Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 29 de julho de 2021

Somos 10.347.892 residentes

 


Os resultados provisórios dos ‘Censos 2021’ registam que residem em Portugal 10.347.892 pessoas.

Estes dados, divulgados por estes dias, são a recolha do décimo sexto recenseamento geral da população e do sexto recenseamento geral da habitação e que decorreu de 5 de abril a 31 de maio passados. 99,3% dos dados foram disponibilizados através de canais digitais…e não podemos esquecer que estávamos a viver um tempo de confinamento devido à pandemia em curso.  

 1. Se compararmos os dados agora obtidos com os do recenseamento de 2011 poderemos, desde já aferir, que houve um decréscimo de 214.286 pessoas… coisa que nos coloca ao nível de 2001 – éramos 10.356.117 pessoas – e a descida só foi tão acentuada entre 1960 e 1970… com os fenómenos da emigração e da guerra colonial.

 2. Por comparação entre homens e mulheres há, segundo estes censos, 4.917.794 homens (48%) e 5.430.098 mulheres (52%). Nos últimos dez anos, dos 308 municípios, 257 registaram decréscimo da população e apenas 51 registaram aumento populacional. Cerca de metade da população concentra-se em trinta e um municípios, na sua maioria localizados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.  

 3. Fixemos a nossa atenção nos municípios (nove) da área da Diocese de Setúbal, que correspondem aos concelhos enquadrados entre os rios Tejo e Sado. Apresentamos de forma gradativa – do menos para o mais populoso – e recortando as variações nestes últimos dez anos:

Alcochete – 19.148 residentes, com mais 1.579 do que em 2011;

Sesimbra – 52.465, com mais 2.965;

Montijo – 55.732, com mais 4.510;

Moita – 66.326, com mais 297;

Palmela – 68.879, com mais 6.048;

Barreiro – 78.362, com menos 402;

Setúbal – 123.648, com mais 2.499;

Seixal – 166.693, com mais 8.424;

Almada – 177.400, com mais 3.370.

No total a diocese de Setúbal tem residentes cerca de 820 mil pessoas, numa área de 1.500 kms2. Quase todos os concelhos (vigararias) cresceram, à exceção do Barreiro que decresceu, associando-se ao concelho de Moita, que quase estagnou. Com efeito, esta vigararia do Barreiro-Moita é a que menos residentes apresenta em aumento, no seu conjunto…  

 4. Estes dados devem fazer-nos refletir sem agravos nem acusações, pois, antes de tudo, precisamos de intentar o diagnóstico para encontrarmos a solução. Com quase um português em dez a residir neste espaço de entre Tejo-e-Sado talvez seja de questionar quem aqui vive, por que razão escolheu aqui residir e até quais são as expetativas, dado que quase trinta mil pessoas também tal fizeram… De povo de imigrantes, agora vemos crescer uma nova onda de pessoas que chega atraída já não pelas fábricas da zona/cintura industrial, mas por algo que se torna essencial descobrir, atender e responder. Ficaram aquém-Tejo, mas nem sempre são equiparados com os da outra margem. Os fervores revolucionários foram enfraquecendo e os lutadores falecendo, mas a busca por uma vida melhorada continua.  

 5. Há uma identidade a fazer, sendo cada um como é, assumindo-se e desenhando um futuro com significado, onde cada qual seja intérprete da sua história, sem medo do passado e tão pouco em negligência sobre o presente. Homens e mulheres deste tempo temos de questionar a nossa conduta à luz da mensagem do Evangelho, por forma a fazermos de cada oportunidade um espaço de graça e uma capacidade de tornar este mundo mais fraterno e mais humano por que mais cristão.


António Sílvio Couto

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Sem honra de ser compatriota…

 


Herói ou bandido? Eis o dilema para ‘definir’ o defunto ‘otelo saraiva de carvalho’ (osc).

Desde já fique claro: recuso-me a escrever tal nome sem letras que não sejam minúsculas, retribuindo deste modo o desapreço que ele manifestou por tantos dos seus compatriotas, numa maré onde corremos o risco de deixarmos de ser quem somos e de não podermos continuar a ser os portugueses que sempre quisemos ser: com fé, com Deus e com Pátria.

 1. Herói engordado pelo regime? O militar em apreço (osc), agora desaparecido, fez-se na educação como militar, desde os vinte anos, percorrendo as várias etapas mesmo nas comissões ao ultramar em guerra de libertação…redundando naquilo a que apelidaram ‘movimentos dos capitães’, ele, que desde 1973, já era major… O regime fez dele um arauto de mudança ou um ariete contra o sistema político vigente? Para alguns (mais exagerados) não passará de um mero artesão da política do lacrau…à portuguesa!  

 2. Estratega subtil ou manipulador? Idolatrado como o estratega da revolução de 74, osc não passa de um executor da mutação aveludada num regime podre de ideias e incapaz de perceber que lhe cozinhavam atrás da orelha a convulsão importada de outras latitudes mais coletivistas.

 3. Político ingénuo ou sem jeito? Parecendo impreparado para ter poder – mais habituado a ter subalternos – foi cometendo erros de análise e de condução nos anos subsequentes à revolução: inchado de adulação fez do processo revolucionário um curso com percalços em vários pontos do país, denotando uma macrocefalia da capital sobre o resto do país e de uma visão totalitária colhida em visitas de mau aconselhamento. São dessa época insinuações contra os opositores desejando reduzi-los ao confinamento ao ‘campo pequeno’, numa alusão ao extermínio de quem se lhe pudesse opor….Numa autoanálise posterior considerou-se um tanto ingénuo… e, nós, vemo-lo como alienado pelo poder…sem autoridade.

 4. Revolucionário ao retardador? Com a reposição nos carris dos ideais de ’25 A’, no 25 de novembro de 1975, esfumou-se o poderio de osc. Os eflúvios cubanos-soviéticos ainda emergiram na sua candidatura presidencial – a primeira (1976) com quase oitocentos mil votos e segunda (1980) com pouco mais de oitenta mil votos – recolhendo-se ao reduto de luta popular, à semelhança de outros exemplos latino-americanos…

5. Cúmplice ou falsário? Após a derrota estrondosa de 1980, osc como que se refugiou ou foi conotado com outros processos de má memória coletiva: as ‘fp-25 abril’. Estas fizeram entre 1980 e 1987, dezassete vítimas em atentados… Comparativamente com outras ‘forças revolucionárias de extrema-esquerda’ do resto da Europa – brigadas vermelhas ou Baader-meninhof – deu-se algo de muito grave no nosso país… Desta vez não ficamos fora do contexto europeu, como noutros setores.

