Por
estes dias estamos a viver uma das maiores crises da justiça em Portugal. Não
que a não-pronúncia de um tal político seja grave, mas o desentendimento (quase
acusatório) entre os agentes da justiça, sim.
Se quisermos
fazer ironia com o apelido do juiz-instrutor – ‘rosa’ – aquelas longas horas,
que reduziram mais de seis mil páginas a breves ‘crimes’ acusados, foram uma
espécie de despinhar da rosa, que por sinal chegou a ser símbolo do partido
político a que pertencia – dado que se desfiliou – o antigo governante…acusado.
1. Considerado um megaprocesso, a
‘operação marquês’ teve início em 2014, envolvendo quase três dezenas de
arguidos (dezanove singulares e nove coletivas), reportando-se a ‘crimes’ –
esta designação entre aspas não passa de um eufemismo para circunscrever um
longa lista de irregularidades, de ilegalidades ou de prevaricações) –
imputados ao início deste século…e incluindo muito dinheiro, senão na forma
real ao menos na vertente presumida!
2. Por envolver figuras gradas do
mundo da política – sobretudo da área socialista – mas também do setor
banqueiro à mistura com o mundo empresarial, este processo foi inchando de
pequenos outros casos, que envolviam as mesmas figuras e flutuando as questões de
um para o outro lado… Ao longo do inquérito foram efetuadas cerca de duas
centenas de buscas, inquiridas mais de duzentas testemunhas, recolhidos dados
de cinco centenas de contas bancárias, no país e no estrangeiro…e vistos milhões
de ficheiros informáticos.
3. A confusão foi-se generalizando
numa busca de saber quem favoreceu quem, a troco do quê, com que artimanhas ou
ganhos, criando-se uma suspeição geral de corrupção – esse fantasma que
atribula tanta gente, uns porque a querem combater, outros porque dela têm
beneficiado e não desejam que se descubra totalmente e tantos ainda aspirando a
enriquecerem, desde que não se note que foi de forma menos correta, ‘legal’ ou
aceitável…
4. A lista de acusações é longa e
diversificada – corrupção passiva ou ativa de titular de cargo político,
branqueamento de capitais, falsificação de documento, fraude fiscal qualificada,
abuso de confiança, peculato, detenção de arma proibida… Só o ex-primeiro
ministro esteve indiciado de trinta e um ‘crimes’…
5. Efetivamente nos últimos anos
fomos brindados pela comunicação social – nalguns casos a roçar mais o
espetáculo do que a informação, o auge foi a prisão em direto do principal
arguido – com um esmiuçar da vida dos diversos intervenientes, criando-se
inegavelmente um ambiente de pré-condenação, mesmo sem haver ainda acusação
formal. Quantas horas foram gastas a enunciar as prevaricações, as intrigas, os
favorecimentos, os conluios e as argumentações desfavoráveis a quem caiu em
desgraça, depois de ter sido adulado, aplaudido e cultivado, enquanto estava em
reinação…
6. Habilmente alguns dos políticos
em funções tentaram usar uma estratégia de algum distanciamento estratégico sobre
aqueles que lhes foram próximos, com quem colaboraram e de quem usufruíram
protagonismo. Um chavão de conveniência foi sendo usado: à política o que é da
política e à justiça o que é (ou deve ser) da justiça. Aquele que deu ao
partido a única maioria absoluta foi chutado para fora de jogo, pois podia
infetar os protagonistas atuais. A forma habilidosa com que têm tratado os
antecessores poderá fazer deles uma espécie de ‘anjinhos’, quando se
descobrirem as manigâncias que os fazem manter-se agora a flutuar… até quando.
7. As guerras dos vários fazedores
da justiça – ministério público, procuradores, polícias de investigação,
juízes, advogados, etc. – deixaram de ser surdas para transparecerem para a
praça pública. Com efeito, a acusação deduzida pelo juiz-instrutor do processo
fartou-se de lançar alfinetadas a tudo e a todos, como se ele fosse o detentor
da verdade e nada possa existir fora da sua altissonante autoridade: dos 189
crimes elencados na fase de acusação só dezassete seguem para julgamento;
apenas cinco dos 28 arguidos serão julgados…todos os crimes de corrupção
prescreveram.
8. Deixo breves e ‘inocentes’
questões: por que é tão morosa e cara a justiça em Portugal? Não haverá uma
justiça em escalões: uma para os ricos e poderosos e outra para os pobres e
desprotegidos? Não seria de tirar a venda dos olhos da estátua-símbolo da
justiça, dado que de tão cega parece errar sempre para o mesmo lado? A quem
interessa prolongar no tempo questões que podiam ser resolvidas de forma mais
rápida e justa? Esta vertente da sociedade, que é a justiça, não estará mais
doente do que se aceita?
António Sílvio Couto
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