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sábado, 31 de dezembro de 2022

Profeta sereno e convicto



Na abertura à ‘Introdução ao cristianismo’ (1968), Joseph Ratzinger apresenta-nos uma pequena alegoria da sua longa vida (95 anos). Numa certa povoação dinamarquesa um circo ambulante estava prestes a começar a sua atuação, quando deflagrou um incêndio. Apesar da região ser verdejante era verão e os campos em redor estavam secos. Para avisar a população do facto e como forma de pedir também ajuda naquela aflição, o responsável do circo mandou o palhaço – era o único que estava já preparado – procurar ajuda. Vendo o episódio, os habitantes da cidade julgaram que era uma forma diferente da companhia atrair ao espetáculo, mas quanto ele mais gritava, mais os outros se riam... e fogo chegou, pelos campos ressequidos, à cidade e houve grandes estragos no circo e na cidade... Ora, Joseph Ratzinger considerava, então, que o teólogo – isso que que ele foi toda a vida (nas várias etapas, que desenvolveremos em resumo) – é como um palhaço, que grita, gesticula, chama a atenção para Deus, mas poucos (ou quase nenhuns) lhe ligam ou levam minimamente a sério!

1. Raízes, flores e frutos
Nascido em 1927, numa cidade da Baviera, na Alemanha, passou a adolescência numa outra cidade próxima da fronteira com a Austria... daí a sua afinidade musical a Mozart, do qual é exímio executante em piano. Já tinha começado a segunda guerra mundial, quando, em 1939, entrou no seminário menor, sendo aos catorze anos sido inscrito à força nas fileiras da juventude hiteleriana. Dois anos decorridos foi integrado compulsivamente nas forças militares do regime nazi, de onde foi liberto só após o final da guerra, de um campo de concentração com mais de quarenta mil prisioneiros. De 1946 a 1951 estudou filosofia e teologia na Escola superior de filosofia e teologia de Frisinga e na Universidade de Munique. Com o irmão George foi ordenado padre, em 1951, pelo arcebispo de Munique.

2. De professor a Prefeito

Um ano mais tarde, Pe. Joseph Ratzinger iniciou a sua actividade didáctica na Escola de Frisinga onde tinha sido estudante. Em 1953 formou-se em teologia com uma dissertação sobre o tema: "Povo e Casa de Deus na Doutrina da Igreja de Santo Agostinho".

Depois de um cargo de dogmática e de teologia fundamental na Escola superior de Frisinga, prosseguiu a sua actividade de ensino em Bona (1959-1969), em Monastério (1963-1966) e em Tubinga (1966-1969). A partir de 1969 foi professor de dogmática e de história dos dogmas na Universidade de Ratisbona, onde desempenhou também o cargo de Vice-Reitor da Universidade.
A sua intensa actividade científica levou-o a desempenhar importantes cargos no âmbito da Conferência Episcopal Alemã, na Comissão Teológica Internacional.
Entre as suas publicações, numerosas e qualificadas, teve particular eco a "Introdução ao cristianismo" (1968), uma colectânea de lições universitárias sobre a "profissão de fé apostólica". Em 1973, foi publicado o volume: "Dogma e Revelação", que reúne os ensaios, as meditações e as homilias dedicadas à pastoral.
Teve grande ressonância a sua conferência pronunciada na Academia Católica da Baviera sobre o tema: "Por que é que eu ainda estou na Igreja?". Nesta ocasião declarou com a sua habitual clareza: "Só na Igreja é possível ser cristãos e não ao lado da Igreja".
De grande valor, central na vida do pastor-professor Joseph Ratzinger, foi a experiência proveitosa da sua participação no Concílio Vaticano II, na condição de "perito", experiência que ele viveu também como confirmação da própria vocação por ele mesmo definida como "teológica".
A 25 de março de 1977 o Papa Paulo VI nomeou-o Arcebispo de Monastério e Frisinga. Escolheu como lema episcopal: "Colaboradores da Verdade". O mesmo Papa fê-lo, em junho também desse ano, cardeal.
A 25 de novembro de 1981, João Paulo II nomeou-o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que ocupou durante vinte e três anos. Foi também Presidente da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional. A 15 de fevereiro de 1982 renunciou ao governo pastoral da Arquidiocese de Monastério e Frisinga. A sua obra como colaborador próximo e dileto de João Paulo II foi contínua e preciosa.
Participou do Conclave de agosto de 1978 que elegeu o Papa João Paulo I e do conclave de outubro deste mesmo ano que resultou na eleição de João Paulo II.

