Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 25 de setembro de 2018

Não olhar ‘só’ pelo retrovisor…


Há situações – mais do que aquelas que seria desejável – envolvendo pessoas e factos, muitos deles do passado e não tanto do presente, que fazem com que tenhamos a sensação de se estar mais a olhar pelo retrovisor do que pelo para-brisas… Sobretudo quando nesta atitude estão envolvidos cristãos, isso será, no mínimo, questionável, pois nós caminhamos de olhos postos na meta e não meramente tropeçados nas etapas, por mais gloriosas que elas tenham sido.

Por muito aceitável que se pretenda proporcionar recordações de antanho, nós, cristãos, temos no Evangelho ‘sentenças’ de grande alcance, que podem ser lema de vida e mesmo que catapultaram tantos homens e mulheres da nossa História – humana e de salvação – para viverem a entrega a Deus e aos outros ou dos outros em Deus. Em muitas dessas frases é referido o desprendimento sem pretender reconhecimento ou recompensa: depois de fazerdes tudo o que vos foi mandado, dizei: somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos fazer… O servo não é mais do que o seu senhor… Se vos lavei os pés, sendo senhor e mestre, assim deveis fazer uns aos outros… Quantas vezes sinto alguma repulsa por excessivos agradecimentos, quando os intervenientes só fizeram o que lhes competia fazerem, em razão da sua fé e do necessário compromisso com Deus, na Igreja, para com os outros.

Num tempo de salutar anticlericalismo podemos e devemos refletir sobre que tipo de cristãos/católicos estamos a (re)produzir. Há demasiadas mentalidades eclesiásticas e laicais que ainda se não aperceberam das mudanças operadas dentro e fora dos círculos eclesiais. De diversas formas e outros tantos feitios temos vindo a assistir à recuperação de sinais exteriores de relevância eclesiástica que já não são descodificados pela maioria da sociedade secularizada. Por vezes pode-se correr o risco dalgum ridículo, acirrando contestações inúteis e quase despropositadas.

Trazemos à liça um caso onde se configuram estas vertentes enunciadas: uns padres, relativamente novos, acharam que deviam ir a uma corrida de toiros, vestidos com o ‘clergyman’ (colarinho romano ou cabeção)…Ora tal façanha desencadeou nas (ditas) redes sociais reações fundamentalistas, repudiando a presença de membros do clero em tais espetáculos e o que isso significa direta ou indiretamente… Os comentários foram entre o inverosímil e o escabroso, desancando nos ‘artistas’ e em quantos a eles possam estar associados, deixando, em resumo, os cristãos e a Igreja católica no lamaçal… Deste modo se pode perceber que bastará um inofensivo rastilho para desencadear um incêndio de proporções imprevistas…crepitante por parcas horas.

Talvez falte a estes como a outros intervenientes na tarefa da visibilidade da Igreja a consciência de que não basta olhar pelo retrovisor da aceitação nos tempos idos da cristandade em que tais sinais eram recorrentes e ainda tendo em conta alguma tolerância para com ‘pequenos’ incidentes na via pública e/ou privada… Hoje estamos todos sob escrutínio permanente, não nos sendo permitido o mais pequeno deslize, pois se uns até desculpam, outros são mais intransigentes em saltar a barreira da tolerância e despregam a ofender, a lançar suspeitas e a meter no mesmo saco bons e menos maus…só porque lhes parece tudo (e todos) o mesmo! 

= Por estes dias recordou-se a memória do falecimento do primeiro bispo de Setúbal. Notava-se, na assembleia de sufrágio, algo de tendencialmente a observar pelo retrovisor: uma boa parte dos leigos era do tempo de há mais de vinte anos… os clérigos presentes nem todos eram da época do pontificado do prelado desaparecido…nas raízes de fundamentação teológico-espiritual pareceu que nem todos estavam sintonizados para a frente…os tempos são outros e os intérpretes parecem menos ousados e comprometidos.

Nestas coisas da memória dos fastos ilustres corre-se o risco de entronizar faustos e de obnubilar as circunstâncias que fazem duns heróis e de outros figurantes na estória do tempo… Como referia um mestre na arte de interpretar as coisas humanas/teológicas, é preciso que passe suficiente tempo – dizia até dois anos – para nós e com os outros, sermos entendidos e que nos entendam, numa proporção de amadurecimento daquilo que somos e do que os outros entendem…

Efetivamente, o retrovisor nem sempre ajuda a discernir de forma correta e com visão de futuro!      

