Estes
tempos de pandemia vieram revelar algo de muito complexo sobre a Igreja –
dizemo-lo da sua expressão ‘católica’ sem esquecer outras denominações – na
vivência comunitária ou em condições de maior constrangimento, nas coisas de
âmbito social ou nas referências à família, na sua verificação diocesana ou
paroquial, mas também nos grupos de compromisso em apostolado organizado.
Estamos
a viver um tempo idêntico ao das igrejas em condição de catacumba, isto é, de
perseguição ou de resistência, de minoria e não mais de cristandade, de procura
na reinvenção de sabermos estar, depois de tantos que já por cá estiveram, de
saber anunciar Jesus sem pressupor que já O conhecem…
1. Igreja em catacumbas. Quando se fala na história da
Igreja do tempo das catacumbas (até ao século V) precisamos de localizar-nos
numa época de expansão do cristianismo sujeito a perseguições, em confronto com
o paganismo romano maioritário, refugiando-se os cristãos nos espaços subterrâneos
onde estavam sepultados os restos mortais dos ‘seus’ mártires e de quantos
pagaram com a vida o seguimento de Jesus. Recorde-se que a imagem-simbólica
deste tempo intenso e duro é a figura de ‘Cristo-bom pastor’ carregando aos
ombros uma ovelha, como discípulo querido e amado.
2. Perseguição ou resistência? Os cristãos com tantos dos seus
pastores estavam inflamados da força do Espírito Santo e preferiam, à
semelhança de São Ireneu, morrem trucidados pelos dentes das feras do que
abjurarem da sua fé. Não há nada de romântico nesta fase do ser cristão, mas
uma força capaz de viverem a perseguição, tal a dinâmica espiritual bebida nos
evangelhos e nos escritos dos padres apostólicos. Com a pandemia não vimos
tantos a acobardarem-se e a quedarem-se diante da televisão do que, com rigor e
confiança, estarem com os seus? O zoom resolveu, mas não solucionou a
acomodação!
3. Minoria, já não cristandade. Designada, em meados do século
vinte, como ‘cristandade profana’, continuamos a recorrer aos rituais religiosos-sacramentais
como alheamento das condições em Igreja. Já não há mais coincidência entre
sociedade e Igreja (cristianismo/catolicismo) nem os que professam a fé em Cristo
têm superioridade aos outros cidadãos. Por vezes acontece precisamente o contrário:
ser cristão, afirmá-lo e mostrá-lo, com sinais mesmo exteriores, torna-se
complicado senão mesmo perigoso. Da limpeza dos crucifixos nos espaços
públicos, exigida pelo laicismo exacerbado de muitos mentores políticos, fomos
passando à exclusão ostensiva e provocatória de tudo quanto cheire a sinal de
fé cristã. Questiono porque continuam a respeitar o ritmo social de certas
festas – natal, páscoa, feriados religiosos – com base em preconceitos e/ou
tiques de ignorância…Quando acordaremos para sabermos ser e estar como minoria
num mundo paganizado, ateu e amoral?
4. Procura: refontalização na
renovação.
Decorridos mais de cinquenta anos do tempo do Concílio Vaticano II ainda não
aprendemos a cultivar uma forma de ser Igreja que não reproduza rituais vazios,
não promova festas à custa dos santos, não faça da religião um ato social de
descrentes.
O
problema está aí: para uns tantos parece preferível recorrer à missa em latim
como subterfúgio para a escuta da Palavra que converta; outros entretêm-se no croché
de língua a discutir quem será mais importante…no seu grupo, movimento,
paróquia ou diocese; há quem prefira umas rezas de devoção do que dedicar tempo
a ler, meditar e tentar viver o que está na Sagrada Escritura…
5. Novas catacumbas. As igrejas esvaziam-se, os
grupos e movimentos envelhecem, as congregações religiosas fecham e vendem as
casas por falta de vocações, os seminários recebem o que chega porque o saldo é
baixo, as irmandades e confrarias estiolaram-se por falta de novos associados,
as autarquias abocanham as festas (religiosas e não só) por ausência de
cristãos desinstalados, órgãos de comunicação social entram em colapso pelo
desinteresse da maioria dos cristãos…muitas vezes ignorantes que se tornam
ignorados. Aí, nas catacumbas para onde nos querem enfiar, temos de acordar e
suplicar ao Espírito de Deus que venha renovar a face da terra – como
suplicamos nas orações do tempo de Pentecostes. Não podemos seguir uma
tendência de revivalismo – no meu tempo é que era, quando era mais novo – nem
tão pouco queremos retomar uma fase de inquisição, em busca de hereges ou de
culpados, de vítimas nem de réus…
6. Sugestões para um novo
espírito de Igreja Porque vivi, por graça especial de Deus, sobretudo nos tempos de jovem, de
formação no seminário e nos primeiros anos de vida de padre, momentos que me
fizeram crer que estávamos a viver um novo Pentecostes, ouso propor algumas
linhas de conduta…de forma despretensiosa e humilde:
– Igreja
de irmãos fiéis na fé, pela esperança para a caridade: de olhos novos;
– Igreja
serva, servidora, mas não servil: de joelhos só diante de Deus;
– Igreja
de rosto compassivo e presença misericordiosa para dentro e com os de fora: de
mãos abertas;
– Igreja
profética nas palavras, nos gestos e com sinais: de boca em louvor permanente;
– Igreja
que suja as mãos de trabalho, mas não de favores para com ninguém: de pés em
caminho.
Temos de
mudar de registo, cada por si e todos em conversão. Daqui a 50 anos ainda
haverá fé nesta terra?
António Sílvio Couto