3. De pensador a Pontífice
Entre os numerosos pontos firmes da sua obra, destaca-se o papel de Presidente da Comissão para a Preparação do Catecismo da Igreja Católica.
A ele foram confiadas as meditações da Via-Sacra de 2005 celebrada no Coliseu. Nesta inesquecível Sexta-Feira Santa, João Paulo II, estreitando a si o Crucifixo, num "ícone" comovedor de sofrimento, ouviu em silencioso recolhimento as palavras daquele que iria ser o seu Sucessor na Cátedra de Pedro...
Aos 78 anos, o Cardeal Joseph Ratzinger foi eleito papa pelo colégio de cardeais. O conclave findo em 19 de abril de 2005 foi um dos mais rápidos da história, tendo apenas quatro votações e duração de apenas 22 horas. No dia 24 de abril do mesmo ano tomou posse em cerimônia na Basílica de São Pedro em Roma.
A escolha do nome Bento (do latim Benedictus: bendito) é uma provável homenagem ao último papa que adoptou o nome Bento, que foi o italiano Giacomo della Chiesa, entre 1914 e 1922. Conhecido como o "Papa da paz", Bento XV tentou, sem sucesso, negociar a paz durante a Primeira Guerra Mundial. O seu pontificado foi marcado por uma reforma administrativa da igreja, possuindo um caráter de abertura e de diálogo. Além disso, Bento XVI sempre foi muito ligado espiritualmente ao mosteiro beneditino de Schotten, perto de Ratisbona, na Baviera.
Bento XVI realizou 24 viagens ao estrangeiro, incluindo uma visita a Portugal, entre 11 e 14 de maio de 2010, com passagens por Lisboa, Fátima e Porto; assinou três encíclicas – Deus Caritas Est (2006), Spe salvi (2007) e Caritas in Veritate (2009) – e presidiu a três Jornadas Mundiais da Juventude, para além de ter convocado cinco Sínodos de Bispos e ainda um Ano Paulino (2008-2009), um Ano Sacerdotal (2009-2010) e um Ano da Fé (2012-2013).

Quando estava ainda na cátedra de Pedro foram publicados três importantes e belos livros de reflexão sobre Jesus Cristo: Jesus de Nazaré (2007), da entrada em Jerusalém até à ressurreição (2011) e a infância de Jesus (2012)...

Desde o início do século que a Igreja católica foi assaltada por notícias de ‘abusos’ de alguns dos seus membros, sobretudo clérigos. Isso se intensificou no pontificado de Bento XVI com escândalos em quase todas os países...Como responsável cimeiro foi atingido de forma rude e, por vezes, escabrosa!

4. Do patíbulo ao recolhimento
No dia 11 de fevereiro de 2013 o para Bento XVI disse aos cardeais, já anunciando a sua renúncia, a frase que ficou gravada na história: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência perante Deus, cheguei à conclusão de que as minhas forças, devido a uma idade avançada, não são capazes de um adequado exercício do ministério de Pedro”.
No dia 28 de fevereiro de 2013, o papa Bento XVI deixou o cargo, tornando-se papa emérito. Depois de renunciar, o papa embarcou num helicóptero rumo ao palácio de verão na cidade de Castel Gandolfo, onde permaneceu recolhido, aguardando as reformas do convento onde foi residir. O papa Bento XVI morou, desde então, no convento Master Ecclesiae, dentro do Vaticano, sendo visto raras vezes.



António Silvio Couto




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