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Proibido lamentar-se…


Li, por estes dias, uma nota digna de destaque: o Papa Francisco colocou, na porta seu gabinete, um sinal associado à legenda: ‘proibido lamentar-se’.

O tal cartaz terá sido oferecido ao Papa numa audiência na praça de São Pedro. Dada a sintonia do Papa com tal proposta, ele colocou-o na porta do seu apartamento pessoal. Como qualquer outra mensagem a sua explicitação diz que ‘os transgressores sujeitam-se à síndrome de vitimização, com a consequente diminuição do humor e da capacidade para resolver os problemas’.

O tal cartaz terá sido usado pelo Papa Francisco no verão de 2017. Tanto quanto se sabe esta recomendação – ‘proibido lamentar-se’ – deu origem ou teve origem num livro dum psicoterapeuta italiano, tendo o Papa prefaciado a segunda edição, trazida a público no primeiro trimestre deste ano. 

= Apesar de ser um tanto complexo, que poderá trazer-nos esta recomendação – ‘proibido lamentar-se’, em forma quase de ironia? Não será que, uma boa parte de nós – mesmo como cristãos – não transmitimos mais esta cultura do que o seu contrário? Tão propensos que somos à lamentação/lamúria não teremos de corrigir o nosso comportamento e as nossas atitudes? Não andaremos a conjugar o verbo lamuriar-se em demasiadas formas e em tempos desnecessários? Para quando assumiremos que temos de inverter esta tendência para o desgraçadismo nacional, familiar e pessoal? 

= Como razoáveis portugueses que somos, de facto, vivemos mais na tendência para a comiseração do que para vivermos em reação às contrariedades, sejam de maior ou menor significação. É-nos mais fácil reportarmos às nossas mazelas – e com isso tentarmos atrair alguma ‘compaixão’ de situação – do que tentarmos ultrapassar a experiência amargurada pessoal, familiar, social e comunitária… Dá a impressão que lidamos melhor com as desgraças dos outros e mesmo com as nossas do que sabemos ultrapassar essa tentativa doentia em nos contentarmos com os males e menos com o que corre bem. Figura na nossa conversa, com regularidade, que vivemos melhor com os males (desgraças, infortúnios, insucessos e afins) dos outros do que com o seu contrário…

Com que normalidade falamos mais das dores pessoais e alheias do que das vitórias e dos bons desempenhos dos outros. Pior: à lamentação mais ou menos controlada tendemos a acrescentar maiores lamúrias, numa espécie de concorrência ao quanto pior melhor. Se alguém ousa queixar-se que lhe dói isto (no corpo ou na dimensão psicológica) temos tentação de acrescer, da nossa parte, algo que faça parecer-nos ainda pior do que o nosso interlocutor… 

= Numa linguagem ‘religiosa’ até procuramos socorrer-nos das palavras da (quase) lamurienta ‘salve rainha’ onde nos apresentamos ‘gemendo e chorando neste vale de lágrimas’, modificando, por vezes, a palavra ‘degredados’ para ‘degradados’ não vá alguém não-suspeitar que estamos mesmo mal e cada vez pior...     

No contexto europeu talvez mereçamos um desejado prémio do povo mais lamuriento, seja lá o que for, dá a impressão que não há ninguém mais por baixo do que nós. Se, no passado, isso foi benéfico, por agora talvez não resulte ou não dê os resultados esperados. Acrescente-se a isso que também já não somos levados a sério nas desgraças vividas e difundidas. Deram-nos os meios, temos de apresentar resultados credíveis e bem mais positivos…

Aquela imagem bucólico ruralista com a legenda: ‘quem não chora, não mama’… já fez época. Agora temos de olhar as coisas, as situações, as pessoas e os acontecimentos de frente, com realismo e sem subterfúgios desadequados à assunção das responsabilidades. Chegou a hora de sairmos do armário da lamúria para o campo da afirmação do que há de positivo em nós e à nossa volta. 