 6. Declínio sem glória? Decorridos estes anos, osc saiu de cena para aparecer, na hora da morte, por entre laivos de esquecimento, de aborrecimento e, sobretudo, de aprendizagem para com quem pode ser autor de façanhas, mas construtor de patranhas; mentor de ideais, mas desilusão de ideias; fabricador de bons propósitos, mas destruidor de melhores empreendimentos (mesmo económicos); inventor de perseguições, mas vítima dos seus projetos…

A História o há de julgar: ele será um título ou uma nota de rodapé?

Por mim que vive, mesmo que à distância alguns dos momentos desta figura entre 1974 e 1984, não me merece grande consideração… Ou será isto delito de opinião por discordarmos de quem nos quis fazer mal e talvez já tenha recebido a sua paga? Agora que se fechou o ciclo da sua existência poderemos compreender mais atentamente o seu significado?


António Sílvio Couto

Mentiras do polígrafo

 


Alguns canais televisivos introduziram na sua programação subtemas de pretensa averiguação da autenticidade de certas notícias. Este processo envolve a participação de outros intervenientes, numa espécie de análise do que há de sério, mesmo que possa ser visto a brincar.

O esquema parece assaz simplório: escolhe-se um assunto (facto, pessoa ou situação), tenta-se ver os diversos ângulos (numa espécie de contraditório), introduz-se uma razoável dose de bom senso (despe-se a roupagem do sensacional) e aparecem os resultados…desejados, corretos ou normais.

Mais do que de má-informação, por parte destes programas, é a capciosa intenção de recorrerem a isso que apelidam de ‘redes sociais’, servindo-se delas como meio de informação, tanto mais que a maior parte das pistas não parecem passar de pundonores agravados ou ainda de ressabiamentos mais digeridos. Por aqui se pode ajuizar da qualidade populista – tentativa de usar o ‘povo’ para de seguida se voltar contra ele – de tais programas suspeitos…

 1. Num dos canais aparece a designação de ‘poligrafo’, lembrando esse artefacto almejado para a descoberta da verdade, ao lhe ser submetido algum réu. Embora não apareça o dito instrumento de aferição à possível verdade, pelo ‘programa’ – mais parece de entretenimento do que de informação – passa o julgamento de culpado ou de inocente, mesmo que não haja acusador nem vítima…

 2. O título do outro programa acha-se mais audacioso ao proclamar-se: ‘hora da verdade’. A parceria com uma publicação ‘on-line’ como que lhe poderia conferir outro estatuto, mas também aqui as escolhas para análise estão algo enviesadas, surgindo mais como ideológicas do que como oportunidades de esclarecimento dos conteúdos, por vezes, manipulados. Mais uma vez organiza-se o ‘jogo’ para que dê o resultado que se pretende…

 3. A par destes intentos de ‘descoberta’ da verdade vemos que se está a recrudescer uma tentativa de colocar – sob a alçada do governo – a classificação da autenticidade das notícias. Os tiques de ‘lápis-azul’ da censura de antanho voltam a atacar. Quem foi que investiu democraticamente o governo para ele ser o aferidor das ‘falas noticias’, se ele mesmo é o criador, o difusor e quem mais recolhe o resultado dessas mesmas notícias falsas’? Não andará o caçador a fazer-se fiscal das suas malfeitorias, arvorando-se em juiz em causa própria?

 4. Atendamos por instantes sobre esse fenómeno atroz de colocar como ‘fonte de informação’ a bisbilhotice mais ou menos difundida através do facebook ou de outros artefactos tolerados como meio de fazer correr quem tem a tarefa de informar. Aquilo que, noutras épocas, não passaria de um boato ou de uma suposição a confirmar como que assume o estatuto de notícia ou vai obrigar a desmentir sem nada ter acontecido, somente uma visão faciosa e talvez mal-intencionada. As fontes não estarão inquinadas, mas assumem a condição de ‘verdadeiras’? Não se estará a favorecer mais o escândalo do que a notícia? Não andaremos a reboque do que se quer ver e/ou ouvir e menos do que acontece, de verdade?

 5. O pior dos cenários em curso é a falcatrua bem orquestrada com que se tenta impingir alguma ideia ou combater algum projeto, se estiverem, à partida, fora do quadro ideológico de quem faz a comunicação social. Lóbis subtis ou mais ostensivos emergem para que possam reinar durante uns tempos e com facilidade serem promovidos para que não se repare nos problemas reais das pessoas, dos grupos e mesmo do país. A tendência de espremer o limão de um facto – mais do âmbito de um certo particular – condiciona que se veja outros problemas mais graves. Ora o atual governo é disso um dos habilidosos dos tempos mais recentes da nossa história coletiva. Com que intencionalidade e destreza se fornecem elementos sobre ‘casinhos’ pequenos para distrair do que realmente está a acontecer. O lançar para a ribalta de ‘questões fraturantes’ faz com que se não veja o que estão a cozinhar nas costas do povo… hoje como ontem!

Será que a maioria da comunicação social em curso fosse ao polígrafo sairia sem ser chamuscada na mentira?

 António Sílvio Couto

terça-feira, 20 de julho de 2021

A doença abre a Deus e/ou revela a pessoa humana?

 


De longa data se questiona: há doenças ou antes pessoas que estão doentes? Ao falarmos de alguma doença não temos, antes de tudo, de atender a quem está a sofrer essa/s doença/s? Num tempo que mais parece abjurar as situações de doença como nefastas e complicadas, não deveremos saber distinguir – pesando todas as questões envolvidas – a pessoa do doente mais do que tentar debelar a doença de forma abstrata e talvez pouco consequente?

Numa visão cristã podemos colocar em Jesus toda a nossa capacidade de compreensão sobre o sofrimento, de tantas e tão variadas formas manifestado nas doenças das pessoas, sejam crentes ou não. Com efeito, «comovido por tanto sofrimento, Cristo não só Se deixa tocar pelos doentes, como também faz suas as misérias deles: «Tomou sobre Si as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças» (Mt 8, 17). Ele não curou todos os doentes. As curas que fazia eram sinais da vinda do Reino de Deus. Anunciavam uma cura mais radical: a vitória sobre o pecado e sobre a morte, mediante a sua Páscoa. Na cruz, Cristo tomou sobre Si todo o peso do mal e tirou «o pecado do mundo» (Jo 1, 29), do qual a doença não é mais que uma consequência. Pela sua paixão e morte na cruz. Cristo deu novo sentido ao sofrimento: desde então este pode configurar-nos com Ele e unir-nos à sua paixão redentora» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 1505).

Desde os primórdios da reflexão cristã que a figura do ‘servo de Javé’ – Is 42, 1-9; 49,1-6; 50, 4-9; 52,13-53, 12 – se tornou um protótipo da assunção de Jesus de todo o sofrimento humano, Ele que não tinha doenças, configurou em si a humanidade doente e cada pessoa humana nas suas circunstâncias mais marcadas pela doença.

Embora seja uma clara manifestação da contingência da nossa vida terrena, a doença pode tornar-se como que um dos melhores diagnósticos à nossa fé, bem como uma das formas mais subtis de acrisolar a nossa esperança, se bem que possa ainda servir-nos para testar a condição mínima da possível (ou real) caridade.

Se a doença pode ter causas muito diversificadas – mais ou menos aceitáveis, mais ou menos inesperadas, mais ou menos prolongadas –, basicamente poderá ter, numa visão teísta da existência humana, duas consequências: ou nos revolta e questiona quando a Deus ou nos proporciona uma nova abertura ao divino… Quantas pessoas refundaram a sua vida a partir de uma experiência de doença! Quantas pessoas reaprenderam a ver a sua vida e a dos outros com olhos diferentes, após uma vivência de doença, direta ou indireta! Quantas conversões de vida se aferiram mais a Deus, por ocasião de algum estado de doença pessoal, familiar ou de outras pessoas!

 = O que a Bíblia nos diz sobre a doença?

A Bíblia diz que a doença é um dos resultados do pecado no mundo. Assim como todos vamos morrer, todos corremos o risco de ficar doentes. Mas Deus não nos abandona na doença. Em Jesus temos uma grande esperança: na vida eterna não haverá mais doença.

Uma das consequências do pecado é a morte (Rm 6, 23). O corpo degrada-se gradualmente, até cessar a vida. A maldição que caiu sobre o mundo, por causa do pecado, significa que nessa vida enfrentamos dor e sofrimento. A doença é, por isso, parte da vida.

Mas isso não significa que toda doença é castigo por algum pecado, ou sinal de falta de fé. Uma doença pode ter várias origens:

- Física – a degradação do corpo ou o contato com algo nocivo para a saúde,

- Mental – os nossos pensamentos podem afetar o funcionamento de nosso cérebro,

- Espiritual – pecados ou ataques do demónio.

Nalguns casos, uma doença pode ser o resultado de vários fatores. Por exemplo, uma pessoa acamada com uma doença crónica pode ficar com depressão, se perder a esperança de melhorar. Essa pessoa vai precisar de ajuda psicológica, para tratar a depressão e encontrar esperança, mas também de ajuda médica para melhorar a sua condição física.

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Da ‘Igreja em catacumbas’ às catacumbas na Igreja


 Estes tempos de pandemia vieram revelar algo de muito complexo sobre a Igreja – dizemo-lo da sua expressão ‘católica’ sem esquecer outras denominações – na vivência comunitária ou em condições de maior constrangimento, nas coisas de âmbito social ou nas referências à família, na sua verificação diocesana ou paroquial, mas também nos grupos de compromisso em apostolado organizado.

Estamos a viver um tempo idêntico ao das igrejas em condição de catacumba, isto é, de perseguição ou de resistência, de minoria e não mais de cristandade, de procura na reinvenção de sabermos estar, depois de tantos que já por cá estiveram, de saber anunciar Jesus sem pressupor que já O conhecem…

 1. Igreja em catacumbas. Quando se fala na história da Igreja do tempo das catacumbas (até ao século V) precisamos de localizar-nos numa época de expansão do cristianismo sujeito a perseguições, em confronto com o paganismo romano maioritário, refugiando-se os cristãos nos espaços subterrâneos onde estavam sepultados os restos mortais dos ‘seus’ mártires e de quantos pagaram com a vida o seguimento de Jesus. Recorde-se que a imagem-simbólica deste tempo intenso e duro é a figura de ‘Cristo-bom pastor’ carregando aos ombros uma ovelha, como discípulo querido e amado.

 2. Perseguição ou resistência? Os cristãos com tantos dos seus pastores estavam inflamados da força do Espírito Santo e preferiam, à semelhança de São Ireneu, morrem trucidados pelos dentes das feras do que abjurarem da sua fé. Não há nada de romântico nesta fase do ser cristão, mas uma força capaz de viverem a perseguição, tal a dinâmica espiritual bebida nos evangelhos e nos escritos dos padres apostólicos. Com a pandemia não vimos tantos a acobardarem-se e a quedarem-se diante da televisão do que, com rigor e confiança, estarem com os seus? O zoom resolveu, mas não solucionou a acomodação!

 3. Minoria, já não cristandade. Designada, em meados do século vinte, como ‘cristandade profana’, continuamos a recorrer aos rituais religiosos-sacramentais como alheamento das condições em Igreja. Já não há mais coincidência entre sociedade e Igreja (cristianismo/catolicismo) nem os que professam a fé em Cristo têm superioridade aos outros cidadãos. Por vezes acontece precisamente o contrário: ser cristão, afirmá-lo e mostrá-lo, com sinais mesmo exteriores, torna-se complicado senão mesmo perigoso. Da limpeza dos crucifixos nos espaços públicos, exigida pelo laicismo exacerbado de muitos mentores políticos, fomos passando à exclusão ostensiva e provocatória de tudo quanto cheire a sinal de fé cristã. Questiono porque continuam a respeitar o ritmo social de certas festas – natal, páscoa, feriados religiosos – com base em preconceitos e/ou tiques de ignorância…Quando acordaremos para sabermos ser e estar como minoria num mundo paganizado, ateu e amoral?

 4. Procura: refontalização na renovação. Decorridos mais de cinquenta anos do tempo do Concílio Vaticano II ainda não aprendemos a cultivar uma forma de ser Igreja que não reproduza rituais vazios, não promova festas à custa dos santos, não faça da religião um ato social de descrentes.

O problema está aí: para uns tantos parece preferível recorrer à missa em latim como subterfúgio para a escuta da Palavra que converta; outros entretêm-se no croché de língua a discutir quem será mais importante…no seu grupo, movimento, paróquia ou diocese; há quem prefira umas rezas de devoção do que dedicar tempo a ler, meditar e tentar viver o que está na Sagrada Escritura…

 5. Novas catacumbas. As igrejas esvaziam-se, os grupos e movimentos envelhecem, as congregações religiosas fecham e vendem as casas por falta de vocações, os seminários recebem o que chega porque o saldo é baixo, as irmandades e confrarias estiolaram-se por falta de novos associados, as autarquias abocanham as festas (religiosas e não só) por ausência de cristãos desinstalados, órgãos de comunicação social entram em colapso pelo desinteresse da maioria dos cristãos…muitas vezes ignorantes que se tornam ignorados. Aí, nas catacumbas para onde nos querem enfiar, temos de acordar e suplicar ao Espírito de Deus que venha renovar a face da terra – como suplicamos nas orações do tempo de Pentecostes. Não podemos seguir uma tendência de revivalismo – no meu tempo é que era, quando era mais novo – nem tão pouco queremos retomar uma fase de inquisição, em busca de hereges ou de culpados, de vítimas nem de réus…

6. Sugestões para um novo espírito de Igreja Porque vivi, por graça especial de Deus, sobretudo nos tempos de jovem, de formação no seminário e nos primeiros anos de vida de padre, momentos que me fizeram crer que estávamos a viver um novo Pentecostes, ouso propor algumas linhas de conduta…de forma despretensiosa e humilde:

– Igreja de irmãos fiéis na fé, pela esperança para a caridade: de olhos novos; 

– Igreja serva, servidora, mas não servil: de joelhos só diante de Deus;

– Igreja de rosto compassivo e presença misericordiosa para dentro e com os de fora: de mãos abertas;

– Igreja profética nas palavras, nos gestos e com sinais: de boca em louvor permanente;

– Igreja que suja as mãos de trabalho, mas não de favores para com ninguém: de pés em caminho.

Temos de mudar de registo, cada por si e todos em conversão. Daqui a 50 anos ainda haverá fé nesta terra?      

 

António Sílvio Couto

domingo, 18 de julho de 2021

Num sistema (cultural) oscilo-batente


Comecemos pela definição-descrição do termo: ‘oscilo-batente’.

Refere-se a uma técnica, relativamente recente, de fabricação e de colocação de janelas. O mecanismo das janelas basculantes consiste num tipo de abertura eficaz para ventilar e renovar o ar nas salas, devido à sua abertura horizontal de 180.º e abertura vertical de aproximadamente 45.º. Num primeiro momento a janela pode ser aberta, como uma janela dobrável convencional, rodando o puxador e abrindo uma das faixas de forma semelhante à abertura de uma porta, graças às dobradiças na moldura. No entanto, ao contrário das janelas mais habituais, o mecanismo das janelas oscilo-batentes incorpora uma mecânica no seu interior que, facilita que, com apenas virar a manivela para cima, nos permitirá abrir a janela como se esta fosse oscilante, ou seja, com a folha inclinada cerca de 20 graus para o interior.

Feita a descrição vamos tentar encontrar ‘sinais’ dessa cultura oscilo-batente com que nos tentam ‘educar’, isto é, conduzir, influenciar ou mesmo manipular.

 

1. Um concurso do governo apurou, em abril passado, cerca de meia centena de técnicos qualificados – juristas, economistas, gestores, matemáticos, engenheiros, sociólogos e outros especialistas – para um tal serviço designado de ‘centro de competências de planeamento, de políticas e de prospetiva da administração pública’…mas este continua inativo e os selecionados não têm contrato de trabalho, correndo o risco de perderem o lugar conquistado. Para que lado abriu a janela? Não andará alguém a querer mostrar serviço sem arejar a sala do bafio da incompetência? Bastaria um pouco de bom senso – o serviço está na dependência direta do gabinete do chefe do governo – e não andaríamos a enganar-nos de forma tão cúmplice e desconexa… e às escondidas.

 

2. Pequenas-grandes notas fazem brechas no sistema ‘oscilo-batente’ na componente mais social: uma atriz, com quarenta e cinco anos de profissão, diz que só aufere 530 € de reforma. Terá feito os descontos todos, corretos e na hora própria? Não terá acontecido algo idêntico ao de outros campos de atividade: na hora de descontar quiseram colher mais do que aquilo que receberiam na fase final?

 

3. Mais um carro de um membro do governo foi apanhado a circular na fasquia dos 200 kms/hora. Um anterior carro de outro setor semeou a morte, o novo quedou-se pelo registo, sem coimas nem castigo aos infratores. Neste caso a versão oscilo-batente não nos concede o benefício da dúvida para com quem será o culpado, pois pela brecha da notícia manteve-se mais o desagradável do que a atitude responsável de todos os cidadãos, seja qual for a função, condição social ou cor partidária…

 

4. O comandante da task-force para a vacinação anti-covid em curso aparece-nos como um militar trajado de camuflado de serviço, dando a entender que está em missão de combate a toda a hora. Num país onde se veem tantos/as em ‘missão de serviço’, mais simbolizando de conveniência, temos muito a aprender com quem deste modo se perfila numa guerra sem tréguas. Os resultados vão sendo satisfatórios, mas da janela de comando se poderá perceber melhor que esta batalha é de todos com civismo…

 

