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segunda-feira, 19 de abril de 2021

Sonho, serviço e fidelidade

 


Está a decorrer, de 18 a 25, a ‘semana de orações pelas vocações’.  O Papa propôs este ano como tema – ‘São José: o sonho da vocação’.

Dado o significado deste tema, em contexto católico, respigamos alguns excertos da mensagem papal:

A vida de São José sugere-nos três palavras-chave para a vocação de cada um. A primeira é sonho. 1Todos sonham realizar-se na vida. E é justo nutrir aspirações grandes, expectativas altas, que objetivos efémeros como o sucesso, a riqueza e a diversão não conseguem satisfazer. (...) Pois só se tem a vida que se dá, só se possui de verdade a vida que se doa plenamente. A este propósito, muito nos tem a dizer São José, pois, através dos sonhos que Deus lhe inspirou, fez da sua existência um dom.
Uma segunda palavra marca o itinerário de São José e da vocação: serviço.
(...) O serviço, expressão concreta do dom de si mesmo, não foi para São José apenas um alto ideal, mas tornou-se regra da vida diária. (...) Por isso gosto de pensar em São José, guardião de Jesus e da Igreja, como guardião das vocações. Com efeito, da própria disponibilidade em servir, deriva o seu cuidado em guardar.
Além da chamada de Deus – que realiza os nossos sonhos maiores – e da nossa resposta – que se concretiza no serviço pronto e no cuidado carinhoso –, há um terceiro aspeto que atravessa a vida de São José e a vocação cristã, cadenciando o seu dia a dia: a fidelidade. José .. medita, pondera: não se deixa dominar pela pressa, não cede à tentação de tomar decisões precipitadas, não segue o instinto nem se cinge àquele instante. Tudo repassa com paciência. Sabe que a existência se constrói apenas sobre uma contínua adesão às grandes opções.
(...) Porque a vocação, como a vida, só amadurece através da fidelidade de cada dia.

1. Efetivamente São José pode e deve ser um modelo de escuta, de discernimento e de vivência vocacional, tanto ao nível ministerial como no compromisso matrimonial ou na vida religiosa. Não será que, nas atuais circunstâncias de vida, se torna difícil sonhar ou ter sonhos exequíveis? Ainda será possível alimentar o sonho de que uma vocação pode e deve ser um momento de realização pessoal e de serviço aos outros? Quando parece que se vive mais ao sabor da corrente – mais fácil, mais barato ou mais imediato – poderemos considerar uma vocação como um investimento de futuro? Até que ponto vemos os mais velhos animados pela vivência da sua vocação no presente?

2. Não podemos deixar-nos ir na onda negativista de que os mais novos não são capazes de corresponderem a desafios, de se comprometerem em projetos ou de estarem menos atentos do que no passado. Com efeito, nesse tempo também havia gente fútil e foi possível viver a aposta de toda uma vida, numa crença de que valia a pena não ter medo ou de não-confiar... Quando os meios económicos e a apelidada ‘qualidade-de-vida’ não eram tão abundantes, havia decisão e capacidade de arriscar... Quando os meios de acesso aos estudos estavam como que vedados aos menos abonados economicamente... Quando até havia articulação – quase cúmplice – entre a professora do ensino primário e o pároco, selecionando os melhores... As vocações aos estudos nos seminários diocesanos proliferavam e permitiam fazer seleção...deixando um rasto – ainda percetível – de tantos cristãos e também de bastantes padres!

3. Apesar de tudo isto e com todos estes ‘fatos’ presentess, foi com muita tristeza e uma quase revolta que vi o desinvestimento nos seminários menores da maior parte das dioceses, aí onde tantos puderam estudar, de terem oportunidades de valorização cultural ou de serem criadas condições de escuta e de amadurecimento da vocação sacerdotal. Com efeito, recordo as centenas de rapazes que estavam nos quatro primeiros anos no seminário menor de Braga, à época da revolução de abril de 74...mais de quinhentos!

4. Agora e numa tentativa de interpretação das coisas do presente, questiono o que se poderá dizer de uma certa tendencia devocionista que perpassa nalguns seminários. Não será que precisamos de mais estudo e de cultura do que de refúgio em coisas de menor compromisso, embora com contento e resultados imediatos? Não andaremos mais a reproduzir propagadores de rituais tradicionalistas e não a investir em intérpretes dos sinais dos tempos, agora?

Sonho, serviço e fidelidade – quando, onde, como, com quem ou para quem?          

 

António Sílvio Couto

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