= Vamos dobrar o ‘cabo das tormentas’, fazendo-o da ‘boa esperança’ nesta afirmação de luta contra a lamúria e tudo quanto lhe está adstrito: que bom seria tornarmos cada cristão uma sentinela contra a lamúria – Portugal iria rejuvenescer e ganhar nova vida. Assim o vivamos e o sigamos, de verdade!   

 

António Sílvio Couto  

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Redes mais sazonais do que sociais?



Parece que não há quem não entenda o que é nem deixe de usar por especial necessidade, o que não quer dizer convicção, as ditas ‘redes sociais’. Estas estão aí como fatores de cultura e aculturação.

Mas como se podem definir ou descrever as ‘redes sociais’?

Consultando a wikipédia encontramos a seguinte definição descritiva:

Rede social é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que compartilham valores e objetivos comuns. Uma das fundamentais caraterísticas na definição das redes é a sua abertura, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes. ‘Redes não são, portanto, apenas uma outra forma de estrutura, mas quase uma não estrutura, no sentido de que parte de sua força está na habilidade de se fazer e desfazer rapidamente’

Muito embora um dos princípios da rede seja sua abertura e porosidade, por ser uma ligação social, a conexão fundamental entre as pessoas se dá através da identidade.

As redes sociais online podem operar em diferentes níveis, como, por exemplo, redes de relacionamentos (Facebook, Twitter, Instagram, Google+, Youtube, MySpace, Badoo), redes profissionais (Linkedin), redes comunitárias (redes sociais em bairros ou cidades), redes políticas, redes militares, dentre outras, e permitem analisar a forma como as organizações desenvolvem a sua atividade, como os indivíduos alcançam os seus objetivos ou medir o capital social – o valor que os indivíduos obtêm da rede social. 

Ora, atendendo a esta teorização sobre as ‘redes sociais’ temos de refletir sobre o alcance do seu uso e tentarmos talvez refrear o seu abuso, pois, pelo que vamos vendo em muitas das situações do nosso tempo, há riscos que nem sempre têm sido atendidos nem tidos na devida conta…tal a voragem em querer estar na ‘moda’, que dá a impressão de não se olhar a meios e tão pouco a fins.

Na necessidade em querer estar na onda das ‘redes sociais’ podemos cair na volatilidade da irreflexão: mostrar ou falar depressa nem sempre é o mesmo que estar amadurecido. Quantas vezes há imagens colocadas e comentários postados que precisariam de mais tempo para que não se entrasse na impetuosidade sem critério ou não se andasse na flutuação do imediatismo mais ou menos inconsistente…

Parece que muitas das intervenções nas ‘redes sociais’ sofrem do complexo de febre sazonal, andando mais ao ritmo duma efervescência momentânea e não da conduta moderada e sensata do pensamento refletido e reflexionado. Poderá ser exagerada uma visão deste modo, mas pelos efeitos que vemos em muitos dos utilizadores da maior parte das ‘redes sociais’, tal como nos são apresentadas, geralmente, podemos considerar que há algo de utilitário egoísta numa grande parte dos frequentadores das ‘redes sociais’… 

= Mesmo de forma sucinta vejamos algumas das vantagens das ‘redes sociais’: comunicação instantânea, possibilidade de relacionamento com pessoas diferentes, compartilhar momentos agradáveis, informação sempre disponível…

Eis algumas das desvantagens já detetadas: falta de privacidade, excesso de uso, disseminação de informações falsas, monotorização de ações (com informações onde se está), risco de pedofilia…

Tal como em tudo na vida há benefícios e perigos, saber usar corretamente as ‘redes sociais’ poderá (e deverá) ser um assunto de educação, tanto dos mais novos como dos mais velhos, pois muitos destes parecem crianças em ponto grande, brincando com coisas nem sempre levadas verdadeiramente a sério…

Já passou o tempo de considerar que estas ferramentas da internet são ‘novas tecnologias’, pois para muitos dos mais novos são as suas tecnologias e os mais velhos usam-nas com tal ‘sabedoria’ empírica que já nem sabem viver sem estar sempre conectados e entram em pânico quando não têm rede ou estão out… Com efeito, esta bolha das ‘redes sociais’ tem vindo a fazer crescer uma sociedade cada vez mais dependente daquilo que os outros pensam de si mesmo e deixará rasto de mediocridade por vários tempos – dizemos ‘tempos’ e não anos ou décadas, pois ‘tempos’ podem ser etapas de vida ou frações de vivência na intensidade daquilo que se pretende viver…

Serão as ‘redes sociais’ bem mais sazonais do que as febres em maré de pandemias gripais ou outonais?   