5. Na Europa notam-se várias tentativas de obrigar todos a gostar – ideológica e socialmente – do mesmo, nem que seja à força e sob pressão de grupos e de setores de lóbi transnacionais. Veja-se a imposição da matéria de homofilia com que temos sido matraqueados, desde a área do desporto até à legislação e à intoxicação na comunicação social. Quem não for adepto, defensor ou militante de tais teorias, logo é rotulado de homofóbico-racista-xenófobo… Repare-se que estes três epítetos surgem na conversa mais barata encadeados e como se fossem elos da mesma cadeia… Retomando a imagem da janela oscilo-batente, abra-se uma brecha, por mais simples que se imagine, e com facilidade veremos que quem discordar – tendo em conta os valores judaico-cristãos essenciais – corre o risco de ser considerado populista, esse no novo rótulo de certas forças neo-marxistas, mescladas de tendências ética amorais e com tradição persecutória…

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 13 de julho de 2021

Preço dos combustíveis – da vergonha ao silêncio

 


Nos tempos mais recentes o preço dos combustíveis disparou duma forma assustadora e quase vergonhosa, tendo, da parte dos consumidores, uma espécie de reação de silêncio cúmplice, amorfo e sem nexo.

Há casos em que um litro de gasóleo custa – no correspondente à moeda antiga – quase quatrocentos escudos, isto é, 1,8 euros. Se repararmos bem e de forma atenta, exigente e consequente pagar 1,6 euros por um litro de gasolina faz-nos recordar que isso seria de cerca trezentos escudos… sem apelo e muito agravo.

 1. A coberto da pandemia temos visto e assistido, duma forma quase anódina ao aumento de tropelias por parte de quem nos governa, recebendo da maioria da população um tratamento concordante com quase tudo, parecendo que desistiu de reclamar, de se manifestar pela discordância ou de tornar audível seja na posição que for. A governança narcotizou o povo e este, num seguidismo atroz, caminha para o matadouro do fim dos seus direitos mínimos…se assim continuarmos.  Breves e ténues arremedos contra os preços praticados para com os combustíveis como que destoam do conformismo geral e generalizado.

 2. Dá a impressão que o vírus atingiu a racionalidade da imensa maioria dos nossos concidadãos: pelas não-reações a tantas malfeitorias ou na concordância nas benesses encapotadas de quem ocupa o espaço executivo, poderemos considerar que vivemos numa paz, que, além de podre, é infetocontagiosa pela desistência. Onde param os contestatários de outras épocas? Fugiram cobardemente ou desistiram pela acomodação às regalias adquiridas? Envelheceram nas ideias ou venderam-se nas circunstâncias. As manifestações de rua hibernaram por conveniência ou desapareceram por insolvência? Tantos dos cartazes provocadores fazem já parte do espólio de sindicatos e afins?

3. Com tantos e tão graves sinais procedentes desta dita ‘sociedade covil’ torna-se difícil não perceber que as pessoas preferem salvar a pele – literalmente e de forma vacinada – a questionarem o caminho por onde vamos. A situação afigura-se-nos perigosa, pois o ‘pão e jogos’ de outras épocas já não entretém nem ilude a populaça, por agora mais reservada nas suas reivindicações, refugiada nas suas ocupações e mesmo entretida nas suas devoções…que não meramente as religiosas de antanho.  

 4. Vejamos, a título de exemplo os preços dos combustíveis, em 2016 (tempo de verão), na vigência deste governo da geringonça e hoje, ano e meio em tempo de pandemia: a ‘gasolina 95 aditivada’ custava – 1,3 euros, agora custa 1,7 euros… depois de ter percorrido tabelas mais baixas. O gasóleo normal custava – 1,1 euros naquela data e hoje tem o preço de 1,5 euros...

Há uma pergunta que quase todos fazemos: o preço do litro de combustível reflete o quê? Qual o valor real lançado e vilipendiado pelos impostos? Qual a panóplia de taxas e taxinhas que estão associadas ao custo do litro de combustível?

65,3% do preço do litro da gasolina 95 representam impostos e taxas. No gasóleo, o valor de impostos é de 59,1%;. O custo final do combustivel apreenta os seguintes impostos; Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono), a contribuição de serviço rodoviário (CSR).e ainda o montante de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)…numa palavra: mais de dois terços do valor pago pelo consumidor/contribuinte vão para impostos. É digno de registo: só os impostos sobre produtos petrolíferos (ISP) rendem aos cofres do Estado cerca de 3,5 mil milhões de euros…anuais!

 5. Vou discriminar uma fatura simplificada de 12.7.2021, às 16.01 horas, num posto de abastecimento da A1, na Mealhada:

Gasolina sem chumbo 95: 22,05 litros X 1,814 euros – 40 euros;

Numerário IVA 23%, 7,48 euros de 32,52 € líquido;

Taxa – ISP: 0,668/litro – 22,05 – 14,73 €.

Continuamos calados, deixando que nos explorem. Somos uns dos países mais caros da Europa. Até quando?

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de julho de 2021

O ‘mal’ de uns é o ‘bem’ de outros?


 Há dias tive uma conversa que me ajudou a elucidar esta possível contradição (ou não) – o mal de uns é o bem de outros.

O meu interlocutor, à minha pergunta como iam os trabalhos, ele ripostou: com tantas restrições às saídas noturnas, os jovens não saem, não bebem mais um copo e não têm acidentes, por isso, o nosso trabalho está a ficar escasso… Ouvi, registei e deduzi: como não há tantos acidentes – sobretudo com chapa-batida – também não há tanto trabalho como seria desejável e/ou necessário!

 1. Em vários campos de atividade podemos constatar esta suposição de que do mal que acontece aos outros, há quem colha frutos benéficos, mesmo que isso não precise de repercutir-se nas desgraças alheias. Veja-se o resultado final do campeonato europeu de futebol, acontecido no último mês: a equipa dos ‘três leões’ fez de outros tantos jogadores – todos da mesma tez, por sinal – os réus da derrota. Não houve incúria de quem os escolheu para marcarem os penalties ou foi uma mera revelação das suas más prestações? Mais um vez aquele nefasto ajoelhar antes do jogo serviu como sinal de manipulação e de indisfarçável negligência duma maioria amestrada por razões não-racionais… Não aprenderam as lições recentes?

