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sábado, 10 de dezembro de 2022

Será humanista defender a eutanásia?

Aberta a ‘caixa da pandora’ quanto aos temas relacionados com a vida, estamos expostos aos mais famigerados riscos, perigos e enormidades. Depois do aborto, veio a eutanásia e surgirão outras vertentes onde a vida – sobretudo humana – será cada vez mais sucetível de ser negligenciada, senão mesmo tornada descartável, bastará que alguém se lembre de a fazer tema de não-vida...

Certos ‘brincalhões’ da linguagem foram apensando palavras mais ou menos eufemísticas para se referirem àquelas questões: ‘interrupção voluntária da gravidez’ para falarem de aborto e ‘morte medicamente assistida’ para dizerem eutanásia... No fundo quiseram ‘despenalizar’, mas não assumiram as consequências de matar – antes de nascer ou antecipando a morte – tanto num como noutro caso.

1. Vejamos uma cronologia até à última aprovação parlamentar da eutanásia. O debate sobre a ‘despenalização da morte medicamente assistida’ iniciou-se no parlamento em 2016 e desde então teve avanços e recuos, num processo que (para) já contou com dois vetos do Presidente da República.

* Em 26 de abril de 2016 foi entregue no parlamento uma petição a favor da despenalização da eutanásia, logo secundada por uma outra em sentido contrário... Estávamos no tempo da geringonça!
* Entre 2017 e o início de 2018, foram apresentados na Assembleia da República os primeiros projetos de lei sobre o tema. Em maio de 2018, quatro projetos sobre o assunto foram chumbados na generalidade... numa votação nominal.
* Após as eleições legislativas de 2019, foram apresentados cinco projetos sobre a eutanásia, sendo a 20 de fevereiro de 2020 – em plena pandemia – aprovados pela primeira vez na generalidade. Após discussão numa comissão de especialidade, foi aprovada, em janeiro de 2021, por maioria, no plenário.
* Recebido o diploma pelo Presidente da República, em fevereiro de 2021, este envia-o ao Tribunal constitucional para fiscalização, devolvendo-o este, em 15 de março desse ano, com recomendações quanto à inviolabilidade da vida humana... O PR vetou o diploma e devolveu-o ao parlamento.
* Em julho desse ano, os cinco projetos foram fundidos num texto base, sendo aprovado por maioria a 5 de novembro de 2021... No dia 29 de novembro o PR devolve o diploma ao parlamento, que foi dissolvido a 5 de dezembro, em razão da convocação de eleições, passando o assunto da eutanásia para a legislatura seguinte...esta que está a decorrer.
* Com as eleições de janeiro de 2022, foram apresentados quatro projetos – alguns deles recauchutados dos anteriores – sendo aprovados na generalidade no dia 9 de junho deste ano. Entretanto, um ‘texto de substituição’, sintetizando os vários projetos, foi aprovado na generalidade a 7 de dezembro...
* Depois do resultado da votação no plenário, de 9 de dezembro, do parlamento, o PR terá uma palavra a dizer, podendo promulgar, vetar ou enviar para o Tribunal constitucional... Esperemos!

2. Vejamos, então, algumas das implicações da imposição sócio-cultural deste tema da eutanásia no nosso país. Como é possível escutar pessoas – algumas que dizem ser crentes – a defenderem a eutanásia, numa espécie de ‘piedade’ para com quem sofre de alguma doença, sobretudo designada de terminal? Não teremos – no âmbito da comunicação católica – perdido a noção correta de sofrimento, particularmente, nas implicações de comunhão com os sofrimentos de Cristo na sua paixão? Não andaremos a propor mais uma vivência hedonista-epicurista do que essa outra vertente de purificação através do sofrimento aceite, assumido e oblativo? Apesar da evolução da medicina e dos medicamentos por que se insiste tanto na solução mais da radical de apressar a morte e não nos cuidados paliativos e continuados? Será digno de uma civilização preferir matar a socorrer e cuidar quem sofre?

3. Pelas mais humanas razões a eutanásia é um retrocesso civilizacional, pois, forças coletivistas vieram defender, neste campo, aquilo que nunca farejaram na economia, no sindicalismo ou mesmo na reivindicação social de todos por todos. Agora impõem o direito individual a decidir em favor próprio. Os tempos mudam!



António Silvio Couto

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