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sábado, 3 de abril de 2021

Missas a mais ou eucaristias a menos?


 Ao folhear as rubricas de sexta-feira santa lemos: ‘hoje e amanhã [sábado santo], segundo uma tradição antiquíssima, a Igreja não celebra a eucaristia’.

Tenho por costume dedicar algum tempo a ler atentamente as rubricas destes dias do tríduo pascal. Por muito que possamos saber, há sempre algo que se reaprende e se faz novidade, para que os momentos litúrgicos sejam vividos com a intensidade própria e propícia…

A questão que encima a pergunta deste título parece ainda mais pertinaz se atendermos ao longo jejum de não-missa presencial entre 22 de janeiro e 13 de março… nesta segunda dose de confinamento. Com efeito, o recurso às missas televisionadas ou através de redes sociais não condiz com a força comunitária da eucaristia. Novamente a ‘igreja’ (templo) deixou de ser ‘Igreja’ (mistério e serviço) porque nela não se reuniu presencialmente a ‘Igreja-comunidade’… Será que isso não nos fez doer na alma? Até que ponto a dimensão espiritual está suficientemente forte para não se deixar enfraquecer? As deserções agora verificadas serão circunstanciais ou poderão tornar-se continuadas? A chama está ainda acesa ou sente-se já o efeito em decrepitude? Os frequentadores-espetadores, em tantas missas, vão continuar ou serão selecionados mais rapidamente?

1. Diante de certos sinais podemos e devemos engendrar novas formas de respondermos aos problemas trazidos pela pandemia, pois as condições mudaram e as consequências adivinham-se dramáticas. Algum adormecimento ritualista abriu fissuras quase irreparáveis. Certas devoções claudicaram nos intentos. Umas tantas ‘cerimónias’ não se compadecem com presenças ocasionais ou de enfeite caciqueiro. Estar para ocupar lugar torna-se ofensivo, quando os disponíveis encolheram no espaço antes proposto…

 2. Para quando a reconquista das crianças, dos adolescentes e dos jovens às celebrações? A conexão entre ritmos sociais e festinhas de entreter começam a ser escusadas e sem sentido. As ditas missas da catequese, das crianças, dos escuteiros ou dos jovens percebe-se que foram opções sem resultado, pois, acabado o confinamento, continuam todos a deixar os lugares vazios e os espaços na expetativa…Continuamos a apostar em modelos de catequese falidos e os resultados estão à vista: um pequeno sopro de contrariedade e os ‘diplomas’ escafederam-se…

 3. Dizemos, teoricamente, que a família é a nossa aposta, mas não fazemos com que ela seja centro da celebração da fé: setores e idades da família sem diálogo. Poderão até irem todos à missa de domingo, mas não participam, em simultâneo, na mesma celebração, não escutam a mesma homilia, não acertam a mesma linguagem e, sobretudo, não se comprometem na mesma caminhada. É notório que não temos raízes suficientemente capazes de aguentar as intempéries desta pandemia, por isso, a debandada é generalizada e sem grandes expetativas de retorno a curto ou a médio prazo.

 4. Mesmo que sob a possibilidade de escandalizar os menos atentos, afirmo: temos missas a mais e a culpa não é só dos padres. Também os leigos são culpados, pois não travam os intentos clericais nem fazem todo o esforço por participarem nas missas que temos. À semelhança dos horários dos transportes públicos, em certas horas as igreja estão vazias e isso não é digno de quem se sinta responsável na Igreja e caminhe com a Igreja. Também é, tristemente, verdade que fazemos pouco esforço para aproveitarmos as possibilidades que nos são concedidas…multiplicando horas e sobrepondo horários.

 5. Em contexto de semana santa, sinto-me desafiado a não banalizar os mistérios celebrados, fazendo-o com dignidade e interiorização. Deixo, um breve exemplo, que ouvi há tempos: um monge contemplativo tinha por costume deixar o seu mosteiro e passar uns dias vendo como os padres celebravam a eucaristia na grande capital e não poucas vezes se aproximou de padres, no final da missa, questionando-os: o senhor acredita naquilo que esteve a fazer?

Sim, quem nos vir – seja qual for a nossa tarefa na Igreja – seria contagiado pela forma como nos vê a participar na missa, fazendo dela eucaristia de louvor, ação de graças e adoração?    

 

António Sílvio Couto

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