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quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Devagar, amigo, que tenho pressa!

Esta frase estava escrita no suporte da bicicleta de um senhor, que faleceu por estes dias… E lá continuava a pedalar ao seu ritmo, bem diferente da velocidade com que falava, quando lhe dávamos oportunidade e tempo. Sem qualquer sentido pejorativo: era um verdadeiro ‘cromo’, no sentido de que assumia a conjugação de alguém especial com a especificidade de, com aquele breve slogan, possa ter feito mais pela prevenção rodoviária do que tantas campanhas pagas a peso de ouro e sem os resultados de que aquela ironia provocava.

1. Num tempo em que nem sempre se dá devidamente importância às coisas do dia-a-dia, precisamos de atender aos aspetos mais simples, sinceros e leais no trato de uns para com os outros. Com efeito, diz-se com alguma propriedade: quem te fala (mal) a ti dos outros, vai falar de ti (mal) aos outros, isto é, essa atitude de dizer mal dos outros propaga-se quase por osmose, na medida em que estará entranhada nesse/nessa maledicente… Torna-se, por isso, necessário sabermos as linhas com que nos deixamos coser nem que seja da forma mais subtil ou quase anódina…

2. No espetro das coisas ético-políticas tem havido um assunto que se carateriza pela artimanha da conivência naquilo que se pretende, se diz ou se faz. Trata-se do tema da eutanásia, eufemisticamente dito de ‘morte medicamente assistida’. Façamos uma resenha de alguma pressa em impor este tema, num tempo onde se verifica, concomitantemente, o ‘inverno demográfico’.

O debate sobre a ‘despenalização da morte medicamente assistida’ iniciou-se no parlamento em 2016 e desde então teve avanços e recuos, num processo que já contou com dois vetos do Presidente da República.
* Em 26 de abril de 2016 foi entregue no parlamento uma petição a favor da despenalização da eutanásia, logo secundada por uma outra em sentido contrário.
* Entre 2017 e o início de 2018, foram apresentados na Assembleia da República os primeiros projetos de lei sobre o tema. Em maio de 2018, quatro projetos sobre o assunto foram chumbados na generalidade... numa votação nominal.
* Após as eleições legislativas de 2019, foram apresentados cinco projetos sobre a eutanásia, sendo a 20 de fevereiro de 2020 - em lena pandemia - aprovados pela primeira vez na generalidade. Após discussão numa comissão de especialidade, foi aprovada, em janeiro de 2021, por maioria, no plenário.
* Recebido o diploma pele Presidente da República, em fevereiro de 2021, este envia-o ao Tribunal constitucional para fiscalização, devolvendo-o este, em 15 de março desse ano, com recomendações quanto à inviolabilidade da vida humana... O PR vetou o diploma e devolveu-o ao parlamento.
* Em julho desse ano, os cinco projetos foram fundidos num texto base, sendo aprovado por maioria a 5 de novembro de 2021... No dia 29 de novembro o PR devolve o diploma ao parlamento, que foi dissolvido a 5 de dezembro, em razão da convocação de eleições, passando o assunto da eutanásia para a próxima legislatura...
* Com as eleições de janeiro de 2022, foram apresentados quatro projetos – alguns deles recauchutados dos anteriores – sendo aprovados na generalidade no dia 9 de junho deste ano. Entretanto, um ‘texto de substituição’, sintetizando os projetos, foi aprovado na generalidade a 7 de dezembro...
* Seja qual foi o resultado da votação no plenário do parlamento, o PR terá uma palavra a dizer, podendo promulgar, vetar ou enviar para o Tribunal constitucional...

3. Mesmo que de forma um tanto simplista poderemos incluir este assunto da eutanásia sob a alçada do título deste texto: devagar, amigo, que tenho pressa! De facto, este tema tem tanto de inoportuno quanto de precipitado, pois mal vai uma cultura – senão mesmo uma civilização – se prefere a opção da morte contra a decisão sobre a vida… Maldiremos do nosso futuro se não conseguirmos perceber no presente que estamos a cavar a sepultura da condição humana, na medida em que estamos a dar condições para sermos vítimas de morte, quando estivermos a ser empecilhos numa cama, num determinado lugar ou, por não, de alguém a quem possamos fazer sombra… Será isto dramatismo? Abriu-se a caixa de pandora, tudo pode acontecer…



António Sílvio Couto

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