 2. As horas gastas nas televisões em explorar os erros alheios tem sido, nas duas últimas semanas, a forma encontrada para esticar a intoxicação quanto às mazelas dos outros: um empresário sem limites de ambição e uma ambição articulada com trejeitos de empresário, foram dois dos modelos de sociedade que nos entretiveram ao nível noticioso. A ascensão dos dois protagonistas são resultado das pretensões politico-culturais que fizeram fama, sucesso e dinheiro nos últimos vinte anos da nossa vida pública.

Os que antes se ufanavam de serem fotografados ou exibidos com tais figuras, agora sentirão alguma dose de vergonha, pois podem ser equiparados às vítimas…A promoção de antanho dá a impressão que seria preferível não ter acontecido… Os registos sobre o que era considerado ‘bem’ funciona como exemplar de todo o ‘mal’?

 3. Com que petulância vemos exibirem-se mentores da ‘moralidade’ com laivos de ilegalidade: uns aparecem como hakers e piratas informáticos, outros surgem como mentores do ‘quanto pior melhor’, pois, isso poderá significar conquista de votos, quando deveria ser averiguado o passado criminoso, tanto da família, quanto dos valores – mesmo económicos – em que se alicerçam. Já deu para perceber que é da ruindade de alguns que se faz a programação política de outros quanto ao presente e para o futuro. Esses ‘moralistas’ conseguem lançar um razoável fumo de confusão, mesmo que tenham as mesmas vivências e usufruam das piores condutas…até que caia a máscara em que se movem e por onde se guiam na sombra…

 4. Estamos num tempo em que os interesses pessoais (egoístas, interesseiros e mesquinhos) fazem com que os direitos dos outros sejam ofuscados e passem para plano secundário. A temática do combate à pandemia – cuidados, condições e vacinação – veio revelar que uma boa parte dos cidadãos se está a borrifar par o cumprimento das regras, pensando mais em si do que nas implicações que o comportamento pessoal tem na vida dos demais. Quantas facilitações têm contribuído para o retrocesso dos dados finais nos últimos dois meses. Porque já conseguimos atingir resultados de boa conduta, pelo contributo de todos, agora, nos devemos interrogar sobre o incumprimento e os resultados tão dramáticos: o bem dos outros não justificaria maior luta contra o mal de todos e de cada um? Efetivamente, o mal dos outros nunca atingirá o melhor de lutarmos pelo bem de cada um…  

 5. Pela benevolência que todos nos merecem precisamos de os incluir não na maledicência, com que tantas vezes os brindamos, mas inseri-los na repercussão que sobre eles lançamos, pelo olhar compassivo, misericordioso e atento. Será com bondade simples, sincera e leal que construiremos um tempo e um espaço mais fraterno porque mais humano e cristão!         

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Quando emergem falcatruas…antigas

 


Como se fosse já o tempo das vindimas, eis que caem na trituradora da vida – da justiça, da comunicação social ou da opinião pública – casos de pessoas, aparentemente, impolutas, veneráveis, benfeitoras e dirigentes…

Uns tantos esfregam as mãos de contentamento – quais infantis em maré de vitória – sobre as situações em apreço, pois eram concorrentes em espaço e modelo de conduta…os ‘perseguidos’ como que simbolizariam ideias contrárias aos regozijantes… num indisfarçável conluio de interesses e/ou de simulações.

Outros sentem-se embasbacados pelos que foram trazidos à barra do questionamento, pois até eram suporte de propaganda em maré de eleições…o vermelho, virou encarnado, simulando um e outro quem ajuda quem, quando, onde ou como…agora como no passado. O flamejar do estandarte revela poucas vitórias!

1. Com breves dias de diferença vimos figuras recentemente alçadas na vida pública – social, política, desportiva, cultural – a caírem com estrondo e aparato, desde logo não escapando ao juízo da populaça e com os inexplicáveis sabichões na comunicação social a atiçarem os problemas. Gente que fez o regime há poucos anos, está estatelada, censurada e, nalguns casos, coartada na liberdade…Quais mitos nas suas áreas de intervenção tornaram-se lazarentos de quem se foge por medo de contágio. 

 2. É quase medonho e diabólico o afã com que as pessoas são esquartejadas na sua personalidade, quando caem em desgraça: os que antes pareciam amigos, agora escafedem-se de mansinho e como ratos em maré de tempestade fogem dos infetados; os que os tinham por adversários saltam como inimigos sem dó nem piedade; os que nada têm a ver com o assunto, julgam-se capazes de emitir opinião e de apedrejarem quem antes quase-adulavam…dado o posto em que se exibiam.

 3. Diante destes episódios mais recentes surgem-me algumas perguntas nem sempre fáceis e tão pouco abonatórias: a maldade das pessoas emerge quando os outros são pisados e ofendidos? Não haverá pitada de compaixão para com quem é exposto na hora da desgraça? Serão estes indícios da classificação tão atroz de que ‘o homem é lobo do homem’? Não andaremos enganados e a enganarmo-nos, quando difundimos mais o mal dos outros e não tanto as suas qualidades? Porque se regozijam certas forças com as debilidades alheias, será vingança ou mesquinhez de mal resolvidos, invejosos e traumatizados? Esta onda negativista, que esta a percorrer o nosso país, não nos irá custar caro psicológica e culturalmente?

4. Como povo propenso para um certo fatalismo e dramaticidade estaremos a cavar a sepultura coletiva na proporção em que nos afundamos sem nexo nem pejo. Nota-se uma recorrência em vermos explorados casos de figuras ligadas ao mundo do futebol. Jogo de muitas paixões continua o setor do futebol a ser propício para jogadas nem sempre claras ou às claras. A mistura de interesses – autárquicos, políticos, religiosos, regionais ou de incidência mais nacional – tornou-se explosiva para quantos nele se metem, por vezes com outros intuitos que não os do desporto. Atendendo aos milhões de euros envolvidos – à vista de todos ou sob a mesa e/ou à socapa – os relacionamentos no futebol merecem ser colocados de atalaia, tanto mais que os casos conhecidos serão como que a ponta ínfima do icebergue…

 5. Urge, por isso, saber a verdade. Esta deverá sempre ser a melhor causa de quem está na vida pública, na medida em que a exercita na componente privada. Sem pretendermos defender ou acusar seja quem for, será necessário tratar todos os dirigentes e não só os da nossa não-simpatia com a mesma bitola de justiça, pois soaria a populismo esconso querer rotular uns como menos sérios e outros – só porque ainda não foi descoberto ou trazido à luz da informação – passarem pelo pingos da denúncia sem terem de pagar, se for o caso, as suas responsabilidades.

