É o assunto na ordem do dia: o enriquecimento (substantivo). Depois diverge o adjetivo: ilícito, injustificado… De seguida surgem os complementos adstritos: corrupção, criminalização, ónus da prova… Numa flutuação que se vê, mas que custa aferir, confirmar ou aceitar.
Porque
este assunto é transversal à nossa sociedade desde quase tempos imemoriais, tem
vindo a ser adiado na confrontação prática…tanto legislativa como
sociocultural. Foi porque um certo rastilho – de umas tais prescrições quase
abusivas – incendiou as reações que o tema está quente…embora se deva deixar
arrefecer para não queimar ninguém e muito menos continuar a ilibar (como
sempre) os culpados…
1. A
escola da sabedoria popular reza: ‘quem cabritos vende e cabras não tem, de
algum lado lhe vem’. Isto é, precisamos de saber de onde é procedente a riqueza
que alguém ostenda, sabe-se lá por real conquista, por manigância, por fortuna
inesperada, por alguma tramoia ainda não detetada… Os sinais exteriores de riqueza
assentam que nem uma luva no desejo de vaidade tão português. Somos um tipo de
povo que gosta de acirrar a inveja dos outros, mesmo que isso signifique
continuar a laborar numa mentira de vida mais ou menos desconhecida…
2. Num
chavão algo comprometido – onde nitidamente se esconde a assunção das
responsabilidades anteriores, atuais e futuras – temos ouvido: à política o que
é da política e à justiça o que é da justiça! Mas será bem assim? Vejamos
breves questões, de quem vê as coisas do lado de fora:
* Quem
faz as leis (justiça) não é a política?
* Quem
executa as leis (política) não é a justiça?
* A quem
interessa excluir-se de não fazer leis se isso compete à política?
* Não
haverá excesso de escusas para camuflar a incompetência do legislador
(política)?
* A quem
interessa manter uma promiscuidade entre políticos e escritórios de advogados,
que, posteriormente, irão interpretar – e serem bem pagos – pelas leis que
confecionaram?
3. Eis
que, de repente, surgem propostas, projetos, iniciativas ou declarações para
que o tema do enriquecimento seja tornado assunto nacional. Uns reclamam-se de
inovadores, outros de resilientes e outros ainda de combatentes mais ou menos
recentes. Emergiu um ‘robin dos bosques’ ou um ‘zé do telhado’ – dependerá na
afinidade cultural ou procedência regional – que parece haver em cada um que
deseja lutar contra os ricos, sem se desfazer da proximidade a eles, pois,
podem pagar as contas mais subtis.
Alguns
que têm as mãos mais voltadas para dentro e exigem o punho cerrado querendo combater
a corrupção e apresentando medidas para a criminalidade
económico-financeira…mas o que fazem é o contrário quando isso envolve a sua
formação partidária…
4. Daquilo que se vai percebendo das
propostas mais ou menos publicitadas, vão surgindo sinais para que o combate à
corrupção possa ter parâmetros de avaliação. Mas será que o critério de
quatrocentos salários mínimos (pouco mais de duzentos e cinquenta mil euros)
pode ser uma fasquia aceitável? Numa mera transação de droga esse montante não
será facilmente ultrapassável? Com uma assinatura bem colocada num documento
autárquico não se ficará a ganhar muito mais? O desfile de tantos carrões (e
afins) não esconderá algo nem sempre declarado às finanças? Como entender,
então, essa bizarria de ónus da prova, se quem fiscaliza tem de encontrar não
as causas mas as consequências do enriquecimento? Por que será que muitos dos
‘novos-ricos’ surjam na área de relação entre quem faz a política e quem dela
beneficia? Por que temos visto tantos autarcas e construtores civis passarem a
exibir tantos sinais de riqueza?
5. Claro
que nem todos temos uma mãe com um cofre milionário... Nem todos temos sorte ao
jogo... Nem todos teremos padrinhos ricos e bem colocados na sociedade e na
política...Nem todos nascemos num berço de ouro... Como se diz com razão: só no
dicionário é que sucesso aparece antes de trabalho...
António Sílvio Couto
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