção no colóquio realizado no dia 1 de dezembro, de 2022, na biblioteca municipal da Moita, sobre a devoção a Nossa Senhora da Boa Viagem em Portugal.

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Sinais exteriores de riqueza





Meia-volta vemos surgirem nas notícias – sobretudo de processos em investigação – a expressão: ‘sinais exteriores de riqueza’, deixando associado aspetos de ostentação, de novo-riquismo, de exibição ou mesmo de querer mostrar para impressionar…

Quem tal é rotulado/a dá a impressão que ou se descuidou ou quis dar nas vistas com certos artefactos de amostragem, que o bom senso guardaria para outras ocasiões: carros, vivendas, relógios, malas, roupas, locais (caros) frequentados, viagens e gabarolices, postes nas redes-sociais, festas e vernissages… e tantas outras situações fazem com que quem tal mostra se possa tornar alvo de inveja, de suspeita e – por que não – de investigação de quem controla a fuga ao fisco… pois tais ‘sinais exteriores de riquezas’, bem escarafunchados, vão chegar lá…

1. Desde logo será preciso não julgar tais ‘sinais’, mas que podem criar engulhos a quem conhece as pessoas e não lhes reconhece meios para tais mordomias, isso será fácil de inquirir. Diz o povo na sua sabedoria: ‘quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem’! À minha parca compreensão me falta capacidade para que tais pessoas não se lembrem que, qualquer dia, se poderá colocar a dúvida sobre a proveniência de tais recursos, sobretudo se tivermos em conta que nada de excecional possa ter dado oportunidade de vir a acontecer… nem trabalho, nem golpe de sorte ou mesmo dalguma herança inesperada ou não…

2. O problema será tanto mais agravado, quanto tal comportamento se faz modo-de-ser-e-de-estar numa determinada população. Com efeito, tenho vindo a conhecer terras e regiões onde a faculdade de querer mostrar que se é rico perpassa o tecido mais profundo da sociedade: não ter um carro duma determinada ‘qualidade’ como que inferiorizará quem não consiga exibi-lo; não ostentar – pelo lugar ou pela construção – uma casa que tenha certos predicados parecerá deixar de estar num determinado patamar (dito) social; não frequentar algum restaurante ou espaço de convívio como que não se ajustaria para a pretendida categoria em projeto… Ora, se isto atinge claramente os mais velhos, já faz estragos entre os descendentes ou afins, pois bebem de idêntico estádio de fachada e dessa cultura-de-faz-de-conta…

3. Admira-me que, tendo visto tal figura noutros, ainda haja que não tenha despertado para cair o ridículo em que se move e não consiga reconhecer a mentira na qual se promove. Estas pessoas não terão, em casa ou na rua, um espelho que as aconselhe a viverem na verdade? Estas pessoas não conseguirão enxergar que não se consegue iludir, ludibriar ou mentir sem que se venha a descobrir? Até onde poderá chegar o estado de convulsão no engano, senão se apercebem que vivem num mundo de fachada, de aparato e de possível sonho?


4. Tenho para comigo que o estado onírico – dessas pessoas e da sociedade – é tal que nem se apercebem da realidade em que fabricam a sua conduta. Dizem que riqueza atrai riqueza e faz com que se possa ser engolido pela voragem de tal deus. Talvez possa ser essa a explicação para a desfaçatez com que certos ‘sinais exteriores de riqueza’ são exibidos, pois, a normalidade seria não querer atrair as atenções, mas a lógica parece ser outra. O pior é que se tenta fazer crer que esses laivos de doença são o que faz ser importante, conceituado e benquisto.

Repare-se em certos tiques de políticos, quanto aos ganhos de trabalho, querendo fazer crer que a maioria atinge esses números. A fasquia dos 2.700 euros mensais, que foi critério para o governo ‘oferecer’ um subsídio de 125 euros a quem não atingisse tal teto, é bem revelador do estado de confusão em que vivem e em que pretendem manipular os outros…

Os ‘sinais exteriores de riqueza’ não começarão naqueles que nos governam? Quando chegam ao poder não gostam de mostrar esses ‘sinais exteriores de riqueza’ em que se movem, promovem e desenvolvem? Acordemos!



António Sílvio Couto