Há tanta gente com poder, mas sem autoridade e há quem exerça a autoridade no nível mínimo de poder.          

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Quem (ou por quem) combatemos: ricos ou pobres?

 


Conta-se, numa espécie de anedótico, que um alto dirigente lusitano, em visita à Suécia, por ocasião dos eflúvios revolucionários de abril de 1974, terá deixado escapar: lá, em baixo, estamos a tentar acabar com todos os ricos; ao que o interlocutor respondeu: nós, aqui, queremos é acabar com os pobres…

Pelo que temos visto, ouvido e constatado a doença continua a proliferar em certos setores político-ideológicos, económico-financeiros e, sobretudo, culturais…deste país que tem sobrevivido de mão estendida para com a Europa, reclamando direitos, sobrepondo-os aos deveres de construção de um continente onde o trabalho esteja antes de sucesso ou de regalias. O sarcasmo estampado no rosto de certos/as deputados/as denúncia que parece estarmos mais há cerca de cinquenta anos atrás do que numa Europa dos direitos humanos mais básicos…até prova em contrário!

 1. Depois das tranches de fundos europeus dos diversos quadros comunitários de apoio, desde a adesão à CEE/UE, em 1986, eis que se avizinha uma catadupa de dinheiro – de 2021 a 2030 – para tentar suster o descalabro provocado pela pandemia e, de algum modo, como um balão de suporte para quem governa, pois poderá continuar a manter os seus à tona da água, dado o afundamento eminente… de tudo e de todos.

Eis alguns dados a reter: 12,9 mil milhões de euros a fundo perdido; 12,8 mil milhões ainda do quadro ’20-20’, que se estende até 2023; 29,8 mil milhões do ‘quadro financeiro plurianual’ 2021-2027; 1,8 mil milhões como reforço do fundo de coesão; 15, 7 mil milhões em valor de empréstimo a que se pode recorrer… perfazendo tudo: 73 mil milhões de euros… até ao final desta década o montante global com que a Europa vai contemplar Portugal.

 2. Com tanto dinheiro a entrar no nosso país devemos perguntar: onde se vai investir? A quem contemplar? Como distribuir e com que critérios? As áreas a contemplar serão as mais prioritárias no presente e para o futuro? A gestão de tanto dinheiro estará defendida de erros do passado recente? As entidades fiscalizadoras – tribunal de contas e outras a criar – terão capacidade de decidir no tempo correto e segundo objetivos mais amplos do que o ‘terreiro do paço’ lisboeta? A máquina rançosa da ‘administração pública’ terá velocidade e destreza para gerir todos os interesses sem favorecer alguns, desde já, interessados? O glutão ‘estado’ não será, mais uma vez, o favorecido, o beneficiado e o beneficiador?

 3. Fixemo-nos, então, naquilo que motiva esta reflexão: o alvo final de tanto dinheiro serão os ricos ou os pobres? Uns ou outros podem ser o sujeito do investimento de tantos milhões! Será, no entanto, perante aquilo que quisermos fazer a intenção, o desejo ou a motivação que tudo se explicará. Se forem os ricos o sujeito prioritário daquele investimento continuaremos a fazê-los ainda mais ricos, desnivelando as condições humanas, sociais, económicas e culturais para com os mais pobres, que, por seu turno, se tornarão ainda mais pobres. Se, por outro lado, forem os pobres o alvo de opção para aqueles milhões provenientes da UE, então poderão ser criadas condições, medidas e políticas, de favorecimento contra os pobres, não pelo recurso a subsídios – como tantas vezes tem sido feito e usado – mas pela valorização cultural (educativa e profissional) dos intervenientes ativos e não passivos sem critérios e valores. Com efeito, a tática recorrente de lançar dinheiro sobre os problemas dos pobres antes de os resolver mais os tem agravado, pois é preciso ensinar a lidar com as questões, usando os meios económicos como ajuda e não como mera solução.

 4. Muitas das forças políticas, sociais e até religiosas precisam dos pobres para sobreviverem nas suas tarefas em favor deles. Os ‘pobres’ dão de comer e promoção a muita gente. Por isso, há que tê-los presos pela boca – baixos salários, devedores de benesses, empregados baratos – e criando-lhes apetência por regalias que nunca terão, pois se as atingissem sairiam do role dos pobres e não dariam votos e devotos aos promotores. Por outro lado, se os ‘ricos’ forem mais humanizados – em linguagem cristã, evangelizados – poderão colocar os seus bens, dinheiro e capacidades múltiplas em fazerem diminuir os pobres…atuais e futuros. O problema é estar com eles sem se deixar aburguesar ou sem perder os critérios em favor dos outros.

Efetivamente combateremos pelos pobres, para os fazermos sair da pobreza, se os valorizarmos e combateremos pelos ricos, se os convencermos da sua utilidade em favor dos mais precisados, os outros.        

   António Sílvio Couto

terça-feira, 6 de julho de 2021

‘Sinais e imagens no evangelho de São João’


 No próximo dia 17 de julho vai ser apresentado e lançado, em Forjães (Esposende), o livro ‘Sinais e imagens no evangelho de São João’ de António Sílvio Couto, numa edição mais uma vez da Paulinas Editora. Participam nesta iniciativa D. Gilberto Canavarro dos Reis, bispo emérito de Setúbal e José Carlos Carvalho, professor na UCP-Porto.

A publicação deste livro – ‘Sinais e imagens no evangelho de São João’ – pretende assinalar o 38.º aniversário da ordenação de padre do autor, que ocorre no dia 17 de julho.