 

António Sílvio Couto


segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Civismo, a quanto obrigarias



Recordo que um dos quatro parâmetros das notas de comportamento – estávamos em finais da década de 60 do século passado – era o da ‘civilidade’. Para quem era quase criança essa palavra soava a esquisita. Com o tempo e as lições de educação recebidas fui-me percebendo que civilidade vinha de ‘civitas’, que tem a ver com o aprender a estar na cidade, refere-se à condição de cidadão – até por contraste com pagão, o que vivia no ‘pagus’, no campo – e a uma panóplia de requisitos para quem quer estar com os outros em relacionamento de respeito, de boa convivência, seja pela normalidade de trato, seja pelas regras que advêm de estarmos em sociedade.

Ora, o que vi nos últimos tempos no espaço físico-geográfico em que vivo é tudo e o seu contrário de civilidade, de civismo, de educação, de respeito pelos outros, pelo ambiente, pela limpeza ou mesmo pelo mobiliário público… Dá a impressão que muita gente faz da rua o espaço mais mal tratado da convivência consigo mesma e com os demais, tornando-a um esterqueiro a céu-aberto, lançando toda a forma de dejetos – a palavra é mesmo essa – para o espaço que é de todos e não só de alguns, mesmo que possa ter a sua forma de ver, de viver e de estar.

Diante deste ‘espetáculo’ de subdesenvolvimento – chamar-lhe terceiro-mundista seria uma ofensa a quem viva nessas condições em razão da extrema pobreza e da falta de condições de higiene – tentei aperceber-me das razões mais profundas e generalizadas com que vimos a confrontar-nos cada vez mais e num maior número de lugares, de situações e de condições.

Será que um pequeno aumento de folga económica faz-nos tornar os outros – sobretudo os que cuidam da nossa limpeza pública – limpadores daquilo que sujamos sem respeito nem vergonha? Será que os sinais de sujidade pública são o retrato duma negligência de higiene privada, tanto das pessoas, como das casas? Porque se vai generalizando essa impunidade de sujar ou mesmo destruir as coisas públicas, sem que as autoridades intervenham pela admoestação ou mesmo pela repressão?

Agora que se inicia um novo ano escolar não seria de introduzir mais claramente nas escolas sessões de civilidade, de civismo e de cidadania – as palavras podem ser parecidas mas contêm matérias diferentes – em ordem a educar, desde a mais tenra idade, os cidadãos de amanhã, ensinando-se as regras básicas da convivência, já que, parece, as famílias não o têm conseguido?

Não podemos continuar a gastar imensos recursos em assuntos que são da mais básica conduta de quem está com os outros. Urge, por isso, saber ler os sinais emitidos por ocasião de grandes festas – particularmente se se prolongam por vários dias – ou em ajuntamentos de pessoas. Nessas ocasiões como que sobe ao consciente duma boa parte desse anónimo a quem chamam ‘povo’, uma espécie de desculpa coletiva onde poucos se assumem como portadores dalguma civilidade e se confundem na massa do faz-de-conta que ninguém vê, mas cujos resquícios se percebem quando o tal anónimo se afasta do lugar onde esteve… Sinal disso e talvez revelador de algo ainda pior é aquilo que fica no recinto do santuário de Fátima, após dias de peregrinação: algo de imundo invade aquilo que se pensaria podia e devia ser um lugar de educação, de civismo e de educação…em função dos valores cristãos recebidos e dados! 

Em certos lugares de uso público é habitual vermos escrito: deixe como encontrou ou como gostaria de encontrar…colabore na limpeza deste lugar… Estas e outras recomendações certamente já vimos e fizemos como nos pediram. O problema é quando se abandalha o espaço público, tornando-o alvo de menos agradável, criando condições para que se agrave a sujidade e se revele que, quem por ali passou, não teve em consideração quem viria depois e se degrada o que podia ser aprazível e útil a todos.

