Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Chorar sobre leite derramado (aprender com os erros… próprios e alheios)

 

Na nossa linguagem há expressões idiomáticas que podem e devem ser corrigidas, na medida em que a frase dita ganha outro sentido se analisada pelo seu contrário. Uma dessas frases exprime o seguinte: ‘não adianta chorar sobre leite derramado’. Deste modo se quererá exprimir que não vale a pena lamentar-se sobre algo que já passou ou que já não tem solução.

Ora é exatamente o contrário desta interpretação derrotista que gostaria de afinar neste contexto. Com efeito, o leite que foi derramado já não tem solução, mas importa aprender com o que de negativo isso pode exprimir, significar ou implicar.

1. O fundo daquela frase – ‘não adianta chorar sobre leite derramado’ – terá sido um episódio infeliz de uma jovem camponesa, que, tendo-se distraído, partiu a vasilha onde transportava o leite (todo ou em parte), lamentando-se o facto e as suas consequências. Tirando a lição do pequeno acidente, aquela frase como que envolve o desnecessário lamento sobre aquilo que já não se pode remediar. Quem use esta fraseologia poderá quedar-se pelo pessimismo, a derrota ou mesmo já não valer a pena senão deixar correr o fio do tempo, sem recuo nem forma de voltar atrás.

2. É exatamente para contestar esta dimensão fatalista que gostaria de deixar alguns aspetos que nos devem levar a aceitar o insucesso, tentando colher as lições com os erros… próprios e alheios. Com efeito, os erros – o tal leite derramado e já não útil – podem e devem servir para interpretarmos o significado de quanto nos acontece. Muitas vezes poderemos crescer mental, psicológica e espiritual com os erros que vivemos e que fazem parte da história de cada um. Os insucessos, verificados e aceites em certas circunstâncias, podem tornar-se boas oportunidades de olhar em frente e de deixarmos cair a ilusão, em que por vezes, andamos a laborar. O recente desfecho da participação do nosso país no mundial de futebol masculino, no Qatar, é um desses exemplos mais simples, sincero e humilde: agora dá a impressão que é preciso lamber o leite derramado pela incúria e mesmo por alguma sobranceria de alguns intervenientes…o futuro pode corrigir tais erros ou falhanços do passado.

3. Julgo não me enganar se disser que a maior parte de nós foi educada acentuando o negativo daquilo que fizemos, isto é, invetivando os erros e não valorizando, suficientemente, aquilo que fizemos de bom. Quantas vezes na avaliação de alguma iniciativa realizada nos fixamos, primeiramente, naquilo que ‘correu mal’, que foi menos bem ou até que foi negativo. Com dificuldade damos início a uma avaliação encontrando o mínimo de positivo e com isso valorizarmos o que foi bom. Esta vertente poderia ser mais experimentada nas diferentes instâncias em que possa estar ou participar um cristão. Deste modo esta opção de crença se poderia tornar uma forma de estar e de ser: positivo, claro e sincero. Positivo porque veríamos antes de tudo o melhor e só depois o menos bom. Claro porque seríamos portadores de luz e não de escuro ou mesmo tenebroso. Sincero porque todos temos algo melhor do que a penumbra das falhas e das mazelas, pessoais e alheias.

4. Ninguém cresce – humana, social e culturalmente – desvalorizando-se a si mesmo ou acentuando só os defeitos dos outros. Esta nuvem de suspeita em que temos andado foi criando desconfiança sobre tudo e para com todos. Valerá a pena trazer à liça mais uma vez um episódio (burlesco) daquele que estava a apanhar caranguejos: vindo outro concorrente advertiu-o de que os caranguejos poderiam sair do balde, se ele não coloca-se algo sobre o mesmo, impedindo que saíssem, ao que o primeiro ripostou: são portugueses, quando virem um a tentar sair, puxam-no logo para baixo, de modo a que não consiga fugir…

5. Desgraçadamente somos isso mesmo: temos medo do sucesso dos outros e com facilidade vemos mais o leite derramado do que aquele que ainda não foi vertido e, no fundo, parece que os insucessos e erros alheios nos dão mais alegria do que contentamento. Até quando? Assim não sairemos do fundo da Europa…



António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário