Ao
folhear as rubricas de sexta-feira santa lemos: ‘hoje e amanhã [sábado santo],
segundo uma tradição antiquíssima, a Igreja não celebra a eucaristia’.
Tenho
por costume dedicar algum tempo a ler atentamente as rubricas destes dias do
tríduo pascal. Por muito que possamos saber, há sempre algo que se reaprende e
se faz novidade, para que os momentos litúrgicos sejam vividos com a
intensidade própria e propícia…
A
questão que encima a pergunta deste título parece ainda mais pertinaz se
atendermos ao longo jejum de não-missa presencial entre 22 de janeiro e 13 de
março… nesta segunda dose de confinamento. Com efeito, o recurso às missas
televisionadas ou através de redes sociais não condiz com a força comunitária
da eucaristia. Novamente a ‘igreja’ (templo) deixou de ser ‘Igreja’ (mistério e
serviço) porque nela não se reuniu presencialmente a ‘Igreja-comunidade’… Será
que isso não nos fez doer na alma? Até que ponto a dimensão espiritual está
suficientemente forte para não se deixar enfraquecer? As deserções agora
verificadas serão circunstanciais ou poderão tornar-se continuadas? A chama
está ainda acesa ou sente-se já o efeito em decrepitude? Os
frequentadores-espetadores, em tantas missas, vão continuar ou serão
selecionados mais rapidamente?
1.
Diante de certos sinais podemos e devemos engendrar novas formas de respondermos
aos problemas trazidos pela pandemia, pois as condições mudaram e as
consequências adivinham-se dramáticas. Algum adormecimento ritualista abriu
fissuras quase irreparáveis. Certas devoções claudicaram nos intentos. Umas
tantas ‘cerimónias’ não se compadecem com presenças ocasionais ou de enfeite
caciqueiro. Estar para ocupar lugar torna-se ofensivo, quando os disponíveis
encolheram no espaço antes proposto…
2. Para
quando a reconquista das crianças, dos adolescentes e dos jovens às
celebrações? A conexão entre ritmos sociais e festinhas de entreter começam a ser
escusadas e sem sentido. As ditas missas da catequese, das crianças, dos
escuteiros ou dos jovens percebe-se que foram opções sem resultado, pois,
acabado o confinamento, continuam todos a deixar os lugares vazios e os espaços
na expetativa…Continuamos a apostar em modelos de catequese falidos e os
resultados estão à vista: um pequeno sopro de contrariedade e os ‘diplomas’ escafederam-se…
3.
Dizemos, teoricamente, que a família é a nossa aposta, mas não fazemos com que
ela seja centro da celebração da fé: setores e idades da família sem diálogo.
Poderão até irem todos à missa de domingo, mas não participam, em simultâneo,
na mesma celebração, não escutam a mesma homilia, não acertam a mesma linguagem
e, sobretudo, não se comprometem na mesma caminhada. É notório que não temos
raízes suficientemente capazes de aguentar as intempéries desta pandemia, por
isso, a debandada é generalizada e sem grandes expetativas de retorno a curto
ou a médio prazo.
4. Mesmo
que sob a possibilidade de escandalizar os menos atentos, afirmo: temos missas
a mais e a culpa não é só dos padres. Também os leigos são culpados, pois não
travam os intentos clericais nem fazem todo o esforço por participarem nas
missas que temos. À semelhança dos horários dos transportes públicos, em certas
horas as igreja estão vazias e isso não é digno de quem se sinta responsável na
Igreja e caminhe com a Igreja. Também é, tristemente, verdade que fazemos pouco
esforço para aproveitarmos as possibilidades que nos são concedidas…multiplicando
horas e sobrepondo horários.
5. Em
contexto de semana santa, sinto-me desafiado a não banalizar os mistérios
celebrados, fazendo-o com dignidade e interiorização. Deixo, um breve exemplo, que
ouvi há tempos: um monge contemplativo tinha por costume deixar o seu mosteiro
e passar uns dias vendo como os padres celebravam a eucaristia na grande
capital e não poucas vezes se aproximou de padres, no final da missa,
questionando-os: o senhor acredita naquilo que esteve a fazer?
Sim,
quem nos vir – seja qual for a nossa tarefa na Igreja – seria contagiado pela
forma como nos vê a participar na missa, fazendo dela eucaristia de louvor,
ação de graças e adoração?
António Sílvio Couto
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