Há lições da mínima educação que podem modificar o estado de coisas a que chegamos, bastando que cada um de nós limpe, ao menos, um metro em volta da sua porta, seja de casa, seja do seu prédio ou mesmo do perímetro da sua estatura. Não podemos continuar a nada fazer, considerando que outros limparão o que sujamos ou aquilo que nos compete a nós assear. Se considerarmos que cada um de nós produz 1,2 Kg de lixo por dia, veremos a árdua tarefa de adquirirmos hábitos que ajudem a fazer da nossa convivência diária uma batalha que não pode ser dada por adquirida, mas dela cuidar todos os dias…                

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Será correto ‘dar’ os livros?


Com o regresso às aulas como que voltam certos temas e questões mais ou menos recorrentes à liça e talvez um tanto populistas, que deveriam levar-nos a refletir mais do que a aceitar de modo acrítico e sem exigir.

De entre as diversas iniciativas de âmbito escolar há uma que pode ser, pelo público, bem aceite, mas que talvez possa não ser tão correta como seria desejável: a dos livros gratuitos. Este projeto envolve a inscrição prévia para receber, posteriormente, vouchers; a distribuição dos ditos ‘manuais’… a todos os alunos/as do 1.º ao 6.º anos e, nalguns concelhos, até ao 12.º ano. Esta medida implica que os tais ‘manuais’ sejam devolvidos – pretende-se em bom estado de conservação – no final do ano letivo…

Atendendo a que todos os alunos matriculados e com as turmas publicadas podem ser sujeitos desta medida, será pedagógico dar, deste modo tão universal, os livros aos alunos, tenham ou não necessidade de os receber de forma gratuita? Não estarão os mentores desta medida – boa para uns, mas que poderá ser contraproducente para outros – a desresponsabilizar quem precisa e quem recebe a troco de nada? À boa maneira estalinista não estarão a comprar as pessoas com benesses não pedidas nem precisas?

- Para quem contesta – e nalgumas situações bem – uma certa mentalidade assistencialista, não deixa de ser revelador dum outro poder mais tentacular esta atitude paternalista estatal para com quem não pediu e se submete a tais a-preparos e condicionalismos… agora e no futuro. Algo se está a semear, mas poderá fazer vir a colher amargos frutos de vandalismo, mesmo para com o mobiliário público, que sendo de todos, não vincula ninguém. O princípio está lançado desde a mais tenra idade…

- Em meu entendimento a pior das consequências desta medida dos ‘manuais gratuitos’ poderá ser a negligência no cuidado para com os livros, que não custaram a comprar, porque dados e sem muito esforço ‘amados’. Com efeito, só quem teve de fazer sacrifício para comprar um determinado livro e depois ao tê-lo na mão, faz saborear o gosto da aquisição e a estima para com algo que tem muito de nós mesmos e do nosso esforço… Mesmo os livros escolares podem e devem ser tratados com carinho e estima, na medida em que através deles vamos descobrindo a vida, os seus mistérios e com eles caminhamos mesmo nas horas de aturado estudo… Como lembro, em recordação de leitor em princípio de caminhada, o sabor de ir cortando as folhas não aparadas de certos livros, na direta proporção da descoberta daquilo que estava escrito…Ainda hoje sinto o toque e o sabor dessa inesquecível vivência!

Por estas e outras razões considero uma espécie de atentado à boa gestão do processo educativo oferecer – ninguém dá nada a ninguém sem receber algo em troca – deste modo os livros, pois o que é dado nem sempre é tão gostoso nem amado.   

- Em contraponto não seria bem mais benéfico apostar na total gratuidade das refeições escolares, fazendo parte dum plano de alimentação que cuide da saúde infantil, juvenil e sénior? Porque muitas vezes vemos os mais novos a alimentarem-se com produtos de duvidosa qualidade, não seria preferível gastar proventos nesta matéria em vez do investimento nos livros gratuitos?

- É pena que certas figuras da cadeia de mando na área da educação não tenham vivido experiências de descoberta, impondo, em contrapartida, essa espécie de ‘fast-food’ cultural do mais fácil, mais rápido e, sobretudo, sem aprendizagem de estudar com esforço, por dedicação e com amor pelos livros e de quem os vai cozinhando com estima, verdade e vocação.

Livros dados, não, obrigado…nem por prémio dalgum concurso ou ‘jogos-florais’ baratos!    

 

António Sílvio Couto  


quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O povo precisa de festa…


Desde tempos imemoriais que o ritmo da festa foi essencial para a vida dos povos. Estes muitas vezes contam o seu ‘tempo’ pela data da ‘sua’ festa – religiosa ou não – valendo, nalguns casos, muito para além das outras grandes (páscoa e natal) comuns, mas essas são de todos…

De facto, a festa de cada localidade, região ou país é como que catártica de toda a vida dessa região (ou religião) ou povoado… Num tempo de cristandade era comum colocar essa festa sob a tutela dalgum santo/a, de invocação/evocação de Nossa Senhora ou mesmo dalguma faceta do mistério de Cristo… Agora que estamos a viver um processo crescente de descristianização – nalguns casos já se verifica uma espécie de neo-paganização – há quem pretenda servir-se da ‘tradição’ religiosa para a fazer subverter numa outra componente mais social, um tanto ou quanto politizada e/ou num aspeto cultural a gosto… do que se pretenda atingir a curto ou a médio prazo.

Os ingredientes das festas vão-se como que generalizando para a dimensão mais lúdica do que espiritual, vão-se tornando oportunidades para distrair o povo, usando-o como complemento e não como sujeito. Em certas ocasiões vamos vendo crescer uma apetência para propor elementos quase espúrios à cultural local para ir impondo gostos e modas de duvidoso conteúdo humano e cultural mais consentâneo com esse povo que pode e deve fazer festa sem se alienar nem sem ser usado para objetivos subterrâneos nem sempre percetíveis a olho nu…  

Da religiosidade natural

Muito daquilo que vivemos, mais ou menos inconscientemente, por ocasião das festas – religiosas e/ou populares – está eivado dum quê de religiosidade natural, na medida em que se reflete alguma ligação à terra e àquilo que é o ritmo da vida em consonância com o ciclo da natureza, que nos faz viver e conviver. De facto ´, muitas das nossas festas – por vezes apelidando isso de tradição – fazem-nos estar numa referência às raízes ancestrais em que muito daquilo que vivemos se situa na linha de tantas outras correntes em muitos outros lugares tão distantes quão diversos…O problema é uma certa ignorância em que se pretende fazer da ‘sua’ festa um bairrismo quase atrevido porque atuando por desconhecimento, que não nos une, como devia, a tantas outras partes do país e até do mundo…mesmo que com matizes mais ou menos aceitáveis e com conteúdo…cultural específico.

Será aceitável gastar rios de dinheiro em coisas perfeitamente escusadas como foguetes e arranjos de gosto duvidoso, tentando justificar isso com alguma ‘tradição’ menos bem fundamentada e razoável? Não será um tanto questionável manter certos ‘ritos’ se estiverem esgotadas as razões que os fizeram surgir?  

... À evangelização renovada

«A religiosidade popular não tem uma relação, necessariamente, com a revelação cristã. Porém, em muitas regiões, exprimindo-se numa sociedade impregnada de diversas formas de elementos cristãos, dá lugar a uma espécie de ‘catolicismo popular’, no qual coexistem, mais ou menos harmoniosamente, elementos provenientes do sentido religioso da vida, da cultura própria de determinado povo e da revelação cristã».

Este excerto do ‘Diretório sobre piedade popular e liturgia’, n.º 10, faz-nos considerar que há sementes de cristianismo disseminadas por muitas manifestações de índole popular – sobretudo tem em conta o background cristão de outros tempos na Europa em geral e no nosso país em particular – embora se tenha de estar, cada vez mais atento, para que isso não seja infetado de paganismo em muito daquilo que já teve expressão de fé cristã.

Os elementos da designada ‘piedade/religiosidade popular’ precisam de ter presente a dimensão bíblica, a inspiração antropológica, a referência litúrgica, sem esquecer a sensibilidade ecuménica.

Não teremos de aproveitar muito mais as nossas festas, com algum sabor a religião, para lhes dar dimensão querigmática atualizada? Não andaremos a suportar ‘festas’ onde se exibe mais a vaidade do que consciência cívica de pertença e de solidariedade? Não teremos de desembrulhar muito mais Cristo nas nossas festas, feitas ao sabor de gostos um tanto suspeitos e com objetivos pouco claros?      

 

António Sílvio Couto



quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Felizmente padre neste tempo


Decorreu por estes dias, em Fátima, o nono simpósio do clero de Portugal, sob o tema – ‘o padre, ministro e testemunha da alegria do Evangelho’.