Na contracapa deste texto, extraído do prefácio, escreve o Padre Doutor João Lourenço, professor de Sagrada Escritura na UCP-Lisboa:

«O texto que o P. Sílvio Couto aqui nos oferece, partindo da sua experiência e sensibilidade de Pastor, destaca de forma maravilhosa as dimensões do texto joanino, focando a sua aplicabilidade nas mais diversas áreas e temáticas pastorais.

Para documentar este contributo do IV Evangelho, o P. Sílvio faz uma análise dos sinais e das imagens do texto, focando essencialmente a riqueza que estes elementos (sinais e imagens) carregam em si, destacando, em simultâneo, os documentos e a forma como o magistério eclesial os propõe para fundamentar as dimensões humanas e espirituais que a pastoral da Igreja deve valorizar nos tempos atuais: criar comunidades de proximidade que tenham no Cristo ressuscitado a sua centralidade.

O modo como o autor combina e entrelaça as releituras entre 'sinais', 'imagens' e 'documentos’ de caráter pastoral (eclesiais) parece-me muito adequada, bem conseguida e uma boa oportunidade para fazer essa correlação que nem sempre é feita e muitas vezes não é conseguida. O facto deste trabalho ter na sua base uma boa prática pastoral ajuda a aprofundar as releituras feitas e a tornar viva e dinâmica a reflexão que o autor empresta à sua obra».

No texto, com cerca de 240 páginas, são analisados os sinais e as imagens com que o evangelista São João nos explica e apresenta Jesus.

O elenco dos sete ‘sinais’: as bodas de Caná, cura do filho de um funcionário real, cura do paralítico, multiplicação dos pães, caminhar sobre as águas, cura do cego de nascença e ressurreição de Lázaro.

A lista das sete ‘imagens’: Eu sou o ‘pão da vida’, Eu sou a ‘luz do mundo’, Eu sou a ‘porta das ovelhas’, Eu sou o ‘bom pastor’, Eu sou a ‘ressurreição e a vida’, Eu sou ‘o caminho, a verdade e a vida’, Eu sou ‘o caminho, a verdade e a vida’ e Eu sou a ‘videira verdadeira’.

A apresentação deste livro ocorrerá ainda no dia 31 de julho, na Paróquia da Moita.

 

ASC

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Adormecer a ver futebol

 


Se alguém dissesse ou ouvisse dizer esta frase: ‘adormeci a ver o jogo’… como que chegaria à conclusão ou estaria a afirmar que o que foi visto (ou não) era de tão má qualidade que o recurso levou ao sono…

Poderá, no entanto, ser feita outra leitura: o telespetador ingeriu algo que o levou ao estado de sonolência e/ou de abstração… Poder-se-á ainda acrescentar a possibilidade de ter bebido para celebrar ou, por contraste, para esquecer o desempenho dos seus apoiados.

Agora que o campeonato da Europa 2020 caminha para o seu termo, será útil tentar descortinar coisas que só o futebol tem, desde os meandros mais recônditos até às possibilidades suficientemente recomendáveis.

Vamos seguir uma espécie de acróstico com a palavra ‘futebol’, que desenvolveremos nos sete itens que a compõem: fomentar unidade e tolerância, envolvendo beleza, organização e lealdade:

 * Fomentar – algo que deve ser próprio do desporto é a capacidade de fomentar o entendimento entre os povos, as nações e as culturas, mas, ao vermos certos aproveitamentos ideológicos e de temáticas de rutura, poderemos considerar tais atitudes como capacitantes da boa vontade entre todos? A quem interessa trazer para a liça pública sinais e simbólicas de fações? Seria bem escusado…

 * Unidade é muito mais do que uniformidade, pois o futebol tem competição, logo adversários em campos distintos, mas não inimigos; concorrentes, mas não forças em batalha, mesmo que entre países beligerantes; ganhadores ou perdedores, mas só no final dos jogos, nunca por antecipação nem por manipulação sub-reptícia. Com efeito, as armas do campo da bola devem ser redondas e nunca afuniladas por influências não-legítimas. 

 * Tolerância não se confunde nem se obstaculiza com competição, concorrência e competência. De facto, estas podem (e devem) ser itens do jogo antes, durante depois de ele acontecer. Isso a que quiseram apelidar de ‘respeito’ não pode ser um slogan nem tão pouco uma faixa decorativa nos equipamentos dos jogadores.

 * Envolvendo fatores e fautores o mais diversificados possíveis, na medida em que o jogo de futebol pode (ou deve) envolver todas as circunstâncias reveladoras das condições humanas, pois uma bola pode quebrar barreiras, atenuar diferenças ou mesmo ultrapassar preconceitos. Bastará ver as crianças a jogarem, até com desconhecidos: algo une e espoleta sentimentos, que de outra forma seriam inultrapassáveis no modo racional…Certos conflitos desportivos revelam à saciedade a irracionalidade dos intervenientes…clubísticos.

 * Beleza – essa faculdade de um bom jogo, sem truques nem tricas, sem ‘artistas’ nem artimanhas, sem óculos embaciados pela raiva anti-ninguém… Quem não se extasia ao ver a troca de bola, as jogadas bem executadas, os passes bem medidos e os golos de belo efeito? Esta vertente do espetáculo não se coaduna com os fervores faciosos de cor, mas alegra-se com os resultados no entretenimento. Esta faceta do futebol exige desprendimento e elevação de ideais nem fáceis de ver e, sobretudo, de viver…   

 * Organização – nada se faz sem o mínimo de articulação entre todos os participantes – atletas/jogadores, dirigentes/agremiação, adeptos/apoiantes. O problema será quando alguns dos pratos da balança pretendem prescindir dos outros…correndo o risco do ridículo e de fazerem figura triste porque vencidos ainda antes de competirem…

 * Lealdade – torna-se imprescindível que esta qualidade faça parte do jogo, mesmo que possa estar escondida, não deve ser descartada. Ser leal é algo que mexe com a boa relação das pessoas umas com as outras porque são verdadeiras, sinceras e honestas consigo mesmas. Quem não acredita nos outros, desconfia de si próprio. O futebol precisa desta lealdade nas intenções e no comportamento…        

 

António Sílvio Couto