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terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Trágico-cómico

 Aquilo a que assisti, televisivamente, na tarde do passado domingo, foi algo trágico-cómico. Não foi nenhum filme, mas episódios da vida real. Não foi resultado de um guião inventado, mas u
m mostrar da realidade política. Não foi mera invenção cinematográfica, mas cenas da vida real no realmente. Refiro-me às ‘cerimónias’ de tomada de posse do último presidente da república federativa do Brasil, de seu nome Luiz Inácio Lula da Silva.

Vinte anos depois da primeira vez que viveu idêntico momento, este teve algo de trágico nas palavras e nos gestos, nas feições e nos rostos, nos atores e nos acompanhantes. E por confluírem estes adjetivos para um momento só, pareceu-me revestir qualquer coisa de cómico, pois parecia forçado tudo aquilo e pior com as leituras dos comentadores nos diversos canais de transmissão, tanto nacionais como estrangeiros…

1. Eis o que vi – perdoem-me que mudei de lentes nos óculos há dias – como trágico naquelas longas horas televisivas. Diante de inúmeros apaniguados, o presidente eleito, agora empossado, desfiou largos adjetivos depreciativos contra quem derrotou, misturando dados de 2003 – a data da primeira eleição – com factos dos últimos quatro anos. Essa tática – com todo o respeito – costuma ser usada pelos mentores da distorção da filosofia da história, evidenciando os que lhes interessa e favorece e escondendo o que é de menosprezo para com os competidores. Só incautos menos avisados se deixam iludir ou até manipular… O trágico foi usado q. b. para dar a impressão de que o salvador voltou, mesmo que já não seja messias de nome…O que mais me gera confusão é a leitura concordante de todos contra tudo que não seja da cor do vencedor, dado que a escassa margem de vitória aconselharia a ser mais prudente e, de facto, deveria levar ao encetamento de sinais de diálogo com a outra metade que votou contra ele… Pisar no drama pode nem sempre resultar como tática de se impor!

2. Alguns dos sinais cómicos da tarde deste domingo – primeiro dia do novo ano – foram certos aspetos de folclore que temos visto noutras ‘cerimónias’ políticas, desportivas, sociais e mesmo religiosas. Com efeito, quem não esteja iniciado nesses rituais corre o risco de ficar indiferente, apático ou negligente a tudo isso que se vê com espanto, admiração e constrangimento.

Queiram desculpar-me mas o termo que me advém a tudo aquilo é o de uma espécie de ‘liturgia’, tal o exoterismo que envolve e faz com que uns tantos entendam e vivam e outros não compreendam e como que rejeitem, mesmo sem terem razões para tal… Na sua ignorância comportam-se como incréus para com os ‘atores’ das cenas desenvolvidas nos espaços de exibição. A fronteira entre o cómico e o ridículo é, por vezes, muito ténue e pode deste o refúgio para quem não se revê em tais atitudes quase de sobranceria.

3. O zénite da festa aconteceu quando um grupo de oito pessoas – tão diversificado quão aparentemente inocente – impôs a faixa presidencial ao já empossado presidente. Dado que o antecessor fugiu cobardemente daquele momento foi encontrado um simbolismo bem expressivo da configuração cultural, étnica, social e mesmo económica daquele país-continente na hora da sua afirmação ao mundo e ao nosso tempo. A arenga que se lhe seguiu foi mais do mesmo quanto ao passado, numa adjetivação utópica perante o futuro, que tem tanto de idílico, quanto de ressabiado para com os anos mais recentes…

Os comentadeiros/as cá deste lado do Atlântico pareciam mais esperançados do que os do lado de lá naquilo que poderão vir a ser os próximos quatro anos de governação. Algo parece mais ou menos certo: há gente que não teme iludir-se de tudo aquilo e mais uma vez capitular, como vimos entre 2003 e 2011…com despromoções à mistura vindas das mesmas fraturas.

4. Uma coisa aprendi na tarde do passado domingo, primeiro dia do ano: festa e luto podem andar de mãos dadas bem mais depressa do que seria desejável. Mal vai a nossa capacidade de autoavaliação se não o vivermos com humildade, sinceridade e compostura…



António Sílvio Couto

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