Mais de quatro centenas de clérigos (bispos, padres e diáconos) de todas as dioceses portuguesas viveram em ambiente de partilha, de comunhão e de convivência entre as várias gerações de padres, sem ser tida em conta a sua procedência, formação ou mesmo sensibilidade eclesial. Num clima de formação (teológica, espiritual e humana) permanente estiveram presentes, entre outros, o perfeito e o secretário da Congregação do Clero, bem como especialistas da área eclesiástica sobre diversas matérias.

Atendendo à intoxicação (informativa e opinativa), que tem sido servida por parte dalguns órgãos de comunicação, na sessão de abertura do simpósio foi publicitada uma carta-mensagem do episcopado português, que foi endereçada ao Papa Francisco. Nesta mensagem, agradece-se a ‘carta ao Povo de Deus’, de 20 de agosto último, do sumo pontífice sobre o “drama do abuso de menores por parte de membros responsáveis da Igreja”. Numa atitude de comunhão com o Papa Francisco diz-se na mensagem: “também nós partilhamos o sofrimento do Santo Padre e de toda a Igreja e propomo-nos seguir as orientações para erradicar as causas desta chaga. Empenhar-nos-emos em incrementar uma cultura de prevenção e proteção dos menores e vulneráveis em todas as nossas comunidades”. 

= Ora, diante da vivência deste simpósio e das circunstâncias exteriores, desejamos exprimir alguns aspetos de índole pessoal, vocacional e eclesial.

- Quando tantos colocam sob suspeita muitos dos ministros da Igreja, extrapolando os erros, falhas, crimes ou pecados duns tantos, fazendo-os espargirem-se sobre todos indistintamente, parece que não podemos confundir a árvore com a floresta nem podemos obrigar todos a serem culpados daquilo de que só uma minoria é acusada.

- Quando se tenta lançar o labéu sobre a comunidade dos crentes, pela simples razão duns quantos ofenderem e envergonharem o resto, torna-se urgente ser um pouco mais sério e não confundir quem nada tem a ver com o assunto, embora os pecados pessoais empobreçam a comunhão de todos e de cada um…

- Quando se nota algum aproveitamento – dentro e fora do âmbito eclesial – de certas forças para tentarem atingir a pessoa, o ministério e a dimensão do Papa, é da mais elementar justiça saber distinguir o que tem sido o esforço de renovação, de profetismo e mesmo de desafios que Francisco tem trazido no parco tempo do seu pontificado – cinco anos – e as mudanças que com ele se deram na Igreja católica e no mundo… Talvez ele possa incomodar e não há como atingir o pastor e as ovelhas poderão dispersar-se! 

= É uma graça e um sinal divino ser padre neste tempo, pois muito daquilo que nos faz corresponder ao chamamento de Deus na Igreja católica é hoje mais do que nunca uma oportunidade de afirmar com a vida – nem sempre isenta de erros, falhas ou pecados – como Deus continua a precisar de nós para se fazer presente neste mundo. Não é por honrarias que aceitamos ser ordenados padres. Quem pensar – ou pior julgar – de forma diferente pode fazê-lo, mas não está a respeitar o que há de mais sagrado numa vocação sacerdotal ministerial: deixar-se ser instrumento divino e com isso caminhar com aqueles que Deus coloca no nosso caminho…mesmo que nem sempre nos compreendam ou até aceitem, como seria desejável.

Hoje, mais do que no passado da cristandade, aceitar ser padre de Jesus é despojar-se de regalias sociais e mesmo culturais. Hoje, mais do que num passado de religião social, torna-se desafiante prescindir de muitos dos proventos do clericalismo para ser tornar irmão com os irmãos, embora padre (pastor, guia e servidor) para eles. Hoje, mais do que num passado já longínquo, ser padre já não é promoção pessoal nem familiar, mas antes faz acreditar na necessidade de crescer na humildade pela competência, na verdade pela honestidade e na confiança pela autenticidade.

O que vi e gostei de observar no recente simpósio do clero foram padres e bispos com ar sereno e espírito de partilha. Numa palavra: não será tal comportamento indício de felicidade? Talvez haja óculos que precisam de ser limpos e olhos que necessitam de ser lavados…    

 

António Sílvio Couto 


 

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Tentáculos mundanos…sobre a Igreja


Sempre foi uma tentação, mas nos tempos mais recentes parece que está mais aferrado o problema: uma leitura demasiado mundana das questões que ocorrem na Igreja católica, atingindo duma forma especial o Papa Francisco naquilo que ele diz, faz e profetiza…em linguagem cristã/católica.

Há questões que alguns pretendem ler, interpretar e, por vezes, discernir numa perspetiva de tonalidades extremas: a preto ou a branco, sem incluir a imensa paleta de cores…não a cingindo à tutela do arco-íris, símbolo duma outra movimentação social, cívica e cultural transnacional…

Nesta época de grande crise, a Igreja católica está submetida a uma espécie de inquisição popular – dinamizada por uma rede de meios de comunicação social e secundada por outras forças mais subtis de índole amoral – em que os seus membros e ministros, fiéis e simpatizantes, regulares ou seculares como que têm de provar a não-falta – quando na justiça é o contrário – que lhes possam imputar há mais ou menos tempo… Ao contrário daquilo que diz a Bíblia Sagrada para muitos dos acusadores – sabe-se lá com que fundamento ou com que interesse – a culpa ultrapassa miríades de gerações que antecederam quem agora é julgado…mesmo sem possibilidade de defesa.

Um tanto de forma ténue têm começado alguns prelados, em Portugal, a virem a terreiro defender as posições do Papa Francisco, considerando uns que há uma campanha orquestrada contra ele, dentro e fora do espaço eclesial e outros solicitando que se reze pelo Sumo Pontífice, pois as atrocidades que lhe são apresentadas pelo encobrimento de outros purpurados são mais do que coincidências, antes revestindo a capa de atingirem o pastor e as ovelhas serem dispersas…

Naquilo que é o conceito de Igreja e a forma de nela participar e intervir podemos considerar que muitos dos nossos ‘praticantes’ são mais conduzidos pelo que se diz (ou pode dizer) de mal daqueles que têm o cuidado pastoral para com eles do que de terem consideração e estima por quem lhes dá o máximo que tem e, mesmo que não seja bem entendido, ainda continuam a dedicar-se a eles…sem gratidão nem reconhecimento. Talvez estejamos mais numa visão dos padres/bispos/papa ‘funcionários’ das coisas sagradas e enquanto delas possam necessitar do que em sermos entendidos como irmãos com eles e pastores para eles. Que ninguém se iluda, não estamos a salvo de qualquer atoarda de maledicência ou de difamação, pois, para que tal possa acontecer, bastará que não se faça o que os ‘paroquianos’ desejem na sua visão de democracia e estaremos sob a alçada da malquerença e mesmo da acusação sem nexo ou mesmo sem rosto…

* Como poderemos criar condições para que aqueles/as para quem celebramos as coisas sagradas nos entendam como mistério em Cristo na Igreja?

* Como poderemos dizer o que somos sem nos afirmarmos em excesso nem num plano de superioridade mais ou menos tolerado, mas não-aceite?

* Como poderemos ser cristãos com eles e ministros para eles, à boa maneira com que S. Agostinho se defina e viveu?

* Como poderemos viver ensinando e ensinar vivendo, tendo em conta a discrepância de conceitos e de critérios mais mundanos do que cristãos em muitos dos espaços de celebração da fé? 

Notas

- Esta dorida partilha/reflexão escrevo-a horas antes de ter início o nono simpósio do clero de Portugal, que se realiza de 3 a 6 de setembro, em Fátima, subordinado ao tema: o padre – ministro e testemunha da alegria do Evangelho. É habitual participar um décimo dos padres do nosso país, nalguns casos manifestando que os ‘repetentes’ são quase sempre os mesmos, isto é, os que costumam ir voltam, os que nem sempre vão, primam pela ausência…

- Num tempo em que se torna fundamental manifestar humildade, espírito de comunhão e capacidade de concertação de linguagens, de métodos e de aprendizagens talvez este tempo de simpósio possa (ou devesse poder) ser um tempo de refontalização e de testemunho para com os outros fiéis…

- Deste simpósio português deveria sair um voto e um sinal de compromisso para com o Papa Francisco nesta hora de tão dura provação à frente da condução da Igreja católica.

 

António Sílvio Couto